Entrevista de Lourdes Antonia Maiellaro DUrso
Entrevistada por Sofia Tapajós e Lucas Lara
São Paulo, 21 de março de 2023
Projeto Conte Sua História
Entrevista número PCSH_HV1375
Transcrita via Transkriptor
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:00:20) P1 - Lourdes, você pode começar falando o seu nome, local e data de nascimento?
R - Pois não. Meu nome completo é Lourdes Antonia Maiellaro DUrso e nascida em 1º de março de 1938, na cidade de São Paulo, precisamente na Rua Tabatinguera, sem número, porque eu não lembro.
(00:00:48) P1 - Lourdes, e qual era o nome dos seus pais?
R - A minha mãe era Lúcia Lamana Maiellaro, o meu pai era Vitor Antônio - tudo junto, né - Maiellaro.
(00:00:58) P1 - Eles eram daqui do Brasil mesmo?
R - Não, os dois italianos. Meu pai veio com cinco anos e minha mãe veio com meses, ela tava no navio, minha vó veio com ela ainda de meses, não andava ainda, né? Em 1899 ela veio pro Brasil.
(00:01:03) P1 - E você sabe de qual parte da Itália eles eram?
R - Sim, eles eram de Nápoles… não, Nápoles não. Nápoles é meu marido. Eles eram de Bari, Polignano A Mare, é uma cidade também no mar, né? Que tem mar, né? É um distrito. Que a cidade é Bari, né, a capital, e a cidade que eles estavam era Polignano A Mare.
(00:01:39) P1 - E você sabe por que eles vieram?
R - Sim, por causa da guerra, né? Depois da Segunda Guerra Mundial, era tudo muito muito ruim, né, pra eles e tudo, então… não, meus pais… não, meus avós vieram antes, vieram na Primeira Guerra Mundial, lógico. Meu avô passou aqui a Segunda Guerra Mundial.
(00:01:59) P1 - E seus avós, quais eram os nomes deles?
R - Era Tereza Dorsi e Domênico Maiellaro. Domingos, Domênico é italiano. E os outros eram Cosmetônia La Selva e… acho que era Domênico também. Domingos La Selva, né? Lamana La Selva.
(00:02:21) P1 - E o que eles faziam aqui?
R - Não, eles vieram pra melhorar de vida, né? Minha avó era casada, casalinga na...
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Entrevistada por Sofia Tapajós e Lucas Lara
São Paulo, 21 de março de 2023
Projeto Conte Sua História
Entrevista número PCSH_HV1375
Transcrita via Transkriptor
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:00:20) P1 - Lourdes, você pode começar falando o seu nome, local e data de nascimento?
R - Pois não. Meu nome completo é Lourdes Antonia Maiellaro DUrso e nascida em 1º de março de 1938, na cidade de São Paulo, precisamente na Rua Tabatinguera, sem número, porque eu não lembro.
(00:00:48) P1 - Lourdes, e qual era o nome dos seus pais?
R - A minha mãe era Lúcia Lamana Maiellaro, o meu pai era Vitor Antônio - tudo junto, né - Maiellaro.
(00:00:58) P1 - Eles eram daqui do Brasil mesmo?
R - Não, os dois italianos. Meu pai veio com cinco anos e minha mãe veio com meses, ela tava no navio, minha vó veio com ela ainda de meses, não andava ainda, né? Em 1899 ela veio pro Brasil.
(00:01:03) P1 - E você sabe de qual parte da Itália eles eram?
R - Sim, eles eram de Nápoles… não, Nápoles não. Nápoles é meu marido. Eles eram de Bari, Polignano A Mare, é uma cidade também no mar, né? Que tem mar, né? É um distrito. Que a cidade é Bari, né, a capital, e a cidade que eles estavam era Polignano A Mare.
(00:01:39) P1 - E você sabe por que eles vieram?
R - Sim, por causa da guerra, né? Depois da Segunda Guerra Mundial, era tudo muito muito ruim, né, pra eles e tudo, então… não, meus pais… não, meus avós vieram antes, vieram na Primeira Guerra Mundial, lógico. Meu avô passou aqui a Segunda Guerra Mundial.
(00:01:59) P1 - E seus avós, quais eram os nomes deles?
R - Era Tereza Dorsi e Domênico Maiellaro. Domingos, Domênico é italiano. E os outros eram Cosmetônia La Selva e… acho que era Domênico também. Domingos La Selva, né? Lamana La Selva.
(00:02:21) P1 - E o que eles faziam aqui?
R - Não, eles vieram pra melhorar de vida, né? Minha avó era casada, casalinga na Itália, do lar, né? E meu avô começou [como] pintor. Sei lá, era pintor de parede naquele tempo, que as paredes eram pintadas diferente de agora, né? Elas tinham os pés direito das casas eram tudo muito altos, né, tinha mais de três metros, quase quatro metros. Então, em cima, aqui tem uma borda pintada, sabe? Cada um escolhia um tema, um desenho, né, eles punham. Meu pai também foi pintor. Eles viviam disso naquele tempo. Depois também, logo faleceram. Era muito pequena, não sei mais o que eles fizeram depois.
(00:03:17) P1 - E você falou que seu pai era pintor também.
R - Era pintor de parede. E depois de pintor, ele achou que já tava ficando com uma certa idade, ele arrumou uma banca de jornal, fez uma concessão pra bancar a Prefeitura de São Paulo e arrumou uma banca de jornal e ele foi trabalhar na Rua Direita. Era um Largo chamado Largo da Misericórdia e ela vendia jornal e entrevista, né, aquele tempo.
(00:03:42) P1 - E a sua mãe?
R - A minha mãe era costureira, era madame de costura mesmo, né, de corte e costura. Ela dava aula, tinha mais de vinte alunas de corte e costura e fazia muitos vestidos, muito… sob medida mesmo. Era que nem os costureiros famosos de hoje, né? Minha mãe era considerada assim também, era a Madame Maiellaro. Eles falavam, né? Tinha até o cartãozinho dela, que eu não achei mais. E eram uns vestidos muito bonitos, e eu era a entregadora do vestido. Quando ela fazia, acabava o vestido, eu ia entregar pras freguesas. Gostava desse serviço. Também aprendi muito com ela, de costurar. Gostava, naquele tempo gostava, agora eu não pego nem uma agulha mais, mas que eu sabia costurar bem, costurava.
(00:04:29) P1 - E além dos seus pais, você tinha algum tio, alguma tia?
R - Ah, sim! Minha mãe era… das quatro irmãs… ela tinha quatro irmãos mulheres e dois homens. Dois irmãos, né? A minha mãe era mais velha, então alugou um sobrado na Rua Piratininga, 1028, foram morar todos juntos. Tinha uma tia Maria que tinha oito filhos; tinha tia Ana, não tinha filhos; tinha tia Rosa, tinha três filhos; tinha minha mãe. E morava a minha avó materna e minha avó paterna. A Tereza Dorsi e a Cosmotônia La Selva também, no mesmo sobrado. Era um sobrado de pé direito alto que tinha 28 degraus, porque eu contava toda vez que eu subia, quando era menina, pra subir lá em cima, né? Um salão grande, sabe? E é interessante que o salão era grande e tinha a mesa do meio, [que] era da minha mãe. Era uma mesa bem grande, feita de madeira maciça. Antigamente a madeira era madeira de verdade, né? Agora é tudo aglomerado, tudo ruim, né? E ela costurava lá, fazia os moldes, dava aula para as alunas. Tinha duas máquinas de costura. E num lado era uma tia que dava, tinha almoço pros oito filhos, uma mesa grande também, porque o salão lá era grande, e no outro lado era outra tia, e a cozinha era uma outra tia que ficava também.
(00:05:52) P1 - Como que era, assim, o dia a dia nessa casa?
R - Então, eu era… a minha mãe, como costurava, tinha muitas encomendas, né? Vinha as freguesas toda hora e eu me dava até bem com as freguesias. Vinham pra tirar medida, né, porque tinha medida naquele tempo. Cada pessoa tem um corpo diferente. Tem a medida das… e aí a minha mãe, a minha mãe fazia muita costura pra fora, e me mandava na casa duma outra tia, pra não brigar com meus primos, porque eu era filha única, todo mundo ficava por cima de mim né, eu apanhava dos meus primos. Não muito, né, tinha um que me defendia, mas eu ficava mais tempo fora do que dentro, entendeu? Dentro de casa, com a minha mãe, né? A minha tia me levava no fim da tarde, me levava embora pra minha casa, na Piratininga, 1028. Lá que era a minha infância. E… o que eu ia falar?! E tinha meus primos, né, cada um tinha um jeito, né? A gente brincava, tinha o quintal lá embaixo. O quintal… depois brigava. Assim, eu brincava muito de boneca. Foi uma infância… eu gostei da minha infância. Foi uma infância boa, né? Gostei, porque a minha mãe me dava de tudo. Tinha as roupas… depois que eu comecei a crescer, ela começou me dar roupa pra eu me sugar. Chamava-se roupa para sujar.
(00:07:32) P1 - E aí você falou que você brincava de boneca. Que mais você gostava?
R - De boneca, de… não, eu tinha uma vizinha embaixo, que do sobrado, nos fundos, assim, que tem uma varanda e a gente vê as duas casas dos… porque o sobrado era três portas: a 1028, 1030 e 1026. Nunca me esqueço dos vizinhos também, os nomes. Tudo eu sei, né? E lá de cima, a moça que era vizinha do lado esquerdo, a casa, ela chamava Neuza. Ela me chamava: “Lourdes, vem aqui!”, aí eu ia lá embaixo e a gente ficava a tarde toda junta. Naquele tempo, não tinha muitas coisas pra brincar: a gente pegava uma bacia - isso eu nunca me esqueço - de sabão - e não tinha sabão em pó, imagina, era o sabão em pedaço -, a gente pegava o sabão com uma faca e fazia assim, riscava o sabão e ficava batendo. Nós ficávamos às vezes uma hora batendo e fazia aquela espuma, sabe, (risos) pra brincar de algodão doce, de vender algodão doce. Que mais?! Quebra-cabeça, que eu gostava mesmo era de um quebra-cabeça, que eu nunca me esqueci, nem fazem mais, pra fazer castelo. Eu fazia castelo, né? Sonhando, fazendo castelo. Tudo de pedrinha, né? Tinha já os telhadinhos. Também era um dos meus preferidos. E gostava de brincar de bolinha de gude. Veja bem, eu tinha uma caixinha cheinha de bolinha de gude, cada uma linda, colorida, né? Eu lembro que quando eu tive sarampo, ficava dentro do quarto… aquele tempo, o sarampo, a gente se curava, punha tudo vermelho, a roupa inteira vermelha, (risos) pro sarampo sair bastante. E pra depois que passar, sarar, né? É muito diferente agora, né? Você curava com nada, assim, só pondo roupa vermelha, ficando longe do… se bem que eu tinha meu irmão… meu irmão, não, eu tinha… eu tô falando, eu já estou estou pulando na história. Não, eu ficava sozinha, porque era filha única. Meus primos ficavam tudo longe de mim, de medo, né, do sarampo, que o sarampo pegava naquele tempo. Não sei agora como é que é. Então é isso, foi uma infância muito boa. Do que eu me lembro de idade minha, da idade que começa a compreender alguma coisa, até meus dez anos, foi ótima. Depois, aí comecei a ficar mocinha, já vai mudando um pouco as brincadeiras, as coisas, né? Mas até aquela época foi muito boa: brincar de gude, de… e ouvia muito rádio também, tinha muito rádio naquele tempo e a gente ouvia até novela no rádio. Quando era maiorzinha, já ouvia novela no rádio. Já, desde cedo, eu gostava de novela. Eu gosto até hoje, né?
(00:10:16) P1 - O que vocês escutavam no rádio?
R - Naquele tempo, era… bom, primeiramente, sabe o que a gente fazia? A gente gostava até de propaganda. Tinha uma que falava: “Maria, sai da lata, que aqui dentro tem…”, aí não falava o que que tinha, né? Tinha um ditado, né? Depois tinha outra, da tosse, também, xarope, sabe? Eu me lembro bem. Ah, tinha um que falava muito de um xarope que eu tomei muito de criança, chamado Fimatosan. Era de erva de agrião com mel, sabe? Tem ainda, mas não é a mesma coisa. Fimatosan era muito gostoso. Tinha um outro comprimido que a minha mãe me dava, que vinha… pra começar, as caixas de comprimido vinham numa caixa de papelão redonda assim, com tampa, né? Tudo em papelão. Cada caixa às vezes tinha uma cor, né? E era uns comprimidos que era pra tomar três por dia, mas era tão gostoso, tão docinho e, olha, sem minha mãe ver, eu ia na gaveta onde tava a caixa do comprimido e acho que eu tomava uns sete ou oito por dia ou até mais. Era gostoso, sabe? Não era pra tomar, mas eu tomava. (risos) Eu gostava, né? Poucas coisas que a gente fazia, assim, de doença, a gente tinha pouca coisa. Você andava descalço o tempo todo, né, só tomava banho no fim da tarde. E era gostoso, a gente não tinha muita frescura assim, como tem agora, né?
Isso aí… agora a gente… também teve o tempo que eu ____ de tarde, quando começou a televisão, que eu me lembro, mas eu já era mocinha. Começou a televisão em 1970… 1970, não. 1930 e pouco, né? 1965, 1966. As primeiras, né, aqueles tubos enormes, preto e branco. O colorido foi só em 1975, por aí, mas eles… aí começou outra era.
Mas a gente tinha tempo pra tudo, né, de ouvir o rádio, de brincar, de contar causos. Eles falavam… a minha tia Dilma, a tia que gostava de contar coisa, ela sabia que a gente gostava de coisa de terror, ela contava coisa de terror bem de noite, depois da janta, né? A gente ia dormir tudo com medo. (risos) A minha tia era demais, minha tia Tereza. Mas ela contava tão bonito, sabe? E a gente lembra dessas coisas.
As comidas eram tão simples naquele tempo. A minha tia me mandava cortar, sempre fui boa, habilidosa com as mãos, ia me mandar cortar tomate e dois tomates fazia uma assada desse tamanho, porque eu cortava tão fina, tão fina, (risos) pra render. A gente não tinha muita coisa, até o tomate! Acho que era caro. Eu também nem me lembro agora quanto que era. Agora não se pode comprar tomate, tá tudo tão caro. Aí eu cortava bem fininha as fatias. Ela gostava que eu arrumava a salada, tudo assim, em volta, com os tomates, sabe? Ela gostava. Minha tia Tereza, né? Era bom. As comidas eram simples, mas eram boas. O pão de manteiga daquele tempo não existe mais. Nem manteiga existe mais, agora, boa, porque eu me lembro: o pão era aquele pão tipo italiano, redondo, ela cortava uma fatia desse tamanho e passava bastante manteiga, e nós ficávamos, eu com a filha dela, a Rosinha, minha prima, falecida já há muito tempo, e era uma beleza. Uma infância boa, eu gostei.
O meu pai era jornaleiro naquela época, tinha banca de jornal. Quando ele chegava com os bolsos… ele usava sempre paletó e chapéu, meu pai. Mesmo que… a qualquer tempo ele gostasse de usar o paletó e o chapéu. E os bolsos, ele punha umas moedas no bolso, ficava pesado dum lado e ele andava até torto com tanta moedinha que ficava no bolso dele. Com duzentos réis, naquele tempo de criança, eu comprava quatro pastéis. Duzentos réis, porque cada pastel era cinquenta cents, né, centavos. Agora até me esqueci, porque a vida mudou tanto, mudou tanto as nossas moedas que… mas eu lembro que era réis. Era uma moeda grande, tava escrito Duzentos Réis. Isso eu me lembro. Depois tem a moeda de um conto… acho que é um conto de réis, né? A joia… até esqueci. Acho que ele nunca havia me dado um conto, ele só me dava duzentos réis. Dava pra comprar ou quatro pastéis ou outras coisas que eu queria. A gente gostava de comprar sabe o que quando criança?! Magnésia. Sabe, agora o magnésio vem só no pôr no sol de fruta, por exemplo, mas é parecido com o sal de fruta, era parecido. Comprava por quilo, assim, por pouquinho. Eu punha na boca, fazia aquele azedinho. Dá até vontade de me lembrar agora. É gostoso! Imagine, tinha isso, que vendia nas vendinhas. Sabe o que vendia também? Pinhão. Pinhão cozido. Eles vendiam. Tinha pipoca também, lógico. Mas eram umas coisas diferentes naquele tempo, sabe, e a gente se contentava com isso. Eu queria meus pastéis, toda noite, eu e minha amiga nós íamos comprar pastel, dois de cada um. Com duzentos réis, né? E foi isso, foi passando. Foi bom minha… a gente, a minha tia, que vivia com sacrifício, ia na escola…
eu lembro que os lanches que a minha mãe me dava, lanche de escola aquele tempo era pão com banana esmagada, açúcar e canela, punha no pão e fazia o sanduíche. Ou, se não, era tomate, tomate em fatia, temperado com orégano, com sal e um pouquinho de azeite. Também esse era o meu lanche. Não tinha lanche que tem agora, não tinha nada disso aí. Agora, na saída da escola era legal, tinha umas balas premiadas. Você comprava aquelas balas; se saía uma, pegava mais uma; se saía duas, ficava com duas. (risos) Às vezes eu enchia a bolsa ali, de tanta bala que eu ganhava.
(00:16:03) P2 - E Lourdes, você comentou que você entregava as roupas que a sua mãe costurava. Como é que era você andando pela cidade? Como é que era essa cidade?
R - Não, era assim… eu morei sempre na Piratininga, também lembro de sair… só depois que eu casei, que tive o primeiro filho, eu saí. A primeira filha, eu tava na Piratininga também. Aliás, eu tinha ido morar um pouquinho na Rua da Mooca, lá perto.
Bom, a minha mãe quando fazia as costuras, era a seguinte: não tinha… era tudo perto as amigas da minha mãe, as freguesas, a gente falava, né? E ela… (Tô vendo que tem uma coisa aqui). Não, era papel, né, aquele papel de embrulho. Ela dobrava roupa, dobrava com alfinete numa ponta, noutra e lá ia eu, levava a caixinha das freguesas. Ganhava alguma coisa pra comer, gostosa, sabe? Tinha uma que me dava caixa de uva. Porque a gente vivia difícil na nossa vida de criança, né, então quando alguém tinha aquelas uvas grandes, rosadas, que eu gosto até hoje. Eu não gosto de uva estrangeira, eu gosto da uva, essa uva mesmo, da niagara [rosada]. E eu gostava. Bom, tinha outro que me dava bolo gelado, que era uma delícia. Geladeira, minha mãe foi a primeira a comprar, mas não é geladeira dessas aí não, era geladeira com gelo: comprava uma pedra de gelo, eles deixavam na porta do meu sobrado, embaixo, um gelo. Uma vez por semana, uma pedra assim, embrulhada até naquele saco de estopa. Esse saco acho que de ensacar cereais, sabe? A gente pegava a geladeira… embaixo era a geladeira. Era marronzinha. Não era nem plástico, nem o que tem agora. E tinha em cima, que era o freezer, no caso, e o freezer que punha a pedra de gelo, né? Ficava gelando embaixo.
Foi muito boa a minha infância, eu acho que foi bem melhor do que das meninas que tem agora, que a infância, até agora, eu acho que foi melhor. Eu, né? Agora, eu voltaria tudo outra vez, pra fazer até coisa diferente, porque a gente não tinha muita ambição, talvez.
Era um momento diferente, né? O tempo da guerra lá, da Segunda Guerra, que eu sou de 1938 e em 1945 que terminou [a guerra]. Eu já comecei a me lembrar bastante das coisas. Mas antes de 1945, em 1943, mais ou menos, passavam os aviões, que vinham, não sei da onde que eles vinham. Nem sei dizer pra vocês como é que era. Eu sei que, enfim, nós tínhamos que ficar uma vez por semana, eles avisavam [que] ia ter blackout. Blackout seria: desligavam todas as luzes da cidade, que ia passar os aviões, pros aviões não verem luz embaixo, né? Eu não sei pra onde eles iam, aqueles aviões. Acho que eles queriam atirar também, não sei. (risos) Eu tinha um tio que fumava naquela época, que nem [como] eu fumo agora, mas meu tio fumava naquela época e ele tinha que se esconder embaixo da mesa, que a gente não deixava ele acender o cigarro, porque ele queria acender o cigarro. Tinha que ficar meia hora sem acender luz, sem nada, e ele não aguentava ficar sem fumar, ele ficava embaixo da mesa, (risos) bem num cantinho, fumando, né? E, nossa, medo dos aviões verem um cigarro. (risos) Imagina. Era tudo medo, sabe? E não era só isso que a gente via no escuro, viu, de vez em quando passava uma coisa que eu detesto: o topzinho. O top, que é ratinho. (risos) Ratinho. O bicho que mais eu tenho ódio… não é ódio, é pecado falar. É nojo, eu tenho medo, muito medo, de rato. E a casa era velha, então nós, dentro de casa, que passava o rato, a gente via na sacada, que tinha sempre, de fora, não pra rua, uma sacada que dava pro quintal, tinha um parapeito assim, tem umas coisas pra dividir os pedaços, né, com ferro, a gente via ele subindo assim, (risos) a gente queria gritar, todo mundo tapava a boca da gente. A gente tinha pavor da guerra.
E sabe outra coisa que me marcou na guerra? O pão, que não tinha pão. Não tinha farinha, então o pão era controlado e tinha fila do pão, que era chamado. Uma vez por semana, cada um podia pegar um filão de pão assim, não muito grande e lá ia eu de madrugada, tipo quatro, quatro e meia. Ia eu, minhas primas… tinha um monte de prima lá, né? Nós íamos tudo pra pegar pão, cada uma pegava uma, porque a família era grande, né? Um pão gostoso! Adorava o pão. Gostava, melhor que o pão de agora. Agora não sei o que que eles põem no pão. Pra mim o pão agora não é pão mais, não, viu, nem a manteiga; as duas coisas que eu gosto.
E é isso, filha, minha vida passou rápido. Naquela época, né? Podia ter ficado mais paradinha um pouco, né, mas não ficou. Foi indo, foi indo.
(00:20:45) P1 - Lourdes, você comentou da escola, do lanche. Quando você entrou na escola?
R - Então, eu sou de 1938, aquele tempo não podia ser antes de sete anos. E como as escolas começavam em fevereiro, começo de março também, eu sou de primeiro de março, porque eu nasci… pra falar a verdade, acho que acho que eu menti no começo, porque eu, perante a lei, sou de primeiro de março, em registro, porque naquele tempo os pais demoravam um pouco pra registrar, e eu nasci em dezessete de fevereiro e março… fui registrado só em março, né? Então teve que pôr o dia do registro, não podia pôr que era dezessete, não sei porquê. Bom, também é uma coisa que eu omiti, né, do começo, agora eu vou falar com muito orgulho, porque eu fui muito bem criada, eu acho, pela minha mãe.
Era minha mãe, mas não era biológica, né? Então, eu fui de mãe não biológica. E naquele tempo faziam registro normal, assim, já era finalmente, porque eu me lembro que eu nunca soube. Quando tinha os meus oito ou nove anos, que eu estava indo comprar umas coisas de costura pra minha mãe, que ela costurava - eu ia comprar as linhas, as coisas que precisava -, eu vi a pessoa daquela lojinha, que eu sempre ia na mesma lojinha, comentar com uma outra. E a minha mãe me vestia sempre muito bem, então ela falava: “Olha aquela moça bonita”. Ela falou: “Ah, não é filha da Lutia?”, eles eram italianos e falavam Lutia, em vez de Lúcia. “Não é a filha da Lutia, que ela pegou pra criar, aquela menina?”. A outra deu cotovelada nela e falou: “Fica quieta, que ela vai escutar!”, eu escutei, mas eu fingi que eu não escutei. Depois, chegando em casa, eu não perguntei pra minha mãe. Aí eu fui, já sabia onde ela guardava os documentos, no guarda-roupa, me fechei no quarto e peguei os documentos e vi meu documento lá no nascimento, né? “Filha legítima de Vitor Antônio Maiellaro e Lúcia Lamana”. Então eu fiquei sossegada que eu não era [adotada], mas depois, quando a minha mãe morreu, que eu soube que eu não era [e] ela não queria contar. Parece um romance, né? Mas ela não quis contar e contou no leito de morte. Não pra mim, pra outra, minha filha. Não essa que tá aqui, a outra, Maria Lúcia. Aí que eu admirei mais ela ainda, porque sempre pra mim ela foi minha mãe, né, e é até hoje, mesmo no outro mundo. É isso aí.
E o que você tá falando da escola, então, a escola era bem longe, né, e naquele tempo os uniformes eram brancos. Eu sou do tempo da caneta tinteiro. O tinteiro da carteira, tinha o tinteiro aqui, assim, dois buraquinhos, que a professora, antes de dar aula, colocava tinta. E a caneta era de madeira e a ponta se chamava pontão. Olha, lembro da marca da pena, que a gente comprava pena, né, isso quando comecei a escrever: chamava Mosquito, Pena Mosquito. Uma pena, [que] ela encaixava na peça assim. Tinha mata borrão, que vocês nem sabem o que é. Eu comprava… a minha mãe me comprava todos os mais bonitos, né? Tinha um que era viradinho assim e fazia assim, ó. Porque se escrevia, se você pegava, punha logo outra coisa em cima, borrava tudo. Tinha que esperar uns cinco minutos, por aí, um pouco mais. E era do tempo de matar borrão, eu era. (risos) Era bom, era gostoso. Eu não via a hora que começava, porque a gente só escrevia caneta no terceiro ano. Primeiro e segundo era só o lápis, né? Terceiro e quarto já era caneta. Muita saudade da escola. A escola não te falei, mas se chamava Grupo Escolar Romão e Puggariy. Olha que difícil: era P-U-G-G-A-R-I-Y, Puggariy.
Vocês… não esqueci o nome, nunca fiz… agora eu tenho até no celular o Google, (risos) mas eu às vezes eu esqueço das coisas, que eu tenho Google. A minha filha às vezes eu pergunto pra ela alguma coisa: “Ah, vai ver no Google!”, é tudo Google, coitado. Sei lá porquê esse Google sabe tudo (risos) e eu não sei nada. Fico pensando, né? Mas é isso aí.
É bom viver agora, mas pra mim foi melhor ter vivido naquele passado. É passado, mas é gostoso. Pra mim, né? Sentir o cheiro do que, do…
não, tinha um tio meu… vou contar uma coisa engraçada, também na Piratininga, que era todo mundo junto, era uma baderna aquilo lá. Engraçado as casas lá, quanto maior as casas… os banheiros, sempre se faziam um só, não sei porquê. (risos) Uma coisa até "papeada" de televisão, porque era um banheiro só. Eu, na minha casa, que eu moro agora só com a minha filha, eu tenho quatro… quer dizer, é uma suíte, o outro, o outro, o lavabo e o de empregada, nos fundos, né? Quatro. Imagina, aquele tempo era um só e a fila pro banheiro era uma coisa engraçada, até de piada, a gente fazia fila mesmo. Eu, de sábado, principalmente, era mais banho, viu, filha? Não quero falar coisa feia, mas não era tanto banho que nem vocês tomam hoje em dia. Vou falar a verdade. Lavava-se, ninguém acho que fedia, nunca vi ninguém fedendo, graças a Deus, falar a verdade, mas que não era que nem agora, não era. E… o que eu ia falar?! Eu sou do tempo do banheiro… menina, papel higiênico era aquela coisa de luxo. Nós comprávamos, mas nós, quando vinha a visita, a gente ia correndo pôr papel higiênico, senão não era papel higiênico, não, viu? Mas não vou contar o resto. (risos) Não é pra rir, menino! Então, o meu tio, o que ele fazia: tinha uma porta que dava pro banheiro, aquelas portas modernas, sabe? Agora é moderna, naquele tempo aquela casa era moderna, era um casarão chique, né? Naquele tempo era chique. Tinha uma porta que batia assim, o meu tio abria aquela porta e punha uma cordinha do lado do outro… tinha dois pregos na porta pra matar cabrito. Todo Natal, todo fim de ano, ele matava um cabrito lá dentro de casa e comprava o cabrito vivo! Punha no corredor, que tinha na sacada, e aquilo lá, uns três dias antes do Natal ele fazia isso. MÉ!!! Sabe o cabrito, como faz o cabrito? Eu e minhas primas, no dia que ele ia matar, ele falava o dia que ele ia matar, [que] ele tinha que sentar, arrumava a cadeira, tinha que amarrar os pés do cabrito. Nós íamos embora dali, porque ele queria que nós fossemos embora, não queria que ninguém chorasse por causa do cabrito. A gente chorava: “Não mata, não mata!”, e ele matava o cabrito. Porque se matasse… se a gente chorava e ficava com pena do cabrito, o cabrito demorava pra morrer. Era o folclore do momento, né, ele não morria logo. Então nós íamos embora, que ninguém queria ver o cabrito morrer. Mas bem que a gente gostava, sabe do que a gente gostava do cabrito? O miolo. Tinha briga pra comer o miolo, porque o miolo do cabrito era enorme. E a gente comia isso. A coisa mais chique pra nós era o fim do ano mesmo, o Natal, entendeu? Era muito valorizado: todo mundo junto, depois todo mundo jogando tômbola até altas horas, sabe? Tômbola marcada com feijão. Não é que nem agora, tudo coisa moderna, né? Pra jogo, aquele tempo, era o feijão mesmo: pegava um monte de feijão, cada um [com um] montinho pra marcar as tômbolas lá… como é que chama? Que ela… os números, né? Ela cantava nas pedrinhas lá, e tinha o cabrito e tinha a missa do galo, que a gente fazia no Natal. Eram bonitos os Natais.
Agora, meu Deus do céu, eu me mato no Natal gente, eu me mato de fazer coisa. Sabe, pra quê? Ninguém come nada, sobra tudo. É só pra ver, é só pra "inglês ver", sabe? No nosso tempo, não, ia na… a gente comia antes, na véspera de Natal, né, pelo menos. Os presentes eram deixados… como a gente não tinha meia, a gente… tinha gente que costumava pôr meia, mas se a gente queria pôr um sinalzinho, a gente punha um sinalzinho, um sapatinho, alguma coisa, em algum lugar. E era nos pés da cama que deixava, então a gente queria ir dormir logo. As mães, muito espertas, né, pra gente não ficar acordada até tarde: “Não, [se] você não dormir, você não vai ganhar brinquedo do Papai Noel”, e a gente ia. Depois da missa. Acabava a missa, ia todo mundo na missa, né, já chegava, já ia direto pra cama. Era uma beleza, eu achava bom. Depois que almoçava bem, porque não tinha esse negócio de ceia, que eu nunca gostei na minha casa, [de] ceia. Não é que eu não goste, eu gosto de rezar na ceia. Não ficar fazendo coisa, entendeu?
(00:29:27) P1 - Essa missa que você comentou, a Missa do Galo, era em qual igreja?
R - Na San Gennaro. Eu morava na Piratininga, 1028. A minha história, que eu tô contando agora, é tudo no 1028. Até bom pra jogar no bicho.
(00:29:42) P1 - E vocês iam muito à igreja?
R - Missa todo domingo, confessar era sábado. Confessava e a missa era no domingo, a Missa das Moças. Até eu me candidatei e fiquei [como] filha de Maria, era chamado. Tinha que usar uniforme branco, a parte de cima branca, né, debaixo podia ser outra cor, e tinha uma fita azul com a Nossa Senhora pendurada. E aí tinha a quermesse na igreja, né? Às vezes tinha quermesse. Tinha o teatro, que eu conheci meu marido no teatro, na igreja San Gennaro.
Nos fundos da igreja tinha até uma ladeirinha que descia, tinha o salão grande que eles faziam teatro pra angariar fundo pra igreja, né? E eu conheci meu marido no dia 22 de dezembro, antevéspera do Natal. A gente fazia, fizemos uma… eu não participei no no teatro, mas tinha quem participava, né? E conheci meu marido lá, na igreja.
(00:30:47) P1 - E essas quermesses, como eram?
R - Vendia as coisas que a gente sabia fazer em casa, né? A minha mãe fazia pudim, manjar branco com ameixa, calda de ameixa, outra, minha tia gostava de fazer doce de abóbora, fazia um doce de abóbora. Uma delícia, né? Depois tinha pinhão, tinha pipoca, tinha um monte de coisa. Tinha prenda, né? A gente dava as prendas, ia comprar as prendas. Tinha as barraquinhas de acertar, que nem agora tem, [mas] menos sofisticado, é coisa mais… tem um parquinho também, que eu ia muito nesse parquinho, com balanço. Imagina o balanço, como é que era, do parquinho: era de madeira, parecia até um naviozinho pequeno assim, tudo de madeira, né, e ele ia pra lá e pra cá, pra lá e pra cá (risos) balançava. Tinha um cinto que a gente segurava, mas é tão diferente dos parques de agora. Depois tinha trem fantasma, que a gente morria de medo, mas era umas piadas tão bobas do fantasma. Sabe, aquele que tava no banheiro, num sei o quê? Não dá até… aquele que dá um susto assim: AAAH. Mas era coisa besta. Perto do que tem agora, minha filha… que eu nem gosto de ver, eu não acho graça nessas coisas, porque essas coisas nunca me meteram medo. Mas o trem fantasma lá não tinha (risos) igual, viu? Roda-gigante também! Mas a roda-gigante, perto dessas que tem agora, era pequena, era bem pequena. Eu adorava a roda-gigante e o balanço, que eu sempre gostei de me balançar.
Quando eu viajava com a minha mãe, não tinha que morar… não tinha, não, não tive muita tia, porque não tive, né, fui filha única. Depois ainda casei com meu marido também, que estavam todos na Itália e ele estava sozinho aqui, né? Então sempre fui muito só, assim, nessas coisas. Tinha amizades, né?
Onde tinha árvore, tinha um balanço e eu ia no balanço. Eu me balançava tanto que chegava quase a dar volta. Agora, se eu faço um negócio desse, já fui embora. (risos) A saudade daí. Essa é a saudade que dá na gente, né, que a gente gosta de voltar pra trás, mas como não pode voltar pra trás… roda-gigante também, se você faz assim, depois ela faz assim, o que acontece? (risos) Cai todo mundo.
Então a vida é essa, só pra frente, né? A mente é boa porque ela volta sempre quando ela quiser, agora eu posso voltar pro… queria comer aquele pão, que já está me dando fome, com manteiga e um café bem quentinho. A minha tia Tereza também… as minha tias mulheres, era tão simples antigamente, ou elas estavam _____ ou elas estavam fazendo bolo, um bolo gostoso, cheiroso, ou elas tavam costurando na máquina de costura, (som de máquina de costura) sabe? E minha tia ficava na máquina de costura, eu com a minha prima, Rosinha, ficava no portão da casa delas - no caso, era um sobradinho, mas é uma casa com uma rua… até a rua onde morou essa minha tia era atrás da Igreja San Gennaro. Eu morei muito naquele pedaço da Rua da Mooca. Não sei o número da igreja, mas a igreja ainda existe. Se vocês vão procurar lá na Rua da Mooca a Igreja de San Gennaro, vocês vão ver. São Januário, né? Fala São Januário em português, mas é San Gennaro pra nós, italianos. A San Gennaro era boa, tinha uma vendinha do lado e meu marido quando chegou da Itália, perto da vendinha, tinha uma pensão, que no tempo que ele chegou pro Brasil, que vinha muita gente, fugindo da guerra, praticamente, né, que a guerra terminou em 1945 e até os [anos] cinquenta era uma miséria em quase todo lugar, na Europa nem existia… quer dizer, não existia, era ruim, a Itália era ruim.
Faltava tudo na Itália. Tanto que quando eu fui em 1964 na Itália, ainda estava ruim, mas não tanto, né, e o que tinha muito lá era ovos. Nunca me esqueço. E banana. Só que ovos, a minha sogra tinha sítio, ela criava as galinhas, nunca matava as galinha pra ela… até a galinha dar ovo, ela não matava a galinha, né? E ela ia vender cada ovo por preço de um ovo, não me lembro quanto que era; não era dúzia, que nem agora você compra uma dúzia, compra meia dúzia, duas dúzias. E a banana! Quando ela viu que eu… eu fui lá, estava acostumada com a banana no Brasil, em 1964, e a banana era coisa de luxo, né, pelo menos na casa da minha sogra. E a gente… é lógico, quem tem dinheiro sempre tem tudo, né? Ela não comprava banana e quando eu ia na feira, eu comprava meia dúzia, né? “Como você comprou dúzia? Você pagou um dinheirão nisso aí!”, “Não, come vó”... eu falava “mãe”, eu chamava ela de mãe. Agora eu me lembro. Italiano logo que casa a sogra é mãe, a mãe… a sogra, [a mãe] do marido é [sua] mãe também, tudo mãe. “Mama”, eles falam, né? E minha sogra me adorou, né? Por causa disso também, ela comia bem quando eu tava lá [na Itália]. (risos) E é isso a vida, viu? Era simples, né?
Eu nem sabia… por exemplo, carro, né, você pensa que eu olhava pro carro pra alguma coisa? Eu ia atravessar a rua e olhava pro carro pra ele não me atropelar, tomava cuidado e nem tinha muito carro, mas nunca soube marca de carro, preço de carro. A gente nem almejava um dia ter carro.
Telefone, então, menina, eu tinha medo do telefone, porque era uma coisa difícil. Quando eu tinha os meus dez, doze anos, eu tinha uma amiga que morava em frente à minha casa, sem ser aquela de baixo, que eu tive uma outra embaixo do sobrado… essa outra era a Rosinha, ela era considerada rica, a mãe dela dava aula de datilografia na casa dela, na sala, mas ela tinha outra sala. Bom, ela tem umas coisas que ninguém tinha: piano… que ela estudou piano, ela e a mãe dela. A coisa… imagina, ter piano naquele tempo. Tinha sofá! Sofá, naquele tempo, que nem tem agora, quantos sofás já troquei na minha vida. Aquele sofá gostoso de sentar e telefone, que a gente brincava no telefone. Já, naquele tempo, a gente dava trote de mocinha: a gente marcava com os mocinhos que ia no cinema e falava com que roupa ia e não ia com aquela roupa. Menina, coisa mais engraçada. A gente ia com outra roupa e via dois caras olhando pro lado, olhando pro outro: “Acho que é aqueles lá que nós marcamos”, que nós não conhecíamos, né? Nós fizemos duas, três vezes essa brincadeira. Ai que coisa doida, viu? A mãe dela queria bater nela quando soube, né, quando contava. Minha mãe, eu escondia da minha mãe, mas a mãe dela era mais moderna - tudo queria saber onde a gente estava, o que aconteceu -, ficava brava. Fazia os moços de bobo. Às vezes era bonitinho, a gente se arrependia, queria (risos) voltar, essas coisas. Quer dizer, era chique ter [telefone].
Televisão nem se fala… depois, né, começou. Meu tio foi o primeiro e ele fechava o quarto dele e ia trabalhar, porque morou tanta gente naquela rua, naquela casa lá, que pra eu contar tudo direitinho, eu preciso começar bem devagarzinho. Mas ele pegava, ele ia trabalhar e trabalhava no Matarazzo. Naquele tempo, o Matarazzo agora onde é a Câmara Municipal, sabe, que ele tem lá no começo de um Viaduto do Chá? Lá era o Matarazzo, a fábrica… a fábrica, não, os escritórios do Matarazzo, né? Meu tio trabalhava lá e ele comprou a televisão primeiro, mas ele fechava pra ninguém ver. Era preto e branca, né, num tinha muita graça. O duro era a antena, que não pegava direito, porque precisava ficar no telhado. O nosso… quando eu morei na Água Rasa, 55… 58! Meu filho é de 1958. Eu fui morar na Água Rasa, Regente Feijó, aí a gente ficava, passava o sábado e o meu marido em cima do telhado, e eu embaixo, e ele gritando ____ antena, porque a gente queria uma imagem perfeita e não tinha. Imagine, era cheia de sombra. Quando tinha uma imagem perfeita, a gente ficava tão feliz da vida. E ia na casa de alguém, tinha uma inveja: “Puxa, aquela televisão pega uma imagem tão bonita e a nossa”... a gente ficava em cima do telhado e mexia na antena, às vezes ficava boa, né? Mas depois de qualquer ventinho, ela mexia. Era horrível! Nossa, o que existe agora é maravilhoso, né? Isso aí eu acho maravilhoso. Do que adianta ser maravilhoso e a pessoa não dar valor nenhum, né? A gente tem tudo, não dá valor em nada, acha que é tudo normal. Não é normal, não. Vive no tempo que eu vivi pra ver como era diferente. E era bom, eu achava que era bom, entendeu?
(00:39:17) P1 - Voltando um pouquinho: você falou que aí, com uns doze anos, você e sua amiga gostavam de passar esses trotes. Que mais vocês faziam pra se divertir nessa época?
R - Sonhava, filha, sonhava. Sabe como sonhava? A gente falava "tirava a linha", naquele tempo chamava "tira-linha"… a gente não saía com os rapazes. A minha mãe só me deixava na Piratininga, no sobrado… a rua da Mooca era aqui, aqui tinha uma outra rua que se chamava rua Placidina, nunca me esqueço, ela não existe mais, porque tá passando, naquele lugar da rua Placidina, a Radial Leste. Sabe aquela coisa grande da Radial, né? E cortaram pelo meio, a Piratininga, né, mas ainda existe a Piratininga. E a minha mãe ficava na janela, de vez em quando ela saía… se eu saía daqui, eu virava um pouco a esquina pra ver qualquer coisa, ela achava ruim: “Eu não vi você, onde você está?”. Não deixava nós sairmos, então nós não saíamos. A gente "tirava a linha" com os moços que passavam, entendeu? Ah, "jogava" muito!
Agora que eu estou me lembrando, menina. Vixe, eu estava esquecendo. Porque eu jogava muito… antigamente a gente chamava de tamborete, era que nem um bate-bolinha assim… como é que fala agora, na praia? Agora eu já esqueci. Mas era de madeira, era que nem um pandeiro assim, mas não era pandeiro. Tinha uma capa durinha e era de peteca. Peteca de verdade, petequinha. Como é que chamava no meu tempo?! Agora eu não me lembro como chama. Eu sei que ficava jogando o tempo todo e eu era boa nisso, jogando essas coisas, sabe?
E depois, nós, eu com a minha amiga, a gente, quando chegava no dia de Santo Antônio, que é o santo casamenteiro, a gente fazia simpatia pra ver com quem ia casar: tinha que pegar não sei o que de chumbo e derretia, e precisava deixar, ver o que deu quando derretia, o que tinha dado, qual é o sinal que dava. E, pra mim, umas duas, três vezes, minha (esmola?), sem brincadeira, saía o navio, no barco. Como era tipo de um barco, era um naviozinho e eu viajei pra Itália duas vezes de navio e conheci meu marido italiano, que veio de navio também, entendeu? Deu, pra mim deu certo.
E ela, se eu não me engano… depois eu perdi contato com ela… isso que é a triste dessa vida. As parentes a gente ainda se vê até hoje, mas quando é conhecido, que mora numa rua, mudou completamente de rua, a gente não se vê mais. E até um conselho que eu dou pra gente jovem, viu, tenta ter amizades e tenta manter as amizades - quando ela é boa - até o fim da vida, sabe? Porque é muito importante, sabe? Porque aí você teria aquelas pessoas que eu tô falando tudo isso, que eu sei duas, três pessoas, de mais chegada, a não ser meus primos, porque até hoje - muitos já não tão mais aqui - a gente pode falar do passado. É gostoso falar do passado, né? E se a gente não tem mais ninguém, a gente vai falar com quem, né? Eu sinto isso, eu sinto falta. E vocês podem ainda fazer isso, porque… bom, agora, com os contatos que existem, acho que é difícil perder contato. Só se perde quando se quer, né? Finge que num tá mais e pronto. Mas senão você num perde, não. Penso eu, não sei. (risos) É isso, filha, parece que foi comprida a minha história, né, mas ela é, tem muita coisa, muita coisa ainda, que a gente vai lembrando aos poucos. Gozado. Por isso que eu falo que recordar é viver. Conforme você vai falando da data, eu vou me lembrando. Tinha falado do meu tio, do cabrito, que matava o cabrito.
Agora você falou: “O que a gente falava com a minha colega?”, a mãe dela era, como eu falei, professora de datilografia. E de noite, a minha mãe dava aula de costura pras alunas. É no sobrado. E em frente ao sobrado, que era minha amiga, num sobrado menor, lógico, tinha a sala da "coisa", [da datilografia]. E a gente ia na casa dela, passava pela sala, que estavam aprendendo datilografia, ia pra cozinha, pra comer um lanche, comer uma coisa, né? Ia na outra, no quarto… eu andava, né, e a mãe lá trabalhando. E na minha casa, minha mãe dando aula de… também não ficava muito com a minha mãe. A gente fica… aí, tá, vai fazer o quê? Ia de um sobrado a outro, conversando. Era simples a vida da gente.
Aí teve uma época que começou o rádio a ser mais difundido e eu me lembro muito bem da época de um cantor italiano que veio pro Brasil, que era Domenico Modugno. [Era no] tempo daquela música que ficou famosa no mundo inteiro: Volare. Não sei se vocês sabem: (canta) “Vooolare”, né? Então, eu cantei aquela música… ah, tinha outra coisa que a gente fazia: todo Carnaval… era bonito os carnavais, viu? Eu ficava só na rua, não ia em salão, nem nada. Ficava com a minha vizinha debaixo, [que se] chamava dona Bárbara: até tinha o apelido que ela matava gato quando ia chegar o Carnaval, pra pegar o couro do gato pra fazer pandeiro. O marido dela. Nós nunca descobrimos se é verdade ou não. (risos) Até hoje. (risos) Fazia pandeiro com o couro do gato. É! Ele tinha o cordão dele, o chamado cordão. Não é dos puxa-sacos, mas é um cordão. Chamava o cordão, ele saía com o cordão e a gente ia atrás do cordão, né? O Carnaval era simples. Lança perfume, menina, que vocês acham que tem tanta coisa ruim, eu adorava lançar perfume. Então eu já era drogada. (risos) Desculpa falar, eu não sou, não. (risos) Mas, ó, se você me falar que você quer droga, vocês falam… mas eu adorava! A minha mãe me comprava um por noite. Começava o Carnaval pra mim [na] sexta-feira, depois sábado "gordo", o domingo, segunda, depois terça-feira "gorda". Era quatro… era cinco dias, quatro dias, depois você tinha que tomar cinza na igreja, mas não era cinza. A gente falava Quarta-Feira de Cinzas, mas não tinha nada de cinza. (risos) Eu falava: “Por que Quarta-feira de Cinzas?”, “Não, porque quarta-feira você tem que esquecer do Carnaval, pedir perdão [por] tudo que você fez de errado no Carnaval, pra continuar a vida”. Eu não tinha feito nada, eu só tinha ficado a lançar perfume pra lá e pra cá. Era tão simples, eu adorava lançar perfume. Minha mãe me fantasiava, todo ano me fantasiava, cada ano de uma coisa. Adorava, viu? Adorava o Carnaval, tanto que eu me fantasiei de baiana. Tinha que ter trazido, aquele retrato tá maravilhoso. Eu gostava da Carmen Miranda, né, então me fantasiei de baiana, com as frutas na cabeça. E era assim, o Carnaval era gostoso.
Então, pra começar, voltar, o Carnaval me chamou atenção, pra mim, pra uma coisa: a gente tinha como obrigação você decorar todas as marchinhas, as letras. Tinha o tal de Francisco Alves, coitado, que faleceu. O primeiro choro feio na minha vida, que eu fiz, que eu vi uma morte de perto mesmo… não vi, soube. Eu adorava ele como cantor, Francisco Alves. Procura no Google. Vocês têm Google, né? (risos) Procura na… ele cantava uma música assim: “Não queira, meu amor, saber da mágoa”, sabe? Era lindo as músicas de chorar, você chorava com as músicas dele. Ele tinha umas músicas bonitas. Então, como eu estava falando, a gente sabia de cor as marchinhas. Não tinha aquela: “Oi, você aí, me dá um dinheiro aí”?! Depois tinha: “Aqui, no palácio, no salão”… agora é moderna, né? Perto daquele tempo, essas que eu tô falando pra vocês é moderna. Moderna, mais ou menos, que vocês é tanto… quem gosta de Carnaval e vai em baile antigo, que acho que nem existe mais isso, né? Agora só existe coisa ruim, filha. Desculpa falar, eu digo que é coisa ruim, sim, porque fizeram o Carnaval do Diabo mesmo, porque ele é do Diabo, a minha avó falava que era do Diabo. Eu não podia falar de Carnaval, minha vó não queria: “Não vai sair no carnaval!”, ela falava. “Ai vó, nós vamos ficar aí na porta, não vamos fazer nada”, eu era proibida de ir no carnaval naquele tempo. Carnaval mesmo, né?
Porque tem o salão e eu gostava de ir no cinema que tinha na rua Piratininga chamado Cine Ideal, lá perto tinha um lugar que a gente comprava algumas coisas gostosas de comer, eu com a minha amiga… era bem um quarteirão. Dois quarteirões, pra mim, era longe, minha mãe não gostava que eu ia lá. E o cinema… o que eu ia falar do cinema? Tinha… ah, tinha o baile de Carnaval, né, e a gente ia na hora que sabia que o baile ia terminar… que ia começar primeiro, né? Terminar, não, nós não ficávamos até tarde. E via tudo as meninas entrarem de fantasia, no Carnaval, e eu tava fantasiada e não podia entrar, minha mãe não queria dar entrada, não me dava dinheiro pra entrada. E quando eu comecei a ir no cinema, que eu fiquei maiorzinha, queria ver filme proibido de doze anos, de quinze anos - sei lá quanto que era a proibição, já esqueci -, eu pegava aquela minha amiga Neuza, duas vezes eu peguei o documento dela e tinha que falar na porta da entrada que eu me chamava o nome dela, tinha que decorar o nome dela. Era Neuza Vino, ela chamava. Ela engraçado, viu? Ela era mais velha e ficava toda contente que eu tinha conseguido entrar. Eu me disfarçava de idade, né? E gostava. Era coisa boba que a gente fazia. Os filmes eram em uma sessão, sessão das moças. Segunda-feira primeiro tinha o Jornal Nacional no cinema, porque como não tinha televisão… tinha aquela música do Jornal Nacional… como é aquela música que toca até agora, com o William Bonner? Tem essa música. Aí aparecia na tela e aparecia aquelas vozes [de] locutor assim, antigo, né, falando “Jornal Nacional”, tudo que tinha acontecido, as notícias. Depois acabava aquilo, tinha trailer; depois do trailer, tinha o Flash Gordon, tinha o… toda semana passava um pedaço, de capítulo, né? Aqueles desenhos de capítulo do Flash Gordon. Acabava sempre no pior, né, que iam matar ele, que ele ia cair no poço. (risos) Era tão legal. Depois tinha um filme espanhol e um filme italiano, geralmente. Não tinha um americano, pra… dois filmes, menina! Tinha dois filmes. Tinha intervalo. Sabe o que a gente levava pra comer no cinema? Sanduíche mesmo. A gente fazia lanche dentro do cinema. É! (risos) Vai fazer agora [pra ver]. Eu adorava, viu? ____ segunda-feira no cinema, chorava nos filmes, porque os italianos eram sempre de chorar, os espanhóis, tinha um mexicano que era… o Cantinflas. Procura esse nome também no Google, você vai ver quem era. O Cantinflas era um mexicano e ele era hilário. Era demais, engraçado.
(00:50:20) P1 - Lourdes, então, voltando um pouco pra igreja, do teatro, que você falou que cê conheceu o seu marido lá: como foi esse encontro?
R - Então, eu tava… fazia muito calor, ele tava de pé… o teatro tava cheio, eu tava sentada acho que não muito na frente, mas mais ou menos no meio, com a minhas amigas, tava com um vestido lindo, era véspera de Natal. Antevéspera e fazia calor, não sei se eu tinha levado o leque, acho que tinha, porque tinha muito leque naquele tempo. Não tinha ar-condicionado. (risos) E olhava assim e via um moço lá de pé, tava assim… os olhos verde bonito, grande, ele tinha, parecido… gozado, era parecido, com uma carinha de italiano mesmo. Então, os olhos claros [e] bonitos chamavam atenção. Bom, acabou o teatro, tudo bem. Ele me seguiu, ele tava com os outros amigos e eu morava aqui. Era a igreja rua da Mooca, morava na Piratininga. Ele me seguiu. Eu entrei no 1028 com a minha amiga, minha amiga Neuza entrou na casa dela, que era do lado, a porta do lado, e aí eu subi correndo a porta, que eu tava, sabe, aquela idade, eu tinha quinze anos, não tinha nem dezesseis. Primeira paquera, assim, que me seguiu, né? Eu falei: “Nossa, alguma coisa ele quer mesmo”, tava assustada, a gente… sei lá se partiu o coração, acho que sim, né? Tem coração, é pra bater. Bom, aí subi lá correndo e fui na sacada. Você não acredita, abri a minha sacada assim, fui olhando devagarzinho, pra ver se eu via ele. Conforme eu faço assim, tá lá embaixo assim. (risos) Eu entrei correndo! Nunca mais quis sair na sacada. Não saí mais! Depois ele me contou, com o tempo, né, ele falou: “Por que você não ficou me olhando? Eu queria falar com você”. Eu falei: “Quem ia falar com você?”. Ele era italiano, falava com um sotaque italiano, mas eu entendia, era de família italiana, né? Foi a coisa mais engraçada. Isso foi em dezembro. Em março, ele fez anos, dia 26 de março - tá até chegando agora - e eu dei uma camisa pra ele. Imagina, a gente já tava se paquerando assim, mas ele já tinha ido na minha casa. Agora tenho que contar antes desse dia. Ele falou: “Ai, eu queria falar com a tua mãe”, “Falar o que com a minha mãe?”. Eu me fiz de boba, né, eu sabia que era pra namorar. “Ah, só quero falar com ela”, “Ah, então vem jantar em casa”. Logo convidei, né, pra jantar em casa e tudo. Minha mãe fazia umas comidas italianas boas. E ele contou que ele tava passando, comia mal na pensão, né, começou a conversar assim, veio jantar.
Depois ele fez… primeiro eu fiz anos em março, os meus anos, de fevereiro, dia dezessete, ele deu uma caixinha, que naquele tempo os presos faziam coisas artesanais. Acho que até hoje, né? Mas agora eu não sei mais de preso nenhum. (risos) Não, assim, aquelas coisas de prisão. Ele me deu uma caixinha grande assim feita com linha, tudo colorida, mas feita com linha. Por dentro era tudo veludo vermelho. Era um porta joia, e tinha um colarzinho de strass, uma pulseirinha de strass, o anel de strass e o brinco de strass, pendurado. Tudo dentro da caixinha. Imagina, que lindo, né? Acho que era caro naquele tempo.
Ele trabalhava já, né, trabalhava na avenida Presidente Wilson, que ele ia à pé lá da Mooca. Ele morava na pensão do seu… como é que ele chama?! Seu Pedro! Lá do lado da igreja. Nós fazíamos tudo lá perto, nossas paqueras era tudo perto da igreja, sabe? Tinha bailinho que a gente dava na casa da gente. Na minha casa eu nunca dei, porque minha casa era uma casa de passaguaia, que nem A Grande Família: era uma confusão! Uma confusão. Entra um, sai outro, entra outro, sai outro, porque era muita gente, né? Os meus primos com os amigos. Então não fazia na minha casa, mas eu fui na outra casa, também encontrei meu com meu marido lá. Onde eu ia, ele ia atrás. Tinha o Cine Ideal, quando eu olhava, ele tava lá. Ele me seguia. Depois, ele sabia a hora que eu saia, né? Na Rua da Mooca também tem outro cinema, chamado Cine Roma. Eu ia no cinema, ele estava lá no cinema. Então a minha vida era essa: (risos) ser paquerada até casar. Fui obrigada a casar. (risos) Casei cedo por causa disso.
Então, eu contei, eu conheci ele no fim de dezembro de 1954… de 1953. Em 1954, em março, nós começamos a namorar. Março… 1954, 1950 e… não, 1950… tô fazendo uma confusão. Vamos lá, vamos voltar. Minha cabeça ainda tá boa. Casei em 1955, em 1954 conheci ele, ele veio da Itália em 1953. Então, no fim do ano de 1953 pra 1954, que eu tava na igreja e conheci ele. Mas comecei [a namorar ele] só em 1954, não (morar?). Eu casei em dezembro de 1955. Deu um ano e meio de namoro. Nem foi namoro também, porque namoro, pra ficar noivo, eu fiquei em setembro de 1954.
Eu fui em Aparecida do Norte, minha mãe era muito devota, tanto [que] essas fotos eram tudo de Aparecida do Norte, porque ela ia muito, todo ano a gente ia pra lá. Tanto que, antes, a minha filha, por causa de outras coisas… depois, quando chegar a hora, eu falo. Eu tive que fazer promessa pra Nossa Senhora. Minha mãe fez pra Nossa Senhora de Aparecida e eu fiz pra Nossa Senhora de Lourdes. Meu nome é Lourdes, que também tem… eu morava na Água Rasa, que tinha uma Igreja Nossa Senhora de Lourdes. Lourdes Aparecida, essa minha filha. Eu sou Lourdes Antônia, né?
Então… eu perdi o fio da miada. Onde nós estamos parados? No tempo.
(00:55:57) P2 - Como é que foi esse jantar que ele foi na sua casa?
R - Ah, minha mãe fez porpeta, né, porpeta de carne moída. Aqueles porpetões. Porpetinha, né, porque ela fazia porpetão também. Fez uma torta lá que a gente usava muito na Itália, fazia torta de cebola, só cebola. Torta grande, que eles faziam, né? Com cebola, e tem uma ricota que ia dentro, misturada na cebola, que tem na terra da minha mãe, que é Bari. É chamado ricota… tem um nome esquisito barês, porque se você ouvir falarem em barês, vocês dão risada. Barês tem um dialeto, que na Itália cada lugar tem um dialeto, né, e eu sabia bem o dialeto de Bari. Era minha mãe, a cidade da minha mãe. Meu marido já não, era mais napolitano. Ele não era bem de Nápoles, mas napolitano. É, foi tudo bem, porque aí eu lembro que o jantar foi antes do aniversário dele, né? E aí eu quis… ele já tinha me dado presente no meu aniversário sem ir no meu aniversário, porque não fiz festa, não convidei, não sei. Ele chegou e falou: “Eu soube que você”... porque a gente conversava, alguma coisa. Minha amiga me obrigava a falar com ele, porque eu queria fugir dele. Queria me fazer de difícil. Era esperta desde pequena. Aí falei: “Não vou dar muita confiança, se não ele vai pensar o que, né?”. Minha amiga: “Não, olha ele lá, olha o Miguel”, porque ela Michelle o nome dele, italiano, se escreve em MI-CHE-LLE, Michelle. Se lê “Mixéle” no Brasil, mas na Itália se lê “Miquele”. Na Itália o CH é QUE, né? Eles falam… ih, eu ia falar uma coisa agora, que quase que eu falo uma coisa que eu me lembrei que começa com C. (risos) Não é para rir, viu, filho? É para rir.
Então deixa eu voltar… o que eu ia falar?! Eu estou lembrando de tudo, é? Onde a gente estava? Você que lembra, você que está pegando. Ah, de que ele falava muito comigo e me deu presente. E depois, aí minha mãe comprou uma prestação, uma camisa muito cara pra ele. (risos) Naquele tempo, pra comprar coisa boa, a menina ia… a minha mãe tinha uma vendinha, uma coisa de vender roupa, que ela comprava por mês as coisas, né? Aí quando ela viu que ele já tava interessado em mim, pra casar, ela correu para aquela venda… aquela venda, não; aquele negócio lá. Tô fazendo confusão até de conversa, de palavra. O negócio é onde vende as… as lojas, vai numa loja. Me fugiu. O enxoval, ela me fez tudo lá, comprando. Comprou coisa pra ele também, porque ela ficou com dó dele, porque ele contou que tava sozinho.
Aí depois daquele jantar, vieram os almoços, né, porque já viu. Aí era todo domingo o almoço. (risos) O pai dele não queria que ele casasse aqui, porque - ele me contou - quando ele me conheceu, aquela foto que você viu, bonita e tudo, eu tirei [ela] pra ajudar, pra ganhar o pai dele, porque ele não queria. Não sei porquê. Acho que ele queria que o filho voltasse, mas nunca voltou pra terra dele, pra morar, né? Então ele, o pai dele, depois que soube que eu era filha de bareses, falou: “Pode "coisar" que eles são bons”. Por quê? Porque fazem comida boa. Italiano só pensava em comida. (risos) E minha mãe fazia comida boa mesmo, né? Então eu ganhei ele pela boca, como diz o ditado até hoje: “Ganha o marido pela”... era minha mãe, mas eu falava que sabia fazer; sabia não. A gente era boba quando mocinha a gente quer saber, fala que tudo que a gente sabe, que a gente acontece, que isso e aquilo, mas não é nada disso, não. (risos) Então, o que vai no próximo capítulo?
(00:59:41) P1 - O dia do seu casamento, você lembra?
R - Ih, como foi lindo! É lógico! Nossa. É assim, eu casei dia dez de dezembro, mas eu casei mesmo naquele dia nas duas coisas. As duas coisas que eu quero dizer: no civil e no religioso, né? Agora tem uma confusão, essa minha filha que tá aí casou, primeiro ela fez a festa, depois ela casou (risos) no civil, lá em casa. É uma confusão agora, né? Antes era tudo bonitinho: eu tive que ir com meus pais no cartório da Rua da Mooca… da Rua Piratininga! Esquina com a rua - agora eu vou me lembrar até o nome da rua - Visconde de Parnaíba. É uma rua que tem na Travessa da Rua Piratininga. Pode ver no Google, viu? Então, aí eu fui no cartório com os padrinhos, que era Dona Mariccia, minha madrinha, e o Giuseppe, Giuseppino, no de civil, né, os dois. Com meus pais, porque eu era menor de idade, não tinha feito ainda dezoito anos e não podia casar antes de dezoito anos sem ter assinatura. Eu fui de terninho azul claro. Eu nunca me _____ era bonita, nunca me esqueço. E linho! Tinha muito linho. Sabe o que é linho, hoje em dia, menina? Ah, vocês sabem ainda. Eu pensei que vocês não sabiam. Mas é difícil ter linho, né, roupa de linho?! Mas era bonito, era muito linho naquele tempo. Ele tinha coisa de bom… ele era bonito, mas pra passar dava trabalho e pra… ele amassava muito, né? Mas dizem que era chique amassar o linho, né? Eu amassava. (risos) Então, eu fui com aquele terninho azul, bonitinho, aí fizemos o almoço, mas enquanto fizemos o almoço, eu tinha que comer cedo, porque o casamento era só às seis, mas já tava nervosa no sábado de manhã. Era sábado, né? De manhã, já tava nervosa. Aí comemos o almoço e enquanto isso, na cozinha, estavam todas as minhas tias, todo mundo lá fazendo docinho, que eles fizeram uma festa lá na Piratininga mesmo e feito tudo em casa, até sanduíche, que no final até molhou, que choveu. Tinha caixa d"água que você… (risos) que veio… isso foi depois do casamento e me contaram, eu estava viajando já, eu fui pra Serra Negra. Bom, eu achava defeito em tudo. [Quem] tinha feito o vestido era minha mãe, né? Minha mãe e as ajudantes dela. Estava lindo o vestido, mas eu me lembro que naquele dia eu achava que estava feio. Queria voltar, queria mudar o vestido. Eu tenho um gênio um pouquinho forte, viu? A minha mãe, coitada, (cortou um doze?) comigo. Eu sonhava muito e num era, na hora eu olhei o vestido e falei: “Mas não era esse meu vestido do sonho, que eu tinha”... acho que eu tinha pensado em outra coisa, mas não foi. Paciência. Pra começar, eu mudei da renda de guipir, que era caríssima na época, pra tule bordado. Se chamava tule bordado. Pode olhar na foto, você vai ver, o tule parece renda, mas não é renda. Aquilo não era renda não, viu? Custou menos da metade do preço que ela… porque eu fiquei com dó do meu marido, né, que eles pagavam o vestido naquela época. Era o marido que pagava, o noivo que pagava o vestido de casamento pra moça. Falei: “Coitado. Vamos aproveitar e ir na lua de mel”.
Minha lua de mel foi curtíssima, que também não tinha dinheiro pra lua de mel, era uma semana. (risos) Do sábado, que eu casei, até o outro sábado. (risos)
Aí eu achei defeito depois que eu me vesti, achei defeito no meu buquê. E se você vai ver bem agora, está voltando tudo outra vez: o buquê, o meu, era grande, era bonito assim e tinha um rabinho assim, sabe? O rabinho. Eu achei aquele, cismei que não queria aquele buquê. Está na moda até hoje, né? [É] bonito. Você pode ver na foto, tá bonito o buquê, né?
E depois teve a… foi engraçado, teve a festa, né, o meu padrinho deu a viagem de presente pra nós, padrinho de casamento. Ele comprou a passagem, que ia sair o ônibus às dez e meia da noite, que seria 22 horas e trinta minutos. Quando ele falou: “É dez e meia”... - Calma que eu virei. - Ainda bem que ele foi com a gente, levar a gente de carro. Ele era o único que tinha carro naquela época e nós fomos pra Serra Negra, mas não ia direto, o ônibus ia parar em Jundiaí. Bom, quando chegou na porta, falaram que aquele bilhetinho não valia. Adivinha por quê? O burro do meu padrinho - na hora eu não falei que era burro -, ele marcou dez e meia da manhã! Quando eu ia viajar era 22 horas e trinta minutos. A gente… você vê o inglês, eu até já aprendi inglês, já desaprendi, mas eu lembro ainda. (risos) Eu lembro ainda ______ aquele negócio de AM, PM, aquelas coisas. E era de manhã que tinha comprado. Mas ele quebrou o galho, né? Acho que deu um um jeitinho brasileiro, deu uma graninha e eles deixaram nós embarcarmos, senão nós não íamos nem embarcar. E depois que eu soube da chuva que deu, depois que eu casei, disse que dava sorte. Não sei se deu sorte, deu azar, não sei, porque fiquei casada, menina, sabe quanto? 58 anos de casamento. Faz a conta: de 1955… o meu marido morreu agora, em 2013, e em 2015 eu fiz cinquenta anos de casada. De 2015 a 2013… não faz oito anos?! Então, 58. E meu marido morreu em 2013. Se ele estivesse vivo, meu marido, nós íamos fazer, de casado… ih, agora perdi até as contas. Bom, 45 do século passado mais 23 são 68, né? Íamos fazer 68. É, porque faz dez anos que ele morreu. E se ele vivesse até mais, nós poderíamos fazer bodas de… né? Mas pra que também tanto, né? (risos) Estou brincando. É bonito, mas pra que também tanto, né?
Não, sabe o que é bonito na minha vida? Fora da brincadeira, agora. Tudo esse bonito aí, o bonito é a família que eu formei, né? Porque, bem ou mal, vai ter gente pra caramba no resto da vida deles, dos descendentes, né? Vai ficando assim na vida, né? Porque eu tenho, fiquei casada 58 anos, tenho quatro netas mulher e um neto homem; o meu neto homem já é neto, ele tem 42 anos. “Já neto”, já é avô! É, meu neto já é avô. E sendo avô, antes de ser avô, ele teve os filhos, e os filhos deles são meus bisnetos e meu bisneto, um dos meus bisnetos se chama Fabrício… com uma menina, que acharam que o recreio tinha começado, acabado na escola, aprontaram. Ela com dezesseis anos, ele com dezessete… menos de dezessete! Os dois com dezesseis, quinze pra dezesseis. Então eu já tenho uma tataraneta. Vai fazer três anos agora, em junho. Mas é uma família bem grande, né? Não dá, não está dando mais pra reunir. Adivinha por quê? O ser humano quer progresso? Quer progresso, nós temos progresso. Mas o progresso às vezes dá desprogresso. Pelo seguinte: separa as pessoas. O progresso separa, separou tudo, né? O bonito era ficar tudo junto. Mas como pode? Tudo junto e misturado - que tem um programa na televisão, já teve, que eu acho maravilhoso esse programa. Falando, não é bonito? “Tudo junto e misturado”? O que nós estamos fazendo agora: estamos juntos e misturados ao mesmo tempo. Então uma misturação danada aí, né, filha? Então, eu não sei o que que eu fiz agora aqui, tô com vergonha até. Não, vergonha que eu falei demais, e se vocês quiserem cortar, pode cortar, porque eu nunca trabalhei assim fora, eu não sei como é que é… trabalhar fora, não, [ser] filmada, né? Então, se quiser tirar, dá um jeitinho aí, pode dar, tá bom? Eu tenho aval pra isso. E dou conselho pra vocês também que estão aqui na minha frente, que eu tô vendo. Tem jovens bonitos, né? Pode fazer muita coisa, viu, filho? É bonito, viu? Cada coisa me dá vislumbre de uma letra de música: “É bonito, é bonito e é bonito”. (risos) Não, verdade! Eu gosto de conectar as coisas, sabe? Uma coisa puxa a outra.
Uma vez… vou contar esse pecado. Não é bem pecado, não. O meu filho estava indo mal na escola, de Português, né, então ele levou de (multa?) da professora, de fazer cinquenta redações, não sei de quantas linhas. Não eram muitas linhas, mas adivinha quem fez a cinquenta pra ele? Eu escrevia rápido, (risos) porque eu sou imaginativa, imaginava cada coisa e ele se deu bem por minha causa. (risos) Porque é fácil escrever, né? Porque escrever tem uma coisa de "vamos fazer de ruim", né? De ruim, não sei o que tem, mas de bom, que tem, que você pode falar, é mentira à vontade. Você escreve e fala mentiras à vontade, tudo que você pensa. É ou não é? Bom, aqui tá uma noveleira, viu, acho que eu fiz minha novela…
(01:09:15) P2 - Dona Lourdes, eu queria que você falasse um pouquinho sobre os seus filhos. Você contou do seu casamento…
R - Ai, menino, meus filhos! Meus filhos, viu, você tocou… olha, tô sendo ingrata, né? Devia ter começado por eles, mas vocês quiseram fazer assim, sabe? Porque eu mesma faço a resenha da minha vida desde o começo e vai vindo e vai vindo, chega nos filhos. Depois do casamento, lógico, porque eu casei, quando eu casei, naquela época, existia o casamento pra quê? Pra unir duas pessoas. E pra quê? Pra ter filho. Quando não tinha filho… imagine que eu demorei uns meses sem ficar grávida logo, porque pelo meu marido eu estaria grávida no mês seguinte. Era assim, antigamente, tinha que ter filho rápido. Você vê, eu casei dez de dezembro de 1955, a minha primeira filha nasceu dez de janeiro de 1957, quer dizer, eu passei de dezembro de 1955, que eu casei aos 56… engravidei em 1956, mas demorou uns meses. Pera, agora eu nem sei fazer a conta. Sei lá, (risos) nasceu em janeiro de 1957… acho que eu engravidei em abril, maio. (Contando) Maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro, dezembro, janeiro. Maio não, eu não engravidei em junho. Está vendo?
Então, ele achou que estava, me levou até a farmácia uma vez pra ver se o farmacêutico… que eu sou do tempo também, esqueci de contar, que o farmacêutico era mais do que médico. Eles sabiam mais do que médico. Não é? Eles não tinham dinheiro pra se formar médico, porque sempre foi caro, né, se formar médico. Eles não tinham dinheiro e ficavam… mas ficavam por dentro das doenças. Verdade! Qualquer coisa: “Fala com o farmacêutico”.
E eu me lembro que começou com a… em um dia eu tava meio tonta e ele pensou que era pressão, o farmacêutico, aí não, aí ele olhou meu ouvido e falou: “Tá com cera no ouvido, acho que é por isso que tá dando tontura”. Eu já tava grávida. Veja o que ele fez, quase que ele fez uma loucura, o farmacêutico, ele me fez a lavagem no ouvido e fez com água fria. Quando ele jogou aquele jato de água - estava o meu marido perto, né, tinha casado há pouco tempo, então estava sempre ajudando, tava junto -, quase que eu desmaio. Minha pressão caiu a quatro, eu acho. Ou cinco. Aí ele deu um remédio lá na farmácia, o farmacêutico. Pô, até me pediu desculpa. Eu já tava grávida naquele tempo. Então, mexeu comigo, né? Então, voltando a falar, meus filhos são maravilhosos. Primeiro filho, eu tive, imagina, a primeira filha… eu morei 28 anos, quantos anos na Piratininga? 21, né? Eu casei em 1955 e eu tava lá desde que eu nasci, praticamente. Bom, eu sei dizer que eu fui morar por cinco meses numa casa na rua da Mooca, perto da igreja, na esquina de uma outra rua que tinha lá… como é que chamava aquela rua? Agora eu não me lembro o nome. Eu fui, morei lá cinco meses e minha filha nasceu nessa outra casa. Tive parto normal.
Eu só ia na parteira porque a gente tinha pavor de hospital. Aliás, hospital quase não tinha, né, naquela época. Faz uma pesquisa pra ver onde tinha hospital. Tinha no Pátio do Colégio, perto dele tinha o pronto socorro, o Pronto Socorro do Anhangabaú, o único pronto socorro que eu conheci. Uma vez o meu filho caiu, de pequeno, nós fomos levar naquele pronto socorro. Depois que fizeram as clínicas, né, e outras coisas.
Bom, voltando a falar, o meu filho… a minha filha nasceu, a primeira… e eu também não sabia… a coisa coisa mais bonita da maternidade, naquele tempo, era que você não sabia se ia ser sexo masculino ou feminino. Não tinha ainda como saber. E aí a gente fazia todo o enxoval verdinho, amarelinho, branquinho, porque se fosse homem, depois tinha que jogar roupa fora e depois era mulher, entendeu? Nasceu mulher, eu fiquei feliz. Também me deu um susto, porque ela nasceu… não é susto. A gente era tão ingênua. Gozado, naquele tempo eu acho que eu não lia muito, que agora eu sou muito curiosa, mais curiosa. Eu fiquei mais sabida agora, porque agora eu sei mais coisa, né? Porque vocês jovens que tão ensinando a gente [que é] mais velha. Cada coisa, né? Bom, aí eu lembro que eu não sabia como é que ia ter a criança. Nem a parteira acho que falava comigo, ela mandava fazer o exame ou outro, mas eu ia só uma vez a cada mês ou dois meses na parteira.
Bom, era madrugada quando… eu "sentei" antes da madrugada, era seis horas da tarde, eu morava nesse sobrado, que eu saí da Piratininga, junto com um amigo e uma amiga do meu marido… amigo, patrícios, patrícios Italianos, né? Eles eram da Sicília até. E nós moramos lá porque eles não podiam pagar aluguel, eles vieram, ele era sócio do meu marido, uma firminha que meu marido tinha aberto naquela ocasião e eles moravam lá. Aí eu fui pro banheiro, eu lembro [que eu] tava tão bem. Ainda tava perto dela nascer, mas não sabia o dia. Aí eu falei, chamei ela - chamava Tita -: “Tita, vem cá!”. Eu não saía do banheiro, falou: “O que você tá demorando no banheiro?”, “Tita - eu falei -, meu xixi, meu”... (risos) ai que vergonha de falar. “O meu xixi nunca foi tão grande, não quer parar!”. Aí falou: “Doida!”, ela já tinha dois filhos. Arrebentou a bolsa e não sabia que tinha bolsa pra arrebentar. (risos) Não sabia nada. Fiz xixi de monte. (risos) Na verdade, menina, é tão bonito isso. E quando é xixi, está na hora, né? Aí correu meu marido pra chamar a parteira. Pegou um táxi. Nós não tínhamos carro naquela época. A parteira era no Cambuci. Eu morava ali na Rua da Mooca, pegava uma rua que atravessava a Avenida do Estado e ia dar no Cambuci. Era a Rua da Independência, acho que o nome, lá no Cambuci. E ela veio, me examinou. Tinha estourado a bolsa… ela falou: “Mas não tem dilatação nenhuma agora, não vai nascer não”. Eu falei: “Ah, então”, como [quem] dizia “vai embora”, não queria nem que ela ficasse. Então eu vou pra casa, depois, quando ficar… ela falou que a cada quinze minutos dava dor. Nem me lembro bem. Eu era tão ingênua que eu não me lembro o que era, né, pra dar a luz, eu não sabia o que era. Primeira vez. Não tinha nem medo não, nunca foi medo de nada, né? Aí ela falou: “Depois eu volto”. Aí chegou onze horas, eu fui dormir e tudo.
Aquele dia, eu tinha limpado, sem querer, todo o quarto, que eu tinha o quarto mais bonitinho, porque a sala era junto com aquela moça que morou comigo e sempre tinha mais bagunça, mas tinha deixado o meu quarto limpinho. Tinha encerado. Sabe o que é encerar? Vocês não sabem muito bem o que é encerar, né, mas eu sabia. E a gente cerava de joelho, só que como eu tava de barriga, nem era de joelho. E nem era cera líquida, tinha que pegar cera em pedaço assim, esfregar com o escovão, depois dá brilho. Sei lá o que eu fiz, aquele… a gente quando vai ter neném, a primeira, pelo menos comigo foi assim, a gente fica com vontade de trabalhar, sabe? O corpo fica mais exposto. Engraçado.
E aí não era… quando dava meia noite, não podia dormir. Ai, meu marido falava: “Ai, dorme. Vai, imagine, você viu que ele não era nada? Dorme”, ele queria dormir. Mas conseguiu, uma hora ele levantou outra vez, chovia, começou a chover, aí nasceu minha filha. Foi bonito, ela nasceu às duas e meia da manhã. A parteira chegou lá, era uma quinta-feira, dia dez de janeiro daquele ano, de 1957, e foi maravilhoso. Meu filho, então, quando…
(01:16:43) P2 - Qual é o nome dessa sua primeira filha?
R - Não é essa que tá aqui. É Maria Lúcia, ela tem dois filhos também. Ela que tem um filho que já me deu um bisneto e tataraneta, né, o Fernando. Ela tem uma filha e um filho. A minha neta foi embora agora essa semana, que ela veio de Londres, ela tá morando em Londres com um rapaz, né, não casaram ainda, mas vão vir casar no ano que vem. (risos)
Sabe por que eu dou risada? Olha que diferente da minha história: ela já mora com o cara e agora vai casar, depois vai fazer lua de mel. Que lua de mel… menino, desculpa, está tudo do avesso, vocês tinham que mudar os nomes das coisas, sabe? Casamento, tudo bem, é o casamento, depois do casamento é depois do casamento. Agora, a lua de mel é antes do primeiro casamento… quer dizer, antes não, depois, né? (risos) Tudo complicado.
(01:17:38) P1 - Lourdes, como você se sentiu com a sua primeira filha, depois que ela…
R - Nossa, engordei um pouco, né? Bastante, talvez, né, porque eu era bem mais magrinha. E, olha, sabe quando eu casei, eu pesava cinquenta quilos, você acredita? Cinquenta quilos! Uma novidade: eu tenho um metro e setenta, agora não tenho mais; tenho um metro e 66. (risos) Eu abaixei quatro centímetros. Até "abaixa", viu? Tudo que sobe, desce. Ó, "abaixei". E aí a minha filha foi maravilhosa, primeiro, a filha… eu tirava foto dela, tinha aquelas câmeras, não era as câmeras que nem agora, celular. Que maravilha se tivesse um celular, tinha tido tanta foto bonita da minha filha! Tinha cada foto até ridícula, pensando bem. Você viu essas fotos, alguma aqui… pena que não mostrei de tudo dos meus filhos, tinha que ter mostrado. E era uma gracinha. Eu punha um tapete no chão, é um tapete colorido assim, que eu tinha na minha casa, eu deixava na casa da minha amiga Neuza, que o quintal dela era maior, eu descia lá com a menina no colo e… ainda morava lá, nessa ocasião.
Porque depois que eu mudei de casa, da Piratininga, punha o tapete, punha um vasinho aqui, um vasinho ali, fazia que nem fotógrafo: punha a minha filha de jeitinho, com a touquinha assim, olhando pra cima assim e tirava foto. Tirava foto perto do… ela ganhou um "Cadillac". Eu falo "Cadillac". Meu pai era tão… primeira neta né? Ele comprou à prestação, não sei quantas vezes. O carrinho era tão diferente de agora, dos carrinhos de agora, parecia um Cadillac. Eu tenho até foto. Também não trouxe essa foto, é muito bonita. Ele tem o desenho de um Cadillac, umas molas bem… era mais pra ficar deitada, a criança, né? Ele deu pra ela. Era lindo esse carrinho.
Então, e aí, depois o meu filho. Meu filho foi assim: como eu falei que a gente não sabia quando que era homem, mulher - essa foi mulher -, é lógico que o segundo filho, quando eu fiquei grávida, logo em seguida… eles têm de diferença: a minha filha é de dez de janeiro de 1957, meu filho é quatro de maio de 1958. Dezesseis meses de diferença, quinze pra dezesseis meses, né? Essa aí teve mais tempo, essa que tá aqui agora, demorou cinco anos e meio pra ter ela, né? Num queria, mas ela apareceu.
Então, meu filho, todo mundo apostava, até o médico, porque não tinha máquina de saber… máquina de saber, (risos) como é que fala? Ultrassom! (risos) “Máquina de saber”, legal, né? Num tinha. Então, o médico: “Não, vai ser um meninão”. E eu falei: “Não, vai ser uma meninona”. Não, ele falava ao contrário. Os médicos, quando foi meu filho. Quando era a minha filha, falavam que era menino e foi menina, a terceira, né? O menino, o médico falava que ia ser outra menina. Falei: “Ah, doutor, mas eu quero um menino”. Mas não adiantou, nasceu um menino, né? Ele, o meu marido, me contou depois, lógico.
Eu tive em casa também meu filho, mas quase que eu morro, viu? Eu não sabia nada dos negócios lá, das placentas da vida. Juro, eu não sabia das coisas, imagine, tinha parteira e tudo, eu não sabia que tinha uma coisa pra sair depois de filho, né? (risos) Então, demorou pra sair. E minha mãe, então, ______ sido um menino, né? Aí eu escutava com cochicho da minha mãe com a parteira, a parteira falou: “Fala pro seu genro ficar de prontidão, porque se não descer com essa injeção que eu vou dar, pra descer a placenta”... descolar, né, a placenta, que tá na gente. Até hoje eu não sei, porque essa área da medicina eu não gosto, eu gosto de outra área, não é essa área de "coisa", de mulher, não, não gosto. Então ela falou que ia ter que ir ao hospital, né? Ia ter que fazer corretagem, essas coisas. Graças a Deus, deu tudo certo, desceu. Uma ______. Meu filho era enorme, pesou quase cinco quilos. Essa primeira filha, a Maria Lúcia, não, ela pesou dois e setecentos. E meu filho era… quer dizer, nem balança eu tinha, mas a parteira tava acostumada a pegar muita criança, ela falou assim: “Esse menino tem quase cinco quilos”, ela pegou pra mim. Eu sabia, porque quando eu fui de mamar pra ele a primeira vez, tava em casa, sentei na cama, que ia dar de mamar, quase que eu deixo cair, que eu estava acostumada àquela outra, que foi levinha. Aí peguei meu filho: PRÁ. Ele era careca, sabe? A outra nasceu cabeluda, ele nasceu careca.
Bom, a terceira, então, foi engraçada. A terceira foi assim: apostei também que seria um menino. Meu marido queria menino. O homem só quer filho homem, não sei porquê. (Depois nós falamos, conversamos com você?). Não sei porquê. Tudo igual, né, filho? Tem homem que gosta mais de mulher mesmo. É difícil. Então, quando nasceu a terceira, eu não queria mais. Aí o médico falou direitinho - aí foi médico mesmo -, também não também não sabia ainda, acho, do sexo. Mas ele falou, aconselhou: se a gente não queria ter mais filho mesmo… meu marido falou: “Não quero”. Meu marido tava marcando a passagem pra ir pra Itália, porque nós estávamos na Itália em 1964.
Essa minha filha que tá aqui, ela nasceu em 1963, em outubro. Eu fui com ela de colo, ela tinha sete meses ainda, não tinha feito, fez no navio, sete meses em 1964. E meu marido pegou, falou pro médico: “Não, a gente quer fazer uma viagem pra Itália, ela vai grávida outra vez?”. Ele falou: “Uai, vocês vão querer tirar a criança?”. Falei: “De jeito nenhum, viu, doutor”. Pro meu marido: “Se quiser me separo até de você, mas não”... porque eu tinha tirado uma vez.
Agora, [essa eu] não contei, vou voltar. Eu tirei uma vez porque já tava com a passagem pra Itália, pra doze de maio de 1964, mas a minha filha nasceu em 1963… mas isso aí foi no começo de 1963, não tava grávida dela ainda, dessa minha filha. E… o que eu ia falar? Aí eu tirei o primeiro, fiz um aborto, que eu nunca… isso aí, eu acredito em religião, acredito em pecado mortal, mas já me confessei tantas vezes que acho que Deus já me perdoou, não teve jeito. (risos) Por isso que eu não dou conselho pra vocês. Como que faz na vida? Planeja bem quando que vai querer um filho, porque um filho é muito importante. Ele tem que ser muito bem planejado, segurado assim, não sei explicar.
No nosso tempo, casar pra ter filho era uma coisa tão normal, tão normal que, né, a gente não tem aquela coisa, expectativa. A gente ficava feliz, lógico, mas não tinha aquele [negócio de ficar] de barriga de fora, como a Leila Diniz. Agora eu vou falar de uma coisa bem antiga: foi a primeira mulher… foi um escândalo na época! Ela mostrou a barriga dela de grávida na praia. Imagine, eu lembro que tinha vergonha da minha barriga, mas pra que vergonha? Ninguém me falou que não era pra ter vergonha, mas eu usava aquelas bata solta, parecia uma, sei lá, o que parecia. Feia, né? É tudo diferente hoje em dia, né? Isso é bonito, da parte de vocês modernos, hoje em dia é bonito, mas também tem que saber quem tá botando no meio, né? No meio não, na gente, assim, pra pra viver. Tem que saber o que tá fazendo, senão dá errado. Se num sabe direito o que quer, dá tudo errado.
Voltando a falar, o meu filho nasceu… a minha filha, essa daí, que nasceu a última, o meu médico apostava que era um menino, meu marido ficou mais ou menos contente porque ele ia ser menino, mas o médico errou. E foi uma coisa quando ela nasceu, porque ele não esperava, ele queria outro menino, mas eu acho que ela foi… eu não! Eu e uma amiga minha lá da, eu morava na Água Rasa, na Avenida Regente Feijó, 219. Era dona… deixa eu ver o nome dela… meu Deus do céu, esqueci o nome da minha velha, a velhinha era _______, assim, sabe? Ela falou: “Não, vai ser menina, Dona Lourdes”, “Eu quero que seja menina mesmo”, e foi uma menina.
Por isso que ela… ah, então, tem isso aí, porque eu tenho RH tipo O negativo. O meu marido tinha RH tipo, acho que, B positivo, não sei. Eu achei engraçado quando eu peguei exame de sangue, era tão burra na época, eu acho que burra, né, porque eu não sabia de nada; quando eu peguei do meu marido: “Ah, ele tem ele tem negativo, que bom”... não, positivo, né? Eu pensei que positivo era bom, mas não tinha nada a ver, tinha que saber como é que era o meu sangue, e meu sangue é negativo, falei: “Que bom, não tenho nada”, entendeu? Deu negativo, mas não ia combinar e se não combinasse na hora de nascer a criança, tinha um jeito de ter que trocar todo o sangue, ele já estava até preparado. Por isso que eu fui ter ela no hospital. A única que nasceu no hospital foi ela, porque eu fiquei com medo de ter em casa, como eu tive os outros dois, né? Que eu achei tão bom ter em casa, você já tá na tua cama, gostosinho assim, sabe? Tinha uma tia minha que "batia" toda a roupa, me fazia comida. Eu era paparicada [e] adorava. Até gostava, sabe? (risos) E no hospital já não gostei nada, passei até mal no hospital, porque eu não tinha dinheiro pra quarto particular, então foi num quarto com mais três, era quatro camas ali. Visita de uma, visita de outra, de outra: ficava uma confusão. Eu fiquei, parecia que eu ia enlouquecer, minha filha, fiquei assustada. Enfermeira mandou todo mundo embora. Chegou uma hora, ela falou: “Não, vai todo mundo embora”, (risos) porque não pode depois de um parto ficar se enchendo de gente [em volta], né?
Faz tanto tempo, que eu não me lembro mais. Ainda bem, né? Também não tenho marido, não ia poder ter outro filho, mas se as mulheres esquecessem o que elas passam quando tem um filho, ela ia ter um atrás do outro que nem animal, assim, sabe? (risos) Não, verdade! Mas a gente, de vez em quando a gente lembra e quando lembra a gente fala: “Epa, espera aí, que eu vou parar”, porque não é fácil. Agora, se bem que o mais difícil é uma coisa, criar depois, né? Criar e pagar todos os custos, porque custa o filho.
Então, chegamos aqui com meu filhos maravilhosos, como eu falei, a minha família maravilhosa, muito grande, né, minha família, mas não tá todo mundo junto, tá tudo separado.
(01:27:42) P1 - Vou voltar a pergunta de como era o cotidiano.
R - Ah, sim! Dos filhos? Ah, sim! Eu tive a minha santa mãezinha, a Lúcia Lamana Maiellaro, que foi minha mãe. É minha mãe mesmo!
Não saiu de mim porque… eu, viu, pra encurtar a conversa no negócio de ser mãe: lógico, é bacana ser mãe, mas a mulher já nasceu mãe. A mulher que nasce mulher, ela já nasceu mãe. Pra mim. A não ser aquela que agora está mudando. Ah, não quero falar disso agora, porque a mudança está muito evidente e eu não estou gostando dessas mudanças entre aspas. Isso aí é pra pensar em casa. Se escutar o que eu estou falando, as mudanças… vou falar só essa palavra, que eu também sou meio tímida pra falar essa palavra, mudanças sexuais. Tá muito triste, pra mim tá muito triste, então vou deixar "barato".
Voltando a falar, eu tinha a minha santinha mãe, minha santa mãe, que me ajudou muito.
Meu marido tinha uma firma que ele começou no quintal de casa, na Avenida Regente Feijó, 219, na Água Rasa. Ele adorava mecânica, então ele saiu do trabalho dele, que ele trabalhava em outro lugar, e começou, ele abriu uma firma. Então, onde eu tinha a lavanderia, que tinha a minha máquina de lavar, tinha o tanque, era um pedaço (upado?) mais ou menos, um tamanho razoável, ele fez uma bancada de madeira e pôs uma prensa... uma prensa, não; uma… é prensa. Uma máquina… bom, uma furadeira assim e uma prensa pequenininha pra prensar umas. Ele fazia coisas, trabalhos, né? E depois, daí ele foi crescendo e pôs uma firma. Então ele ficava, ele precisava de material, matéria-prima pra fazer, me fazia uns tipo de contatos, que eram contatos feitos de lâmina de cobre, sabe? Uma lâmina fininha. Ele comprava a chapa, depois tinha cortado, tinha a máquina de cortar e eu tinha que buscar na cidade aquelas chapas… os ferros que iam na ponta das chapas, que eram os contatos de, é chamado de contatos elétricos, sabe? Tanto que aquelas coisas de tomada de banco - que você põe a tomada, você não vê fio nos bancos, né, tudo por dentro -, aquelas tomadas que depois você abre a tampinha e põe a tomada das coisas, que meu marido fazia aquilo. Era umas tomadas assim, eu tinha que buscar. A tomada era de latão e tinha que fazer ela conforme o banco que pedia. Às vezes queriam de prata, fazer de prata. Cor de prata, tinha que tingir ela de prata, né? Então, tinha que comprar prata mesmo pra dissolver, me lembro bem. Bom, eu ajudava meu marido e minha mãe ficava com as crianças.
Aí quando eu tinha só os dois primeiros, foi mais fácil, porque eu ainda morava na… aí eu mudei de casa, nós compramos a primeira casa, meu marido conseguiu, com muito sacrifício, perto da Água Rasa, mas [se] chamava Cidade Ruim do Céu, Rua Terra Roxa. Você nem imagina que exista essa rua, mas existe. Rua Terra Roxa, não me lembro o número da casa. E nós compramos uma casinha lá, né? E a minha mãe… lá tinha um parquinho, que tempo tinha as escolinhas de, pra deixar as crianças ou de manhã ou de tarde, né? Parque que a gente chama, parquinho, né? Pra brincar, num é? Mas não aprendia nada.
Os meus dois mais velhos, a Maria Lúcia e o Pascoal, eu levava eles de tarde e de tarde eu ficava lá em casa fazendo meus bolinhos, as coisas de casa, né? (Casa linda?) mesmo. ______ (casa linda?), caseira mesmo. Era coisa de casa, fazia tudo de casa, né? Não gostava muito de bordar, nem de tricô, nem de nada, não, nunca fui assim muito… gostava muito sempre de ler, eu gostei muito de ter a curiosidade de ler, sabe, de fazer coisas diferentes, não muito mesmice. Se bem que a minha mãe me pôs pra eu aprender uns bordados lá difíceis. Eu fazia, mas à contragosto. Gostava de costurar também, mas como também não via dinheiro nenhum, costurava nada, eu queria coisa que me desse mais prazer, mais coisa assim, né? Nunca fui uma dona de casa [com] muito jeito de certinha, sabe, muito piegas, assim, de ficar só pensando na casa, porque minha avó era cega, ela tem tanto ditado que ela falou, antigo, que ficou gravado na minha mente: “Filha, não se "mata" na casa, não”. Às vezes chegava a avó: “Tô cansada, já fiz isso, já fiz aquilo”, “Não se "mata", porque a casa vai ficar e um dia a gente vai”, a casa pode ficar séculos, assim, se ninguém derrubar. Então você faz as coisas, se "mata", mas a casa fica lá. Minha vó tinha esse costume de falar. Muitos ditados antigos, né?
Eu segui a regra, acho, porque… eu gostava de estudar e tudo, mas não tive sorte, porque naquele tempo acho que eu cheguei num ponto - estava falando pra vocês lá dentro - que não tinha ônibus pra todo canto, então, onde eu peguei, eu fiz o exame e passei com uma nota - eu nem sei que nota era na época - pra poder entrar nessa escola, era dificílima de entrar, [se] chama Normali… não tem aquela música antiga - você é moço, mas você deve lembrar -: “A normalista linda”... como é? Normalista, falava da normalista. É uma música que fala de normalista. Era oito horas, ficava o dia inteiro na escola. Tinha no Sesi, mas não no Sesi que eu queria. Quando eu morava na Piratininga eu queria, tinha o Sesi na Rua do Gasômetro, que é lá na parte do Brás, essa escola, mas era dificílimo entrar, os exames eram difíceis. Entrei numa outra que era longe, mais longe que fosse vai, como que fala, Penha, ou aqui onde vocês estão… que bairro é aqui?
(01:33:45) P1 - Vila Madalena.
R - Vila Madalena. Nossa, essa aí é conhecida, hein? Eu vejo os baratos. Aqui é perto dos "baratos" que acontecem, aqui perto? Eu preciso saber onde que vocês fazem esses "baratos" tudo aí, viu? Vocês falam "barato", sei lá o que vocês falam. Vocês fazem barulho… tô falando de jovem, não sei se são vocês. Fazem barulho, incomodam todos os vizinhos. Eu tô sabendo. Então, o que eu tava falando? Já… falando. Falo muita coisa.
(01:34:15) P1 - Você tava falando da prova, que era difícil, aí você passou em uma que era muito longe.
R - Então, pra pegar condução, filho, eu tinha que pegar três conduções, eu acho, pra chegar nos outros lugares. Por exemplo, eu tô na Zona Sul agora, eu tô perto do aeroporto… eu nem sei que condução eu tenho que pegar pra cá, não sei. Porque antigamente, tinha a Praça da Sé, que é a Igreja da Sé e tinha a Praça Clóvis Beviláqua. Você já ouviu falar, Clóvis Beviláqua? Nem sei ainda se continua com esse nome. Que era aquela do lado. Os ônibus saíam todos de lá.
Os ônibus principais, no meu tempo de criança, que meu pai trabalhava na banca de jornal na Rua Direita - que, por sinal, não é muito "direita", mas é Rua Direita. Perto da Praça da Sé mesmo, né, tem a Rua Direita, depois tem a Rua Quinze de Novembro, tem… conheço tudo aquilo. Porque quando meu marido trabalhava também, tinha que pegar duplicata, eu ia tudo naqueles pedaços. Trabalhei, meu, fiz meus trabalhos, mas uns trabalhos irrelevantes, sabe? Não é um trabalho que eu gostaria de ter feito. Gostaria de ter feito alguma coisa mais importante pra vida.
Ó, agora não sei bem qual é o vosso trabalho, aos poucos eu vou ficar sabendo. Eu dou parabéns pra vocês, porque vocês tão mexendo com alguma coisa muito importante, né? Tão… eu acho. Tudo é importante nesse mundo, né? Saber como a pessoa viveu ou como a pessoa… gozado, eu falo tudo isso, mas uma profissão que eu não gosto - essa minha filha fica brava quando eu falo disso - é psicologia. Psicólogo, eu não gosto. Sabe por quê? Porque eu mesma sou minha psicóloga: eu falo, eu me respondo, eu sei o que tá certo, eu sei que tá errado. Pode ser que vocês não concordem, de repente não concordam porque é uma coisa muito moderna, né, psicologia, fazer terapia. Mas, olha, desculpa falar, eu não pago pra terapia, eu não pago. Eu "pago" é sozinha. (risos) Desculpa, eu penso assim, né? É errado também pensar assim, talvez, né? Mas aí essa minha filha, ela que faz a minha, acha ruim que sou muito perguntadeira, mas é difícil encontrar alguém que responda às vezes certas coisas que eu pergunto. E eu acho que toda pergunta tem que ter uma resposta. É difícil, mas tem que ter. E tem gente que não me dá resposta, não me dando a resposta… quando eu falo pra ela, ela não quer me dar a resposta, ela fala assim: “A senhora não quer terapia? Vai na psicóloga que ela dá a resposta”. Falo [que] ela não vai dar nada, ela vai ficar quieta, vai escutar eu falar, que nem você, e não vai falar nada, de repente ela faz assim; Parece que eu vejo as psicólogas. Juro. Você já viu aquele ator fazer uma propaganda na televisão, de psicólogo? Que engraçado. Eu morria de rir. Quando ele era psicólogo, quando ele saía de lá, meu Deus do céu, ele fazia "gato e sapato" da psicóloga. (risos) Quem que vai… não, eu, pra mim, sabe uma profissão que eu dou muito valor? Dou muito valor, mas é muito difícil essa profissão, porque tudo que acontece nesse mundo, de gente ruim: você acha que eles fazem aquilo porque eles são muito ruins mesmo? Pra mim falta parafuso na cabeça. Tocando em miúdos, a profissão que eu acho muito válida, que precisa estudar todo mundo: é psiquiatria; que de louco e de médico, todo mundo tem um pouco. Porque, veja bem, a psiquiatria é tudo pra mim, porque, pensando bem, é impossível uma pessoa fazer as coisas que eles fazem. Não vem falar que é coração. O coração, coitadinho, ele está aqui. O meu está aqui batendo, coitado, há quantos anos já? Ele está aqui, né, mas ele não faz mal pra ninguém, ele está aqui dentro. Não vem me falar que a culpa é do coração porque “não tem coração”. Essa conversa é tão besta, né, falar que “não tem coração”. O que quer dizer isso: “Você não tem coração”?! Pode falar com outras palavras, não precisa falar “com o coração”, coração não tem nada a ver com isso, né? E eu acho que a psiquiatria é muito importante, filho, porque, pra falar a verdade, eu tive que ir um pouco… (risos) vocês vão dar risada de mim agora. Já que é pra contar tudo a verdade, estou contando. Teve uma crise de casamento, que todo mundo tem, né? Quem casou, ficou casado 58 anos, eu tive uma crise de casamento que meu marido me "incubou". Ou eu ia procurar ajuda, ou o negócio acabava, entende? Essas coisas. Você é inteligente, entende o que eu quero dizer. E essa minha filha, que está aí, que foi a culpada, que falou: “Mãe”... porque teve uma crise que eu estava muito nervosa, qualquer coisa estourava as coisas feias, né, que a gente faz quando não está bom de cabeça. Você faz coisa feia mesmo, depois você se arrepende, mas não adiantou, já falou, já soltou a bomba. “Aí eu fui procurar”, “Mas procurar o quê?”, essa minha filha. Quando ela me falou que eu tinha que procurar uma psiquiatra, ai eu queria: “Deus, eu não vou!”, eu não queria de jeito nenhum, porque achava… a ignorância, que todo mundo é ignorante até hoje - poucos, né, mas são ainda -, de achar que psiquiatra é só pra louco. Não é, não tem nada a ver. É uma coisa que te ajuda com o remédio, porque não acredito muito… com remédio… a psicóloga ajuda do outro jeito e a psiquiatra é de outro jeito, tanto que eu conversava com a psiquiatra isso aí, eu fazia pergunta pra ela, engraçado. (risos) Não, porque eu falava pra ela: “Ai doutora”... às vezes eu ia lá, eu tava chateada, porque as coisas que eu vejo na tevê, eu vejo muita tevê e tem coisa que mexe comigo, me aborrece horrores, que acontecem com a humanidade, com as pessoas, né, que falam que são gente, mas não são gente, porque pra fazer certas coisas, nem gente são, viu? Vocês sabem o que eu quero dizer, né, entre aspas. Aí eu falava pra ela: “Doutora, e se a gente desse, vocês não podiam curar… nesse meio de psiquiatra, vocês não podiam dar um jeito de ver quando a pessoa já está ficando meio fora de si?”. “Bem que poderia - ela falou -, até nós poderíamos”, como [quem] diz, tem que procurar eles, né? E quem tem dinheiro [pra isso]? Depois aí entrava nesse assunto também. Falei: “Doutora”... eu lembro que me custou um anzol da cara, eu fiquei uns dois, três anos indo nela. Mas eu fui e larguei, pelo seguinte, porque eu dei um ultimato pra ela quando eu entrei, porque eu não tava acreditando nela, depois eu acreditei, que me fez bem; aí eu falei pra ela: “Doutora, eu tô aqui, mas eu não quero ficar a vida inteira aqui não, viu, que me falaram que a gente entra aqui e não sai mais”. Ela falou: “Não, você sai a hora que você quiser”, essas palavras ficaram gravadas. Quando eu vi que o negócio já tava até… não "cheirando mal", mas que não estava vindo nada que eu queria para me satisfazer, eu falei: “Não, vou sair, preciso sair por conta própria”, só que o remedinho que ela me deu, que me fez muito bem, eu tomo até hoje de manhã, um só. Chama-se Velija, de sessenta miligramas, essas coisas. Bom, os médicos sabem o que quer dizer. É um tranquilizante que parece que me deixa mais ou menos bem, até hoje, né? Se bem que eu estou dando muito dinheiro pros laboratórios já [com o] tanto que eu [já] comprei desse remédio. Eu não gostaria de dar, gostaria de parar, né? Mas parar também, talvez não seja o motivo certo de parar agora, não sei. Tem todas essas coisas na minha vida, sabe, filha? Porque, veja bem, a gente precisa mesmo de psiquiatra pra tudo e é muito interessante estudar o meu cérebro, até depois ela falava e eu fiquei com tudo que é referência de livro e de cérebro, [que] eu gosto de ler. Mas é muito complicado os "fiozinhos" que você tem aqui dentro, viu? Tanto que eu fico doida pra saber. Queria tirar, assim, uma máscara, que nem tem nos filmes, aí você veria tudo que você tem aqui. Mas não pode. Não pode, filho. Você viu como é que eu sou. Você acha que eu tô muito exagerada? Eu sou exagerada, não sei porque que eu sou exagerada.
Ela é quietinha, bonitinha, né? Você não me falou que signo você é, fala.
(01:42:20) P1 - Eu sou peixe.
R - Peixes. Bacana! Eu também sou, menina. Pelo que está registrado, que o mundo sabe, eu sou de primeiro de março. Eu sou peixe, mas eu quero ser aquário, sabe por quê? Aquário é muito louco. Eu quero ser aquário. (risos)
É muito louco porque eu gosto de fazer tudo junto e misturado, eu gosto de pensar em todo mundo antes de pensar em mim. Te juro por Deus. Porque o ser humano não pode ser muito egoísta, o egoísmo deixa ele chegar num ponto que num dá, sabe, filho? Não tem aquele ditado: “O seu direito termina quando começa o do outro”? Tem que cada um se pôr no seu lugar. Não é difícil, né, se pôr no seu lugar.
Agora… bom, meu amor… eu esqueci teu nome, que é bonito e já esqueci. Fala.
(01:43:18) P1 - Sofia.
R - Sofia. Nossa, acho que você não tinha falado não, você não tinha falado, né? Vê se eu lembro bem. Eu admirei ela, mas também não falei. Ué, ela me falou dela e agora esqueci dela. E agora? Sofia, Marcos. Agora o teu, eu não sei. Esqueci. Tá vendo? Tá saindo tudo isso na filmagem? Meu Deus, não era pra sair tudo isso. Vocês não me falam nada. Olha, eu nunca entrei num estúdio, mas tinha que ter mais câmeras, tinha que ter uma lá e eu falar: “Pra onde que eu olho?”. Aí eu olho pra ela, depois eu olho pra ela. Eu sei olhar pras câmeras, mas vocês não tem, só tem uma. E ela, coitadinha, fica ali, ó. Depois ela vai fazer bem bonitinho isso aí, né? Só que você está gastando uma nota de filme. Acho que custa caro, né? Não custa, Marcos? Era você que tinha [estar] lá, Marcos, por que você não tá lá? Ela é a regente? Ela falou que ela era artista, logo que eu entrei. Não, verdade. Não é pra fazer. Você podia ser mais do que um artista, mas quero dizer artista, artista que eu conheço, que eu vejo muita novela. Você não me falou o nome, se você me falasse o nome, pode ser que eu associava alguma coisa. Assim não deu pra saber ainda.
(01:44:38) P1 - Lourdes, você pode falar um pouquinho dos seus netos e netas?
R - Ai meus netos são todos tão inteligentes. Infelizmente, não é que… ele é inteligente, mas precisa tomar cuidado com o que eu falo, porque se um dia eles vão saber… eu nem sei se isso aqui vai se saber, mas tudo bem, eu vou contar. (risos)
O meu neto Fernando, o mais velho, o primeiro neto, né, ele nasceu em 1980 e nunca gostou muito de estudar, tanto que ele foi o único dos netos - as quatro mulheres, são todas estudadas - não se formou, né?
Bom, [entre] meus filhos, eu tenho essa, que está aqui comigo, ela é fonoaudióloga, também fez o curso na Cásper Líbero de Jornalismo, mas não seguiu Jornalismo.
A outra é jornalista, tem diploma de piano também. É pianista, toca muito bem, mas largou um pouco. Mas ela teve um… infelizmente, por ser a primeira filha… às vezes eu me pergunto, não quis pesquisar muito sobre isso, mas eu poderia pesquisar… ela, talvez de criança, teve algum problema e eu não percebi, ela é deficiente auditiva agora. Não totalmente, mas quase totalmente. Ela tem tipo, em um ouvido ela escuta, por exemplo, uns 40% ou 50%. No outro, é 10%. Usa aparelho nos dois, né? Bom… e é estudada também.
Agora, o meu filho é muito inteligente, mas também fez a burrada de largar engenharia no quarto ano, Engenharia Mecânica. Ele é muito bom em matemática, ninguém bate ele, ele é muito bom, muito inteligente também. Está seguindo bem na vida dele, então não está fazendo tanta falta.
Mas as minhas netas… o meu neto [é] o único que eu queria que fosse até um médico, ele é bonito, alto. Fernando, ele chama.
Gozado, eu devia ter trazido tudo eles, bem enquadrados, direitinhos [nas fotos]. Bom, agora enquadro na minha cabeça, já está bom. Então, já sei como eles são.
As minhas netas são assim: a mais velha, a primeira, a Carolina, que nasceu em 1994, está na Inglaterra, [em] uma cidadezinha perto de Londres. Não tá em Londres mesmo, porque diz que em Londres é muito caro. (risos) Não tem filho ainda, mas ela veio com o namorado agora, vão casar no meio do ano que vem e ela tá procurando um local. Podia fazer até aqui, ó. Vocês fazem a festa? Não, não dá muito certo, não daria certo, pra filmar alguma coisa aí também. Ela quer um casamento fora de São Paulo. Ela foi ver Mairiporã e foi ver lá em Itu. Ela gostou muito de Itu, mas eu falei: “Pelo amor de Deus, até lá nem sei se estou viva”, mas eu vou ficar viva porque preciso ir, né, numa festa dessas. (risos) Eu falo assim pra mim mesma, sabe? Eu me dou licença se eu tenho que ir ou não tenho que ir, viu? Ele manda, tudo bem, mas aí eu falo pra ele: “Ó, você tá ocupado com outras coisas? Deixa eu aqui no meu canto”.
Então, o que eu tava falando: a Carolina é muito inteligente, ela passou em advocacia, ela fez o OAB da vida. Sabe o que é OAB, né? Passou de primeira, muito inteligente; mas, de tudo isso, ela não exerce a profissão. Ela tá lá em Londres, adivinha o que ela tá fazendo perto de Londres? Ela tá fazendo, ela aprendeu inglês sozinha porque é muito aplicada, gosta muito do inglês. Tá fazendo tradução do português pro inglês [ou] do inglês pro português, não sei. Uma coisa assim. Ganha uma nota, já compraram até casa lá e tudo. Não está mais sendo advogada. Bom, essa daí.
A outra, que é a Giulia, ela tem dois diplomas: tem um de… do quê?! Do que, agora, ela se formou?! Ela tá fazendo agora psicologia, uma coisa que eu não gosto. (risos) Ela se formou em administração de empresas, que dá mais certo, porque mexe com dinheiro, né? Psicologia não mexe com nada. (risos) Mexe com a cabeça, te deixa às vezes mais tonto. Ai credo, se tiver um psicólogo… até mesmo ela, né? Quem que não é psicóloga hoje? Quem que não é? Todo mundo é um pouco. Vocês tão fazendo o psicólogo "paciencioso" porque tão com uma paciência comigo. (risos) Bom, a outra… essa daí também.
De quem que eu estou falando?! Carolina, eu já falei; da Giulia. Muito bem: ela está morando agora sozinha já, é emancipada, sabe? Ela, com mais duas colegas, lá em Ribeirão Preto. Ela está na faculdade de Ribeirão Preto… como é que chama? Tá fazendo lá a faculdade, que lá é melhor, né? Ela sabe todas essas coisas.
Depois tem a Bianca, que é irmã dela, que tá fazendo, tá estudando, ainda não entrou na faculdade.
Ué, está faltando uma [neta]. Carolina, Giulia, Bianca… Bruna! A Bruna é muito inteligente. A Bruna, minha neta, ela teve agora, sabe onde que ela escolheu pra ir? Não é que ela escolheu, ela é da USP, né, tá fazendo letras na USP e aí tem aquele negócio de intercâmbio, né, e no intercâmbio que ela entrou, ela tinha que tirar uma nota boa pra ela ganhar o intercâmbio, só que quando ela ganhou, tinha uns lugares pra escolher e não tinha o que ela queria. No começo, ela queria até ir em Londres, [porque] estava a outra prima dela pra ir pra lá. Ela pegou, sabe onde ela pegou? Você nem acredita! Eu acho engraçado… nem me lembro agora da cidade, é pouco conhecida… Hungria! “Hungarês”, que diz que é uma língua… ela que gosta de inglês, de outras línguas, falou: “Vó, essa aí acho que eu não vou aprender, porque é muito difícil”, mas vai, sabe por que que ela vai aprender? Porque arrumou um namorado lá e daqui a pouco ele vem pra cá, em maio. Aí ela falando “hungarês”, já viu? Sei lá como é essa língua. Essa língua, eu acho que não tem nem língua, acho que tem orelha só, sei lá. Ela falou que é dificílimo. Ela passou o maior frio lá, ficou seis meses lá, voltou agora… faz um mês que ela voltou, né? Ela é muito inteligente também essa menina. É filha dessa que tá aqui. Ela é muito inteligente… ela daria uma boa psicóloga, porque ela tem uma paciência de me ouvir e ela é a única que me dá resposta e me dá cada uma e me deixa de cara no chão. Porque sempre tem alguém que dá uma resposta melhor pra você, que você goste da resposta, né? Ela fala comigo e me desarma logo logo, viu? E é isso aí.
(01:51:46) P1 - Dona Lourdes, o que mudou na sua vida depois que o seu marido faleceu?
R - Ai menina, bom, é gozado uma pergunta assim, que acho que nem eu mesma me fiz ainda, sabia? Bom, eu acho assim, [em] primeiro lugar mudou o trabalho de fazer comida… porque tudo isso que eu tô falando, vocês têm aqui na frente uma pessoa que não gosta de cozinhar. Eu sei cozinhar, sei e acho o seguinte, que a coisa mais fácil do mundo é cozinhar, é, mas você tem que gostar, porque a combinação fica boa se você faz com amor. Falar: “Eu gosto de fazer e vou fazer”. No meu caso, como eu não gosto de fazer, eu gosto de comer, (risos) então eu dou nota pra comida, não dou nota pra… não, dou nota pra quem faz a comida. Não… quero dizer isso, né? Mudou mais ou menos por aí, né, filha? Roupa não, porque ele era esportivo, ele trabalhava na firma dele, que ele tinha uma firma lá em Cumbica, pra lá de Guarulhos, e ele punha roupa, macacão, quando ele trabalhava lá, voltava pra casa já com o banho tomado, já não sujava muita roupa. Porque tem homem…
teve uma prima que passava, quando ia lá conversar com ela, ela estava passando camisa de monte pro marido, que esses engravatados dão trabalho pra mulher, sabe? Não sei se é teu caso, não é, acho, pra tua mulher, pra tua noiva, sei lá, porque passar a manga comprida e gravata é "coisa ruim", né? E mudou isso.
Mudou o seguinte só também, porque avó é muito mão aberta, sou muita mão aberta… não vou falar a quantia que ele me deixou, mas me deixou uma boa quantia. Eu já acabei com mais da metade e tudo por causa de netos. Qualquer gostinho dos netos, principalmente quando eram pequenos, agora estão mais energizados. Tanto que essa Bruna, às vezes eu dou coisa pros outros netos, eu vou e chego pra ela e falo… “Vó, o que é isso?”, “Não, é porque deu pro teus primos, agora eu dou pra você”, “Não vó, eu não quero. A senhora vai fazer mais bom proveito monetariamente”. Então, eu fui dando dinheiro, (risos) então [foi] o que me prejudicou um pouco, né, filha? Que agora eu queria ter empregada, mas sabe como que eu queria ter empregada? Se eu pudesse pagar ela muito bem, porque eu tenho dó de empregado. Ontem a faxineira… hoje é terça, né, vamos ver se eu estou boa de "bola". Bom, ontem foi a faxineira na minha casa. A faxineira vai embora, eu fico cansada, vou tomar banho e falo: “Ai eu tô tão cansada”, eu falo pra outra minha filha, que mora comigo. “Ué, mãe, a senhora não fez, a faxineira que faz a maior parte” mas só de pensar, que a outra tá fazendo pra mim, eu fico cansada, você acredita? Eu tenho dó. Então eu queria ter empregada pra poder pagar ela muito bem, que pelo menos com o dinheiro ela se realizasse, vai. E depois não ia querer ter uma só, porque eu tenho uma casa bem grandinha, a minha casa daria conta. Eu queria ter duas empregadas, eu queria ter uma faxineira, eu queria ter uma arrumadeira, porque, pra mim, o mais importante, que eu vou falar pra vocês que são donas de casa, moça… também acho que tem casa, não tem? O que você acha: é bonita a limpeza numa casa, lógico, mas a limpeza você faz às vezes em condição, você não vai ficar [fazendo] faxina toda hora, de cima a baixo, vai? Que eu quero dizer faxina. Vocês duas, mulheres, sabem o que é faxina, talvez até eles saibam. Pra mim, arrumação é tudo, eu gosto de casar bem arrumada. Eu tenho TOC. Eu estou aqui assim porque eu estou falando muito e ainda não me mexi, teria que ter um lugarzinho pra pôr essa sujeira aqui. Eu não gosto de ver coisa fora do lugar, copo fora do lugar, xícara fora do lugar, eu já pego e já vou pôr no lugar, porque eu acho que tudo é a ordem na casa, entendeu? Pra mim é ordem.
Sabe o que eu falo pra esses bandidos… que fizeram com nós agora? Vou mudar totalmente de assunto, vou pra política agora. Esses cachorros que foram lá em Brasília fazer o que eles fizeram, eles não sabem o que está escrito na bandeira, sabiam? Eles não sabem ler “ordem e progresso”, minha filha. Ordem, o que é ordem?! Você sabe o que é ordem? A carta ordem… não precisa você fazer a ordem, a ordem existe pra ser acatada e o progresso existe pra ser progredir e não fazer o que vocês fazem, desmanchar tudo num lugar que está significando a ordem e o progresso e a bandeira nacional, não é? E pra mim é sagrado. Eu fui conhecer Brasília. Estou feliz, até posso morrer sossegada, porque eu queria conhecer Brasília. Mas fiquei três dias só, não dá pra ver quase nada. Mas vi a Catedral, eu fui lá onde eles fazem todos conchavo lá. Aquela que tem as mesas, não tem um buraco assim, que eles sentam lá, que ficam falando? Fiquei feliz de ter ido lá, visitado lá. Achei bonito. Todo brasileiro tinha que ter ido à Brasília. Porque eu gostava quando a capital do Brasil não era Brasilia, que era Rio de Janeiro mesmo, eu gostava mais. Faz tanto tempo, né? Primeiro foi na Bahia, né? Os espertos foram primeiro pra Bahia. Lugar bonito, viu? Tem algum baiano aqui? Mas não gosta da Bahia?
Conhece a Bahia? Conhece? Eu não, infelizmente. Eu passei por lá no navio, mas não passei na Bahia. Eu queria ir no Pelourinho lá, não sei porquê. Ideia, sabe, porque é uma coisa muito falada, né, muito. Eu conheço um lugar também muito bonito, que parece com um lugar da Itália, que é Recife, porque quando eu fui de navio, ele primeiro passou por Fernando de Noronha, de longe, né? Menina, um navio, ele anda sete dias - de navio, eu estou falando -, o navio é por nós, né, você sabe? Daí a dezoito, dezenove nós, né? Tem o lugar que tinha o lugar que comandava o navio. Não é de quilômetro, lógico, que nem carro, [que] se vai cinquenta, sessenta. Então, passei por Fernando de Noronha, que é Pernambuco, pra lá, e como demora pra chegar em Fernando de Noronha. Depois de Fernando Noronha… primeiro você passa… de Santos, quando eu fui viajar de Santos pro Rio, né, do Rio vai passando, aí você não para em lugar nenhum mais no Brasil, vai parar primeiro em Portugal, que é o mais perto, e [de] Portugal vai pra Espanha, e da Espanha vai…
você passa também, antes de Portugal, pela França, mas não para também. Desce só os "grã finos". Eu me diverti no navio, porque os "grã finos" vão com os cachorrinhos, e os barcos - porque eles pagam em Cannes, né, Mônaco, mas não para muito perto do porto… não tem porto lá, então eles param com o barco, descem com o barco e vão até a beirada. Tudo "grã finas" as mulheres, né? Me divertia no navio. Eu gostava, era jovem, menina. Primeira vez que eu viajei tinha 26 anos, imagine? Já tinha os três filhos.
Então é isso aí, filho, a gente… o que nós estávamos… você falou do passeio, de casamento… mudou assim: minha vida mudou pra melhor, mas não tão melhor, porque eu devia ter sabido que se tivesse meu marido vivo, eu sabia administrar o dinheiro. Tinha rendido melhor. E meus filhos me davam os palpites deles, mas eu não queria saber de palpite, eu fui fazendo a minha moda, né? Cheguei a pagar um carro, que meu filho ficou devendo até os olhos da cara, um carro que ele comprou, eu pagava tudo escondido dos outros filhos. Mamãe faz essas coisas: esconde de um, pega pro outro e depois fala com um, vai com outro. É uma confusão. É fogo ser mãe, né, filha? Você não é não, né? Pode até ser, vocês são bonitinhos ______ tem que ser filho, filho é filho, né? (risos) E agora é mais fácil ter filho. Eu acho legal que eu já sou velha, me divirto. Aquela que ter filho e não queria que o filho, quem deu os espermatozoides pra ela, né? Ela pôs o dela, ele pôs o dele… era uma pessoa na novela, né, de fe… Só conhecida de longe, ela não queria saber que ele soubesse, que depois se preocupasse com a gravidez dela. Falou: “Não, tô grávida, mas eu paguei”, acho que ela pagou pra ele, sei lá o que foi. Cada coisa, não? Acha que pode? Num pode, né? Vocês homens tão roubados com isso, viu, filho. Sabe por quê? Não, vocês tão roubados por isso, porque, veja bem, a mãe é uma só, por isso que fala que mãe é uma só, porque não pode ser duas mães, né? Agora o pai, vai saber quem é o pai, né? _____ o teu cônjuge, junto com você, nunca sabe certinho, né? Só [com] o DNA, que coisa linda, não? Olha, já tô eu mudando de assunto, você vê como eu mudo rápido? Não, agora já tô falando de medicina, porque pra saber esse negócio de DNA é muito interessante. Essas coisas pra mim são interessantes, sabe? Pra mim é coisa difícil, sabe, não é coisa fácil. Porque viver é fácil, viver com o coração bom e não desejando mal ao próximo, fazendo a tua parte e deixar cada um fazer a sua parte, é fácil. Não é fácil?
Agora, os coitados lá, engravatados… olha, vou mudando também já, política ainda, né? Os engravatados são todos uns cachorros, aqueles velhos lá. Chamo eles de velhos gaga, sabe? Tudo velho fedido lá, na câmara, naqueles lugares. Verdade! Por que não põe só jovem? Você está dando risada, você tem que fazer [o] favor e procurar o mais jovem, pra ir na política. Nós precisamos de política com jovens, gente. Vocês também. Vereadora, depois de vereadora vai pra deputado estadual, deputado federal, senador, que mais? Ministro. Não, não ministro. Quem mais? Quem manda mais? Bom, agora eu vou falar uma coisa, pra tu encerrar, porque vocês vão achar, vão me chamar de louca, mas o jeito que eu penso, essa minha filha que está aí, fala [que] eu devia ser, sou um pouquinho comunista, viu? Desculpem, eu sou um pouquinho. Quer ver? Ó, quer ver por que eu sou um pouquinho? Não é justo… que aqui tá cheio de mansões, aqui nesse bairro, né? Vamos supor. Mesmo no meu bairro, não é justo que um tenha uma mansão daquelas, vive bem e ainda tem um monte de casinha que põe os pobrezinhos morando lá, pegando aluguel dos pobrezinhos. Ele teria que precisar daquelas casinhas, daqueles aluguelzinhos? Eles já não têm uns casões? Já não tem uma coisona? Porque: “É sim, eu trabalhei”, todo mundo trabalha, mas o outro coitado não tem. Eu só viveria bem se nesse mundo [se] eu soubesse que [em] uma noite de Natal todo mundo passasse com estômago cheio, que não tivesse fome, gente sofrendo. Até eu falo com Deus, para pelo menos no Natal, pra dar umas doze hora, vai, de quantas horas você quer dar de felicidade pro próximo? Só isso que eu penso. Então, por isso que eu tenho raiva, entendeu, de política, de coisa que não é bem feita. Se bem que é votação, né? E votação é bom também. É bom porque mesmo eu, que tô falando todas essas besteiras, se vocês votarem agora e vocês três falarem: “Não, ela tá errada agora”, mas eu saio daqui e vou embora, vocês acham que eu não estava bem, eu. Lucas, se votou a maioria… põe o negócio no ar, sei lá onde vocês vão pôr. (risos) Eu estou brincando. Se não der certo, não põe. Pronto. É muito fácil, né? Mas tem que (refletar?) a votação. Você não viu o infeliz? Desculpa, eu só vou falar isso, não quero que você se manifeste, porque eu tenho minha opinião. Que nós tivemos um ignorante, um infeliz, um coitado, esquizofrênico, genocida e que precisa de psiquiatra mesmo, tava no poder por quatro anos, né? Um que tem uma joia, que quer ficar com ela, porque a joia dá pra ele viver, todas as gerações dele, [com] o preço daquela joia, né? Você sabe de quem eu tô falando. Então, depois disso, minha filha, o que a gente pode fazer nessa vida? Mais nada. Entendeu? Os jovens podem. Porque eu gosto de, eu falo baderna, não é baderna, bagunça assim, cheia de gente. Eu falo baderna na minha cabeça, mas tem outros modos de falar a palavra: a união faz a força. Pronto. O jovem se unindo tem que pedir coisa boa pro governo, tem que pedir coisa boa. O que é coisa boa? Pra mim, a única coisa boa que melhora um país é a educação. É a educação, do princípio ao fim. Tinha que ser preso o pai que não pusesse o filho na escola. Quer dizer, ele podia falar os motivos porque que ele não pôs, porque ele não tinha dinheiro, porque aconteceu isso, aconteceu aquilo. Aí vai o governo e fala: “Então está bom. Eu te pago. Me dá aqui teu filho, que eu vou pôr ele pra estudar”, ele não querem. Porque quanto mais inteligente tem, mais difícil vai ficar pra eles entrar no poder e ganhar dinheiro, vocês não acham? Eu sou política, nisso aí eu sou política.
Bom, fala minha querida, Sofia.
(02:04:26) P1 - Lourdes, falando um pouco dessa época, desses quatro anos, como a pandemia e a quarentena te afetaram?
R - Vixe Maria, como me afetou? Me afetou principalmente [com] o medo, né? Principalmente o medo de pegar. Mee deu surpresa também, porque eu dei risada sozinha comigo mesma, porque eles ensinando a gente a lavar a mão. Eu digo “a gente”, não “nós”, talvez… tá cheio de gente, até agora talvez, ou não tem água, ou não tem cabeça, ou o que ele não tem que não lave a mão? Por exemplo - uma das coisas -, aprendemos a lavar as mãos, mas só que eu tive medo, tive medo e tive gastos, né? Bastantes gastos, porque eu não saía de casa, eu seguia à risca. Eu tava, em cada lugar do cômodo da minha casa, cozinha, até banheiro e tudo, tinha coisa com álcool em gel, álcool do outro, álcool em gel, isso aí. Máscara pra tudo quanto é lado. Eu comprava coisas pelo telefone.
Quando vinham eles trazerem, eu ia de máscara, tentei uma piada que passa no [canal] cinco também, que eu vejo muito o cinco, (risos) o cara lá com a mãe: “Mãe, eu tô aqui sozinho”, ele pegou a covid… ele não pegou o covid. A mãe não podia ir lá, ele não podia ir na mãe, uma confusão.
Bom, então me afetou nisso aí, filha, afetou não só pra mim. Me afetou que eu vi que o Brasil se atrasou. Não precisa falar que eu já ouvi falar essas coisas, você pode falar: “Ela tá falando porque já ouviu falar”, eu já ouvi falar, mas também já tinha pensado, atrasamos nós em uns quatro, cinco anos ou mais. Parou tudo, né, filha? Parou pro comércio, parou tudo. Num sei como que pode parar, mas parou, né? Eu lembro. Nossa, eu não era de comer muito fora, não era de fazer muita coisa fora de casa. Sou mesmo mais caseira, mas não poder… até aí, você não poder sair e nos lugares, que todo mundo [estava] de máscara, todo mundo… tudo estranho parece, as pessoas tudo estranhas, parecia tudo ET andando na rua assim, não sei explicar, né? Foi muito triste, eu achei. Inclusive, vocês me perdoem, mas eu tomei as quatro [vacinas], eu ia tomar uma ainda que eu não tomei. Ia tomar ontem a última, essa que estão pedindo agora. Como é que ela chama? É Prevent, acho, não sei. Eu sei que tem um nome aí… mas eu tomo! Eu também não sou ignorante não, viu?
Outra coisa que eu fico brava da vida de coisa, meu neto, infelizmente, que eu amo tanto ele, ele é meio ignorante: tomou duas doses e não quis tomar mais. Eu falo que ele é ignorante, porque quem que vai… não vai dar valor pra uma pessoa que estudou medicina, estudou… os laboratórios que fazem uma coisa com tanto carinho, você não vai dar valor? Ela pode não fazer bem, mas mal não faz. Então vamos fazer o gosto deles lá, pelo menos, vai. Tomar vacina, ser um bom cidadão. O que você acha? Se todo mundo ia, todo mundo ficava com o corpo protegido, não tinha chegado onde chegou, porque um passava pro outro justamente por isso. Porque ele estava muito "aceso" ao vírus, né? Então você pegava fácil mesmo. Eu talvez tenha pego também, mas eu não ligo, sabe por quê? Não me deu nada pra ele. Eu fiz duas vezes o teste do nariz, não deu nada. Mas a gente toma cuidado mesmo, né? Mesmo aqui, hoje, eu não fiz o que eu tinha que fazer, devia ter lavado, lavei a mão quando eu fui ao banheiro, mas a gente tem que cuidar também, né? A limpeza é tudo. Porque segundo os cientistas… eu não vejo, meu filho, nem você vê, não é incrível saber que aqui, ó, você tá olhando, tô vendo preto lá, não tô vendo mais nada… saber quanta coisa tem, né, que vai olhar tudo com… não, às vezes até exagero que eles fazem, que às vezes chego e falo pra minha filha… você assistiu um filme que o cara ficou na bola de sabão? Ficou numa bola, na redoma de vidro. Você pega uma pessoa, acaba de nascer, você põe ela numa redoma de vidro, que ela não toma também… assim mesmo ela pega alguma coisa. É coisa de religião misturada com ciência, né? Se bem que pra mim a religião deve sempre ganhar, mas ninguém quer dar o braço a torcer. Por que… Fala.
(02:08:34) P1 - Você lembra o dia que você tomou a primeira dose da vacina?
R - Eu tomei em março de 2020. Dia primeiro de março, até já [vai] fazer ano esse ano, né? Pelo governo. E depois no dia vinte, a segunda. A terceira acho que passou uns três meses ou quatro… não, tinha que parar passar quatro meses ou seis meses. Agora esqueci um pouco, mas tomei as duas primeiras logo no começo. Peguei uma fila tremenda, mas tomei.
(02:09:00) P1 - Como você se sentiu?
R - Eu não senti nada. Eu digo que sou engraçada, de comida também, sabe? Eu como de tudo. Só que agora eu estou ficando velhinha, a minha filha tem mania de médico - acho que nós comentamos isso lá -, pra ela os médicos têm sempre razão. Eu não, eles estão sempre errados. (risos) Eles são que nem padre: faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço. É a mesma coisa. Eles ficam falando pro você fazer uma coisa, dá vontade de perguntar: “Escuta doutor, o senhor faz isso? E a tua família, faz tudo bonitinho que você está mandando?”, não faz.
Mas o que é isso, meu filho… outra coisa que acaba com a modernidade é o dinheiro, porque se faz tudo por dinheiro. Não sei… ai, desculpa, não quero ofender. Agora posso até ofender porque eu sou muito radical nas palavras. Se faz tudo pra dinheiro mesmo! Eu não saí da minha casa sem gastar dinheiro. Por quê? Peguei Uber. Quem está ganhando? Ele, motorista. Agora, quem está ganhando mais que ele? Quem quem formou o Uber, né? É, e… (risos) Eu fiquei com essa mania agora de falar coisa de dinheiro, mas é sim, a minha filha fala assim, a minha filha é "amiga" do supermercado, ela é gosta do supermercado, ela acha tão bom. (risos) Ela compra tanta… às vezes compra coisa que eu não pedi. Eu gosto de fazer uma lista, mando ela comprar, ela compra tudo que eu mandei comprar, mas sempre vem coisa extra. “E coisa extra pra quê?”, eu falo pra ela. As brigas que saem às vezes é [por] isso. Pra que tanta coisa extra? Não precisa, né? Tem coisa que você compra por comprar. Aí sabe que eu chamo ela? Que ela é Maria Tereza de Calcutá lá, boazinha, porque ela gosta de ajudar os… não é pobre, eles não são pobres, já são ricos, mas ela deixa ficar mais rico. Ela comprando uma coisa que não serve é ruim pra mim, que gasto, e bom pra ele, que ganha. E eu falo pra ela: “Que isso agora?”. (risos) Não, eu acho que tinha que ser, a gente tinha que ter…
Agora, pra encerrar, eu juro que eu não falo mais.
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