Meu nome é João Pereira Bezerra, tenho 49 anos, sou portador de deficiência visual e aposentado por invalidez. Nasci em 20 de agosto de 1956 no interior do Ceará. Somos uma família de oito irmãos. Nasci num povoado chamado Alegre. Morei também nos “porcos”, uma fazenda do meu padrinho A...Continuar leitura
Meu nome é João Pereira Bezerra, tenho 49 anos, sou portador de deficiência visual e aposentado por invalidez. Nasci em 20 de agosto de 1956 no interior do Ceará. Somos uma família de oito irmãos. Nasci
num povoado chamado Alegre. Morei também nos “porcos”,
uma fazenda do meu padrinho Antonio Servulo Só em 1972 mudamos para Novo Oriente,
uma pequena cidade.
Em 16 de julho de 1974 com 18 anos de idade vim para São Paulo trabalhar. Fiquei morando com um irmão e três colegas em um pequeno quarto de aluguel. Só trabalhava e não podia estudar, pois não conhecia nada em São Paulo. Sempre pensando se um dia iria ser músico, ia às livrarias e comprava livros de gramáticas, pegava os livros do meu irmão e lia. Fazia isso no trabalho, na hora de almoço e em casa. Fiz isso por uns dez anos. Nesse período conheci uma jovem chamada Dalva de Oliveira Vendramel, com quem me casei em 29 de setembro 1979. Já casado, pai de dois filhos, nunca fiquei desempregado. E agora, que eu já estava com a vida equilibrada, contando com o apoio da minha esposa, eu poderia estudar música clássica
No mês de janeiro de 1986, um fim de tarde após o trabalho, ao voltar para casa. fui até o Conservatório Musical “Lorenzo Fernandes”, que ficava numa travessa da rua Silva Bueno no bairro de Ipiranga. Subi a escada, encontrei com a dona Cleuza, professora e diretora do conservatório. Já cheguei dizendo: o que eu preciso fazer para ser concertista?
Ela me levou à sala de aula e me trouxe um café. Então ela me perguntou se eu tocava algum instrumento e eu disse que não. Perguntou se eu tinha preferência por algum instrumento e eu lhe disse que minha preferência era o órgão. Então ela tocou órgão e depois tocou piano e eu fiquei fascinado pelo piano. Então me disse que minha idade estava muito avançada para adquirir a técnica do piano, mas eu não me incomodei e era isso mesmo que eu queria aprender: tocar piano.
Fiz minha matrícula e comprei meus primeiros livros. Estudava dois dias por semana. Como não tinha o instrumento em casa pedi para acrescentar meus dias de aula, então freqüentava as aulas quatro vezes por semana. Era tudo muito difícil porque eu trabalhava e também cuidava da minha família. Uma curiosidade é que no começo eu era muito ruim e a dona Cleuza sempre me dizia que o aluno quando começa ruim termina bom. Eu seguia as instruções e estudava muita teoria. Para onde eu ia, levava meu livro de teoria. Fiz uma apostila grande. Já decorei o primeiro e o segundo ano de teoria daquela escola, e o interessante é que eu trabalhava num estoque de tecidos e enquanto trabalhava mantinha a apostila aberta escondida na sessão. Fui despertando uma paixão grande pela música erudita, fiquei fascinado pelas histórias de muitos compositores famosos como Bach, Mozart e Beethoven. Comecei a colecionar partituras desses compositores.
Em 1991, no meu quinto ano de piano, a escola fechou. Fiquei sem professor por um ano.
Em 1992 encontrei o conservatório “Musical Ipiranga” onde então falei com a diretora dona Helena Bindone, uma senhora muito simpática, que conversava muito e me aceitou como seu aluno. Ela era tradicional e muito exigente. Ela me contava muitas histórias durante as aulas, exemplos de muitos músicos famosos, com quem ela havia estudado, com o maestro Juliãozinho e as aulas que teve com o maestro Villa-Lobos.
Enfim, uma série de outros compositores brasileiros que tiveram suas histórias contadas por dona Helena.
Eu gostava muito de tocar Bach e Mozart. Nosso programa era tradicional e exigia muitos métodos para as diversas dificuldades do piano. Ela me dava seis métodos básicos de técnica do piano e quatro peças, entre elas: as suítes de Bach, sonatas de Mozart e depois Beethoven, os estudos e valsas de Chopin e solfejos, de forma que terminei os quatro anos de teoria e história exigidos por aquela escola.
Fiz dois anos de física e biologia (no tocante a música), na mesma escola. Ela me ensinou também harmonia e composição.
Eu estava no último ano antes de me formar e dona Helena faleceu. O que mais me preocupou foi que numa quarta-feira à tarde no mês de fevereiro de 1997, ao chegar na escola, ela não tinha ido trabalhar. Estava internada. Chamaram-me no escritório para atender o telefone. Era dona Helena. Queria falar comigo. Como eu já era um aluno considerado graduado, pois eu até já lecionava, ela perguntou o que eu estava estudando e disse que viria na segunda-feira. Recomendou-me também comprar os seguintes livros: O cravo bem temperado de Bach segundo volume, fantasia e fuga em ré menor, o estudo revolucionário, sonata, valsa n° 14, balada n° 1, polonesa n° 6 de Chopin, de Franz Liszt: La Leggerezza, Rapsódia n° 2; Kesler. Então voltei para casa e na segunda-feira, ao retornar à escola com todo este material de estudo encontrei a escola fechada pois a dona Helena havia falecido. Então continuei lecionando na escola e estudando com a neta de dona Helena, Kátia Bindone que também era professora e ficou no lugar de sua avó.
Ela já havia me preparado, pois se ela faltasse eu terminaria meus estudos com a Kátia. Então continuei estudando mais dois anos, dava aulas no conservatório e na minha casa. Eu já tinha comprado um piano. No dia 19 de setembro de 1998 foi minha formatura. Houve uma festa bonita. Não foi grande, pois éramos oito formandos. Mas somente dois eram professorando, formados com habilitação para o ensino de piano. Foi tudo filmado e teve a participação de todos os alunos da escola. O Elias, meu filho, tocou variações da ópera “Carmem” de Bizet para piano em minha homenagem. E eu fui escolhido pra ser o orador da turma. Quero mandar o DVD da minha formatura para ser guardado no MUSEU DA PESSOA.
O que vou contar daqui
para frente é estranho, mas é o que aconteceu. A minha história podia ser igual à de muitas outras pessoas, mas tudo tomou outro rumo, pois na mesma semana eu perdi quase toda a minha visão: fiquei cego. Minha alegria de formando foi bem curta, pois achei que ia tocar muito piano, ler muitas partituras, estudar bastante e principalmente lecionar. Naquela época eu tinha doze alunos na minha casa. Então continuei dando aula, pensava que era algo simples e minha visão voltaria ao normal.
Era duro para eu fingir que nada estava acontecendo. Eu tentei ocultar isso, eu tomava as lições sem acompanhá-los na leitura da partitura, pois eu dominava muito bem a minha função de professor. Mas não pude segurar por muito tempo, já não via mais o piano, nem as teclas, nem minha sala eu achava mais, nem as pessoas. Tudo havia sumido. Procurei ajuda médica e ninguém descobria a causa.
Então as coisas se apagaram pra mim. Precisava de ajuda pra tudo: andar na rua, tomar ônibus, para tudo eu podia contar com a minha mulher, mas era impossível continuar dando aula. Já não tocava mais piano. Para mim era o fim de tudo. Sem achar cura para minha doença, fui levado ao hospital São Paulo onde os médicos deram o diagnóstico de “BC”, com uveíte, uma doença rara. No meu caso ela causa danos graves na visão. Cheguei a zero o grau de visão e comecei a usar bengala. Passei dois anos cego, com menos de 5% da visão.
Parando de dar aulas, tive de trabalhar para o sustento da família. Eu precisava de um milagre de Deus e o todo poderoso me ajudou. No começo de 1999 arrumei um emprego noturno de porteiro de uma escola. Passei nos testes e comecei a trabalhar. Contei somente para um colega que a minha visão era ruim e que eu estava fazendo tratamento. Ele me ajudava e guardava o segredo para eu não ser despedido. Usava colírios e óculos escuros. Trabalhei por dois anos e meio. Um médico oftalmologista me afastou do trabalho e o INSS me aposentou por doença grave e moléstia sem cura e invalidez no ano de 2001. Em abril foi feita uma cirurgia no meu olho direito e, no ano seguinte, no olho esquerdo que melhorou um pouco em 20 a 30 por cento da minha visão.
Entre outras coisas, no ano de 1999, eu confesso que chorava muito escondido, orava o tempo todo para Deus não me abandonar. Comecei a ter sonhos ao dormir, tinha sonhos com cantores antigos, cantavam apontando pra mim e conversavam comigo. Uma mulher, ainda jovem, me mostrava sete livros. Dizia que eram meus e que eu deveria escrevê-los. Eu achava que estava ficando louco e contava para minha esposa e para os meus filhos que riam. Não acreditavam nisso, pois somos evangélicos. Cheguei a pensar que era por causa dos remédios e não dei ouvido, embora eu quisesse tocar. Mas era esquisito, porque tudo era branco na minha vista. Lembro-me que um dia estava na sala de música, com a porta fechada apalpando e alisando o piano e chorando comecei a tocar uma música que veio a ser o segundo movimento da que seria mais tarde a sonata “Caminho Branco”. É uma oração que diz “Senhor Me Deixa Ver”. Continuava a ter sonhos que se repetia até duas vezes por semana, sempre me orientando. Até hoje, no meu sonho eu trabalhava como se estivesse consertando um piano quebrado, até que um dia no sonho alguém me disse para escrever uma peça e como se fosse meu amigo no sonho me ajudava a escrever e havia um sinal no livro e ele disse que eu ia ver este sinal. Então, como eu não tocava, não fazia leitura e não conseguia me livrar da vontade de tocar e estes sonhos me perturbavam. Resolvi tocar uma sonata de cor, foi quando eu muito frustrado com minha sorte mandei fazer copias de partituras em até cem vezes maior. E o que eu toco no piano assim passo para a partitura, e depois para o computador. Escrevi a primeira Sonata em 1999.
Dai não parei mais. Não faço outra coisa a não ser compor.
Minha primeira Sonata intitulei “Caminho Branco”, que se encontra assim como outras registrada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Como é muita coisa eu não vou contar. Algumas coisas são de caráter religioso, pois eu sou evangélico e vi Jesus que andou comigo e me passou para o que sou hoje.
Após escrever cinco sonatas, quando fui buscar as sonatas na casa da pessoa que copiou para mim no computador, havia na tela o sinal que eu tinha visto no sonho. Então não duvidei mais. Também tive um sonho onde uma pessoa me dizia que eu deveria escrever um concerto para violino e no sonho eu escrevia o concerto. Ele me ensinava as regras de contraponto e eu achei que era loucura, que eu não escreveria um concerto. Confesso que ficava frustrado com isso. Decidi não escrever. Então, no dia seguinte, tive outro sonho me aconselhando e me ajudando a escrever o concerto. E foi assim, do primeiro até o sétimo concerto. Assim escrevo os concertos, mas não conto os sonhos.
Vou parar de contar, pois agora sou uma pessoa tranqüila. Já aprendi a conviver com isso, mas eu desejo mandar não somente minha história como também alguns dos meus concertos como prova da minha história, pois sei que nunca poderei mostrar a um maestro, ao menos desejo que fiquem guardados como minha história.
São Paulo, 02 de Janeiro de 2006.
Compus as seguintes peças:
Três Concertos para Piano e Orquestra
Três Concertos para Violino e Orquestra
Um Octeto para cordas, Banjo e Mandolim...
Um concerto para Mandolim e Banjo e Orquestra.
Danças e Prelúdio, para sopro.
Um Quarteto para Piano.
Dois Trios para Piano
Uma Sonata para Violoncelo e Piano.
Duas Baladas para Piano.
Um livro com quatro peças, “Piano Tardio”.
Um livro “Símbolos para Piano” com dez peças.
Um livro, chamado “Martelo” com oito peças para Piano.
Quatro Sonatas para Piano.
Agradeço pelo espaço que foi proporcionado e
aguardo resposta.
João Pereira Bezerra.Recolher