Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Reginaldo Oliveira de Souza
Entrevistado por Sydia Trindade e Marina Waldick
Entrevista concedida via Zoom (São Paulo), 01/02/2023
Entrevista n.º: ARMIND_HV039
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
Revisada por Wini Calaça
P/1 – Estamos aqui para entrevistar seu Reginaldo Oliveira de Souza, seu Nhaunhaua, para a entrevista do projeto Indígenas Pela Terra e Pela Vida do Museu da Pessoa. Hoje é 01 de fevereiro de 2023. Gostaria de saber, seu Nhaunhaua, seu nome, data de nascimento e o lugar onde nasceu, para a gente começar a nossa conversa.
R – Bom dia! Me chamo Reginaldo pela linguagem de português. Meu nome verdadeiro é Nhaunhaua, como meu pai deu o meu nome, desde minha infância. Quando eu estou na minha comunidade, sempre me chamam por esse nome, que é tradicional dos meus povos. Quando eu venho aqui em Boa Vista, as pessoas que eu conheço aqui, me chamam de Reginaldo.
P/1 – Reginaldo, você pode nos falar o seu nome e a sua etnia, por favor?
R – Meu nome é Reginaldo. Reginaldo Oliveira de Souza, povo Waiwai. O nome da linguagem do meu povo é Nhaunhaua. Moro no interior de Roraima.
P/1 – O senhor pode falar o nome do local onde nasceu?
R – Quando eu era criança, meu pai morou no estado do Pará, aí morou muitos anos também, é lá que eu nasci. Como meu pai diz. “Nasceu em comunidade indígena do rio Mapuera”. Onde meus pais moraram muitos anos, nessa região.
P/1 – O senhor lembra da data de nascimento?
R – Eu nasci em 1968. Estou com 53 anos, agora, completando.
P/3 – Marina vai perguntar agora.
P/2 – Seu Reginaldo, quando o senhor nasceu, te contaram como foi o seu nascimento?
R – Eu nasci, 08/10/1964. Essa é a minha data de nascimento. Nasci na comunidade do rio Mapuera, hoje em dia o...
Continuar leituraProjeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Reginaldo Oliveira de Souza
Entrevistado por Sydia Trindade e Marina Waldick
Entrevista concedida via Zoom (São Paulo), 01/02/2023
Entrevista n.º: ARMIND_HV039
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
Revisada por Wini Calaça
P/1 – Estamos aqui para entrevistar seu Reginaldo Oliveira de Souza, seu Nhaunhaua, para a entrevista do projeto Indígenas Pela Terra e Pela Vida do Museu da Pessoa. Hoje é 01 de fevereiro de 2023. Gostaria de saber, seu Nhaunhaua, seu nome, data de nascimento e o lugar onde nasceu, para a gente começar a nossa conversa.
R – Bom dia! Me chamo Reginaldo pela linguagem de português. Meu nome verdadeiro é Nhaunhaua, como meu pai deu o meu nome, desde minha infância. Quando eu estou na minha comunidade, sempre me chamam por esse nome, que é tradicional dos meus povos. Quando eu venho aqui em Boa Vista, as pessoas que eu conheço aqui, me chamam de Reginaldo.
P/1 – Reginaldo, você pode nos falar o seu nome e a sua etnia, por favor?
R – Meu nome é Reginaldo. Reginaldo Oliveira de Souza, povo Waiwai. O nome da linguagem do meu povo é Nhaunhaua. Moro no interior de Roraima.
P/1 – O senhor pode falar o nome do local onde nasceu?
R – Quando eu era criança, meu pai morou no estado do Pará, aí morou muitos anos também, é lá que eu nasci. Como meu pai diz. “Nasceu em comunidade indígena do rio Mapuera”. Onde meus pais moraram muitos anos, nessa região.
P/1 – O senhor lembra da data de nascimento?
R – Eu nasci em 1968. Estou com 53 anos, agora, completando.
P/3 – Marina vai perguntar agora.
P/2 – Seu Reginaldo, quando o senhor nasceu, te contaram como foi o seu nascimento?
R – Eu nasci, 08/10/1964. Essa é a minha data de nascimento. Nasci na comunidade do rio Mapuera, hoje em dia o pessoal chama de Aldeia Mapuera.
P/2 – Qual é o nome da sua mãe e o nome do seu pai?
R – O nome da minha mãe é Maria do Carmo de Souza. Na língua Waiwai é Amori.
P/2 – Como que ela era, assim?
R – Ela… (risos). Ela é indígena, normal. Nasceu na comunidade indígena, viveu muitos anos junto com os meus avós. Meus avós também eram falantes da língua indígena, da minha língua Waiwai. E na verdade, ela nunca soube falar a linguagem de português. Minha mãe. Minha mãe e meus pais. Hoje em dia eu estou aprendendo também, começando a falar a língua portuguesa.
P/1 – Muito bom seu Reginaldo. E um pouco do seu pai, da história da família da parte do seu pai?
R – A família dos meus pais… meus pais eram povos que eles chamavam de paricotas. Paricotas viviam muitos anos naquela região de Trombetas. Aí eles costumavam ficar lá junto com os familiares, em grupos. Não era separado, eles viviam juntos em comunidade. Hoje em diante, eles chamam de povo Waiwai, agora.
P/1 – E como os seus pais se conheceram?
R – Meus pais se conheceram… Eles viviam mais próximo da cidade, um pouco. Antigamente os pais deles, meus avós, viviam distante da cidade, ficavam mais no meio da mata. Aí era difícil entrar em contato com os povos não indígenas, com os brancos. Eles viviam mais separados, assim, na mata mesmo. Um dia o meu pai se mudou um pouco mais próximo da cidade. Aí começou a entrar em contato com o pessoal da FUNAI, assim, mais próximo. Ele gostava mais de trabalhar com artesanato. Eles queriam comercializar seus artesanatos para as cidades. Aí ele estava entendendo e conhecendo também a vida dos brancos. Aí eles chegaram mais próximo e conheceram. Chegaram a conhecer, assim, povos não índios, conhecia mais a educação também, saúde, essas coisas.
P/2 – Reginaldo, você pode contar um pouco do que os seus pais faziam?
R – Os meus pais gostavam de fazer as suas culturas. Como gostavam de trabalhar de roça, gostavam de pescar, assim para sobreviver, na nossa comunidade. Ele não tinha nada, assim, como os brancos aqui na cidade trabalham. O trabalho deles era bem diferente do que a pessoa que trabalha na cidade. É assim que o meu pai vivia. Ele vivia de trabalho de roça, pescava e caçava também. É assim que eles viviam. Ele fazia também artesanato. Artesanato para minha mãe, assim como peneira e mais outros. Minha mãe também fazia assim. Minha mãe também fazia peneira, fazia… ela trabalhava mais com alimentação, nossos alimentos. É assim que a gente vivia e meus pais viviam também.
P/1 – Qual era a comida que você mais gostava? Qual eram as comidas da família?
R – A comida que a gente gostava mais quando eu era criança, curumim que a gente fala, era banana. Banana, a minha mãe gostava de trazer banana na casa e guardar. Ela guardava e de manhã cedo nós comíamos. Igualmente como quando a gente toma café. Aqui na cidade também tem pão, assim. E para nós era assim, banana, às vezes o meu pai pescava, aí comia peixe de manhã. Era assim.
P/1 – Você pode me falar um pouco de como era a casa? Qual a lembrança que o senhor tem do formato da casa? Como é que era? Conta com detalhe.
R – A casa que o meu pai gostava de construir, eu lembro ainda. Quando eu era criança eu gostava de andar com o meu pai. Ele gostava de fazer a nossa casa, um malocão. Um malocão pequeno, que não seja grande e a gente morava dentro. Tinha duas portas do outro lado, mas não tinha janela. E assim, era um malocão, tipo… como hoje ainda nós usamos o malocão chamado _________ em Waiwai. Agora nós estamos utilizando como, esse malocão grande, para fazer reuniões e assembleias. Esse ainda vai continuar hoje nas comunidades Waiwai.
P/1 – Você gostava de ouvir histórias? Quem te contava?
R – Sim, eu gostava. De noite eu gostava de deitar com o meu pai, de noite, não de dia. Mas eu gostava quando ele estava descansando em casa, aí era hora de deitar com o meu pai e perguntava para ele, qual história que ele sabia. Aí ele tinha muita história mesmo! Não é pouco não. Ele contava para nós do surgimento das mulheres, do surgimento de pessoas e que cada um tem o seu dom, e as plantas também. Essas coisas. Aí ele contava a história da onça também, porque a gente gostava de brincar na mata, por aí e ele gostava de contar história de onça: “A onça é perigosa, vai te pegar!”. Essas coisas que ele contava. Tem muitas coisas que ele contava mais interessante também.
P/1 – Seu Reginaldo, dessas histórias que o senhor ouvia, alguma que mais te marcou, assim, que você se lembra até hoje? Qual era?
R – Eu lembro assim, que o meu pai contava, na época de criança que gostava de banhar no rio. Aí eu também gostava de banhar, quando eu via o rio, eu gostava de pular no rio. Ele contava para mim: “Cuidado! Uma vez o menino sumiu daqui! Quem levou? Eu não sei quem foi! Pode ser o povo da sucuri que tenha levado o curumim na água. Eles vão te levar assim, se tu for banhar muito, toda hora no rio”. Ele contava pra nós. Aí eu com os meus irmãos, a gente ficava com medo, para ir tomar banho todos os dias. Aí quando a gente chegava no rio, a gente chegava só junto. E lembrando assim, que aconteceu, de repente, ele vai levar nós também, “igual a criança que tinha sumido daqui há muitos anos” Nós temos que banhar rápido e voltar logo para casa. É assim que a gente lembrava, o meu pai orientava a gente. Eu não sei se é verdade isso aí, mas não sei também, é uma história, só.
P/2 – Seu Nhaunhaua, você tem irmãos?
R – Sim, eu tenho irmão. Dois irmãos eu tenho agora. Eu tinha cinco irmãos e dois faleceram. Apenas eu tenho dois agora, três comigo. Eles moram na comunidade. Comunidade Catuá, mora o mais velho, mais velho do que eu, mora na comunidade do Catuá. Outros moram na comunidade do ____________.
P/3 – Eles morreram de doença, seu Reginaldo?
R – Eles morreram de doença. Um morreu de câncer, o outro morreu de malária.
P/3 – Obrigada!
P/1 – No total, quantos são vocês como filhos?
R – Nós somos muito família. Eu tenho 5 irmãos, eu tenho 5. As famílias, cada um tem suas famílias. Assim como eu tenho também, elas também têm. No total nós somos 24… 24 ou mais, nossas famílias.
P/1 – De quantos irmãos formaram 24 famílias?
R – Irmãos? Meus irmãos, eles são, todos. [inaudível]. É isso que eu estou falando, tudo junto. Assim, tanto como a minha irmã, meus irmãos, total somos 24.
P/1 – A mesma mãe? Mesmo pai?
R – É a mesma mãe. Mesma mãe e mesmo pai também. Minha mãe tinha doze filhos, doze filhos minha mãe teve. Aí nós éramos cinco homens e sete meninas. Um faleceu também, menina, aí ficou 11.
P/2 – Seu Reginaldo, qual é a função de vocês na cultura? A sua, da sua família, dos membros da sua família? E também a função institucional? Por exemplo: No que vocês trabalham hoje? Ou dentro da cultura que vocês fazem, qual é o papel de cada um?
R – Nós agora, na época do… Vou começar a falar assim, na época do meu pai e da minha mãe, quando eu era criança, tinha a escola, a escola era diferenciada. Diferenciada apenas, os professores são os mesmos de lá também. Aí eles ensinaram a gente na língua Waiwai, nada de língua portuguesa. Aí a gente começou a estudar, para a gente não perder a nossa língua, o alfabeto e essas coisas. A função do meu pai era liderança, lideranças. Eles organizavam o seu povo. Minha mãe também, ela era liderança das mulheres. Eles se juntavam, faziam as comidas. E o meu pai organizava para fazer as plantações, para eles mesmo, não que seja para vender nada, para eles sobreviverem. A função deles era a agricultura, trabalhavam de plantação e faziam alguma coisa. Ele sabia mesmo diferente do que eu. Hoje a gente está aqui vendo a situação na cidade, já né. É diferente. Assim como eu fui filho deles, eu comecei a estudar também, quando eu estava com 15 anos, comecei a falar a língua portuguesa. Até hoje, um pouco, eu tenho dificuldade de explicar muitas coisas na linguagem portuguesa. É assim, o meu pai era agricultor, a minha mãe também, gostavam de trabalhar de roça. Os outros ainda continuam assim, com as famílias, meus irmãos. O meu irmão ele é liderança de lá da comunidade de Catuá, do rio jatapuzinho, ele trabalha na roça também, ele é mais velho. Agora conheceu branco, a cidade e aposentou agora. Meu pai nunca aposentou, minha mãe também nunca foi aposentada e já morreram assim mesmo, sem ver essas coisas de aposentadoria. Hoje em dia nós estamos vendo, é diferente já. Outros meus irmãos, também, trabalham de roça. O único foi eu que comecei a estudar. Estudar, aí me formei um pouco e comecei a trabalhar. Hoje eu sou professor, trabalho aqui na comunidade do rio Anauá, dando aula para outras crianças do meu povo. É assim. Eu trabalho ainda de roça, às vezes. Trabalho, se tiver tempo vou na roça, faço plantação. Eu já sei como é a vida das pessoas que vivem nas comunidades indígenas. É isso.
P/3 – Seu Reginaldo, o senhor falou que o seu pai era liderança. Ele era cacique?
R – Sim. Ele era cacique. Ele já é cacique, não era não. Ele já foi cacique e pajé, médico das comunidades.
P/3 – Querem perguntar sobre isso, Marina, Cidia? Sobre ele como cacique, como pajé?
P/1 – Eu ia perguntar sobre… Nessa função que o seu pai trabalhava, ele passou algum conhecimento para você? Você tem alguma lembrança desse conhecimento que foi passado de geração para geração? No caso seu pai era liderança e pajé, desses dois conhecimentos, dessas duas funções que ele trabalhava, você herdou alguma delas? Você aplica ela na escola como professora também?
R – Sim, sim. Eu aplico alguns detalhes que eu sei. Como hoje, quando eu tiver alguma coisa, sentindo dor, tem remédios tradicionais que o meu pai me ensinou. Digamos assim, para dor de dente, eu já sei qual é a madeira, árvore, que fica na mata, que é para dor de dente. Essas coisas que ele me ensinava. Aí, eu aplico isso aí na sala de aula para eles verem. Às vezes os meus alunos não sabem qual é o pé, aí a gente vai mostrando para eles. É isso. Tem mais algumas coisas também que a gente está utilizando. Como aconteceu agora, na doença chamada de Corona,, Covid 19. A gente não sabia qual era o remédio. Aí a gente descobriu um pouco, da mata. A gente tomava antes, de qualquer árvore, qualquer não, já tinha outras pessoas que tinha conhecimento também. É isso.
P/3 – E os remédios, esses que vocês descobriram para o Covid, como era o nome, seu Reginaldo?
R – Eu tomei plantas medicinais. Fiquei bom através disso daí. Eu acho que na língua portuguesa é chamado de gengibre, em Waiwai, nós chamamos de guarácapa. Essa aí me salvou enquanto eu fiquei muito doente aqui.
P/3 – Eu queria só fazer uma pergunta. O seu pai, assim, como cacique, mesmo pajé, assim, o que ele falava para vocês, assim, de ensinamentos, de jeito de ser, que a pessoa tinha que… se tinha algum jeito que ele orientava vocês? Ou mesmo o povo?
R – Sim. Ele falava assim, quando a gente perguntava para ele: “Como tu conseguiu, assim, aprender esse teu trabalho como pajé? Como?” Aí ele falava assim: “É difícil para vocês aprenderem. Às vezes vocês não cumprem. Quando vocês quiserem aprender assim, vocês têm que cumprir essa cultura que os meus pais e os meus avós me deram. Quando eu era criança, eu gostava de dormir junto com a minha avó". Ele falava: “Dormia com a minha avó”. Aí ele contava muitas coisas. Aí eu obedecia a tudo, o que ele falava pra mim eu obedecia. “Agora, se vocês quiserem aprender, vocês aprendem, mas só que tem que obedecer a tudo”. Ele falava. Aí ele sabia que a gente não obedecia mais ele, a gente não ia aprender. Aí a gente nunca aprendeu. Só algumas que eu aprendi, algumas, não que seja tudo. Era assim a vida do meu pai. Aí ele falava sobre obedecimento e era para obedecer assim: não era para comer esse, não era para tomar esse aqui, essas coisas. Tem que obedecer. Assim como nós… nós gostávamos de comer tudo, tudo. Aí ficava muito ruim para nós aprendermos essas coisas.
P/3 – Pode continuar Sydia.
P/1 – Você vem falando sobre a sua função, você é professor agora, começou a estudar aos 15 anos. Você pode contar como é que foi o início do seu estudo? Qual a sua primeira lembrança da escola?
R – Sim. Eu comecei a estudar quando eu tinha 15 anos de idade. Frequentei uma escola de… como antigamente eles falavam, da primeira à quarta série. Hoje em dia, como eles falam, do primeiro ao quinto ano. E comecei a estudar. Meus professores eram povos não índios, não era povo Waiwai. Aí quando eu comecei a estudar junto com eles, eu tinha muita dificuldade, assim, de ouvir a fala deles e para eu falar com eles também, muitas dificuldades. Às vezes eles mandavam tarefa, eu não gostava, escondia a tarefa. Mas eu tentava e conseguia. Chegava lá com eles também, quando eu tinha dificuldade de responder algumas de minhas tarefas, de primeira à quarta série. E hoje em diante, preciso assim estudar. Porque às vezes eu fico muito, assim, muitos trabalhos para mim agora, não tenho mais tempo, essas coisas. É isso. Quando eu comecei frequentar de primeira à quarta série eu tinha muita dificuldade.
P/1 – Você teve algum professor, assim, que foi marcante? Você se lembra?
R – Eles chegavam, professores brancos. E professor Demétrio, e importunar os índios que não sabiam falar a sua língua também, outros povos, só a língua portuguesa mesmo. Aí ele gostava, assim, de conversar conosco, muito! Porque ele queria entender também. Aí a gente ensinava ele também, a língua. Aí ele ensinava para nós em português. É assim.
P/1 – Como você ia para a escola?
R – Nossa escola era próxima, próxima da nossa casa. Aí eu gostava de acordar cedo, porque os brancos trabalham em horário certo. Era 7h30, eu tinha que acordar cedo e ia nadando, caminhando e levando os meus caderninhos comigo, até chegar na escola. Era… talvez seja, nem seja assim, 100 metros, 50 metros, pertinho era a nossa escola, dentro da comunidade mesmo.
P/3 – O senhor gostava, seu Reginaldo? Da escola desse jeito?
R – A gente gostava sim. Só para [inaudível] apenas isso. Aí eu animava, e nossos colegas também. E assim.
P/3 – Fora a merenda, não tinha muita coisa boa não, de fazer lá?
R – Às vezes, tinha. Minha mãe levava também banana. Eu gosto de dizer, minha mãe contribuía, levava lá na escola, banana e macaxeira. Outros também traziam, assim, peixe, caça, essas coisas assim. Às vezes eles levavam moqueado, quer dizer assado. Assado, deixava lá. Aí os professores cortavam para nós, cortavam e dividiam para nós. A gente gostava sim de estudar, na época quando eu era criança.
P/3 – Mas a parte do que vocês estudavam, ou brincavam, tinha alguma coisa que o senhor gostava, ou era tudo difícil?
R – Quando eu estudava na escola, a gente começava a aprender, assim, jogar bola. Nós não tínhamos nas comunidades, na época não tinha professores. Aí professores levavam bola. Aí a gente gostava de brincar de bola. Na época, quando eu andava com o meu pai, meu pai me ensinava só para flechar, usar arco e flecha. Era assim que a gente brincava, flechava alguns pés de bananeira, ou mamão, era assim. Agora quando os povos não índios foram lá, aí eles levaram a bola. Bola, essas coisas. A gente gostava muito de brincar de bola também.
P/3 – Pode continuar, Sydia ou Marina.
P/2 – Seu Reginaldo, passando dessa fase aí da infância para a adolescência, de ida para a escola, na sua cultura, como é que foi a passagem da infância para a adolescência, até a juventude? Teve algum momento especial na cultura de vocês? De passagem?
R – Tem, tem nossa cultura sim. Nós nunca perdemos. Assim, dança, hoje em dia como nós estamos utilizando as escolas, a dança cultural, assim, homens dançando, assim, de mão dadas, só os homens, aí as mulheres separadas. É assim, a gente nunca esquece disso daí. Tem muitos que a gente usa esses tipos de dança, a gente não esqueceu não. Hoje em dia a gente funciona.
P/3 – Os jovens, seu Reginaldo. Eles na comunidade, ou na escola, os jovens gostam de dançar essas danças tradicionais? Eles participam?
R – Sim. Época que a gente faz, assim, brincadeiras, nós começamos a brincar no dia do índio, abril. A gente se pinta, a gente traz algumas carnes, tipo assim, carne da caça mesmo, caça. E como os jovens gostam de caçar, eles trazem jacu, mutum e tucano, essas coisas assim. As mulheres fazem comida, assim, tradicional mesmo. Vinho de buriti, bacaba e açaí. E deixam nós dentro do malocão. Aí quando começa, assim, a apresentação, a gente se apresenta como… tradicionalmente como indígenas mesmo, pintado. E a dança funciona, brincadeiras como os nossos velhos utilizavam. Isso que a gente usa ainda. A gente não está esquecendo não.
P/3 – Vou só fazer mais uma pergunta, Marina e Sydia, sobre isso. Na escola, o senhor está falando da escola. Que tem esse dia que apresenta. Além desse dia, não tem mais essas atividades? Só mesmo no dia do índio?
R – Na escola. Na escola a gente organiza também. Organiza a apresentação. E na escola a gente deixa a apresentação, como a gente utiliza, em cada série. Cada série se apresenta. É isso aí que a gente faz na sala de aula, sala de aula ou como nós chamamos aqui, Festa Cultural. Toda sexta-feira a gente faz assim, nossa apresentação. Agora eu estava falando do dia do índio, eles se apresentam, todas as comunidades e moradores, que participam. Não seja mais da escola, são moradores.
P/3 – E na sua comunidade, continuam fazendo as festas como eram antigamente? Mantém as tradições, seu Reginaldo? Na comunidade?
R – Na nossa comunidade ainda continua. Continua sendo tradição, falam mais línguas e fazemos comidas também, comidas tradicionais que a gente tem. Essas coisas funcionam.
P/3 – Pode continuar, Cidia ou Marina. Obrigada!
P/1 – Tá. Eu vou perguntar qual é a diferença das festas de hoje para as festas de antigamente? Você consegue lembrar?
R – A festa de antigamente eu considero mais diferente que as de hoje. Na época quando eu era criança, eu vi o meu pai se apresentando com o seu povo. E eles chamavam de… hoje em dia… hoje é dezembro, natal. Eles comemoravam o natal e início do ano também, época deles, eu vi sim, a apresentação deles. Eles chegavam todos de pintura. A pintura era uma semana de duração, a pintura deles. Traziam assim, cheio de ________, carne, muitas carnes de caça. Eles usavam assim, tipo casca de madeira, assim, tipo casa, mas ele é… Como é que a gente diz? Ele é grande, tipo assim, como eu vou falar…
P/1 – Bambu?
R – Bambu! É taboca que a gente chama. Mas não que seja taboca. Era uma casca de árvore. Feito de casca, pode ser assim, eu posso dizer. E eles usavam, eles tocavam. Aí chegavam muito, assim, tocando aquilo ali e o bambu. Hoje em dia a gente não faz assim. Eu vejo na minha comunidade que eles chegam, trazem os animais, daquilo ali, do bambu. Era meu pai, era assim, época do meu pai com os seus amigos. Eles traziam, chegavam muito assim, barulhentos, barulhentos junto com aquele tradicional deles. E trazia também arco e flecha. Ele andava com arco e flecha e aquele bambu, os dois. E hoje em dia a gente não faz assim, eu vejo na minha comunidade que perderam isso aí.
P/1 – Usam o que hoje?
R – Hoje eles usam só o arco e flecha. E os animais que eles matam, eles levam, assim, deixam no malocão.
P/1 – Algum barulho?
R – Sem barulho agora, só com a voz deles.
P/1 – Vou perguntar um pouco sobre a sua juventude, se você tinha amigos, se você se lembra deles?
R – Sim. Eu tinha muitos amigos. Não que seja por muitos, outros estão lá onde eu nasci, no Mapuera, eu tenho uns amigos lá também, que estudaram junto comigo. Aí outros estão aqui no Anauá, outros no Jatapuzinho. A gente se espalhou na época que o meu pai mudou também para cá, para Roraima, a gente ficou aqui separado. Eu tenho muitos amigos. Hoje em dia tem internet, eu converso com eles.
P/1 – Muito bom! O que vocês faziam?
R – O que a gente fazia?
P/1 – É. Alguma atividade…
R – A gente fazia atividade assim, eu gostava de aprender a fazer tipiti, tipiti. Nós jovens era tipiti, era mais difícil para a gente. Hoje em dia eu não sei fazer o início, eu sei fazer só a parte final, só. Agora iniciar eu não sei ainda. Outros dos meus colegas já aprenderam, já sabem fazer. Ainda eu, não sei muito bem. Às vezes eu fico falando, mais inteligente assim, que mexem com essas coisas. E no começo para eu fazer, aí eles ficavam fazendo para mim. Aí eu termino hoje, o final. Só assim, porque eu preciso aprender mais ainda. Outros dos meus colegas sabem fazer sozinhos.
P/3 – Posso perguntar, Sydia?
P/1 – Humhum.
P/3 – Quando o senhor tinha esses amigos, que vocês ficavam juntos, teve alguma história, seu Reginaldo, que foi marcante com vocês que aconteceu? Ou alguma caça? Ou qualquer outra atividade que aconteceu uma situação que o senhor lembra até hoje?
R – Lembro, lembro sim. Eu lembro assim, quando eu tinha 18, assim, entre 18 e 17 anos já. Eu começava a andar junto com os meus colegas na mata: “Vamos caçar?”. Assim meu pai caçava, matava tudo de caça, tudo de animais. Caça, porco e anta, essas coisas que meu pai matava. “Vamos caçar?”, “Vamos!”. E a gente ia. Começava a andar no mato para conseguir chegar e ver alguns animais. Eu lembro ainda, era guariba que chamava, para nós, aqui, bugio, essas coisas. Aí a gente viu e a gente não conseguiu matar não, era difícil pra gente matar. E depois ele foi um pouco assim, em direção, a gente não levou picada, a gente não levou, a gente foi atrás, só. Eu acho que o meu pai, na época do meu pai, quando ele vê assim, ele quebrava alguns para ele ver, para ele retornar de novo, para trás, onde ele encontrou esses animais. A gente via os animais, a gente seguia, sem, sem, como é que eu vou dizer… sem marcar esse… quebrar algumas árvores para a gente ver. Aí a gente foi, a gente não sabia para onde é que a gente foi. Aí andamos assim, andamos para cá, ninguém achou nosso caminho, andamos para cá de novo. A gente ficou muito assim, pensamento chegou muito grande para nós, “Será que nós vamos dormir aqui? Será que nós nos perdemos?”. Coisas assim. Aí depois de horas, horas que a gente andou, a gente encontrou nosso caminho. Isso aí eu nunca esqueci. Hoje ainda eu falo para os meus filhos, “Quando vocês forem na mata, vocês levam o caminho de vocês, leva o facão e corta, para vocês voltarem de novo”. Eu falo assim para os meus filhos agora. É isso que ainda hoje eu lembro.
P/3 – Pode continuar pessoal.
P/2 – Seu Reginaldo, quando você saiu do seu território e você foi para a universidade, quais foram os desafios que o senhor enfrentou quando você chegou nessa fase de fazer faculdade, de sair já para esse mundo de conhecimento fora ali da aldeia?
R – Eu consegui estudando um pouco. Época que eu estudei primeiro a 4° série, aí o professor fala para nós, “Vocês conseguiram! Eu avaliei vocês. Vocês já estão na 4° série agora”. O professor fala para nós. “Aí se vocês quiserem continuar ainda, continuem. Agora é 6° série, 5° série que eles falavam. 5° série vocês podem fazer. Aí a gente se matriculou de novo. Meu pai me mandava, né: “Estuda, a escola está aí, nós conseguimos agora pelo Governo do Estado. Aí vocês têm que estudar agora, eu não posso levar mais para o mato”. Falava assim: “Nem levar mais para a roça. Vocês podem continuar estudando. Diferente do que eu, vocês não quiseram aprender como pajé, agora estudem!”. Falava assim para nós. Aí eu comecei. Comecei a estudar, até que eu consegui 8° série, chamada de nono ano. Aí eu continuei ainda, continuei, me matriculei de novo. Aí que eu concluí o chamado segundo grau, lá mesmo na comunidade Waiwai. Era difícil para eu falar em português, por enquanto ainda. E em 2007, meados de 2007, abriu uma Universidade aqui em Boa Vista, época que eu concluí o 2° grau. Aí eles estavam oferecendo para quem morava em comunidades indígenas, aí um deles era que que estava lá na comunidade. “Eu vou tentar”. Eu falei. Aí eu fiz a inscrição pra cá, ainda bem que eles me aprovaram. Aí depois que teve a aprovação, aí eu comecei a estudar aqui em Boa Vista. Aí que me pegou, assim, muita dificuldade que eu tinha, assim, com a linguagem de português; explicação dos meus trabalhos. Eu tinha muito conhecimento, assim, na realidade, agora faltava eu explicar em português, era muito difícil. Aí eu tentei, tentei, tentei. Aí os professores eram bons, esclareciam muito para mim. Eu comecei a entender um pouco, entender eles também. Assim que eu cheguei a terminar essa minha graduação, aqui mesmo na Universidade Federal de Roraima, durante 5 anos, 5 anos são muitos anos para mim. Consegui, consegui e agora eu quero tentar de novo estudar. Eu não estou conseguindo mais, tenho que tentar um pouco para eu conhecer mais. O conhecimento chegou muito bem o mínimo de lá, levando esse conhecimento na realidade mesmo da comunidade. É assim, eu penso que quando eu ingressei na faculdade: “Eu vou estudar! Eu vou estudar sobre eles que vivem no mundo. E pode ser estudar na cidade”. Eu imaginava assim. Aí não foi assim. Os professores deram a informação para mim, para eu pesquisar lá dentro da minha comunidade. Aí que eu lembrava, como vocês falaram para mim, dos pajés. “Ah sim, meu pai fala assim mesmo, é isso aí que eu vou contar”. Eu falava assim. Ainda um pouquinho no meu TCC, eu contei sobre isso, sobre o meu povo, sobre o meu pai e algumas realidades das nossas escolas. É isso, é muito complicado as minhas dificuldades que eu enfrentei para ingressar na faculdade.
P/3 – Seu Reginaldo, o senhor disse que essa dificuldade de falar a língua. De se expressar. Mas vocês faziam os trabalhos escritos na língua portuguesa?
R – Sim. Eu fiz na língua portuguesa. Eu fiz na língua portuguesa, muito procurando os caminhos. Eu não sabia que também, assim, tinha algumas biografias, ainda dos outros, porque eu nunca peguei daquele ali. Não sabia também. Assim, eu imaginei assim, para eu estudar só para mim mesmo e para ajudar o meu povo. E assim, eu tentei, tentei, hoje em dia meus alunos, eles ficam olhando aquele meu TCC. “Rapaz, é assim que o povo Waiwai é, é assim?”. Eles falam. Eles ainda falam assim: “Sim, assim que o nosso povo vivia antigamente”. Hoje em dia a gente está esquecendo, esquecendo não, lembrando ainda, fica já na memória dos nossos. É isso.
P/3 – Você disse que escrevia tudo e eu estou perguntando de novo porque o senhor poderia falar menos a língua portuguesa, mas escrevia bastante na língua? Foi aprendendo a escrever na língua portuguesa?
R1- Sim, eu aprendi. Assim, para ingressar mesmo na faculdade, era na língua Waiwai, mas só para ingressar. Aí eu ingressei através da língua Waiwai. Aí tinha outros professores que me avaliavam na língua, lá dentro da Universidade. Aí para estudar mesmo, eu estudei na língua portuguesa, não tinha mais língua lá dentro, língua Waiwai, só o português mesmo. Eu apanhei muito (risos).
P/3 – Os professores, todos eram não indígenas?
R – Sim. Não eram indígenas. Eram todos do Caraigá, antropólogos (risos). Meu professor era antropólogo, aqui na Universidade.
P/3 – O que o senhor acha seu Reginaldo, você teria alguma forma diferente de fazer essa escola? Ou a Universidade pra ser mais fácil? O senhor teria alguma ideia? Os professores são todos não indígenas? Então o senhor pensou assim, em algum momento se podia ser diferente ou como poderia ser?
R - Sim. Hoje em dia eu penso. Hoje estamos nos formando maiorias. Agora já é a filha que vai trabalhar com a gente. Se Deus quiser, se ela terminar a faculdade dela. E hoje o meu pensamento é assim, meu pensamento como professor indígena que trabalha em uma escola como… escola não, que trabalha como região, coordenador pedagógico, eu vejo os meus professores, outros, os meus alunos também, dificuldade para ingressar, para a faculdade. E hoje eu como professor indígena e coordenador pedagógico da região, das escolas, eu quero colocar assim, eu já conversei com os professores sobre ingresso da faculdade e melhor seria que o nosso povo Waiwai ingresse através de currículos. Currículos, através de entrevistas, talvez eles consigam dessa forma. Com essa redação, tá muito difícil para eles, muito difícil, até para mim é muito difícil conseguir ingressar através de redação, das línguas também. Alguns outros não sabem escrever muito bem também na língua. Esse é o meu pensamento. Logo, logo vai ter que ingressar de novo. Não sei se os professores vão concordar, aqui no instituto Insikiran, a formação superior indígena, a gente já colocou isso aí, para eles ingressar através de entrevistas e currículos.
P/1 – É, porque também seu Reginaldo, a língua indígena, a língua de vocês, também não era costume escrever na sua língua. E nem na escola que você estudou, de primeiro até nono ano, o senhor não aprendeu a escrever na sua língua.
R – Sim, também. A gente aprendia pouco, não que seja muito. Aprendia a escrever, apenas ler alguns pedacinhos da bíblia. Hoje em dia a gente tem bíblia em língua Waiwai, para nós utilizarmos isso aí. Conseguimos aprender. Mas a gente estudava mais português lá, português direto.
P/3 – Vou sugerir pessoal, como já são… estamos chegando no horário, viu Sydia, Marina. Mas a Sydia, que conhece bastante o seu Reginaldo, se vocês quiserem fazer perguntas fora do roteiro. Como a Sydia conhece bastante o seu Reginaldo, se quiser fazer perguntas que você sabe que o seu Reginaldo tem algumas atividades, ou coisas que você gostaria que ele contasse. E a Marina também, se tem perguntas sobre atualidades, sobre as atividades dele hoje, acho que seria legal já irem perguntando. Não precisa mais ficarem presas ao roteiro, tá?
P/1 – Tá. Seu Reginaldo, eu gostei muito que o senhor falou sobre ser coordenador pedagógico de toda a região e isso é um retorno muito gratificante e importante para a sua comunidade. O senhor está de parabéns! É muito legal ouvir isso. Como é coordenar essa região onde o senhor trabalha, dessas comunidades indígenas como coordenador pedagógico? E quais os desafios que o senhor enfrenta? Fora esses que você já disse, mas assim, qual é a sua função principal e o que o você sente mais dificuldade na hora de assumir essa função de ser coordenador dessa região aí, da sua comunidade?
R – Bom, eu tinha dificuldade de… a primeira vez, quando eu comecei a trabalhar, o governo me indicou para eu coordenar nove escolas da minha região. Aí eu tinha dificuldade de elaborar uns planos. Planos de ensino durante duzentos dias letivos, como teria que ser a aula, de ensino em cada escola. Aí eu tinha dificuldade de soprar isso aí. Alguns outros veem diferente, assim, planilhas. Aí eu tinha dificuldades. Aí eu comecei aprendendo, assim, junto com os meus colegas também. Me ensinavam assim, como era fazer exercício de 2022, 2021. Sim, como o funcionamento de escolas. Aí eu comecei montar os calendários também, calendário unificado da região, conforme a nossa realidade. Assim, quando lideranças pedem, da capinação, digamos assim, plantar roça. “Vamos levar os alunos”. Tem que trabalhar de acordo com a comunidade, coisas assim. E para o ensino também, para os professores novatos, assim, como preencher os formulários, para não dar problemas aqui na Secretaria de Educação. Antigamente os brancos trabalhavam, hoje em dia são só indígenas mesmo. Por isso eu queria, assim, conhecer mais. Mais assim, fazer algumas planilhas, principalmente planilhas que são mais difíceis para mim. Talvez eu aprenda sim, aprendo devagar também. É assim.
P/1 – E seguindo esse plano aí que o senhor elaborou junto com seus amigos, colegas de profissão, o senhor sentiu que os alunos da região, eles aprenderam? Eles aprendem? Que resultado o senhor teve seguindo esse plano?
R – Isso. A gente elaborou um calendário juntos. Juntos, como seria nossa escola dentro da comunidade. Aí tem plano de ensino, como a gente fala aqui, plano de ensino, de primeiro, segundo ano, terceiro ano e quarto ano. É assim que a gente trabalha, separados. E eles tem que… ensino tem que ser na realidade mesmo, realidade e contar alguma coisa. Às vezes a gente fala em português, às vezes a gente fala na língua. Tem que explicar muito bem para eles, aqueles que não estão entendendo. Essas coisas que a gente coloca no plano para os alunos entenderem.
P/3 – Todos os professores são não indígenas, seu Reginaldo?
R – Hoje em dia todos são indígenas.
P/3 – Aliás, desculpe. Indígenas?
R1- A época que eu estudei, em 1995, por aí, eram não indígenas. Não tinha indígenas.
P/3 – Agora?
R – Agora tem. Todo mundo é indígena. Os professores agora, eles participam da seletiva do Governo, eles conseguem e eles começam a trabalhar na escola.
P/3 – E como a Marina perguntou, o senhor vê diferença para as crianças, para os alunos, por serem professores indígenas? Com esse plano que vocês estão fazendo, olhando para a realidade, que diferença o senhor observa? Se é que tem, diferença para os alunos?
R – Na época que eu era novinho, época que eu estudei com os não índios, chama-se Karaiuam para nós, eles explicavam muito bem para nós. Só que às vezes a gente não entendia ainda, a gente chegava em dúvida em casa, não tinha tradutor, não tinha explicação para nós, assim, para nós entendermos mesmo. Aí a gente ficava, saía em dúvida ainda. Aí às vezes a gente escrevia as tarefas erradas, já. Hoje em dia não, a gente… quando a gente lê em língua portuguesa, explicando para eles, depois vai ter a tradução para eles entenderem. Aí a gente diz para eles assim: “Entenderam? Todo mundo tá sem dúvida mais agora? Isso daqui é português, isso daqui é a língua, deu para entender?”. Alguns falam, “Sim!”. Aí outros falam “A gente tem dúvida ainda”.
P/3 – Bem diferente, seu Reginaldo? Bem diferente de antes (risos).
R – Tem muita diferença mesmo.
P/1 – Eu vou perguntar agora sobre seu trabalho. Qual foi o seu primeiro trabalho? Ou você trabalhou apenas como coordenador mesmo?
R – Eu trabalhei em duas funções na época em que eu tinha, primeiro da quarta série até o nono ano. Eu tinha a função de trabalhar e ajudar o povo. Eu não trabalhava, aí eu trabalhava como agente de saúde, agente de… vigilante de saúde, assim. Eu trabalhei assim, trabalhando assim. Fazia curso por outra instituição aqui, que mexe com indígenas. Conselho Indígena de Roraima que me apoiava. Aí eu trabalhei enquanto eu estudava. Trabalhava assim e estudava. Trabalhava ajudando o meu povo lá da aldeia Jatapuzinho. Aí depois que eu concluí o segundo ano, o 2º grau que chama, aí eu ingressei na faculdade. Aí eu comecei já a trabalhar como professor, segunda profissão já. Fiz um concurso público do Estado, aí eu consegui também. Aí que eu deixei a área de saúde e fiquei nessa profissão mesmo, como professor em 2002.
P/1 – O senhor falou sobre algumas mudanças que aconteceram no Pará para cá. Qual foi o motivo da mudança da sua família e por quê?
R – É muito interessante isso aí! Poder falar sobre essas mudanças dos meus pais. Meus pais mudaram de lá, do rio Trombetas, da aldeia Mapuera, para morar na aldeia Jatapuzinho, onde viviam povos não vistos, chamados __________. Eles vieram para ajudar eles no rio Jatapu, Roraima, em 1984. Eles fizeram mudança e vieram morar lá, no meio da mata. Lá não tinha nada de roça, vieram para morar mesmo. Aí fundaram uma aldeia grande lá, até que acharam esse povo chamado de __________, que viviam há muitos anos lá no rio Jatapu. Aí começaram a fundar a aldeia Jatapuzinho e muita gente também chegou, tanto no rio Anauá e foram lá ajudar eles. Eram 7 pessoas que viviam lá, povos _________, que moravam no meio da mata. Através disso daí que eles vieram de mudança, para ajudar eles. Hoje em dia eles já estão junto com a gente.
P/3 – Por que eles precisavam de ajuda, seu Reginaldo?
R – Porque eles não faziam contato com os brancos, eles não tinham nada, assim, como facão, machado, lima, eles não tinham. Eles viviam no mato mesmo. Aí um dia, os pais do meu pai falaram para eles: “Nesse rio tem povo, povo chamado __________”. Eles falavam. Eles sabiam que o povo vivia naquele local. Aí ele veio para ver, para ajudar eles, ele falava assim. Ele gostava de chamar muita gente, muita gente para próximo dele, assim como ele era cacique, ele era pajé, ele sabia tudo já. Onde eles viviam também.
P/3 – Aí vocês ficaram morando lá bastante tempo?
R – É, a gente já ficou lá bastante tempo já. Nós ficamos sem nada, sem escola, sem posto de saúde, desde 1984 até 1990, 90 que surgiu uma escola. Até os filhos dos ___________ estudavam lá também, nessa escola. Eles se encontraram com eles. A gente pensava que eles eram bravos, a gente não fazia contato com eles também. Aí depois de muitos anos, muitos dias também, a gente vive assim, alegre e conversava. Era diferente um pouquinho a língua, mas a língua deles a gente entendia também a fala deles e a nossa fala também. Igualmente com o português e o castelhano, assim, a fala deles, dava pra gente se comunicar. Aí eles começaram a morar junto com a gente na aldeia Jatapuzinho, onde o meu pai tinha fundado uma aldeia. Aí saíram de lá, da aldeia deles e vieram morar junto com a gente. Através disso, eles tinham conhecimento de facão, a gente tinha machado, eles não tinham. Aí eles vieram, através disso daí que eles vieram para morar junto com a gente. É assim que a gente vivia
P/3 – Agora eu estou em dúvida. Depois vocês voltaram para Roraima? Ou continuaram nesse lugar que o senhor mora até hoje? que a sua família mora até hoje?
R – Eu moro aqui na comunidade Anauá. Comunidade do rio Anauá em Roraima. Lá onde o meu pai morava, era comunidade indígena jatapuzinho, é outro rio, em Roraima mesmo.
P/3 – Entendi. Sydia, Marina, a gente já está terminando, vocês gostariam de fazer alguma pergunta? Porque aí a gente já vai para a conclusão.
P/2 – Seu Reginaldo, depois dessa mudança, hoje para o senhor, quais são as coisas mais importantes para você hoje? E o que você quer deixar de legado?
R – Depois que o meu pai fez a mudança da aldeia Mapuera para Roraima, onde o meu pai vivia, eu gosto muito de morar lá também, na aldeia Jatapuzinho no rio Jatapu em Roraima mesmo. Hoje em dia eu venho morar na comunidade do rio Anauá, terra indígena Waiwai, apenas eu fui transferido por causa do meu trabalho de educação. Eu fui para lá porque eles necessitavam de outro professor e eu tinha formação de educação. Aí me transferiram para lá, para atender essas pessoas, mas eram o mesmo meu povo mesmo. Talvez seja 200 quilômetros da aldeia Jatapuzinho. Às vezes eu vou lá ainda visitar, às vezes eu fico lá também quando eu tô fazendo trabalho como coordenador pedagógico.
R – O que é importante para você hoje?
R – Hoje o importante para mim é o meu povo aprender. Hoje, como Waiwai falam: “Quero falar português, quero aprender a escrever também na língua portuguesa”. É assim que o meu povo fala. É importante eu como professor indígena lá, eu gosto que aprendam e consigam um emprego como eu também. Eu não sei quantos anos mais eu vou trabalhar, eu já estou quase aposentando. Eu preciso que os meus outros alunos estudem e consigam como eu consegui.
P/1 – Eu queria perguntar um pouco sobre a sua família. O senhor é casado? Quantos filhos tem?
R – Sim, eu sou casado. Com outro povo, outra etnia. Minha esposa é do povo macuxi, que mora aqui em Roraima e eu sou do povo Waiwai. Eu tenho 7 filhos, 7 filhos eu tenho e quatro são homens. Um deles está estudando e eu quero ver se ele consegue terminar esse estudo.
P/3 – A gente está terminando, eu vou deixar a Sydia e a Marina concluírem, mas eu queria só saber seu Reginaldo, se o senhor quer contar alguma história, quer contar alguma coisa que nem a Sydia, nem a Marina e nem eu perguntamos? Antes de terminar a entrevista.
P/1 – É, se tem alguma coisa que o senhor gostaria de falar que a gente não perguntou?
R – É só para agradecer essa minha entrevista, que foi agora a primeira vez que eu tô fazendo assim. Fiquei muito nervoso também. E eu tinha um pensamento, como: “Quais são as perguntas que eles vão fazer para mim?". Eu imaginava assim. E foi bom, legal essa experiência, porque o meu povo tem muitas histórias para contar. Desde que o meu pai viveu muitos anos com a gente, eu tenho também histórias para contar que é muito legal, todo mundo gosta. Meu pai contava mais sobre o surgimento das mulheres, surgimento dos homens, assim, cada um tem um nome; homens chamados… têm dois homens, chamados Mauari e o Oxi, sim dois. "E as mulheres?". Nós perguntávamos, mulheres eram do povo dos Anacondas, que o Mauari e o Oxi gostavam de pescar e pegaram as meninas por baixo da água. Coisas assim que ele contava, muitas histórias interessantes para mim.
P/2 – Legal! Eu gostaria de perguntar também, como o senhor já viveu em duas realidades totalmente diferentes, como que o senhor vê a realidade de hoje, com a realidade que o senhor vivia na sua infância, juventude antigamente? Qual é a diferença que te chamou mais atenção?
R – Sim. Eu achei muito diferente assim, a época da minha infância e a época de hoje, agora. Na época da minha infância, eu já disse no início, eu gostava de tomar banho e gostava de comer cedo com a minha mãe. Eu gostava de roubar assim, roubar banana, quando a minha mãe escondia. Aí eu gostava de comer escondido. E é assim que era a minha infância. Hoje em dia a gente come junto e já é diferente do que antigamente quando eu vivia com os meus pais e minhas mães.
P/2 – Eu quero agradecer também por ter concedido essa entrevista, ter contado a sua história, a sua vida para nós, tá bom? Marina, gostaria de falar alguma coisa?
P/1 – Seu Reginaldo, muito obrigada pela sua atenção e também por ter aceitado ao nosso convite, convite da Sydia, que teve diretamente o contato com o senhor. Assim, muito obrigada! Gostei muito da sua história, da sua experiência e da sua atuação na educação. O senhor é muito importante para os povos indígenas e principalmente para os povos indígenas da sua região. Então muito obrigada!
R – Ok, obrigada também!
P/3 – Obrigada Reginaldo, eu também como a Marina, a Sydia, gostei muito de ouvir a sua experiência na educação e muita dedicação. Parabéns, viu!
[Fim da Entrevista]
Recolher