Entrevista de Aguinaldo José Almeida da Silva
Entrevistado por Maria Fernanda Santiago de Lima e Camilly Vitória Saturnino Melo
Maceió, 26 de junho de 2025
Projeto Memórias que não afundam
NOS_HV006
0:26 P/1 - Aguinaldo, a gente gostaria de agradecer por você ter topado em fazer a entrevista com a gente. Caso você queira fazer um intervalo, é só sinalizar que a gente dá uma pausa, certo? Bom, agora a gente vai iniciar e eu queria que você falasse pra gente qual o seu nome, local e data de nascimento?
R - Boa tarde! Meu nome é Aguinaldo José Almeida da Silva. Há um tempo atrás também eu fui chamado de Sol, o pessoal me chamava de Sol, lá no passado. Isso acabou. Nasci no Bom Parto, em 1960, portanto eu tenho 65 anos, agora em maio, sou taurino. E tenho como profissão atual a de psicólogo. E também já fui cozinheiro de marinha mercante, assim como fui também suboficial da Saúde de Marinha Mercante.
1:27 P/1 - Quais os nomes dos seus pais?
R - O meu pai chamava-se Aguinaldo Rodrigues da Silva, era funcionário da CEAL [Companhia Energética de Alagoas]. Minha mãe, Maria José Almeida da Silva, era funcionária da Biblioteca Pública daqui de Alagoas.
1:46 P/1 - Quais eram os principais costumes da sua família?
R - Olha, nós éramos uma família bem eclética, comigo, somos cinco irmãos. A partir dos anos 80 em diante, nós começamos a ter uma visão política diferenciada da maioria, e nós não tínhamos assim, um costume fechado. Eu, quando criança, frequentei a Igreja Católica, assim como meu irmão, o Allan, que queria ser seminarista. Mas nós nunca fomos aquela família conservadora, de exigir, tem que ser religioso. Era meio que sem regra, meio à vontade.
2:33 P/2 - E como você descreveria os seus pais? Como eles se conheceram? Você sabe dessa história?
R - Caraca, veio, falar do meu pai, é uma coisa impressionante. Meu pai enganou minha mãe. Meu pai era bem namorador e ele era motorista de lotação. Naquela época, era um Ford, aquele Ford. Então, ele saía aqui da Ponta Grossa para Bebedouro e fazia esse trajeto. Meu avô era militar, daquele militar linha dura, e minha mãe, coitada, era uma inocente. Então, eles se conheceram, e não sei se por vontade, ou se foi um acidente, me produziram. E o velho Viana, o sargento Viana, foi lá e disse: agora tem que casar. Mas eles sempre foram pessoas também muito tranquilas, sem muita interferência. Minha mãe passava a maior parte do tempo dentro da Biblioteca Pública, no setor de literatura infantil, então ela sempre foi… Nunca gostou muito de barulho, ela tem uma voz bem tranquila. E o meu pai seguiu a vida dele até o ano passado.
3:46 P/1 - Você gostava de ouvir histórias. Quem costumava te contar?
R - O meu avô, ele era o Pantaleão, não sei se vocês sabem quem é o Pantaleão? Pantaleão era um personagem do Chico Anísio. Então, ele sentava-se aqui à frente da nossa residência, era um grande contador de causos. Então, ele passava parte da manhã contando os causos dele. Tem uma pessoa aqui em Alagoas que conhece e seguiu ele muito tempo, que é o Bolinha, ali na Rua das Aves, tem um restaurante ali, até hoje, quando a gente se encontra, ele conta os causos do meu avô. Meu avô passava cercado aqui, ele gostava de canários, e ele de manhã, logo cedo, colocava os canários e gostava de jogo de dama. Então, quando ele estava no jogo de damas, ele era silencioso. Como eu fui criado pelos meus avós, tendo em vista que logo que eu nasci, um ano e pouco, minha minha mãe teve um outro, e era dois lá na Levada. E eu vim aqui para o Bom Parto, nós chamávamos a General Hermes, a rua da frente. Bom Parto só tinha duas ruas, rua da frente e a rua de baixo. A rua de baixo era a Francisco de Menezes. Então, eu nasci na rua da frente, em frente ao Brandão Lima. Não existia o Brandão Lima, na época, era só Barreira. E ele era um daqueles sargento de milícias, aquele cara duro, bonachão, contador de história. E assim eu cresci. Minha avó também, minha avó gostava muito de contar história, ela era uma boa contadora de história. Eu cresci nesse universo.
5:30 P1 - Você poderia descrever um pouco mais sobre a sua relação com os seus avós?
R - Uma relação muito saudável, muito boa. Como eu disse, o meu avô, ele era um sujeito extremamente respeitado aqui no Bom Parto. Naquela época, dos anos 60, 70, as delegacias tinham outra composição, os soldados de polícia, do cabo ao sargento, eles ocupavam delegacias e era chamado de sub delegacias. Aqui no Bom Parto nós tínhamos um enfrenta ali, onde era a SEMED [Secretaria Municipal de Educação], onde eles passavam jogando dama. E qualquer coisa que acontecesse aqui na redondeza, era aqui nessa casa que vinham chamar o Sargento Viana. E ele dava uma ordem, o cara tinha que vir. Então, era assim. Mas dentro de casa era um sujeito bonachão, tomador de uma pinga. Ele era forte, um peitãozão assim, abria assim, um revólver nos quartos. Lá na Garça Torta, na casa de um irmão, tem um punhal dele ainda lá. Meu irmão mora ali na Garça Torta, próximo ao bar do Carlinho. Na sala tem lá alguns apetrechos dele. E foi uma convivência muito saudável. Agora minha avó, minha avó, já era mais dura, minha avó era mais corajosa. Minha avó era aquela que impunha autoridade. Era a tal da senhora. A gente tem discutido sobre isso. Ela era a senhora mesmo. Ela tomava conta. Meu avô, apesar de, aparentemente para os outros, ser muito corajoso, mas era muito medroso, cara. Tinha medo de sapo, tinha medo de cobra, tinha medo de coisas do além. E minha avó, não. Então, aqui, essa casa não era desse jeito. Atrás da porta da sala tinha um rifle papo amarelo, embaixo da cama, tinha um 38. Se acontecia alguma coisa, meu avô dizia assim para minha avó. “Lídia, você ouviu isso?” “O que eu ouvi?” “Eu acho que estão mexendo aí.” Ela é quem levantava. Aí ela vinha. Nós tínhamos um cão, por nome de Leão, esse cão era muito inteligente. Quando tinha alguém, ele latia ferozmente e tal. Mas se ele tivesse, meu avô, qualquer coisa que fosse para sapo, pra cobra, ele nem se mexia. Ele era uma pessoa assim. Tem um fato interessante, que eu fui soldado do exército, e lá no exército, eu servi em 1979, eu criei uma cobra. Eu estava de plantão, na porta do paiol, que fica atrás do quartel. Eu estava deitado, que toda a minha vida eu fui muito relaxada, eu nunca fui de cumprir muita regra, é um traço do TDAH [Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade]. Não quero nem falar do TDAH. E eu estava deitado, e uma cobra passou por cima de mim. Olhe que isso não é causo do meu avô, tenho foto pra provar. E eu peguei essa cobra e trouxe pra casa dentro da minha bolsa, e não contei pra ele. Quando ele soube que tinha uma cobra dentro de casa, olha que ele ficou muito puto, queria porque queria que eu botasse a cobra fora. Aí, eu fui levar a cobra para o quartel e um tal de sargento que tinha lá, comeu a Lolita. Era a Lolita a cobra. Eles comeram a coitada da cobra.
9:09 P/1 - Você pode descrever pra gente como era a casa que você passou a sua infância?
R - Era uma casa bem simples. A primeira lá na rua da frente, era uma casa alta, estreita, era uma casa que foi ocupada… Porque aqui no Bom Parto tinha uma peculiaridade, o bairro do Bom Parto é um bairro operário, a sua origem, é uma origem operária. Então, a gente tinha aqui no Bom Parto uma das fábricas mais importante do Nordeste, com relação a linha. Tanto é que o trilho, esse trilho que vai para Bebedouro, ele passa ao lado da fábrica, onde hoje é a SEMED, que era para escoar a produção. Então, tanto aqui o Bom Parto, como a Carnelá em Fernão Velho. Se vocês prestarem atenção lá em Fernão Velho, o trilho passa margeando a fábrica, entendeu? Então, aonde nós morávamos… Porque naquela época soldado de polícia nem tinha valor e nem ganhava dinheiro, era uma coisa impressionante, funcionário público. Lá na minha casa, eu estava outro dia comentando com meus irmãos, nós não tínhamos sequer banheiro. Era uma coisa impressionante. Era uma casa de taipa, uma casa imensa, que descia degraus, tinha degraus, agora, um quintal imenso, um quintal onde minha avó criava galinha, criava patos. Chegou até criar porco. Eu cheguei a criar uma potrinha que apareceu, botei o nome de Garrincha, porque ela foi rejeitada, e ela tinha as perninhas tortas. E criava tudo isso aqui atrás, onde mora minha mãe. A minha infância foi uma infância maravilhosa, foi uma rebeldia na beira da lagoa. De vez em quando eu apanhava, mas… Levava umas porradinhas da veia, chegava muito sujo de lama da lagoa, 18h, 19h da noite. Aí, levava umas porradinhas.
11:15 P/1 - E quais eram as suas brincadeiras favoritas? Você tinha muitos amigos?
R - Olhe, eu estava avaliando essa semana, aqui sentado e vendo uns garotos brincando. Tem um riachinho lá na beira da lagoa, só que tinha mangue. Nós tínhamos uma laguna importante, que é a Laguna Mundaú, talvez a mais importante, a Rodrigues de Freitas, no Rio de Janeiro, e essa daqui. Então, ali era meu parque de diversão. Então, eu entrava, com esses garotos aqui, a gente chama de peteca aqui, mas outros lugares chamam de estilingue, a gente fazia com borracha de câmara de ar, pegava o pau do mangue, e aí colocava, pegava as pedras e ia matar caranguejo. Então, eu passava muito tempo… Eu não só pegava caranguejo, eu peguei schistosoma também, quase morro, na beira da lagoa. Então, com 14 anos, eu já diversifiquei um pouco, porque como eu era muito briguento, quando eu chegava, estava lá, aí minha mãe disse: “Você vai fazer judô, que é pra acalmar”. Aí, eu fui para o SESC [Serviço Social do Comércio], eu sou da segunda turma de judô no SESC, que era o professor Suzuki. Foi pior. Eu brigava sem ter técnica. Depois… E o judô fez parte da minha vida até 1983, quando eu perdi um Campeonato Norte Nordeste. Mas eu também ia embarcar, e um outro segmento da minha vida, e eu não treinei mais. Eventualmente, eu ainda faço alguma coisa, mas infelizmente a idade chega e a coluna diz, “opa, pode não”. Foi uma infância maravilhosa, bem rebelde. Eu fui muito diversificado, porque eu estudava num colégio, que era um colégio público, aqui de Alagoas, um dos mais importante. Onde grande parte do segmento hoje importante que ______, Pedro Montenegro, algumas pessoas dessas, estudaram lá, que era o Cônego Machado. Você tinha o estadual, que era quando você terminava o médio, não fundamental, eu acho. Já me perdi, nem lembro mais. E ia para o Estadual. E lá nesse colégio eu conheci uma figura extraordinária, que era o Washington Luís. Ele já vinha de uma militância do pai dele, então a gente fazia reunião… Porque a minha adolescência e parte da minha infância, era na época da ditadura. Eu sou de 1960, 1964 aqueles senhores lá invadiram o Brasil, tomaram conta. E eu não perdi tempo com isso. A gente tinha um grupo de estudo, que isso que fez a grande diferença. Era na parte de trás do Cônego Machado, a gente sentava, não existia essa quantidade de livro, internet, com a facilidade que tem hoje, as pessoas não se informam, talvez porque não queiram. Era no mimeógrafo. Ele fazia o mimeógrafo estudantil. Vinha com aquele cheirinho de álcool, aquela tinta azul. Aí, a gente ia ler ali, debater. Claro, que eu estava aprendendo. Era um mundo totalmente diferente. Mas aí eu comecei também a entrar nesse universo da militância do movimento estudantil. Não existia o UESA [União dos Estudantes Secundaristas de Alagoas], a gente foi para a luta pra fazer a UESA. Eu lembro que na minha época de militância, um companheiro nosso, o Thomás Beltrão, ele era da UNE [União Nacional dos Estudantes]. Mas isso foi muito bom para o meu desenvolvimento intelectual de conhecimento.
15:21 P/1 - Você tem alguma memória que te marcou nesse processo, que você gostaria de compartilhar?
R - Ah, inúmeras, inúmeras. Foi muito agitada a minha época. A minha geração foi uma geração de muita turbulência, a gente levava carreira. Eu sou da época que o primeiro pelotão, era pelotão, não era batalhão de choque. A gente foi pra rua, e aí a gente já tinha criado aqui no bairro um movimento estruturado, chamado Grupo Liberdade. O Grupo Liberdade, o símbolo era uma coruja, que era os adolescentes que a gente fazia. Grande parte do movimento hoje, de Alagoas, ele sai daqui do Bom Parto. Então, era uma coruja, com as asas abertas, a gente tem uma série de documentos falando isso. E aí, houve uma discussão do símbolo, era o globo, a Terra, a gente tinha uma tendência muito a discutir a questão do anarquismo. A coruja com as asas abertas, segurando uma cobra. Aí, a discussão da coruja era porque a coruja era o símbolo do conhecimento, da filosofia, da pedagogia. Aí, esse grupo, ele foi muito importante pra muita gente, muitos jovens da periferia participar.
15:51 P/2 - E aí, você estava falando um pouco do movimento Liberdade, né? Depois do movimento Liberdade, quais foram os seus próximos passos aí na militância?
R - O que você chama de Movimento Liberdade, iniciou-se como um grupo de estudos. Nós sentamos três pessoas e resolvemos fazer alguma… Porque nós éramos uma grande contradição. Nós éramos da JUFRA [Juventude Franciscana], da Igreja. Então, a gente achava aquilo muito monótono, cara! A gente tinha que fazer. Como já tinha um certo conhecimento, e aí, tinha umas amizades, inclusive com essa menina aqui que era pedagoga. Olha aqui uma foto lá na favela. Na época era bem tranquilo, não tinha a correria que tem hoje. E a gente queria fazer alguma coisa. Aí, juntou-se três companheiros. Um deles é professor na UFAL [Universidade Federal de Alagoas]. Eu acho que está até aposentado, que é o professor Wilson, Wilson Sampaio, ele gosta de ser chamado de Kal Wagner. Ele tem uns livros assim. E a gente criou esse grupo, que era um grupo para alcançar aquela juventude ali. O Grupo Liberdade, ele evoluiu para a Associação de Moradores. Do Grupo Liberdade, a gente manteve o grupo Liberdade como, vamos dizer assim, um braço mais radical, e parte do grupo criou a Associação de Moradores. Nós somos a segunda associação de moradores de Alagoas, a primeira, com o Reinaldo Cabral, no Jacintinho, o falecido Reinaldo Cabral, que depois me traiu, botou os homens em cima de mim, que ele foi candidato, inclusive, foi até candidato pelo PT [Partido dos Trabalhadores]. Ele botou, aí eu encontrei com ele na casa de um artista que é a Lu, a Lu Azul. Era uma espécie de República dos Artistas, a casa dela. Eu estou quase contando o meu livro inteiro, que eu estou fazendo. E lá, e Reinaldo Cabral estava vindo do Rio de Janeiro com o movimento de, não sei o que de favelas, que é hoje que tem esses meninos que tem a UPA [União Popular], não. Como é que eles falam? Da CUFA [Central Única das Favelas]. Aí, tinha um movimento de favela. O Reinaldo chegou para mim… O meu apelido na época, era Sol. Eu era hippie, na época, olha a doidice, eu era hippie. E a gente se reunia lá. Eu nunca fui muito bom com as artes, mas eu escrevia, eu escrevia crônicas, escrevia alguns poemas. E a gente se reunia, ele disse: “Sol, por que é que você não monta lá no Bom Parto, uma associação?” Eu digo: mas isso não existe, é proibido. Porque era proibido ainda. Aí, ele deu assessoria, nós pegamos alguns moradores e criamos. E essa associação, que nasceu a partir do grupo Liberdade, ela conseguiu muitas vitórias pra aqui, para o bairro. Como eu tinha dito, que nós somos um bairro operário, da fábrica Alexandria, na época dos militares, eles acabaram com a fábrica. A fábrica ficou apenas um elefante branco no meio do bairro, não servia pra nada, era apenas um escombro no meio do bairro. E aí, nós começamos a frequentar clandestinamente essa fábrica, botando o voleibol, reunindo-se lá, rebeldia de adolescente. A gente pulava, o vigia botava a gente pra fora, mas a gente ia. E nós conseguimos várias conquistas para o bairro. A estação de trem daqui, que muita gente não sabe, foi uma reivindicação que nós fizemos, a do mercado, a daqui, a do Mutange, o Tenente Madalena. Essa creche que está aí, e a Secretaria de Educação, que foi quando o Ronaldo e Heloisa Helena assumiram, e a gente foi lá e disse: “tem que fazer…” A princípio, nós queríamos que fizessem moradia vertical lá. Aí, ele disse: não, tem outras ideias pra ali. O cara, quando é governante, você dá a ideia, mas ele deturpa, ele sempre tem, impõe a forma que eles querem. Não foi ruim, virou a Secretaria de Educação. E nós continuamos a brigar por moradia, pra tirar o pessoal aqui, que nós chamávamos de invasão, e isso já no contexto da associação de moradores, por moradia. E o governador, era o Collor, Fernando Collor de Mello, e nós tivemos com ele. Ele deu, assim, um chá de cadeira de mais de quatro horas, pensando que nós íamos arredar pé de lá. E a frente do palácio, não era como é hoje, ali passava carro, ali na frente tinha uma rua. Nós sentamos lá, eu sentei com todas as senhoras daqui, que as mulheres estão sempre à frente dos homens, os homens deixam de acreditar muito rapidamente. E elas com a gente. Aí, ele nos recebeu, por volta de 17h00. Aí, ele se comprometeu, não sei por quê, ele acreditava que ia ser presidente e ele disse… Uma mão, eu lembro até hoje. Você falou de memórias, eu lembro, a mão do Collor finíssima, assim, ele bem educado. Que ele fala bem, ele convence. Conteúdo é outra coisa, né? Ele serviu o café e ele disse: “Olha, logo que eu for presidente, eu mando construir as casas que vocês estão reivindicando lá no Bom Parto.” E aí, ele virou realmente presidente. Eu até tinha feito um poema falando sobre isso, que foi o primeiro embate que nós tivemos, e aí nós já perdemos, a esquerda já perdeu para o Collor. O Caçador de Marajás, aquele cara imponente, bem típico da direita, a direita, ela é arrogante, escrachada. E eu recebi um telefonema num orelhão que nós tínhamos aqui, porque não tinha celular, essa coisa de celular… Só quem tinha telefone em casa era quem tinha uma certa posse. Você não tinha, era orelhão, fazia fila nos orelhões, era uma coisa impressionante. O cara com uma fichinha, fazendo fila, brigando com o outro, “o fulano, duas ligações.” E aí, recebi uma ligação de Brasília, que eu fiquei surpreso. Era a Ministra do Desenvolvimento dele, Margarida Procópio. Ela disse: Senhor Aguinaldo. Senhor, né? “Senhor Aguinaldo.” Nem era, coitada, era um adolescente bem doido. “Nós vamos construir as casas que vocês estão reivindicando aí no Bom Parto.” Só que eles fizeram de tal forma, que não deu margem nenhuma da gente dizer aonde nós queríamos as casas. E essa parte daqui, possivelmente vocês vão ver, era mangue, eram cinco mananciais de água doce. Permanece, não sei porque que não usam. Nós tínhamos uma espécie de piscina, nós tínhamos cacimba, como essa daqui. Tudo água doce. Do nada chegou o trator, chegou pra derrubar o mangue, pra derrubar… E a nossa briga era pra evitar que eles não fizessem isso. Aí, inverteu os papéis. O grupo Liberdade entra em ação. A gente pensou em tocar fogo em máquina. Foi um embate violento. Posteriormente, das casas prontas, apareceu um desses coronéis do mato aqui, que Maceió de vez em quando... Foi na época, já da Denise Bulhões e do marido, Geraldo Bulhões, que queriam as casas pra eles, cota política, e da pessoa de fora. E aí, outro embate. Foi um embate bem sério. Isso tudo já no âmbito da instituição Associação de Moradores. Que o cara que era segurança da Denilma, era um cabo, um cabo famosíssimo aqui em Alagoas. O cara fazia o que queria, virou vereador, foi um bocado de coisa, com isso aqui. Cercou essa casa aqui várias vezes. Só que eu não estava aqui, eu já tinha me casado pela segunda vez. Aí, já estava morando lá mais embaixo. E as casas, foram parte delas entregue para moradores de União, tanto é que União dos Palmares, que muita gente que hoje mora no Bom Parto, veio do interior.
26:13 P/1 - Bom, além do grupo de estudos que você formou, vocês formaram na escola. O que te motivou a lutar pela sua comunidade?
R - Essa coisa é trazer a consciência. Quando você não tem consciência política, você desconhece as possibilidades e a luta de classe como ela se dá, você sempre se coloca de forma a aceitar tudo. Mas quando você amplia os seus horizontes, ou o seu horizonte, você deslumbra as possibilidades. Aí, você vai reivindicar o que é direito para sua classe. Classe em si, e classe para si. E essa luta de classe, ela se dá nos bairros periféricos, juntamente com a cultura. Uma cultura, na época, chamava uma cultura marginal, nos anos 80. E é exatamente isso que motivou, a consciência política, de que nós morávamos em um bairro operário, esse bairro operário foi degradado, virou… Eu costumo dizer, de bairro operário a favela. Porque é exatamente isso que aconteceu. Aqui as pessoas estavam todas empregadas, na época da fábrica Alexandria. Todo mundo tinha moradia. Tanto é que se de uma passada ali pela General Hermes, aquelas casas todas certinhas, eram casas, ditas casas da fábrica. Do lado de cá, a gente fala beco, eram três Becos, Beco de Cima e Beco de Baixo. As casas são padronizadas. Eram casas dos operários da fábrica. Não existe bairro da Cambona. Eu digo isso porque tem uma briga terrível para que se reconheça o bairro do Bom Parto, que é uma coisa legítima, e as pessoas dizem Cambona. Lá na dita Cambona, moravam aqueles funcionários melhorados da fábrica. Tanto é que as casas já são diferenciadas. Lá morou um dos prefeitos, que era prefeito imposto pela ditadura, que era Divaldo Suruagy, que virou depois governador, governador, governador. Foi ele que trouxe, a mando da ditadura, a Sal Gema, com o aval deles, o governo militar impôs aqui, porque nós sabemos que aqui tem muita riqueza, e Estado de Alagoas, mineral. Então, o bairro do Bom Parto, ele se estende dos martírios, é lei isso, viu, até aqui o Mutange. Mas a maior parte… que é um bairro diversificado, é bem, não é heterogêneo, é um bairro que você diga assim, ele é assim, padrão, não. No bairro do Bom Parto você tem favela, uma favela bem decadente, você tem um lado melhor. Muitas pessoas querem dizer que está abandonado. Teoricamente sim. Mas no bairro do Bom Parto, a gente tem um hospital, que é a Guri, nós temos dois postos de gasolina, nós temos um supermercado, nós temos um Vale do Sol, que é aquele conjunto, que ali também é Bom Parto, entendeu? O olhar, a minha briga aqui no Bom Parto, é que as pessoas olhem o Bom Parto, não pelo olhar da discriminação. Porque isso foi criado na mídia, e eu brigo muito para que isso deixe de acontecer. Quando é alguma coisa que presta, Cambona. “Mataram cinco na favela.” Bom Parto. “Matar dois lá no Brejal Levada.” Bom Parto. Mas se tem um evento, como estava tendo agora do GEAL, no ginásio do SESI [Serviço Social da Indústria]. “Ginásio do SESI, Cambona.” E não existe bairro da Cambona, o bairro é o bairro do Bom Parto. Mas a nossa sociedade, ela faz essa divisão. E o bairro do Bom Parto, voltando a dizer, de bairro operário, bairro importante do Nordeste, passou a ser um bairro esquecido, degradado. E agora com essa Braskem, pronto! Agora foi que danou-se mesmo, piorou foi tudo.
30:55 P/1 - Bom, a gente queria saber um pouco se você fez faculdade, qual é por que?
R - Fiz! Uma inconclusiva. Eu comecei a fazer história, mas aí eu entrei em choque. Fui fazer uma instituição particular aqui, e eu também trabalhei em navio, e eu fiz o curso de Marítimo em Aracaju, em 1980. E lá, na época, os militares tinham uma disciplina que era o OSPB [Organização Social e Política do Brasil], Organização Social e Política. Quando eu cheguei para fazer história, eu me deparei com essa disciplina que eu digo, “não, não está certo”. Isso já tinha acabado, a ditadura. Isso não existe. Se nós temos a teoria do Estado, então a gente vai discutir outras coisas. E eles insistiram com isso. Acabou que eu tive que largar, viajei, e não concluí a história. Na época eram três anos, num instante passava. Posteriormente… Eu sou técnico de enfermagem também. Eu digo, sou técnico, porque uma vez que a pessoa tem uma profissão, ela não sai da mente. Eu como técnico de enfermagem, eu trabalhei, o meu primeiro emprego… Como é que eu fui ser técnico de enfermagem? Eu fui ser técnico de enfermagem, porque eu entrei a bordo pela porta da cozinha. Foi a coisa mais louca da minha vida. Eu fui para Aracaju, com uma mochila nas costas, barraca. Aí, cheguei na casa de um tio, que era militar, militar da Marinha, e ele olhou para mim, eu com cabelo cacheado, um brinco, cheio de colar, de coisa. Ele olhou para mim e disse que eu estava envergonhando a mãe dele, que no caso a minha avó. Que eu devia tomar um rumo na vida, que aquilo não era vida para ninguém, viver de festival, eu estava indo pro festival de São Cristóvão. Vivia nos festivais, a melhor fase da vida. E ele disse: tem um curso aberto na capitania, e aí, você faz esse curso, e vai trabalhar em navio, cara, você vai ganhar dinheiro. Aquela propaganda toda, que você vai ganhar muito dinheiro. E eu fui. Mas eu fui achando que não ia passar, porque já fazia algum tempo que eu não estava trabalhando. Isso foi em 1982, eu acho. Passei em sétimo lugar, e fiz o curso de Marinha. Só que eu não atinei para qual categoria que era. Era uma categoria que eu jamais ia pensar em fazer. Na época, que não existe mais, era ajudante fundamental, olha só, que coisa pomposa e linda, de cozinheiro. Eu nunca tinha fritado nem um ovo. Quando eu chegava nos acampamentos, mexia lá, comia de qualquer jeito. Aí, terminei o curso, e fui trabalhar com ele nas plataformas, nos rebocadores em Aracaju. Não foi uma experiência legal. Quase morro. Vomitei quase dez dias seguidos. Aí, quando o navio, no caso, um rebocador, ele foi buscar uma peça em terra, parou, eu peguei a minha mochila, uma velha de guerra, que está guardada até hoje. E… Ele, você… “Não, vou não, eu vou morrer nessa porra aí.” Aí, abri uma lojinha de artesanato, onde é hoje a Praça do Pirulito. O prefeito era o Corintho Campelo, ele fez lá um box, ele tinha uma amizade com o meu pai, que o Corintho era da C.O., da diretoria da C.O.. Então, meu pai trabalhava lá, ele deu um box daquele. Mas eu nunca fui negociante. Então, de tarde juntava aquele bando de coleguinha lá, aí levava as camisetas, levava as peças, comprava fiado, e o dinheiro acabou, pronto. Não teve mais condições, porque eu não nasci para comerciante mesmo. Vendi o box e fui embora para o Rio de Janeiro. Ralei no Rio de Janeiro, ralei. Saí daqui com quatro companheiros, os outros três, iam fazer teste na Globo pra ser ator. Porque também tinha um pezinho, fazia as minhas travessuras no teatro também, eles foram. E eu, com a intenção de embarcar. E consegui embarcar numa das melhores empresas que tinha na época, que era Aliança, que cujo dono era dono da Tanjal, era um alemão, por nome de Fisher. E o cozinheiro, na época, estava brigando com o ajudante. Eu não sabia porcaria nenhuma daquilo, cara. Nunca tinha colocado os pés numa cozinha, cozinha mesmo. Fiz um teste rápido, na cozinha de Aracaju, mas restaurante de navio é diferente, de escola, de faculdade. Chegando lá, o chef, Seu Antônio, chapeuzinho assim, com uma piterinha, naquela época, podia fumar em todo canto, aquele charutinho fino, com uma piterinha. Quando eu entrei na cozinha, por volta de 7h00, cabelo ainda grande. Ele olhou para mim e disse: “O que você quer menino?” Bravo! Eu disse: “Me mandaram pra cá.” “Você sabe cozinhar?” Eu disse: “Sei.” Ele: “Frita um ovo aí para mim.” Eu quebrei o ovo, quando eu quebrei na frigideira, o ovo desonerou todo, virei para lá. Ele disse: “Isso aí é fritar ovo?” Eu disse: “Em casa eu faço assim.” “Você quer aprender?” “Quero.” Aí, a gente estava indo para Holanda. Uma experiência trágica da minha vida. Cheguei na Holanda, na época, no inverno, 25 graus, e baixando a temperatura, abaixo de zero. Era tão frio… Sai daqui, clima do Nordeste, quente, pega 25 graus abaixo de zero na Holanda, cara, quase morro. Aí, eu quis desistir, mas o navio foi. Ele abandonou depois o navio. Eu já sabia fazer umas coisas, umas coisas bem impressionantes. Que eram cinco quilos de arroz, eu botei, comecei a mexer aquele arroz, o arroz virou uma papa. Que ele foi embora, eu fiquei sozinho na cozinha. Peguei os peixes, abri pelas costas, os peixes derreteram, no óleo frio, veio, olha. Imagine, você botar o peixe, o óleo vai esquentando, você tenta o peixe está grudado, você não enxuga, nem nada. Só que dentro do navio, quando ele estava atracado em Santos, tinha um uruguaio, que ficava de navio em navio, de navio em navio. Navio atracava, ele ia, navio ia embora. E ele bebia muito. Quando ele chegou na cozinha, ele disse: “O que tu fez che?” Eu disse: “Eu tentei fazer o arroz, mas ficou aí desse jeito, grudado.” Ficou um bloco, água fria. Aí, ele, “joga isso fora para ninguém ver.” Jogou, fez um arroz, já tinha o feijão pronto. Ele: “vai lá na frigorífica, pega batata e cenoura.” Fez uma maionese com o peixe. “Desfia os peixes aí, desfia.” Eu desfiei. Por volta de dez horas chegou o comandante. Só que eu não sabia que era o comandante. Um negro forte, de bermuda caqui, assim como essa meia calça, de camiseta. Aí, entrou na cozinha, aí: “Bom dia!” “Bom dia!” “E o senhor Aguinaldo?” Eu digo: “Sou eu!” “Você foi mandado pela empresa para cá?” Eu digo: “Foi. Mas eu não sei cozinhar e o cozinheiro foi embora.” Aí, ele disse: “Eu estou sabendo.” Eu digo: “Agora eu estou aqui atrapalhado, fazendo aqui, inventando aqui o que é que eu vou fazer.” “Não se preocupa não, cara, se alguém da tripulação… Olha, deixa eu explicar uma coisa para você, em navio, ninguém reclama de comida, porque o salário é bom.” Na época, eu ganhava dez mil cruzeiros. E uma diária em dólar, de sete dólares. Então, era muito dinheiro, muito dinheiro mesmo. O dólar superava os dez mil, porque a inflação era muito alta, era um monte de dinheiro que a gente tinha, e não dava pra coisa nenhuma. E aí, ele foi embora. Aí chegou o paioleiro, que é um cara responsável pelos mantimentos. Aí, disse: “O que o comandante queria?” “Porra, aquele cara é o comandante, cara?” “Era o comandante.” Eu digo: “Eu falando com ele na maior tranquilidade, achando que era um tripulante.” “Não, é o comandante, ele está sabendo, não esquenta a cabeça não, que ele já mandou pegar um outro cozinheiro.” Aí, eu relaxei. Esse foi o primeiro, o cozinheiro foi embora. Terceiro dia, me deu uma dor de ouvido. Eram oito bocas de fogão elétrico, quatro fornos, um calor terrível. Eu não estava acostumado com aquilo. Estourei o ouvido. E eu ali, para não desistir de ganhar aquele dinheirinho também, né? Estou ali, persistindo. Aí, o outro cozinheiro veio, parecia até personagem de desenho animado, baixinho, cada braço, que ele gostava de massa, com um sobretudo desses que vigilante usa, de chapéu. “Bom dia!” Cinco horas da manhã, eu já estava na cozinha. Eu nem dormia, preocupado em fazer aquela porra daquela comida, sem saber nem por onde começar. Aí, ele chegou, “tudo bom?” Aí, eu fiquei olhando, tudo bom e tal. “Você que é o Aguinaldo?” Eu digo: “Sou! Você me conhece?” Ele disse: “Você não é o ajudante? Sou o cozinheiro, vim…” “Opa, cara, que coisa boa e tal.” Aí, ele disse: “Você tem interesse em aprender?” “Eu aprendo tudo. A vida me ensinou. Tudo que eu fui fazer, eu aprendi, empiricamente e também cientificamente, mas vamos lá.” Aí, a gente foi embora para a Holanda, chegou na Holanda 25 graus abaixo de zero e caindo. Levei logo uma queda na rua, pisei num bloco de gelo, não conhecia, caí. E depois do navio, voltei à militância. Aí, voltando pra pergunta se eu fiz uma… Me corrija, porque minha mente é livre e ela vai embora. Aí, fiz história, não concluí. O tempo passou. Aí, sim. Por que eu não fiz antes uma faculdade? Porque nesse navio, no primeiro Rock in Rio, nós estávamos em Santos, quando nós voltamos. Aí, um técnico, cara grande, de radar. O enfermeiro, ele foi para o Rio. Nós estávamos em Santos, ele foi com a mulher para o Rio, e ele não podia ter ido. Porque ele achou que não ia acontecer nada, era um navio que carregava farelo de soja. Aí, ficou eu, um praticante, lembro muito bem do nome dele, o Rubens. Nesse navio, há pouquíssimo tempo, tinha desembarcado aquele menino que é comediante, que essa semana estava na Globo, estava no programa do Huck, eu esqueço o nome dele. Ele também foi marítimo, deu só uma viagem. O cara levou um choque, velho. Foi mexer no radar, cara grande. E eu, como eu já tinha passado pelo exército, eu tinha conhecimento de primeiros socorros, eu fiz todo o procedimento. Tirei ele lá de cima, não tinha elevador nesse navio, na escada, o cara pesado, coloquei embaixo. Aí, chegou a Federal e não era Samu, era Sandu. Aí, o pessoal chegou pra dar os primeiros socorros, médico, ele já estava morto, o coração do cara explodiu. Aí, a polícia quando chegou, imaginou que eu era o enfermeiro. Aí, botou no relatório dela, que o ocorrido foi atendido pelo enfermeiro e tal, porque viram. E quando o enfermeiro chegou com o relatório, ele disse para mim, eu tenho na estante, três livros que ele me deu. Ele disse: “Por que você não vai fazer enfermagem? Você consegue. É melhor do que você estar na cozinha.” Aí, eu desembarquei, fiquei um ano e sete meses, oito meses, aí fui fazer para auxiliar de enfermagem, não existia técnico. E quem fazia técnico, não trabalhava, porque era mais caro e ninguém contratava. Aí, você fazia técnico de enfermagem, nos anos 80, depois você fazia para auxiliar, porque tinha as categorias de atendente. Não existia enfermeiro. Era atendente e auxiliar e estava começando a surgir o técnico. E eu fui trabalhar, quando eu terminei o curso, fui trabalhar no Sanatório, Setor de Pneumologia. Foi minha grande escola. Não sei porque eu não fui fazer medicina, porque naquela época, não existia nem jaleco, a gente nem usava jaleco. A gente começou a usar jaleco, quando SIDA apareceu. A SIDA é Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, que aqui a gente chama de Aids, inverteu. Aí, lá era tuberculose, DPOC [Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica] e tuberculose. O primeiro atendimento que eu fiz, que eu quase desisto, foi uma hemoptise. Hemoptise é um sangramento vindo do pulmão, sai pela boca em jato, sangue vivo. Duas pessoas, 48 pacientes. Imagina? Aí, a colega: “Pega a veia dele!” Eu nem sabia pegar. Mas acabei aprendendo. Muitas vezes, nos plantões, eu levava grito dela. Eu pegava o bisel, eu só colocava assim, o biquinho. Aí, ela vinha, saía, aí ela vinha… Ela trabalhava no pronto socorro. Mas acabei aprendendo e fiquei muito tempo como técnico de enfermagem. Voltei para a Vale do Rio Doce como técnico. Passei num concurso da Transpetro em nono lugar, em 2014. Foi quando mudou, aquela confusão do tal, daquele rapaz que eu não gosto nem de falar o nome dele, veio aquela confusão todinha. Queria acabar com a Transpetro, acabar… E eu não procurei mais. Como técnico, eu fui trabalhar no Portugal Ramalho, e me identifiquei com a psicologia e a psiquiatria. No Portugal Ramalho, eu trabalhei tanto dentro do hospital, como no CAPS [Centro de Atenção Psicossocial]. O CAPS normalmente tem umas reuniões técnicas, a equipe senta e discute, casos de alguns pacientes. E um colega meu, que é muito meu amigo, até hoje, ele sabe disso, ele me desafiou, porque ele disse que eu não poderia emitir uma opinião sobre uma área, que eu não era psicólogo, como técnico de enfermagem. Isso na reunião. De vez em quando eu falo com ele. “Muito obrigado por você ter me desafiado.” Aí, eu disse na reunião: “Cara, é o seguinte, eu não sou psicólogo agora, daqui a cinco anos eu vou voltar como psicólogo.” A reunião acabou, no final do ano, já recentemente, pouco tempo, acho que tem uns 12, 13 anos. Eu fiz o ENEM [Exame Nacional do Ensino Médio] sem estudar, viu! Sem fazer cursinho, sem fazer um monte de coisas. Sentava, via algumas coisas. E obtive nota suficiente para escolher o curso que eu queria. Aí, eu fiz a opção para trabalhar para psicologia. E fiz a psicologia, fiz na UNIT, porque na época eu estava desempregado, e aí eu pude entrar como bolsista do Prouni. E terminei, sem pagar um centavo na UNIT. Foi uma maravilha está ali na UNIT, eu tenho grandes amigos ali na UNIT. E me identifiquei muito com a psicologia mais voltada para neuro, a neurociência, a bio-psicologia. Eu sempre fui muito desconfiado com aquela história da psicanálise, que me desculpe os meus amigos, é importante a psicanálise, mas eu sou concreto. Então, eu sempre quis saber como funcionava o cérebro, como era, como era a questão do TDAH. Eu comecei a me descobrir, o porquê das minhas inquietações. Terminei. E logo em seguida eu voltei… Porque na realidade, eu nem saí do CAPS, do Portugal Ramalho, mesmo estando lá, tinha meio salário mínimo, não sei o quê. A gente ganhava tão pouco que deu para me encaixar. Aí, ele disse: “Cara, tu é persistente, velho, que resiliência da porra é essa? Que tu disse que ia voltar…” E aí, eu fiz psicologia, já fiz uma pós da área da comportamental, e agora, tem pouco tempo, eu fiz também para neuropsicólogo. E hoje eu trabalho também com crianças, emitindo laudo de crianças de neurodesenvolvimento, autista, TDAH. Enfim, essas coisas todas aí.
50:22 P/2 - E aí, eu vou falar um pouco do Portugal Ramalho, teve a experiência profissional lá. E aí, como é que o Senhor se sente agora, vendo a atual situação do Portugal Ramalho?
R - Deixa eu fazer uma correção, minha querida entrevistadora. Eu não gosto muito dessa história do senhor. Registrar, porque eu acho que eu defendo uma sociedade igualitária. Quando eu fico muito incomodado, quando alguém me chama de senhor, senhor é dono de escravos, e aquela autoridade, o Senhor. Me desculpe! Pode ficar à vontade, me chama de você. Olhe, dentro daquilo que eu acredito pro Portugal Ramalho, ele já deveria ter acabado. Nós brigamos muito, a lei do Paulo Delgado, do Paulinho, era pra acabar, que é a lei antimanicomial. A gente tem que dar ênfase aos CAPS, porque o modelo, já dizia o Foucault, escola, hospital psiquiátricos e presídios. É a mesma coisa. A não ser, aquele sujeito que tem uma psicopatia porque ela não tem cura, se soltar, o cara vai reincidir, não tem motivo para que se coloque dentro de um hospital, como quando eu cheguei, tinha gente com mais de 40 anos. Diz que melhoro, inclusive, agora, recentemente, teve um incidente lá, num setor, que pra mim já teria acabado. Então, pegando esse ponto de vista, o Portugal Ramalho, independente da situação da Braskem, ele não deveria existir. É uma política antiga. Nós temos que dar ênfase aos CAPS. Nós temos um único CAPS AD, nós precisamos de cinco CAPS AD. O que é o CAPS AD? Álcool e drogas. Nós precisamos de cinco CAPS SI, infantil. Quantos nós temos aqui? Um CAPS. Então, nós temos que ter CAPS três. Por que? É experiência, viu! Você entra em crise, mas você não fica três, quatro meses numa crise. Hoje nós temos medicações muito boas, chamadas atípicas. Temos ainda aquelas medicações antigas, como o Haldol, que impregnava, os pacientes morriam de medo de tomar, porque ela impregnava. Mas a dinâmica dentro de um hospital é dolorosa e conveniente, diga se de passagem, para a família. Família pega o sujeito, coloca dentro do hospital e passa a receber a pecúnia daquele sujeito. Então, nesse ponto de vista, com relação ao Portugal Ramalho, ele foi uma grande escola para mim, de como não fazer. Eu aprendi muito mais nos CAPS, portanto, eu acho que ele já devia ter fechado as portas já há algum tempo. E abrir leito num Hospital Geral. Os hospitais gerais, já tem lei para isso, que regulamenta de ter lei. Assim como as residências terapêuticas, que são aqueles pacientes que não tem família, que não tem nada, eles vão morar numa casa. O CAPS, na realidade, é o modelo de uma casa, ela passa o dia, cinco horas ele vai embora. O CAPS três, ele fica, sendo medicado ali. Que nós… Pouquíssimo… Eu até desconheço se tem.
54:21 P/2 - E aí, falando um pouco sobre a sua vivência no bairro, quais eram… Você tem algum vizinho marcante, algum vizinho mais próximo que você tem alguma história que você acha importante falar aqui?
R - Cara, eu tenho cada vizinho, que é uma figura. Nem vou falar desses vizinhos. Mas aqui, o Bom Parto, era um bairro de família, as famílias se conheciam. Eu tenho uma foto aqui atrás, que tem aqui um carroceiro, que era o seu Paulinho, que ele era o cara que conduzia sempre os festejos. Como eu disse, o Bom Parto era um bairro operário, mas também era um bairro de cultura ligada à igreja. Então, aqui nós tínhamos pastoril, disputas, assim, acirrada, era o Encarnado e o Azul. Então, a gente pegava dinheiro em casa. Eu sempre fui do Encarnado. Sempre, não sei porque eu sempre fui do Encarnado, nunca fui muito do Azul. Aí, a gente chamava a mestra, para a mestra vim, ela rodar, a gente via as calcinhas dela, na realidade era um short babado, a gente ficava embaixo, aí botava o dinheiro. Tínhamos guerreiro, tínhamos chegança, tinha as quermesses. A gente competia com Bebedouro. Bebedouro também era outro pólo cultural. Então, a gente tinha o Seu Paulinho, a dona Bernadete, que era também uma pessoa assim, muito conhecida no bairro. Ultimamente nós não temos mais aquele morador genuíno, aquele cara que veio de fora. A gente tem muitos moradores hoje que vieram do interior e ocuparam o bairro. Então, a gente conhece, mas…
56:05 P/1 - E como você se sentiu vendo os bairros próximos sendo desocupados?
R - Cara, isso é uma tragédia. Isso é uma tragédia. Isso aí é o cúmulo da prática do capitalismo. Eles mandam, eles arrancam as pessoas. Eles destruíram cinco bairros importantes, em nome do lucro. A verdade é essa. Isso vai afundar? Não sei. Ninguém sabe. Houve uma desestruturação psicológica em todo mundo, desses bairros, que causa um sofrimento agudo nas pessoas. Já houve suicídio. Aqui na minha casa, não sei porquê, eles não avançaram. O que tem na cabeça do prefeito? Porque o prefeito, ele é que determina as obras. O que eu imagino, tá no campo da hipótese, é uma ilação. É que eles vão fazer uma grande planta, não habitacional. Uma distração, porque aqui embaixo ainda tem muito sal gema, e isso é dinheiro. E essa empresa, o conhecimento ingênuo das pessoas, pensa que ela tem um dono. Não, é um aglomerado, é muito dinheiro envolvido que tem, que tiram daqui. Isso vem lá do litoral norte, aqui nós estamos numa fenda geológica, entre essa parte alta daqui e o outro lado, com essa lagoa que se forma aqui, essa laguna. Que tem muita riqueza ainda aqui.
Agora, como isso é possível? Você fazer dessa forma e não ter condições de ninguém sequer colocar na justiça para reivindicar? Eles vão lá e se fecharam, sem compensação nenhuma. Porque se você dá cinco mil, dez mil, trezentos mil. Teve gente que tirou bastante dinheiro aqui, isso também é outra coisa. Mas você acabou com a raiz de muita gente. Você destruiu aquela vivência. Eu vejo aí, o Wellington, o Pastor Wellington, brigando para não tirar a igreja de lá. Porque ele sabe que aquilo ali não afundar, todos nós sabemos. É impressionante, como é que uma empresa criminosa, ela levanta o laudo para ela própria. Agora, eu, Aguinaldo José Almeida da Silva, 65 anos, morador do bairro do Bom Parto, estou tentando convencer o que vai ser impossível, o movimento, brigar para que essas terras… Até me exaltei. Essas terras não vá para a mão da Braskem. Porque isso só pode, e é possível, e está no acordo que o prefeito fez, por isso que eles investem, porque senão não teria investido. Que está atrasado. O prefeito é um fora da lei, por conta do Plano Diretor. O Plano Diretor está atrasadíssimo. A revisão do plano. Então, quem define que o limite ou uma lei que proíba, e a gente viu isso na CPI, ou que se diga que as terras não vão para a Braskem. Que fique sobre a guarda do município de Maceió. É o caos.
1:00:06 P1 - Você sentiu impactos ambientais por conta do desastre?
R - Olha, isso é bem ambíguo, viu! Para mim, que nasci no Bom Parto, no mangue e eu tinha o mangue para me divertir, e depois veio aquela população, que adensou o bairro todo. E quando eu vejo, de certa forma voltando. Há muitos anos que eu não via jacaré. Eu vejo o jacaré hoje, na beira da lagoa. É os dois lados da moeda. Eu vejo capivara, porra, isso eu era muito, muito criança, de ter capivara, eu não me lembro se vinha de algum canto. Então, tem esse lado. A outra coisa, o outro sentimento, é da incerteza. Essa é que maltrata. Porque o que vai acontecer? Eu não sei. Ninguém fala. Eu pelo menos tenho uma casa intacta, não está rachada. Briguei para botar o asfalto, os caras botaram um asfalto filho da puta, que está nascendo capim, eu nunca tinha visto isso no asfalto. Que aqui era barro. Agora, se me perguntarem: Aguinaldo, você quer sair do seu bairro? Eu vou dizer não. Contrário até a minha companheira, que a minha companheira acha o bairro feio. Não acho. Nasci aqui, cara! É o tem tem na minha cognição, é esse bairro, com mangue, com a minha laguna, onde eu ia pegar caranguejo, siri. Vocês não sabem o que é pintiboia. E quando a gente era adolescente, roubava pintiboia dos pescadores. Pintiboia, eles cortavam os mangues, e colocava de cabeça pra baixo no meio da lagoa, num pau, e machucava o caranguejo, com um saco, areia, e jogava ali. Aí, a gente pegava a baronesa, botava, pegava uma lata… Cada camarão, cara! Pitú, imenso, nessa lagoa. Isso é minha memória afetiva, é o meu bem querer, é o meu parque de diversão. Então, como eu vou dizer, não, vou ficar satisfeito. Vou morar lá em cima? Um ambiente… Pra mim vai ser hostil. O ambiente aqui do Bom Parto pra muita gente é hostil. O meu vai ser fora daqui. Aqui é minha vivência, minha memória afetiva, meu carinho, meu dengo, meus avós. Aqui, no Bom Parto.
1:02:56 P1 - Você se envolveu em algum processo de reparação?
R - Por enquanto, eles não querem conversar comigo. Porque não sei. Por enquanto não dizem que sim, não dizem… É isso que eu falei, a incerteza. Porque pode ser que daqui a pouco vocês saem dali, e eles cheguem com o carro da Defesa Civil, a polícia, e quem é que vai brigar com eles? Você pode até protestar. “Mas vai afundar agora.” Tentaram fazer isso na Mina 18. Eles criaram pânico, que teve gente aqui que saiu chorando de dentro de casa e passou uma semana fora. A minha querida companheira, entrou em pânico, e eu dizendo pra ela: isso é papo furado, isso não vai afundar assim. Postaram vídeo da Rússia, afundando, afundando, afundando. Isso não existe. Eles vão pegar isso aí, vão usar como sofisma pra justificar retirar sem reparar, porque eles não falam em indenização, eles falam em compensação. É uma porcaria, né?
1:04:10 P/2 - Você participou de alguma atividade para preservar a memória do bairro?
R - Inúmeras. Aqui, agora que eu estou meio desgostoso, mas a vida toda a gente fez movimentos, o movimento artístico, a gente… Eu costumo dizer que aqui era uma escola de formação. Quando eu vejo o Rogério Dyas, meu amigo Rogério Dyas, com o Coco de roda lá na Pajuçara. Ele saiu do Bom Parto. Quando eu vejo o Doutor Elias, meu amigo também. Doutor Elias saiu aqui do Bom Parto, saiu do Mulungu, uma outra instituição, que aí já era meu irmão, que era arte e educação, depois romperam, que funcionava na SEMED. Inúmeras, inúmeras.
1:05:03 P/1 - Bom, Aguinaldo, a gente já está encaminhando para as perguntas conclusivas, certo? E eu queria saber qual é o seu sentimento quando você passa pelos bairros que foram…
R - Tristeza, muita tristeza. O Pinheiro, olhe, eu cresci vendo antes de ter transporte, vendo os jogos do CSA [Centro Sportivo Alagoano] e do CRB [Clube de Regatas Brasil], quando terminava, para sair por essa aqui, pela rua da frente. O povo com um radinho de pilha. E muitos dos nossos moradores aqui, de Bebedouro, do Pinheiro, ia para Verdinha, que era no alto do céu, vê o jogo lá embaixo. Então, isso tudo acabou. Eu saía daqui, pra ir pra Bebedouro, assistir filme em Bebedouro. Bebedouro tinha dois cinemas em Bebedouro. Era o do seu Luiz Fragoso, que morou aqui, e um outro do outro lado. Era assim, um começava a rodar, quebrava, zoada, ele ia lá, emendava, voltava de novo o filme. Bangue-bangue de Jango, Ringo. Então, isso, vai ficar só guardado em nossa memória, outras gerações. Os folguedos que tinha lá de Bebedouro, os carnavais de Bebedouro, o São João, uma época dessa, São João efervescia. O Bebedouro era o bairro nobre dos anos 50, acho que até antes, 30, 50 de Maceió. Depois eles migraram para a Gruta, Farol, aqueles casarões, tudinho, que destruíram, acabaram com tudo, e depois para a Ponta Verde. Porque na minha época não tinha transporte para Ponta Verde. Eu ainda alcancei o Gogó da Ema. Claro, que eu não alcancei ele ainda, como ele era, o Coqueiro, mas era um grande areião ali.
Aí, as construções foram adentrando. Agora vão ter que retroceder. Tristeza, velho, tristeza. Quando eu olho esses bairros, angústia e tristeza.
1:07:17 P/2 - Como que você vê o futuro dessas regiões afetadas?
R - Aquilo que eu falei anteriormente, é incerto. Ninguém sabe, ninguém vai saber. Eles têm um projeto, eu acredito que é uma planta de expansão da Braskem. Ninguém me tira isso da cabeça. Associada a condomínios. Aqui é um lugar bonito, cara. Aqui não é lugar pra pobre, não. Muita gente já me disse isso na minha cara, alguns governantes passados. “Ali não é lugar pra pobre morar.” Porque o Bom Parto tem uma peculiaridade, o Bom Parto, diferentemente do Brejal, do outro lado da lagoa, e de Bebedouro, nós não temos pescadores aqui no Bom Parto. Pescadores mesmo. Porque grande parte das pessoas aqui do Bom Parto, ela sobrevive do mercado, da produção e do centro como camelô. Tem um ou outro, mas não pescador profissional, eventuais. Já houve lá atrás alguns. Então, o Bom Parto, ele foi marginalizado pelo fato de ter sido um bairro operário. Então, não tinha nada disso. E vão acabar com o meu bairro, né? Aliás, já começaram.
1:08:55 - Tem alguma memória que você não conseguiu compartilhar durante a entrevista que você gostaria de mencionar agora?
R - Eu estava pensando quando eu estava falando do outro lado da lagoa. Teve uma época, que aí não deu, porque a minha vida é bem longa, que eu fiz teatro. E nós tínhamos um teatrólogo, aqui, que ele vaticinou o futuro da Lagoa Mundaú, do lado de lá, foi o Pedro Onofre, que escreveu uma peça, chamada “A Lagoa Assassinada”. Isso foi ensaiado, foi uma peça que teve grande repercussão. Hoje, inclusive, o Serginho está até passeando fora daqui. É como se ele soubesse que aqui ia acontecer, naquela época. Porque falava-se em aterrar a beira da lagoa, e já se apontava um erro. Disse aterrar. Então, comprimiu a lagoa, a lagoa, ela recebe as águas do rio, e quando ela recebe… Que Maceió é uma bacia, se chove na parte alta, e a maré está alta, ela converge para o mesmo canto e explode para o centro de Maceió. Então, é esse adensamento, que é um erro, que o prefeito vai fazer, se ele fizer, porque ele já pegou quatro empréstimos para recuperar o mercado da produção. É construir de novo o mercado da produção ali. Ali é lagoa. A não ser que ele tenha uma equipe de chineses, de engenheiros chineses, que faça uma engenharia suficiente para que não encha aquele mercado. Porque é o que fizer ali… Aqui nós temos uma profundidade, em alguns cantos, de 12 metros de tufa. Tufa é o material orgânico, tem lugar com menos, tem lugar com mais. Então, você precisa de ter um bom engenheiro, para você fazer uma obra aqui. E eles têm.
Os senhores. Senhores da ordem.
1:11:15 P/1 - Aguinaldo, como foi para você contar um pouco da sua história para a gente?
R - É bem legal, sabe? Eu gosto de falar disso. Eu estou há três anos tentando fazer um livro. E aí, eu já tentei fazer por capítulo, porque como o meu cérebro, ele é acelerado. Às vezes, eu misturo os assuntos, atropelo, começo e nem termino, já vou para o outro. Assim, está sendo no papel. Mas eu acho que eu tenho história do meu local, história política, história de arte. A história política, ela foi muito marcante, porque a minha casa foi cercada várias vezes pela polícia. Uma vez eu cheguei tinha um caminhão. Eu não sei o que eles pensam, porque é bem engraçado isso. Quando você se destaca politicamente, a pessoa cria em você um gigante. E aí, quando chega diante de um cara de 1,60m, que não é lá grande coisa. “Porra, é essa merda que está criando maior tumulto, não sei o que.” E eles cercaram essa casa aqui acompanhados por esse tal cabo que virou vereador. E eu do outro lado, olhando eles. Porque eles não me conheciam. Aí, o que está acontecendo ali? Os caras estão te procurando, velho. Então, isso é importante, entendeu? E esse legado que eu deixo para as minhas filhas e o meu filho. O filho, a vida, ela é uma construção, se não deu certo, recomeça porra. Eu recomecei a vida toda. Eu fui ajudante fundamental de cozinheiro, sem saber fritar um ovo, cara. Hoje eu sou neuropsicólogo. E olha que eu não sou tão ruim não, viu! Porque o Portugal Ramalho me deu essa cancha de trabalhar com os transtornos mentais. Muito bom foi aquela escola. Porque eu vejo muitos coleguinhas, sai da psicologia, mas não tem, não teve essa oportunidade. É isso, bem assim mesmo.
1:13:38 P/1 - Bom, essa foi a nossa última pergunta. Você quer perguntar mais alguma coisa Camilly?
P/2 - Não, não.
P/1 - É isso! Muito obrigada.
R - Pergunta mais. Tem mais uma hora aí.
P/3 - Você quer falar alguma coisa sua?
R - Quero sim, claro, agradecer. Agradecer a equipe, agradecer… Eu não gravo nome, me desculpe, mas eu não gravo nome de todo mundo. Então, vou colocar no genérico mesmo, no geral. Agradecer ao meu amigo Zazo pela indicação. Que a gente tem feito um bom trabalho, ele fez um documento aqui. E é isso! E estou muito feliz por compartilhar um pouco da minha existência com a coletividade, que aí vai para mais gente. É isso. Beijo, abraço. Não sou a Xuxa… E a minha família, minha mulher, enfim…
Recolher