Memórias de uma criança preta.
Bonequinha de piche
Criança aos 7 anos de idade, vivendo após 77anos de abolição da escravidão no Brasil e na escola pública eu ainda vivia os respingou da lama deixada pela escravidão.
Estudávamos textos de conteúdo racista,onde a descrição da menina preta era bonequinha de piche, uma criança atrapalhada e desprovida de inteligência, retratada por autores e certificadas por professoras hostis em grande maioria, com crianças negras.
Os lugares eram designados entre uns e outros sempre longe das professoras e já éramos em menor número em sala de aula. Uma segregação natural mesmo na escola pública,segregados por outras crianças e por professoras, parecíamos uma doença da infância, contagiosos pretos, ocupando lugares tão nosso quanto de todos.... mas diminuídos pela ausência de atenção porque éramos diferentes na pele, éramos olhados como uma espécie de segunda categoria tolerada em espaços que pareciam não nos suportar.
E num dia qualquer por um texto amoral que incentivava outras crianças a observarem a cor da pele do outro como um material viscoso de cheiro forte e desagradável, uma espécie de sub - produto do petróleo, usado para asfaltar as ruas .Sim, a bonequinha que ninguém queria ser,e quando crescemos nos chamaram de mulatas, um sub - grupo de seres explorados sob o olhar sexualizado dos herdeiros dos costumes da casa grande.
As mulheres negras ainda são alvo e estatística dos feminicídios, dos estupros, das discriminações nos empregos públicos e privados,e no cotidiano da vida.
Não se assuste se negra for. É a realidade da vida extra - muros.
Matar mil leões por dia e acreditar em suas possibilidades ainda é o caminho pra não voltar à casa grande e senzala do seculo XXI, que tem representantes por todos os espaços de convivência.