Me chamo Izadora Aparecida Ferreira de Souza, nasci dia 8 de novembro de 2007 em Contagem, mas passei mais da metade da minha vida em Belo Horizonte. Cresci e vivi minha infância na casa de meus avós maternos, aos cuidados da minha tia, uma vez que meus pais, Mariangela de Paula Ferreira e Jamir Geraldo Cunha de Souza, trabalhavam quase o dia todo para nos sustentar. Então, envelheci ao lado da minha irmã, Izabela Cristine Ferreira de Souza, meus tios e primas naquela pequena grande casa, que cabia todos de alguma forma. Graças a isso, sempre me senti meio distante de minha mãe e meu pai, sobretudo ele, mas não os culpo, apesar de sentir muita falta dos momentos em família que deixaram de acontecer por isso.
No entanto, com a chegada da pandemia da Covid-19, fomos forçados a uma convivência estranha dentro de casa, devido ao confinamento. A pouca relação que tínhamos antes se tornou mais frágil e ácida e, por muito tempo, enxerguei somente o que enfraquecia os nossos laços. Mantive-me distante por não saber lidar com tudo o que estava acontecendo: um vírus mortal, um diagnóstico, a falta de socialização e, principalmente, uma quebra da imagem que eu tinha dos meus pais. Era difícil entender que não havia mais aquele encanto infantil que eu tinha por eles quando criança. Mas eu estava enganada. Eles ainda tinham esse encanto. E eu só fui perceber isso novamente quando fui tomando certa maturidade para ver que eles ainda eram eles, depois de tudo. Ainda eram meu pai e minha mãe e ainda sentiam demais as coisas, assim como eu. A visão que eu tinha do meu pai continuou meio turva e conturbada por mais tempo, já que ele se mantinha longe de nós por sua escolha. Ele jantava sozinho todos os dias e passava datas importantes afastado porque queria e talvez pensasse que deveria ser assim. Eu nunca o entendi muito bem.
Meu último ano escolar chegara e, com ele, muitas expectativas de uma graduação boa e, de preferência, em uma...
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Me chamo Izadora Aparecida Ferreira de Souza, nasci dia 8 de novembro de 2007 em Contagem, mas passei mais da metade da minha vida em Belo Horizonte. Cresci e vivi minha infância na casa de meus avós maternos, aos cuidados da minha tia, uma vez que meus pais, Mariangela de Paula Ferreira e Jamir Geraldo Cunha de Souza, trabalhavam quase o dia todo para nos sustentar. Então, envelheci ao lado da minha irmã, Izabela Cristine Ferreira de Souza, meus tios e primas naquela pequena grande casa, que cabia todos de alguma forma. Graças a isso, sempre me senti meio distante de minha mãe e meu pai, sobretudo ele, mas não os culpo, apesar de sentir muita falta dos momentos em família que deixaram de acontecer por isso.
No entanto, com a chegada da pandemia da Covid-19, fomos forçados a uma convivência estranha dentro de casa, devido ao confinamento. A pouca relação que tínhamos antes se tornou mais frágil e ácida e, por muito tempo, enxerguei somente o que enfraquecia os nossos laços. Mantive-me distante por não saber lidar com tudo o que estava acontecendo: um vírus mortal, um diagnóstico, a falta de socialização e, principalmente, uma quebra da imagem que eu tinha dos meus pais. Era difícil entender que não havia mais aquele encanto infantil que eu tinha por eles quando criança. Mas eu estava enganada. Eles ainda tinham esse encanto. E eu só fui perceber isso novamente quando fui tomando certa maturidade para ver que eles ainda eram eles, depois de tudo. Ainda eram meu pai e minha mãe e ainda sentiam demais as coisas, assim como eu. A visão que eu tinha do meu pai continuou meio turva e conturbada por mais tempo, já que ele se mantinha longe de nós por sua escolha. Ele jantava sozinho todos os dias e passava datas importantes afastado porque queria e talvez pensasse que deveria ser assim. Eu nunca o entendi muito bem.
Meu último ano escolar chegara e, com ele, muitas expectativas de uma graduação boa e, de preferência, em uma universidade pública. Dessa forma, julguei necessário fazer algum cursinho preparatório para passar nos vestibulares ao final do ano. Eu não tinha muita disciplina, mas tinha muita determinação e faria de tudo para cursar o que eu queria. Depois de muitos embates, preocupações e motivos para eu não estudar dessa forma, resolvi conversar e pedir um apoio do meu pai com a locomoção. Disse a ele que estava motivada a fazer o que fosse necessário para um futuro promissor e não me importava com os riscos e as consequências disso. O curso terminava muito tarde, a região era consideravelmente perigosa — ainda mais para uma mulher —, precisaria modificar completamente minha rotina e dar prioridade a novas coisas. Eu não visitaria mais a casa dos meus avós maternos com frequência, dormiria menos de cinco horas por dia, sacrificaria algumas refeições e muito mais. E eu estava disposta a passar por isso. Diferente de minha mãe, que estava preocupada com os resultados e o processo, ele não hesitou em concordar comigo e me ajudar, me buscando no curso. Ele entendia o que eu buscava e, mais do que isso, parecia tão animado quanto eu com o planejamento.
Era 5 de março de 2025 quando isso aconteceu, uma quarta-feira. Estava esgotada dos estudos, da rotina e de todos os medos que me assolavam. Tinha medo de não ser o suficiente, de todo o árduo sacrifício ser em completo vão. Meu pai me buscava na portaria do curso, como de costume, e rapidamente notou que eu estava quieta, cabisbaixa demais para conversar naquele dia. Eu só conseguia pensar demais e questionar as possibilidades, até começar a chorar em silêncio ao seu lado. Não fiz som algum, mas meu pai percebeu. Fez algumas piadas para me fazer sorrir e mostrou interesse em qualquer coisa que eu comentava em resposta. Decidi contar o que me afligia: o medo do fracasso após tanto esforço. No trajeto, passávamos por um shopping que possuía uma espécie de parque de diversões alojado, nada muito grande, mas que se destacava por uma roda-gigante enorme e brilhante com suas luzes de LED. Ele escutou atentamente as minhas palavras emboladas e com voz de choro e se pôs a falar.
Meu pai mantinha um sorriso no rosto enquanto me explicava sobre a vida. Citando a roda-gigante e a desenhando com uma das mãos, meu pai começou a me contar sobre suas próprias voltas — os altos e baixos que enfrentou ao longo dos anos. Na hora, não consegui entender muito bem, mas realmente compreendi o significado daquilo mais tarde, quando comecei a refletir sobre aquela conversa com mais calma. Pensei em todas as vezes em que fui ao Parque Guanabara com minha família. Sempre fui insistente em querer ir em todos os brinquedos, menos os que eram muito altos e me davam medo. Corria animada para os carrosséis e para a sombrinha, sonhando com o dia em que teria coragem de encarar aquelas torres imensas que me fascinavam. Com o tempo, eu cresci. Os carrosséis foram perdendo a graça, o carrossel já não me atraía tanto e, aos poucos, percebi que já podia ir sozinha na maioria dos brinquedos. Eles passaram a parecer bobos. Mas havia uma coisa que nunca mudava: eu sempre deixava a roda-gigante por último. Às vezes, nem chegava a ir nela. Não era mais por medo de altura, mas por achá-la monótona demais.
Só que, naquele dia simples, em que meu pai usava metáforas para tornar a conversa mais leve depois de um dia cansativo, eu finalmente entendi o que ele queria dizer. A vida, ele explicou, é como uma roda-gigante. No começo, a gente só pensa em chegar ao topo. Queremos subir o mais rápido possível, encarar o medo de altura só para ver as luzes da cidade, admirar a vista para a Lagoa da Pampulha, sentir o leve balanço da cabine e aproveitar as conversas que surgem naturalmente durante a subida. Mas, conforme vamos nos aproximando do topo, o medo muda: passamos a temer a descida. Ninguém quer que um bom momento vire apenas uma lembrança. E aí surge um novo medo: o de não viver aquilo de novo, de ter aproveitado pouco, de não ter olhado o suficiente, rido o bastante, sentido tudo o que poderia ser sentido. Mas a roda-gigante continua girando. A descida é inevitável, mesmo com arrependimento. O fim, afinal, não se altera. Foi isso que meu pai tentou me mostrar, do jeito dele, com as palavras que conhecia. E eu entendi. Aquilo passou a fazer sentido para mim.
Enquanto ele dirigia, dizia que a vida era assim mesmo: estranha, passageira, mas, ainda assim, especial. E eu guardei aquilo. Mais tarde, comecei a pensar nos brinquedos do parque de forma diferente, nos mais tranquilos, nos mais radicais, no que cada um representava. Aqueles onde vivemos uma primeira experiência. Aqueles em que tivemos a melhor companhia. E, enquanto mergulhava nessas lembranças e pensamentos, tudo começou a ganhar forma na minha mente. Mesmo cansada e angustiada, aquela imagem se tornava bonita: um parque colorido sob um céu escuro e tempestuoso, criado por aquele que me criou.
Foi aí que percebi por que meu pai escolheu aquela metáfora para me consolar. Ele queria mostrar que reconhecia o meu esforço e que essa dúvida angustiante faz parte do processo. Mais do que isso, ele mostrou que me via atrás de tudo que eu estava conquistando aos poucos. Talvez porque ele já tenha passado por isso e se viu sozinho, ou ele somente se permitiu demonstrar um pouco de empatia e do amor que existe nele. E, por não ter o costume de fazer isso, preferiu usar aquele brinquedo bobo como referência de tudo que já sentiu e presenciou. Afinal, até ele, em muitos momentos, escolheu visitar várias dessas atrações sozinho. Meu pai, naquele dia em específico, recuperou a imagem encantadora que havia em mim quando criança pequena. Definitivamente, foi uma das formas mais bonitas que ele já me disse \\\"eu te amo\\\".
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