Depoimento de Raul Milton Souza Sulzbacher
Entrevistado por Cláudia Leonor e Roney Cytrynowicz
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 26 de outubro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado
P - Bom, eu gostaria de você me dissesse seu nome completo, onde nasceu e quando.
R - Meu...Continuar leitura
Depoimento de Raul Milton Souza Sulzbacher
Entrevistado por Cláudia Leonor e Roney Cytrynowicz
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 26 de outubro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado
P - Bom, eu gostaria de você me dissesse seu nome completo, onde nasceu e quando.
R - Meu nome completo: Raul Milton Souza Sulzbacher, nascido em São Paulo em 9 de abril de 1940.
P - E o nome o local de nascimento também dos pais.
R - O meu pai é o Hermann Sulzbacher, nascido em Manheim, na Alemanha, e minha mãe, Stefanie (Shewek?) Sulzbacher, nascida em Berlim.
P - E qual a atividade profissional deles?
R - Meu pai é um empresário do ramo de seguros.
P - Certo.
R - E minha mãe, é prendas domésticas, é, cozinha mesmo.
P - (riso) E, Raul, como era a rua, o bairro que você morava, que bairro era?
R - Eu... quando eu nasci, nasci na Pró-Matre Paulista, na Eugênio de Lima, e com poucos dias eu fui para casa, acho que quatro, cinco dias. E aí eu morei na Alameda Lorena uma época,
recordo-me pouco dessa casa, que era uma vila, que ainda existe hoje, lá perto da Peixoto Gomide, e aí mora ... mudamos para uma casa definitiva que o meu pai construiu na Rua Honduras, no Jardim Paulista. E fiquei nessa casa praticamente até eu me mudar para a Europa,
onde fui estudar.
P - E como é que era seu dia-a-dia como criança, o que é que você costumava fazer, tipo de brincadeiras?
R - Como criança era muito bom! A Rua Honduras ainda era uma rua não asfaltada, os primeiros anos que nós lá morávamos asfaltaram a Honduras, aquilo, a cidade, os Jardins terminavam no Balão do Bonde que era na Rua Veneza, antes da Groenlândia; para baixo da Groenlândia não existia nada; a Nove de Julho para baixo terminava praticamente na altura da São Gabriel. Então, aquele, aquele fundo todo do Jardim Europa, aquilo ali era mangue, era lugar para andar de bicicleta, correr, jogar futebol. Ah! Era uma aventura ir até o Morumbi. O Morumbi não existia, a única coisa que existia naquela região era o Jóquei Clube. E tinha o bonde, o bonde era um fator, um elemento importante da cidade daquela época. Porque o bonde chegava na hora, o condutor conhecia os passageiros pelo nome, nos transportava até a Avenida Paulista; eu estudei no Dante Alighieri, então aquele bonde era muito importante. Na minha época várias, vários contemporâneos hoje são personalidades, que continuam meus bons amigos, o próprio Afonso Celso Pastore, que chegou a ser presidente do Banco Central, Miguel Colasuono, nós somos todos de uma geração de mesma época do Dante Alighieri.
P - Raul, em que ano seus pais emigraram da Alemanha?
R - Meu pai, ele imigrou em 1928 para os Estados Unidos, não emigrou, foi estudar nos Estados Unidos, e em 1931 ele chegou no Brasil. Ele veio visitar o irmão dele, que é o Walter Sulzbacher, que veio para cá fazer um estágio no Banco Holandês Unido. E gostou muito de São Paulo, o meu tio também já estava aqui, e aproveitou e ficou por aqui mesmo, nunca mais saiu daqui. Ele, apesar de ter tido descendência ou ser de origem judaica, ele não imigrou para o Brasil em razão da perseguição religiosa na Alemanha. Ele veio para cá bem antes disso, bem antes dessa época de Hitler, mas os meus avós paternos, eles permaneceram na Alemanha, apesar de terem feito algumas visitas para o Brasil em 34. Vieram visitar os dois filhos aqui, depois acho que em 37, em 38 vieram para o casamento dos meus pais e em 39, em função dos problemas da perseguição dos judeus na Alemanha, eles definitivamente ficaram no país. Mas vieram também sem, vamos dizer, grandes perdas. Meu avô era presidente de uma das maiores companhias de seguros da Alemanha, (a Aliance?). Ele se aposentou e os próprios empregados dele, era uma companhia muito grande, embarcaram todos os seus pertences e esses pertences estão no Brasil até hoje, quer dizer, não foi um refugiado de perseguição. Deixou a perseguição mais ou menos de lado, saiu assim, com menos machucado. O meu avô da parte materna, chegou no Brasil em 37/38, era um financista, era presidente da Bolsa de Valores de Berlim, e no corso, existia o corso em São Paulo, que era na Avenida Paulista, todo o mundo saía de carro, nos domingos à tarde, e iam de uma ponta à outra na Avenida Paulista, era um corso, eu não, não convivi com essa época, mas pelas histórias que ouço era um corso interessante, e foi
nessa época que o meu pai conheceu a minha mãe e se apaixonou, casaram. O meu avô da parte materna, era também judeu, e ele não agüentou essa coisa de ele ser um oficial do exército alemão, ter lutado na Primeira Guerra, ter sido condecorado com as maiores medalhas de bravura e mérito na Alemanha, ter que abandonar a Alemanha. Ele era um alemão, vamos dizer, íntegro, um alemão que participava da sociedade, que participava das atividades culturais. Ele, a minha avó era uma prima do (Stephen Zwuiag?), do escritor, então eles tinham uma vida cultural e social muito intensa em Berlim naquela época e ele não se conformou que ele teve que abandonar o país de origem dele e, antes da guerra terminar, em 45, ele se suicidou aqui no Brasil, por não absorver e entender que ele não podia mais voltar para a Alemanha. Mais ou menos essa a história, em 38 minha mãe casou, 38? Foi, em 38, pouco depois eu nasci, em 40, meu pai em 34, 33 já se naturalizou brasileiro e meu pai é um, vamos dizer, até um tipo meio brasileiro, com a pele, um tom mais escurinho, até brinco com ele, se ele tem um pé na cozinha, mas isso deve ser da época da Inquisição Espanhola, dos espanhóis que imigraram para o norte, porque ele é um tipo tipicamente brasileiro. Quer dizer, dificilmente se diria que é um tipo que veio da Alemanha, que tem origem judaica. Eu, pessoalmente, nasci, apesar de ser de origem judaica, fui batizado, sou como católico, por isso tem no meu nome também o Souza, que herdei do meu padrinho e...
P - Foi batizado por quem?
R - Pela Igreja Católica!
P - Mas, sua mãe ou seu pai quiseram?
R - Meu pai e minha mãe eles, em virtude das perseguições que existiam na Europa, se... eles abandonaram o judaísmo e passaram a ser, eles vieram para o catolicismo. Quando eu nasci, eu nasci como católico, de origem judaica, cresci como católico, fiz primeira comunhão, meus pais no decorrer dos anos voltaram para o judaísmo, mas eu não voltei, quer dizer, eu já estava habituado ao catolicismo, e casei, inclusive, com uma moça na Alemanha, a Bárbara, em 1962, 63, que é de origem totalmente ariana, alemã, e católica, e fui considerado, quando cheguei no Brasil em 64, pela colônia judaica até um pouco ovelha negra, sabe? "Pô, logo um cara de origem judaica que todos os antepassados tiveram que fugir da Alemanha vai casar com uma alemã?" (risos).Católica, ariana que nós nem sabemos a origem dos avós, dos pais dela, se eram nazistas ou não. Mas não era por aí, meu sogro é um cara muito bom, e foi até um editor, jornalista, crítico de arte famoso na Alemanha, inclusive tinha posições bastante claras contra o racismo na Alemanha. Fazia parte da, da
linha dos intelectuais alemães. Meu cunhado é, inclusive alemão, ainda vive na Alemanha, é um médico conceituado na Alemanha, um psiquiatra, cientista que dirige um instituto importante hoje em Frankfurt, e os meus laços com a Alemanha são muito grandes e ... muito pequenos com as origens judaicas. A cidade de Manheim, de onde origem... de onde origina o nosso nome, Sulzbacher - inclusive esse nome também, o distrito de Frankfurt, de onde é o porto de Frankfurt -, é o Distrito de Sulzbacher, mas a nossa origem é de uma outra cidadinha de Sulzbacher, que é perto de Manheim,
onde, quando por duas oportunidades eu passei por lá, sou recebido como filho da terra, sou homenageado, é até bastante interessante. O nome Sulzbacher, que é o nosso, ele não é um nome de origem totalmente judaica, tem vários Sulzbacher na Alemanha e que não têm judaicos. Sabe, foi sempre um nome meio polivalente, ecumênico. E continua sendo até hoje, é uma mistura, o meu próprio, o meu irmão também. O Gilberto, que é um engenheiro agrônomo, ele casou também com uma católica, inclusive descendente de Tiradentes.
P - (risos)
R - E tem uma grande linhagem de Sulzbachers que imigraram em 1820, 1830 para o Brasil e que foram se estabelecer no Rio Grande do Sul, na cidade de Estrela. Hoje tem alguns Sulzbacher em Estrela, e alguns Sulzbacher que são fazendeiros em, no Mato Grosso. Todos são de origem da mesma região da Alemanha. Todos da região de Manheim.
P - Certo. E voltando um pouco assim para a coisa da escola, do Dante Alighieri, como é que era o dia-a-dia do Dante?
R - Olha, era um dia-a-dia meio chato, naquela época, tinha que se usar calça azul marinho, era época que ainda ia-se para a escola de gravata, era uma gravatinha azul meia encardida, com camisa branca, tinha que usar meias três quartos, o calor era muito naquela época em São Paulo como ainda é hoje, só que não tinha ar condicionado, acho que até hoje não tem lá no Dante Alighieri, então era uma época, vamos dizer, era uma época folclórica, pensando hoje. Mas naquela época a gente não gostava muito não, era um negócio meio enjoadinho mesmo.
P - E na formação escolar do senhor teve alguma coisa que influenciou mais para o comércio?
R - Olha, propriamente dito, não. O comércio, dificilmente alguém vai ser influenciado para participar, para procurar a atividade do comércio. O comércio, digo sempre, é uma atividade nata, ou o sujeito nasceu para o comércio e tem a sensibilidade para poder ser um bom comerciante, ou ele pode fazer as maiores e melhores universidades do mundo que não vai enxergar, ele vai conhecer a teoria e na prática ele vai se afundar. Eu tenho notado isso muito nos últimos anos. Eu tenho conhecido vários, vários empresários formados na Fundação Getúlio Vargas que manuseiam maravilhosamente estatísticas, números e teorias
e toda a vez que eles colocam suas teorias na prática, eles afundam! Por quê? Porque o comércio não é feito de teoria, ele é feito de prática e de sensibilidade, de sensibilidade. Eu sempre uso uma frase que a mim, muita gente hoje a usa, eu digo: "O guarda chuva se vende no dia de chuva", não adianta você colocar na porta da loja o guarda-chuva a qualquer preço que você não vai vender! Você vai vender um guarda-chuva no dia que está chovendo! Então, quando eu vim para o comércio e foi aí que eu senti que eu tinha vocação para essa profissão, foi quando depois de 11 anos de Diners Club, o Diners Club era uma empresa estritamente de marketing, era o primeiro cartão de crédito no Brasil, e no mundo, e eu comecei trabalhando com o Diners Club na Alemanha, e eu dava conselhos, dava orientações a lojistas, e tal, era molecão ainda, e eles se impressionavam: "Ah, faça isso, faça aquilo", e, quando eu voltei para o Brasil, continuei com essa minha atividade de, naquela época não era marketing, era "marquetingue", no Diners, e quando eu falava que eu fazia "marquetingue", o pessoal dizia: "Marquetingue, o que é que é marquetingue?" E ninguém sabia nem o que era "marquetingue". Se eu falasse marketing, então, seria até pior! "Ah, o cara tá falando uma coisa que a gente não entende e ainda dá uma esnobada em cima da gente!"
P - Que ano surgiu o cartão de crédito?
R - O cartão de crédito surgiu em 1958, nos Estados Unidos, e foi um comerciante que fez. Alfred Bloomingdale, dono das cadeias de lojas Bloomingdale, por isso o primeiro cartão se chama Diners, era um cartão que ele colocou, ele fez um convênio com uma meia dúzia, uma dúzia de restaurantes em Nova Iorque e ofereceu o cartão para os amigos dele e o cartão nasceu daquilo que ele é hoje! Hoje se fala: "Não, o cartão, o negócio científico, o dinheiro de plástico." Não é nada disso! O cartão não é nada mais que o fiado de antigamente! Então, as coisas no comércio vivem se reciclando. Antigamente você tinha a caderneta na padaria, você tinha o fiado na mercearia, ou no boteco que você freqüentava, mas, à medida que as cidades foram crescendo e se despersonalizando e um número maior de pessoas participando da sociedade de consumo, o que é que se fez? E à medida que hoje existe também o computador, porque na época que nós iniciamos o Diners não existia
computador, o Diners em São Paulo era um cartão extremamente seletivo com 12 mil associados, mas ele não era nada mais nada menos que um fiado! Você entrava num lugar e você, deixavam você assinar uma nota porque alguém
se responsabilizava pela nota que você assinou. E eu ainda digo até hoje: cartão de crédito não devia se chamar cartão de crédito, é o cartão do fiado. É uma reciclagem de tudo aquilo que já se fez. Não se criou nada de novo, nem em marketing, e nem em varejo nos últimos anos. O que foi, o que se fez foi atualizar as coisas. Foi adaptá-las às tecnologias que você tem no momento. Os grandes comerciantes continuam sendo os comerciantes natos, os que têm essa vocação nas veias e que conseguem hoje coordenar a sua vocação com a tecnologia e com a informática. E cada vez mais o comércio vai voltar a se informatizar mais, ser mais tecnológico, mas só poderá ter bons resultados desde que o que esteje dirigindo esse comércio tenha vocação, tenha sensibilidade para isso, para o ramo. Então, nós voltando ao ... nós estávamos na origem do ...
P - O senhor estava contando como chegou no comércio...
R - ... no comércio. Via Diners Club, e eu senti que comércio era uma coisa algo nato, era uma coisa de sensibilidade, eu vi que eu tinha muita vocação para isso. Então, num determinado momento nós vendemos o Diners Club para o Montepio da Família Militar e aquele pessoal eram todos os militares quase, tinha
generais e militares e majores e sargentos, e eu era ainda um garoto meio jovem, meio revolto, e não gostei muito daquela filosofia. Apesar de hoje me dar bem com muitos milicos, porque, mas naquela época não gostava muito deles, não. Apesar de nunca ter participado de nenhum movimento, mas eu gostava de usar o cabelo mais comprido, que os milicos não aceitavam muito essa idéia, você tinha que ter aquele corte militar, máquina zero-zero, e deixei o Diners, logo em seguida eles assumiram, eu caí fora, e fiquei sem emprego! Eu, 11 anos me preparei para ser o grande dirigente do Diners ou do cartão de crédito do Brasil. E me vi num momento difícil. Já era casado, já tinha dois filhos, a minha vida toda era dedicada ao Diners, meu sobrenome não era Sulzbacher, era Raul do Diners, em São Paulo era conhecido, tinha uma certa identificação e tive que procurar um novo caminho. E esse caminho se deu. Fui procurar emprego, fui ___________, fiz alguns testes, e apareceram alguns negócios interessantes. Eu lembro do Max Feffer, da Suzano de Papel, me chamou na sala dele, disse: "Olha, nós entrevistamos uns vinte candidatos, você foi o escolhido!" Disse: "Ah, que maravilha!" Me falou o salário, também salário fantástico, era até melhor que o salário do Diners, aí eu vi que eu estava defasado, no Diners, eu acho que estava há muito tempo lá no Diners, eles esqueceram de aumentar o meu salário.(risos) E aí eu disse: "O que é que eu tenho que fazer?" "Ah, não se preocupe, pelo que eu vi do seu currículo você vai tirar de letra. Nós temos sete, oito máquinas rodando, elas cospem papel 24 horas por dia, e você vai ser o homem encarregado de vender esse papel! Mas quero te avisar de agora, de início, que nós não podemos parar a máquina, você parou de vender, nós também... temos que fazer... você também provavelmente vai perder o teu emprego!" Eu cheguei em casa disse para a minha mulher: "Eu? Vou correr atrás de uma máquina?" (risos) "A máquina fica cuspindo papel, não pára de cuspir papel, eu vou ser o responsável por colocar esse papel no mercado?" No dia seguinte liguei pro Max disse: "Olha, muito obrigado, fui selecionado, mas procura outro. O trouxa aqui não é comigo, não, viu?" (risos) Porque eu ia ficar louco provavelmente eu não estaria tão bem de saúde como eu estou. Aí no Diners eu fui um dos mentores para a venda do Diners. Porque nós tínhamos que vender o Diners. Porque naquela época, os cartões de banco começaram a entrar no mercado, e os bancos não estavam interessados em ganhar dinheiro, e nós trabalhávamos para ganhar dinheiro. Então, nós começamos a nos confrontar com dois parâmetros diferentes. Um, era o negócio; o outro, era um apêndice do seu negócio, era um serviço que os bancos estavam oferecendo e um serviço que iria gerar lucro em outras atividades do banco, e que poderiam até perder, como de fato perderam, que era com o cartão de crédito. Enxergando essas perspectivas, resolvemos cair fora do negócio, antes que perdêssemos muito dinheiro. E esse momento de desemprego, essa história do Max Feffer, eu encontrei, eu estava almoçando no Jóquei Clube, encontrei um amigo, o Zé Maria Ribeiro, dono das Lojas Garbo, e perguntou: "Hã! Como é, que é que você anda fazendo, soube que você está desempregado?" Disse: "Estou mesmo." "E o que você vai fazer?" "Não sei. Estou procurando, tanto faz, vou procurar até achar. Já ajudei o Diners a resolver todos os seus problemas, eles resolveram seus problemas, mas eu não resolvi os meus! Então eu estou preocupado em resolver os meus..." "Ah, vem comigo que você vai resolver os teus!" "Tá bom". Fui até a Loja Garbo, era lá perto do Jóquei. Ele disse: "Estou procurando um diretor de marketing. Você não quer assumir aqui? Esse negócio aqui já tem 25 anos de idade, esse negócio aqui está complicado, nós precisamos de sangue novo." Eu disse: "Tá bom."
P - A Garbo era uma loja de roupas masculinas mais finas?
R - Era, era uma, era uma loja média. Ela vivia basicamente do crediário, como ela é hoje. A Garbo hoje, ela mais ou menos é o que ela era naquela época. E eu disse: "Ah, que interessante, mas eu não entendo nada de roupa, eu não entendo nada de comércio de varejo. Eu aceito o emprego desde que você me permita ficar dois meses sem fazer nada. Me dá uma sala, eu vou trazer comigo um assistente, eu vou fazer uns levantamentos de mercado, eu vou estudar o teu balanço e vou ver o que é que eu posso fazer! Em dois, três meses a gente senta e eu vou dizer: olha, esse é o meu plano. E vocês vão dizer se vocês concordam ou não com as minhas idéias." "Ah, deixa eu consultar o meu pai", foi consultar o pai dele e tal. Discutimos muito sobre salário. O salário que estavam me oferecendo era um terço do que a... Feffer estava me oferecendo, a Suzano de Papel. E era bem menos do que eu ganhava no Diners. Aí fui para casa, fiquei pensando, disse: " ___________ estou me reciclando, de repente é até uma boa, eu vou ganhar pouco mas pelo menos eu vou dar uma cheirada numa coisa diferente." Primeira coisa que eu fiz na Garbo foi estudar o balanço; ver se tinha embalo pra crescer, se eu tivesse umas idéias mais ousadas, se eles poderiam acompanhar ou não. E eu cheguei, à primeira coisa, à primeira conclusão que eu cheguei foi que eles não tinham condição de pagar nem aquele um terço que estavam me oferecendo ________! (risos)
P - Raul, como era o mercado de roupa, na época, se é que dá para fazer essa pergunta?
R - Deixa eu só terminar essa aqui...
P - Ah, tá, tá bom.
R - Então cheguei para o Zé Maria e disse: "Olha, Zé, você não tem condição de pagar o meu salário!" Ele disse: "É! Por isso que eu te contratei. Esse é o primeiro problema que você vai resolver aqui!" (risos)
R - E o mercado de roupas naquela época era um mercado ainda bastante antiquado. Eram roupas formais, muita roupa cinza, muita roupa escura. O Clube Um surgiu mais ou menos naquela época, que foi a primeira revolução de marketing no ramo de roupas.
P - O que era o Clube Um?
R - O Clube Um era um clube feito por uma confecção que eu não me lembro mais quem era, que inventaram uma roupa mais alegre, uma roupa mais clara, uma roupa. Porque você tinha no verão o terninho de linho perolado em branco e no inverno, de um modo geral, todos os funcionários de banco, tudo, usavam um terno cinza, não existia blazer, não existia outra coisa. Era cinza, azul marinho e branco, o linho, e quem usava linho tinha que pelo menos saber jogar pôquer e cacheta até de madrugada (risos).
R - E eu tentei dar uma nova figuração a isso. E esse foi meu grande projeto para a Garbo, a minha contribuição. Dizer: "Vamos mudar um pouco, que não existe moda para gente jovem". Os jovens era uma classe em ascensão, o número de jovens naquela época em São Paulo ainda era pequeno, nós estamos falando de uma cidade que saiu de 700, 800 mil habitantes, e que naquele momento estava se adaptando a uma cidade de seis, sete milhões de habitantes, que já era uma cidade representativa, mas que pulou de um, dois milhões de habitantes para três, quatro, num prazo muito curto de dez, 12...
P - Isso é de 1970?
R - Não, isso já foi em 80!
P - Ah, já em 80?
R - Não, desculpe, em 70.
P - Em 70?
R - Em 70, começo dos anos 70. Quer dizer que quando eu assim fui trabalhar com o Diners, em 64, nós estamos falando aí de uma cidade de um milhão e meio de habitantes. Em 73, quando eu fui para a Garbo, estamos falando aí de cinco, seis milhões de habitantes.
P - E como os jovens se vestiam?
R - Olha, existiam alguns núcleos. Você tinha para a classe mais privilegiada, a Rua Augusta, que tinha muita roupa importada, e as boutiques. Era, vamos dizer, a artéria das boutiques. As boutiques eram caras e eram acessíveis a uma pequena fatia da população, muito pequena, muito pequena. As pessoas, vamos dizer, de nível médio, se vestiam em lojas mais populares, o Mappin tinha uma seção mais jovem, a Sears tinha um departamento relativamente jovem, onde vendiam calça jeans, mas que não era um jeans, era aquela Topeca, não sei, que era um brim, mas não tingido de índigo, e que cê lavava duas vezes e ela ficava lilás! (risos). Ou ficava de um azul encardido. Então, realmente não, estava exatamente na virada, alguma coisa tinha que acontecer. E eu detectei naquele momento, exatamente esse negócio que tinha que fazer uma virada, e propus à Garbo que fizesse uma que começássemos pensar numa linha jovem. E por felicidade, nesse mesmo momento, surgiu a Lévis no Brasil. A Lévis estava fazendo estudos e ia fazer o lançamento no Brasil. Mas a Lévis também estava perdida, ela não sabia bem como ela iria,
vamos dizer, como é que ela ia conseguir se implantar nesse mercado, qual seria o caminho dela. E eu, com meus estudos, já tinha uma plano bem definido: tinham que ser lojas muito jovens. _________ começava na Garbo, fazia uma divisão, um shop-in-shop. E isso foi uma inovação, foi o primeiro shop-in-shop que teve no Brasil.
P - O que é exatamente?
R - Uma loja dentro da loja. Quer dizer, você fazia dentro da loja, as lojas da Garbo eram grandes, eram ociosas, dentro da loja nós fizemos um canto todo de madeira, estilo cowboy, onde começou se vender moda jovem, começou se fazendo a área de vitrine, que era muito extensa nas lojas, uma vitrine dirigida aos jovens. Então, eu, considerava naquela época que jovem era aquele que realmente tinha 17, 18 anos, que já estava no mercado de trabalho, e esse jovem, em virtude do lazer, ia até os 40, 45 anos. E a Garbo tinha um perfil que ela atendia um semijovem de 40, 45 anos, que comprava suas gravatas, suas camisas para o trabalho e que o grande potencial era fugir da classe A, única e exclusivamente, e procurar... porque a classe A, mal ou bem, tinha suas boutiques onde ela poderia ser atendida. A classe média, que estava em ascensão, que não sabia onde comprar suas roupas e onde se vestir. E aí eu comecei então essa implantação. A diretoria da Garbo me chamou de louco, por causa do segundo plano que era fazer as lojas especializadas, e alegaram que eles nunca na vida dependeram de um só fornecedor. Porque daria uma vulnerabilidade muito grande para a empresa...
P - E seria a Lévis?
R - ...depender de um único fornecedor...
P - Você estava propondo que fosse a Lévis, era isso?
R - É, a Lévis. E então, me impuseram: "Olha, você tem idéias muito boas mas você é meio maluco, meio louco." Eu disse: "Olha, eu acho que sou, sou ousado, sou jovem e eu acho que vocês têm razão, eu sou mesmo maluco. Eu vou deixar essa empresa."
P - Isso depois de alguns meses?
R - É, fiquei lá sete meses. Implantei o shop-in-shop. E foi até muito bem! O shop-in-shop, que representava 10, 12, 13% da área deles, chegou a vender 30% nos primeiros meses da venda global dessas lojas. Então, pelo conceito de venda por metro quadrado, o shop-in-shop estava indo no caminho correto, porque ele vendia mais do que qualquer outra área.
P - O que era esse conceito de venda por metro quadrado?
R - Quer dizer, você tem uma loja, se você tem 200 m2,
você tem que ver quanto você vende por m2 dentro da sua loja, porque o metro quadrado de uma loja é extremamente valioso porque você tá pagando aluguel, você tá pagando manutenção. Então, você tem que procurar vender e aproveitar o máximo dos metros quadrados que você tem. Então, o shop-in-shop estava vendendo mais por metro quadrado que as outras áreas e as outras linhas dentro da Garbo. (fim da fita 012/01-A) Então me puseram, me disseram que eu era maluco, doido e então eu resolvi deixar a Garbo e perguntei a eles se eu podia aproveitar o projeto, das lojas. E eles disseram: "Bom, é um projeto maluco, nós recomendamos que você não faça (risos), você vai quebrar, quebrar a cara com isso aí." Eu não acreditei neles e montei. Ah... em poucos meses nós nos tornamos o símbolo da cadeia de moda jovem e pioneira no Brasil. Todos os que vieram depois de nós e que hoje atuam no mercado jovem, infelizmente, apesar de eu não ter, não ser, não ter essa aparência ainda e também nem esse espírito, sou considerado o decano deles. (risos)
Da Zoomp, da Fórum, da M. Officer, todos são meus amigos e todos, Drugstore, todos seguiram mais ou menos os passos que foram dados com a inovação e com a ousadia da Jeans Store. A Jeans Store adotou estilos diferentes de propaganda, ela fez o convênio, nós lançamos, junto com o Manuel Poladian, shows; nós não anunciávamos a nossa loja, porque nós achávamos que o jovem estava cansado de propaganda, estava cansado de ser induzido a comprar. A juventude de 70, ela era uma juventude independente que estava procurando o seu espaço; e esse seu espaço teria que ser algo que os pais não, não freqüentavam. Um espaço novo, que dava a eles o sentido de liberdade. Isso veio e vários fatores ajudaram: a Alpargatas lançando a US TOP - a calça que perde o vinco e, que desbota e perde o vinco. Então toda essa movimentação em torno do próprio jeans, e do boom do jeans, e de Woodstock nos Estados Unidos, tudo isso trouxe um momento feliz para nós, por nós sermos, nesse momento, a pioneira na comercialização e a última ponta de indústria, quer dizer, levando o produto diretamente ao consumidor.
P - Como funcionavam esses shows?
R - Não, todo o tipo de shows. Nós trouxemos Bill Halley, nós trouxemos...
P - ...era, era copatrocínio, a Jeans Store com o Poladian?
R - ____________ A Jeans Store é que introduziu com o Poladian a venda de ingressos nas lojas. Que hoje é uma coisa muito comum! Então, o Poladian não era empresário,
o Poladian era o meu amigo, era um advogado, e ele era advogado de empresários. E um empresário quebrou, e o Poladian não sabia o que fazer com o show! Porque ele emprestou um dinheiro para o sujeito. Aí nós almoçamos juntos, eu disse a ele: "Vamos fazer uma coisa? Vamos pôr esse show, vamos vender, vamos fazer umas chamadas na televisão e tijolinhos nos jornais, e vamos vender os ingressos na Jeans Store, vamos ver o que é que acontece." Era "Uma Noite em Buenos Aires". Esse show ficou em cartaz três meses, era para ser uma noite, só! Aí nós vimos que era o caminho correto, porque a juventude de um modo geral já tinha descoberto a Jeans Store. Mas eu tinha uma oposição muito grande dos pais. Achava que aquilo era uma loja meia revolucionária, estavam com medo que os filhos, que lá tinha bicho papão que ia roubar os filhos, não sei o que. E essa venda de shows que não eram única e exclusivamente o target, ajudou muito! Porque os pais entravam na loja e viam que o atendimento era simpático, que o atendimento era de jovens igual aos seus filhos. Eu sempre procurei manter, manter jovens que estudavam, para dar um atendimento homogêneo, que quem comprava na loja era igual do que aqueles que atendiam dentro, dentro da loja. Não eram vendedores profissionais. A primeira pergunta que eu fazia quando a pessoa queria ser vendedor da Jeans Store, perguntava: "Ah, você já vendeu?" Se ela já foi vendedora de alguma loja (risos) ela não conseguiria pegar o emprego. Eu queria pessoas não viciadas, porque tudo o que eu oferecia era diferente que o varejo. Inclusive, a denominação vendedores, nós eliminamos; eram orientadoras de consumidor. E era proibido vender, deixava o cliente na loja solto, que era o sistema de self-selection, que
também fomos os pioneiros no Brasil.
P - O que é exatamente?
R - Self-selection é o self-service com orientação. Então as meninas tinham a condição de te orientar. Você entrava numa loja, ela tinha que saber que tamanho que você era. Então, por exemplo, você era tamanho 40; ela te levava na prateleira do tamanho 40, te deixava você escolher, o que você quisesse do 40. E fazia com que a tua satisfação fosse garantida! Não que você fosse primeiro para o 39, não iria encontrar talvez uma cor que você desejasse e ia sair da loja... aborrecido por não ter encontrado. Porque levando você ao teu tamanho certo, você não correria o risco de encontrar uma coisa que você não poderia comprar, ou que não, que a loja não tinha.
P - O que era exatamente essa moda jovem, era calça jeans e camiseta?
R - Calça...
P - Queria que você contasse assim, bem detalhadamente isso.
R - Era basicamente jeans, jaquetas, camisetas e camisas. Como a Lévis não produzia toda a linha, nós desenvolvemos uma segunda linha, que foi a Jeaneration, para fazer a complementação daquilo que a Lévis, por razões, vamos dizer, de escala, não poderiam fazer, economicamente. Então, nós a Jeaneration era camisas, cintos, bolsas, algumas saias, uma coisa assim que estava muito em moda, de repente entrou em moda uma tomara-que-caia, a Lévis não poderia fazer porque não tinha escala, a Jeaneration assumia essa paternidade e fazia via Jeaneration.
P - E quem desenhava, você mesmo?
R - Nós não desenhávamos nada, nós estávamos atentos no mercado e o que que naquele momento se tornava, vamos dizer, uma moda. E para não ser uma loja desatualizada, nós procurávamos exatamente quem fazia e comprávamos! E éramos grandes clientes de inúmeras confecções. A Zoomp, ela começou sendo uma fornecedora da Jeans Store. E, isso foi se desenvolvendo, a Jeans Store se tornou muito grande, depois dos shopping centers ela se tornou um pouco mais impessoal, e aquilo que nós conseguimos manter durante dez anos, depois a gente começou a perder um pouco essa, vamos dizer, personalidade muito marcante nossa. E passamos a ser uma organização, vamos dizer, ainda inovadora, pioneira, mas, como sempre, apareceram concorrentes, os concorrentes tentaram copiar o que nós fazíamos de bom,
por que se não o fizessem seriam burros e a melhor forma de você crescer é você copiar, se você quiser ganhar dinheiro, vai copiar
o que o ... daquele que é campeão! Porque na hora que você tenta inovar totalmente, e aquilo que nós fizemos, você é um cientista, então você precisa estar muito consciente do que você está fazendo porque os cientistas podem quebrar a cara ou levar muitos anos para acertar.
P - Quantas lojas o senhor chegou a ter da Jeans Store?
R - Dezoito lojas.
P - E a primeira foi aonde?
R - A primeira foi na Rua Iguatemi.
P - Na Rua Iguatemi.
R - Onde hoje tem uma lojinha dos Correios.
P - E a da Rua Augusta?
R - Nós chegamos a ter algo em torno de 240 funcionários, e faturar algo em torno de sete milhões de dólares anuais. Me pergunto muito porque
que eu encolhi, e da mesma forma que eu cresci, da mesma forma que eu tive, vamos dizer, uma visão antecipada de mercado, e digo isso com muito orgulho, de ter sido o pioneiro, eu também vi que
a filosofia, o conceito da Jeans Store estava desaparecendo do mercado. Porque o jovem da década de 90 é um jovem diferente do que o jovem da década de 70. E as lojas Jeans Store da forma como eu as concebi naquela época, elas eram lojas para o jovem de 70 e do jovem dos anos 80. E o investimento necessário para você se adaptar ao jovem de 90 e que teria que durar
ao jovem do ano 2000, seria muito grande e seria dificultado pela própria concorrência que você tem hoje no mercado. Essa concorrência ela é mais predatória no sentido que todas as cadeias de loja de moda jovem, desde já do fim dos anos 80, são de propriedade da própria indústria. Isso é um fator extremamente importante que me levou à decisão de me reciclar de novo. Enquanto você é indústria, você, você tem um único caminho, quer dizer, você uma distribuição linear: você produz e distribui. E você mesmo pode voltar com essa mercadoria e alocá-la em diversas praças do Brasil. No momento em que você é um comerciante independente, como eu me colocava e como eu de fato era, eu não tinha essa possibilidade de aquilo que engasgou na Jeans Store devolver para a Lévis. Então, eu ofereci à Lévis a possibilidade de ela, junto comigo, assumir as lojas, de nós fazermos um joint-venture, e ela ser dona de seus estoques, e poder movimentar os seus estoques, com mais facilidade do que o comerciante o pode. E a Lévis não concordou com isso, eu acho que a Lévis foi, nesse ponto, tremendamente infeliz. Ela ...
praticamente aquilo que os velhos da Garbo receavam, há 20 anos atrás, era de fato verdadeiro, só que aquilo não era válido para aquela época. Você teve um lap muito grande para ganhar dinheiro, nesse meio tempo, de fazer um trabalho muito bom, mas eu não me esqueci das palavras deles, do risco e da, da vulnerabilidade de você depender de um só fornecedor. E essa dependência de um só fornecedor é que inviabilizou, num certo momento, o próprio projeto Jeans Store-Lévis. Porque a Lévis, não acompanhou a evolução desse momento no mercado, e todos os que permaneceram com a Lévis, pós Jeans Store, quebraram.
P - O que mudou exatamente, Raul, no jovem, no perfil dos anos 90? O que é que seria a roupa para esse jovem?
R - É muito mais rápido. Ela evolui com uma velocidade muito mais rápida e o jovem não tem mais uniforme; o jovem de 80 ele se identificava com o uniforme, todo o mundo queria se vestir igual, todo o mundo queria ter a calça da mesma grife, da mesma marca, todo o mundo ... Então, no momento em que você conseguia trazer, levar o teu conceito ao jovem e ele aceitava, ele se vestia conceitualmente. Hoje, o jovem é muito mais individualista! O jovem é que vai procurar, e os modismos estão, vamos dizer, muito mais, muito mais socializados, muito mais espalhados. Você não tem mais, vamos dizer, um lobo da juventude. Naquela época, também, eu tinha concorrência, sempre tive, mas eu sempre colocava que o cliente da Jeans Store era basicamente o universitário. E eu excluía nesse universitário, o universitário de exatas. Porque o universitário de exatas sempre foi mais metido e sempre era um cara mais, que procurava na sua vida, sabe, um status diferente. O seu life styling era diferente, quer dizer, se você pega um estudante de GV, ele é muito mais metido que um estudante de FAAP, ou estudante de medicina. O estudante de medicina, ele quer exercer a sua profissão e procurar ser um bom médico, ele não é tão mercenário, quanto. Enquanto que o da GV, ele só vê uma coisa na frente dele, ele vê cifrão! Então ele procura status, e a Jeans Store sempre, mais ou menos, ela fugiu de ser a loja do status. E talvez esse tenha sido um dos grandes pontos fortes da Jeans Store.
P - Raul, queria que você falasse mais num pouco da loja em si da Rua Augusta. Como ela era?
R - Dentro desse conceito todo que nós falamos, a Jeans Store procurava, não quero dizer, porque aí também, não era isso, tanto os shows que nós levávamos e a venda de ingressos, ela, a Jeans Store, fez parte da cidade. Quer dizer, tinha uma apresentação na cidade, algum show, as pessoas sabiam que poderiam comprar, principalmente para jovens,
que esses ingressos estariam sendo vendidos na Jeans Store. E, dentro dessa mesma filosofia, a Jeans Store participava, por exemplo, incentivando vernissage de artistas novos, tardes de autógrafos. Todo o pessoal do Pasquim, Jaguar, todo esse pessoal, sempre fez suas tardes de autógrafos.
P - Dentro da loja?
R - Dentro da loja!
P - Da Rua Augusta?
R - Na Lorena.
P - Na Lorena?
R - Na Lorena. Em virtude de nós não termos um espaço cultural, um espaço mais adequado, nós fizemos na Rua Augusta, onde nós tínhamos um espaço mais generoso, em cima da loja nós construímos uma rua! toda de paralelepípedo. E com um cenário de um São Paulo antigo. Não era bem o São Paulo antigo, era a capelinha, era a casinha geminada. Fomos muito feliz. Eu não sei se vocês conheceram aquela rua, era uma viela, numa das pontas tinha um boteco e na outra ponta tinha o coreto. E aquele coreto tinha muita, teve muito sucesso, mas nós não podíamos absorver todo aquele pessoal lá em cima. Aí, então, começamos a fazer os grandes shows, voltados para a Rua Augusta. E isso marcou muito, porque...
P - Quem eram os cantores, os convidados?
R - Fagner começou lá!
P - Por exemplo, o tropicalismo...
R - Tropicalismo parcialmente. Eu acho que mais, nós levamos mais rock para lá, Raul Seixas se apresentou lá, Fagner se apresentou lá. Inúmeros outros, acho que Lobão, se apresentou lá. E muito, quer dizer, toda aquela, todos aqueles artistas de vanguarda se apresentavam lá. Bruna Lombardi foi apresentadora lá em cima, dos shows (risos). Diogo Pacheco regeu lá o coral da FAAP. Quer dizer...
P - Isso, isso que anos, exatamente?
R - Ah, isso nos anos 80! No começo dos anos 80. Foi um movimento muito gostoso. Quer dizer, e isso fazia com que isso dava muita matéria nos jornais. Por exemplo, o fechamento de uma Augusta, com um show ______ em cima da nossa loja deu matéria durante dias e dias em jornais. E esses shows se repetiram inúmeras vezes.
P - Raul, a Rua Augusta também não era uma rua chique? ___________
R - Ela foi a rua mais chique. Quer dizer, é que foi também. As coisas vão se reciclando. A rua mais chique de São Paulo foi a Rua Barão de Itapetininga. Que você tinha um ponto, o Mappin, que era para a elite, com salões de chás, madames indo lá à tarde, carrões circulando pela Barão, depois, os jovens é que mudaram esse conceito, à medida que as boutiques que surgiam de roupa importada não tinham como ir para a Barão e começaram a se instalar na Augusta.
P - Isso em que ano?
R - Olha, isso foi em 56, 57. As primeiras boutiques. Nós, porque elas se instalaram em volta do único cinema que nós tínhamos na Zona Sul. Todos os cinemas de São Paulo eram no centro da cidade. O Cine Marrocos, e o único cinema que existia na Zona Sul era o Cine Paulista. Que era um cinema até bastante fuleiro, com um pé direito alto, aquele telhado em cima, mas era o único cinema que nós tínhamos. Então a juventude paulistana de Pinheiros, Harmonia, freqüentavam o Cine Paulista, que era
na esquina da Oscar Freire, onde tem aquele prédio, hoje. Do lado do Cine Paulista é que evoluiu a Rua Augusta. Lá nasceu. Tinha a Vilex, que era do lado, que era a mercearia mais chique de São Paulo, você tinha o Cine Paulista e a
primeira lanchonete de São Paulo.
P - Qual foi?
R - Foi o Frevo. O Frevo faz parte da história, porque foi a primeira vez que existia um negócio diferente! Foi uma, não existiam restaurantes. Anos depois, 59, tal, apareceu uma porcaria de uma churrascaria que era o Rodeio. Que também era num galpão como era o cinema. A primeira boutique mais chique que apareceu, que foi de vanguarda,
assim, que eu me lembre, assim, era da Tutu Quadros, a filha do Jânio, que era também naquele pedaço, Casa Almeida, e a Augusta foi se desenvolvendo, rapidamente, porque junto com essas boutiques e o cinema, veio novamente aquilo que é muito importante, que São Paulo perdeu parcialmente e que tá se recuperando, nos shoppings, agora, que são Paulo é muito grande, que é o footing, que é o que existe na cidade do interior. Então como em São Paulo não tem uma praça, o footing era a Rua Augusta. E o comércio se faz sempre, na região do footing, onde as pessoas vão pra ser vistas e para verem. Porque existe essa diferenciação, diferenciação de pessoas. Existe as pessoas que querem se produzir e serem vistas e existe as pessoas que se deliciam vendo as pessoas se produzirem e tal. E, nesse ponto, a Augusta, ela se desenvolveu. Nenhuma outra rua conseguiu substituir a Augusta, a João Cachoeira tentou, e a Augusta só não continua sendo esse ponto, esse centro de serviço e de se ver, porque a própria municipalidade não ajudou. E porque a rua era muito ruim. Você nunca pode fazer um tipo de comércio numa ladeira! E que num dia de chuva vira uma cachoeira e que num dia de chuva você não pode comprar. A Oscar Freire, agora, está tentando recuperar esse tempo perdido, eu estou torcendo muito pela Oscar Freire. Acho difícil, eu acho que perdemos o pique, perdemos o tempo, os shoppings já absorveram isso. Eu tive novamente a felicidade de transformar o Shopping
Iguatemi num mito, depois de ter sido presidente da Rua Augusta e não ter conseguido avançar da forma como eu queria pela desunião no...
P - Isso em que ano exatamente?
R - Ah, nos fins dos anos 70. Eu dei muito murro em ponta de faca, na Augusta.
P - O que, exatamente?
R - Como?
P - Quais eram as tentativas de inovação que não deram certo?
R - É fazer com que a Augusta se transformasse num boulevard, que os lojistas colaborassem numa campanha comunitária, que nós tivéssemos reuniões permanentes, que nós fizéssemos desfiles de automóveis, que fizéssemos cafés com, como se fosse verdadeiro boulevard, que as pessoas pudessem sentar e ver as pessoas passarem. E eu mesmo banquei essa iniciativa fazendo o meu boulevard em, na loja. E eu achava que não basta você tentar convencer, você, antes de tentar convencer, você tem que mostrar o caminho e fazer. E eu fiz, e infelizmente mais pessoas ficaram com ciúmes e inveja do que eu fiz do que copiaram. Eu queria que aquilo fosse copiado, porque se fizessem mais 30 coretos na Augusta, a Rua Augusta seria imbatível e passaria pra a história. Ela não passou, ela perdeu seu tempo, não vai passar nunca mais. A Augusta deixou de ser e dificilmente um dia será alguma coisa. Hoje, os shoppings absorveram isso de um modo geral, quando eu vi que dar murro em ponta de faca não é a coisa mais, você muitas vezes você pensa, vamos dizer, você tem uma cabeça que as pessoas não acompanham. Implantei um mito shopping, que é o Iguatemi,
fui também muito criticado.
P - O que é esse mito shopping?
R - Tentei fazer o shopping, com sucesso, o ponto de encontro chique de São Paulo. É onde os jovens iam, é onde tudo aconteceria. As agências de publicidade também não entenderam, eu tive, vamos dizer, toda essa minha carreira de sucesso, pode estar certo que ela é, foi sempre muito mais não compreendida que compreendida. Pouca gente me compreende.
P - Mas...
R - E até hoje continua, esse fato continua sendo igual. Ah... porque as pessoas são mais sistemáticas, as pessoas são mais, as pessoas não têm essa vocação, elas não enxergam o que pode vir a acontecer no futuro. Então, mas eu tive a felicidade, estava o Jereissati, que era o dono do Iguatemi, praticamente me deu carta branca para, como presidente do CDL do Iguatemi, e consegui transformar o Iguatemi num grande centro, num grande ponto de encontro. Carlos Jereissati, em contrapartida, transformou o shopping também, quer dizer, ele investiu. Quer dizer, enquanto ele, como dono do shopping, fazendo com que o shopping se tornasse realmente um shopping atualizado, ele já estava começando a se desatualizar, quando o Alfredo Mathias passou o shopping, investiu pesado no shopping, também é um empresário de uma visão fantástica, uma visão diferente do que a minha, do ponto de vista, vamos dizer, não de marketing mas de empreendedor, e, essas duas providências que foram tomadas no shopping: reatualizar o shopping, por parte do Carlos Jereissati e ter a coragem de investir e a ousadia de fazer com que as coisas acontecessem no Iguatemi - café da manhã bem planejados com jornalistas, coisas que, todos os lançamentos de moda acontecerem no Iguatemi, fazer desfiles e levando os jornalistas de moda para dentro do Iguatemi, e dizendo, é no Iguatemi que se lança moda, porque você, no momento que você lança moda, você tá lançando ... você é o lançador! E o lançador vem na frente, e quem vem, quem chega antes, bebe água limpa, né? (risos)
P - E,
Raul, voltando só um pouquinho à Rua Augusta, quando começaram essas decorações de Natal, de fim de ano? Isso é uma coisa
recente?
R - Não, no começo dos anos 70 já existia um homem extremamente ousado na Augusta que era o Günt Tur, dono da Casa Cisne. Esse foi um grande marketeiro, ele foi o primeiro a dar, eu dei uma continuidade àquilo que ele fez e tentei dar uma condição perene para a Augusta, tentando transformá-la em boulevard, algo que pudesse entrar no ano 2000. Mas naquela época que não existia ainda o Shopping
Iguatemi, quem foi o presidente ousado do Iguatemi, da Augusta, foi o Günt Tur. Ele acarpetou a Augusta.
P - No fim do ano?
R - No fim do ano! Ele acarpetou a Augusta de cabo a rabo!
P - E os carros passavam em cima?
R - Passavam em cima! Isso é forração. Fizeram ela colorida, verde, vermelho, cor do Natal. Ele fez desfile de cachorros, de dálmatas. (risos) O Günter fez coisas muito chiques na Augusta! Lembra aquele conceito que eu tento deixar claro para vocês: as coisas acontecem quando você tem dois tipos de público: aquele que quer ser visto e aquele que quer ver. Isso tudo aliado que você, conceitualmente, é um lançador, é o inovador, porque as pessoas não gostam de ver videoteipe. O videoteipe é uma coisa cansativa. Ninguém gosta de comer comida requentada, gosta de tá, de tá, vamos dizer, na hora do lançamento.
P - Raul, quais foram as mudanças importantes, partindo já da sua explicação, que os shoppings trouxeram para o comércio, não só de roupa, mas em geral?
R - Os shoppings, eles
têm uma função cultural muito grande. Os shoppings mudam todo o conceito filosófico-cultural de uma cidade. É difícil falar isso quando nós falamos de São Paulo, porque São Paulo com seus 16, 17 milhões de habitantes, se tornou uma mega cidade, se tornou uma, talvez uma das cidades mais bem sucedidas do mundo. Nós estamos aqui, reclamando muito, mas não é verdade, São Paulo é uma beleza, São Paulo é um colosso o que aconteceu porque em poucas cidades do mundo você tem uma oferta de teatro, de museus, de cinema, e de shopping centers. No momento eu trabalho muito em cima disso, porque uma cidade, para se tornar uma cidade receptiva, uma cidade que vive em função do turismo, e São Paulo necessariamente vai ter que passar por esse processo, porque São Paulo até o fim da década de 80, ou meados da década de 80, era conhecida como uma cidade industrial, e nós nos enganamos muito, São Paulo deixou de ser uma cidade industrial, as indústrias foram embora de São Paulo. Se você vai para toda aquela região industrial de São Paulo, Mooca, Brás, tudo aquilo, que só viviam de indústrias, não tem mais indústria! As indústrias se mandaram, e com isso São Paulo se tornou uma cidade de serviços. Na medida em que ela hoje é uma cidade de serviços, ela vai ter que complementar esses serviços com uma cidade receptiva de turismo. As características de São Paulo são muito parecidas com a de Nova Iorque: é lazer, cultura, gastronomia e é compras. Ninguém vai para Nova Iorque, vocês nunca ouviram ninguém falar que vai lá porque vai querer ver museus. Todas as mulheres vão dizer: "Eu vou fazer minhas compras" e todos os homens também. Então, desse ponto de vista, os shopping centers, nesse momento para preparar São Paulo para o grande pulo da cidade, vamos dizer, a grande capital do Atlântico Sul, os shopping centers têm uma função primordial. O que eu tô falando hoje eu tô falando já me avançando um pouco no tempo. Vocês podem estar certos que mais dois, três anos, a América Latina inteira estará procurando São Paulo como o grande centro da América Latina e os shopping centers terão seu, seu
papel extremamente importante e vão fazer parte desse turismo.
P - E o que vai acontecer com o comércio de rua?
R - O comércio de rua ... é muito difícil de prever. À medida que novos shoppings vão surgindo, e à medida que
shoppings, vamos dizer, down-town centers, como são chamados, nós não temos praticamente nenhum down-town center, nós podemos considerar um down-town center o Shopping Paulista. Há um projeto para fazer um no antigo prédio da Light, mas acho que está meio parado. O centro da cidade, ele vai ser o comércio de baixa renda, o comércio de camelôs. Esse comércio de camelôs, não devemos fazer nenhuma ilusão, ele não vai desaparecer tão rápido do nosso cenário, porque você não pode afugentar aquele pessoal que está lá honestamente ganhando seu pão de cada dia que não tão conseguindo emprego nas indústrias porque São Paulo já não é mais uma cidade industrial, ah.... fazendo com que esse pessoal... morra de fome em casa e vá assaltar! Então, os camelôs no centro da cidade são um mal necessário! Como é que isso vai entrar no folclore da cidade, como é que esses camelôs vão ser reciclados. (fim da fita 012/02-A) Como é que esses camelôs vão ser reciclados, como várias favelas em São Paulo, que começaram como favelas e hoje já são até bairros classe média? Alguma coisa nesse sentido vai ter que acontecer, mas isso não é para agora, isso é lá pelo, no fim dessa década. E os shopping centers, para a geração 80 e 90, esses jovens de hoje, eles já não compram mais fora de shopping centers. Eu acho que com o decorrer do tempo nós vamos encontrar uma concorrência maior de shoppings. Shoppings vão se competir entre si, nós já temos um pequeno exemplo disso, vai ocorrer daqui a pouco no Morumbi, onde um empreendimento da La Forte vai estar do lado do Shopping Morumbi e os dois vão competir frente a frente!
Essa concorrência é boa? Eu acho péssima! Eu acho que ainda há campo suficiente para que os empreendedores de shopping se entendam e cada um fica na sua região e não vamos brigar frente a frente um com o outro. Agora, são dois empreendedores extremamente inteligentes que estão lá, o Zé Teles, dono do Morumbi, aborrecido com o que está acontecendo, e o Carlos Jereissati chegando lá. Como essa briga de dois shoppings vizinhos vai se desenrolar, isso eu não posso te dizer. Estamos nesse momento atravessando um momento novo que é a aparição dos outlets, que não são shopping centers, e que tão aparecendo num momento em que estamos saindo de uma recessão, ainda estamos numa crise, onde as pessoas estão, gostam de comprar, de procurar produtos mais baratos. Os outlets, na minha opinião, serão os maiores concorrentes com o comércio de rua. Porque o comércio de rua que já perdeu uma boa fatia de mercado para os shopping centers, mas que são, é um, é um estilo de comércio mais sofisticado, mais caro, ele tem que ser mais caro, porque ele te oferece mais conforto, ele te oferece uma coisa que é muito importante hoje em dia, segurança, ele te oferece estacionamento, ele te oferece proteção às intempéries, tanto ao calor como ao frio, então toda essa vantagem todo esse serviço que os shopping centers oferecem custa dinheiro! E que o comércio de rua não está podendo oferecer. Então o comércio de rua perdeu a clientela mais sofisticada, a clientela mais comodista, e perdeu uma boa fatia, que você já não vê mais a loja de moda jovem, loja jovem praticamente em rua. E agora os outlets vêm para atrapalhar o comércio de rua definitivamente com o comércio competitivo, com o comércio de preço baixo. Um comércio menos sofisticado. E provavelmente os camelôs de hoje, que concorrem com os outlets, porque poucos pagam impostos e vendem até boas mercadorias que você encontra em shopping, serão os futuros comerciantes das lojas, do comércio de rua do centro da cidade. Porque o comerciante estabelecido não vai poder sobreviver a essa, aos camelôs, ele vai cair fora, o preço das lojas está caindo, desabando nos últimos anos, os camelôs estão crescendo, o camelô provavelmente um dia não vai mais crescer camelô, já vai comprar uma loja, vai começar comprar loja barato, pegar aluguel barato e com isso a cidade vai se reciclar. Você sabe que isso vem do mundo animal? (risos) É exatamente igual! Na selva é assim: o bicho que não está bem é comido pelo bicho que está melhor e a mata vai se reciclando!
P - _____________. Certo
Eu queria que você falasse um pouco, Raul, daquela coisa que a gente conversou lá fora, o que aconteceu com a Jeaneration, com a Jeans Store, você falou que foi uma "franquia ao contrário", o que você fez?
R - Certo. Eu vou voltar naquele momento em que parei, que eu disse que a Levis não se adaptou à atualidade e por isso que toda uma grande parte da sua rede no, no Brasil quebrou. Eu tive a felicidade ou a visão, e essa visão ela também depende um pouco de sorte, você sabe? De poder enxergar alguma coisa que estava acontecendo. Como a Levis não quis assumir as minhas lojas e eu, todas as lojas de moda jovem eram lojas que eram da própria indústria, e eu tinha já vendido a minha marca, a Jeaneration para a São Paulo Alpargatas, para transformar a Jeans Store numa multimarca: Jeaneration, Levis e outras marcas, que aí, sim, ela poderia, dentro do conceito de loja multimarca ela poderia se expandir e encontrar um novo espaço, isso voltando à sabedoria dos velhos da Garbo, eles faziam tudo errado mas nesse ponto eles tinham razão. (risos)
Que você ficava muito vulnerável dependendo de um único fornecedor. E nesse momento, quando isso ocorreu, eu então fiz uma franquia ao inverso: eu propus exatamente isso à São Paulo Alpargatas. Eu disse: "Olha, vamos trabalhar juntos: eu tenho um nome muito forte, a Jeans Store conceitualmente é muito conhecida". Eles, não precisava nem falar muito, eles estavam, sabiam disso. "E nós deveremos desenvolver um conceito novo, que não é um conceito moda jovem, é um estilo de se vestir, é o modo de se vestir", que é o que tá ocorrendo agora nos anos 90. E que com muito sucesso já está sendo, já está sendo, já tem se desenvolvido e crescido muito nos Estados Unidos, que é a (Gap?), que hoje já chega aí a 300 lojas. Banana Republic (Gap?), são lojas conceituais, elas não são lojas ousadas do ponto de arquitetura, volta aquele conceito inicial do que a Jeans Store sempre foi. Arquitetura, ela tem que ser criativa, mas em hipótese nenhuma uma coisa extremamente ousada. Ela tem que ser aquilo que se chama, e que o jovem gosta de ver, coisas inteligentes. Não adianta você pôr bibelôs, e lustre de cristal, que o jovem não tá nem aí com isso. E hoje, conceitualmente já chega, o que é que é conforto? É um piso de madeira, você entra, você sente leveza, porque o piso de cimento é pesado, o piso de carpete é para os padres de higiene dessa nova geração, o carpete é sujo, ele
tá cheio de micróbios. (risos)
Ele não serve mais. Quer dizer, as coisas vão mudando na cabeça das pessoas! Quando a Jeans Store foi implantada, ela foi a primeira que tinha forração, foi uma das poucas lojas que colocou carpete. Naquela época, o piso das lojas era madeira, taco. E nós não aceitamos o taco, porque ele era triste, era ____________ . Se você hoje voltar às lojas, o grande piso hoje é novamente a madeira ou o taco. Porque higienicamente é muito melhor que tudo isso que apareceu aí. Mas essas coisas vão acontecer, e o que é bonito da nossa vida, as coisas vão se reciclando, e você tem que começar a entender dessas possibilidades. Por quê? Porque isso é sujo! E, então, a Alpargatas entendeu rapidamente, ela tinha um executivo que tinha uma visão, também, também é meio maluco, mais maluco, o Pérsio, ele entendeu que a grande oportunidade da Alpargatas era, de uma forma se associar à Jeans Store. E que ele ia usar o nosso know-how, nós, fomos nós que fizemos as lojas, foi a Jeans Store, o Marcus, meu filho, que também já estava sendo preparado na Jeans Store, o aventureiro, então, fomos aos Estados Unidos, estudamos qual era o melhor conceito de loja para esse momento, e fizemos essas novas lojas Jeans Store-Jeaneration, que hoje você encontra no Iguatemi, no Morumbi e no Ibirapuera e introduzimos, como a Levis não quis, a Jeaneration como a marca em substituição à Levis. Isso tudo foi, vamos dizer, uma conseqüência dos fatos que aconteceram, isso, vamos dizer, do ponto de vista, do ponto de vista empresarial foi uma experiência extremamente interessante, porque a primeira vez que uma loja faz uma franquia invertida. A São Paulo Alpargatas é a franqueada da Jeans Store. (risos) Ela usa as lojas da Jeans Store, que continuam sendo lojas da Jeans Store, a Jeans Store continua sendo uma razão social de minha propriedade, quer dizer, aí as instalações e as lojas são minhas, e eu franqueei o meu fundo de comércio, que é o intangível. E que esse é administrado pela São Paulo Alpargatas, que são os produtos dirigidos pela própria clientela que a Jeans Store construiu. Nós não tivemos uma reciclagem de clientela. Do ponto de vista, vamos dizer, mercadológico, isso é completamente, de marca, é inovador. E hoje a Alpargatas está fazendo um serviço, um trabalho, que eu não poderia fazer, porque ela como indústria pode desenvolver as lojas, o produto para as lojas, colocar o excedente em multimarcas em outras praças, pesquisar durante dois anos, como eles estão fazendo, agora vou encerrar, em fevereiro três anos de atividade e levou um ano e meio para fazer os ajustes e fazer com que a operação funcionasse. Agora, há questão de três, quatro meses atrás, é que se sente que a operação vingou. Porque o tempo de maturação de uma operação dessa é lenta.
P - Raul, essa entrada da indústria no comércio, seja através dessa franquia ao contrário, seja através dos outlets, muda o conceito tradicional do comerciante, do comércio?
R - Muda, muda. Nós vamos ter um hiato, aí, uma barrigada. O comerciante vai ter que encontrar um caminho novo. Qual será esse caminho, eu não sei. Mas posso te adiantar uma coisa: não há mais espaço para as cadeias médias. Isso, pode tirar da cabeça que vai...
P - O que é uma cadeia média, por exemplo?
R - Esse pessoal que montou cinco, seis lojas, sete lojas, dez lojas, que se diziam cadeias médias. O espaço, as lojas de departamentos sofreram muito, no fim dessa década dos 80, e encontraram um novo caminho. as lojas de departamentos, nos Estados Unidos de um ano para cá, de um ano e meio para cá estão indo muito bem! É uma satisfação você entrar numa loja grande, numa Bloomingdale, uma Maison, uma Burdgueiss, é um show! Eles conseguiram reciclar sua mercadoria, encontrar o seu caminho
e levar o seu produto para uma classe média que procura sortimento. Então, o departamento de camisas, por exemplo, de uma Burdgueiss, hoje, deve ser uma loja, hoje, no mínimo de 300, 400 m2. Você encontra dez mil camisas, 15 mil camisas! Calças, você encontra calças de 20 marcas diferentes. Então nós vamos ter dois tipos de operações no Brasil: operações para a classe média mais baixa, como tem nos Estados Unidos a Pennis e outras marcas; operações, vamos dizer, mais abrangentes, mais abrangentes não, que vão ser de um upgrade maior, para um nível maior, ah... e teremos as pequenas lojas satélites, que serão lojas especializadas. E essas lojas especializadas terão que ser muito especializadas, porque senão as lojas de departamentos vão comê-las, agora, no futuro. Uma prova disso é, não sei se vocês estão acompanhando, vão chegar mais três ou quatro agora no Brasil, vai chegar a Keymarket, que chega ano que vem em abril, que é uma cacetada no mercado, vai revolucionar muito mais o mercado que shopping centers, outlet e tudo isso. Eles são os number one em venda de roupa no mundo! Você já tem hoje uma C&A, que já está se posicionando numa classe média muito boa e que qualquer pessoa de um nível melhor pode entrar numa C&A e comprar. O departamento infantil da C&A, hoje, é um colosso! A Mesbla, procurando um caminho para se encontrar, junto a algum grupo desses grandes para encontrar o seu caminho. Lojas Americanas, é sócia da Keymarket no Brasil, também vai reciclar totalmente, tá encontrando um novo caminho. Temos o Mappin, que está com consultoria internacional direta nas suas lojas e praticamente se adaptando rapidamente a esses conceitos novos, então eu acho que o espaço para lojas menores ou são muito especializadas, com uma grife muito marcante, e aí sim, voltamos àquilo que cê me perguntou: a indústria é importante? É, porque só a indústria que é dona, é proprietária da grife. O comerciante não consegue fazer uma grife, porque se ele fizer sozinho, o custo fica muito alto. Então ele, forçosamente terá que ser dono da grife e sendo dono da grife ele é dono da indústria, e a indústria vai escoar para suas lojas especializadas, segmentando o seu produto. Esse, encontrado um mercado, essas grifes vão ter, como nós falamos, um envelhecimento, que poderá ser precoce ou eles vão ter curvas muito grandes, porque eles poderão acertar numa coleção, errar numa outra, e vão ganhar. Vai ser um negócio de risco, por isso seus preços vão ser bem maiores, porque eles são aquilo que eu expliquei no começo, uns cientistas da moda, quer dizer,
e quando você é cientista, você vende menos, custa mais e vai ter que vender mais caro. O teu risco é também de errar. E as lojas grandes vão dominar o mercado de vestuário daqui para o fim dessa década. Totalmente! Dificilmente você vai encontrar gente da classe média e média alta que não vai se vestir nas lojas novas de departamentos que virão no futuro. E, inclusive, as próprias lojas de departamentos mantêm também hoje, lógico que nós vivemos
numa economia de mercado, numa economia de mercado, a concorrência é fundamental, é a lei, a lei animal, selvagem, quer dizer, um quer comer o outro, faz parte do capitalismo, se nós não tivermos e se não fosse isso nós teríamos que ser que nem a Rússia, reserva de mercado, dá para o (Hallzinho?) lá a comercialização de jeans e fica ele e mais dois! Parentes do presidente e acabou. Hoje não, a competição é uma coisa rápida, e aquele que não se adaptar, morre.
P - Raul,
a rigor, hoje, o senhor está sem uma loja (risos),
no sentido que o senhor já teve. Qual é o seu projeto pro futuro? Ou, o senhor está satisfeito com essa situação atual? Ou já tá pensando a...
R - Eu tô muito satisfeito! Primeiro, eu estou satisfeito porque eu sou, continuo o dono do negócio.
P - Não, tô dizendo no sentido de poder administrar da forma...
R - Eu faço marketing com eles. Então eu passo a ser o decano do conselho, alguma coisa assim... (risos) E tenho reuniões periódicas, apresento aquilo que eu acho que está funcionando e está errado, só não preciso colocar a mão na massa, no dia-a-dia. Tô desenvolvendo um conceito de moda de roupa
infantil, que é o Osh Kosh BGosh, que está funcionando na Lorena. É uma loja piloto, é a primeira; não, ainda não a expandi, porque tem essa problemática de grife, indústria e comércio. Eu tenho um master franchising para distribuição mas não tenho o master franchising da industrialização. Que é um outro grupo. Então, eu estou cheirando se esse casamento é perene ou se, qual é o contrário de perene?
P - Efêmero.
R - Efêmero, ou se ele é efêmero. E montei uma coisa, um negócio, completamente novo, que é minha nova filha, é aquilo que, o negócio que eu tenho grandes esperanças e certezas no futuro, que é inovador, também, que é a Celebrity. A Celebrity é uma marca que eu registrei, que é uma, um service club. Se existe isso, eu também não sei, eu dei o nome de service club. É um clube, você é sócio da Celebrity, você está cadastrado na Celebrity, você tem todos os direitos de um sócio de um clube, só que é um clube sem sede. O clube acontece quando os sócios se encontram. Então, por exemplo, eu fiz um evento em Comandatuba, no Transamérica, fechei o Hotel Comandatuba, fretei quatro aviões e levei só os convidados do Celebrity, quer dizer, o sócio Celebrity, ele é convidado para aderir ao convite, mas ele paga um valor muito pequeno. Muito menor do que se fosse uma outra época. Só que o sócio Celebrity é um público homogêneo. Não é um público jovem, eu já não estou mais procurando jovens, é um público, sócio, a grande maioria dos sócios Celebrity é pessoas de 45 a 60, 65 anos ou 70, que tenham um espírito jovem. Quer dizer, o espírito do Celebrity, do sócio, é o cara que gosta de fazer um esporte, jogar tênis, golfe, e que esses eventos se tornam uma grande confraternização esportiva e social. O Celebrity sempre, em todos os eventos, tem happy hour, open bar, para as pessoas beber, conversar trocar idéias, dançar. Quer dizer, é um clube para as pessoas se divertirem. Quer dizer, é a mesma coisa no teu clube: tem festa? É isso, só que nós fazemos festa três, quatro dias. E ele paga um preço menor e como eu não sou agência de viagens, eu vivo em função de patrocinador. Então, eu tenho comigo nessa parceria agora o Banco Real, a Sul-América e outros panças da vida e que é justamente o público que eles procuram, porque esses sócios do Celebrity, eu fui buscar entre os associados do Harmonia, do Paulistano, do Pinheiros, do Clube de Campo, da Hípica, do São Paulo Golfe Clube. Então é um público bastante grande, Hebraica, Monte Líbano, mas ele é homogêneo, porque são pessoas que de uma forma ou de outra se conhecem ou socialmente ou de negócios, tal. É proibido falar de negócios nesses eventos. (risos) Nós já demos bola preta. Já tivemos gente que foram a eventos nossos, começaram a encasquetar com alguém, e tal, da próxima vez nós tiramos ele da lista e ele não é mais convidado.
P - E o senhor gosta de fazer esportes, junto com...
R - Eu jogo, tênis, squash. E é tudo feito de uma forma bastante solta. O torneio de tênis, nós tivemos um esse fim-de-semana, nós, eu levei 185 pessoas, fretamos um avião da American Airlines, e praticamente fechamos o Iatch Golf Hotel, no Paraguai, e ficamos lá, três dias, jogando tênis, jogando tranca, jogando golfe, bebendo. Toda a noite teve um jantar, a primeira noite foi um jantar com música paraguaia, na segunda noite foi um grande jantar dançante, na terceira noite foi um grande jantar dentro do cassino. Quer dizer, tudo isso, a função do Celebrity é divertir as pessoas. Ele, no fundo, ele tem, eu fui procurar também, pelo que eu tô sabendo é uma idéia inovadora, eu fui procurar, quer dizer, aquilo que o clube te oferece, mas que começa, quando é um clube social, começa a ser chato, depois de uma determinada ______, porque você sempre vê as mesmas caras. Agora, o sócio do Paulistano não pode freqüentar o Monte Líbano, ou a Hebraica, ou o Monte Líbano, porque cada clube tem os seus sócios! A idéia é fazer com que essas pessoas, que na verdade são muito parecidas, e eu sou do conselho do Sindiclub, que é o sindicato dos clubes esportivos, aí
comecei a sentir que nós, dirigentes de clube, temos um entrosamento muito bom! Os presidentes, os diretores de clube, nós pensamos todos iguais! O presidente do Monte Líbano pensa igual do que o presidente da Hebraica e nós trocamos, nós temos um jantar por mês, nós trocamos idéias, e nós somos muito igual! Se nós que saímos dos quadros associados pensamos igual, os nossos sócios também pensam igual, porque são igual, são homogêneos no seus interesses, nas suas coisas. E foi por isso que eu criei esse clube.
P - Raul, nós estamos já terminando, a gente precisa fazer mais duas perguntas. Uma... você quer fazer?
P - Pode ser. É, você tem algum sonho que você gostaria de realizar e qual é esse sonho?
R - Eu acho que o meu sonho no momento é o Celebrity. O Celebrity é um grande sonho, eu acho que é um negócio que ainda vai levar algum tempo até eu obter a nossa sede na Avenida Paulista, mas eu acredito que em quatro, cinco anos a gente tá lá!
P - Mas é mais trabalho ou mais lazer, o Celebrity?
R - Eu acho que tudo o que você faz com prazer, é prazer. Jogar tênis é um tipo de trabalho. (risos) Tem gente que joga profissionalmente! Eu faço o Celebrity como um hobby, eu nunca fiz, nem a Jeans Store, no começo, eu nunca fiz a Jeans Store só com uma finalidade de só ganhar dinheiro! Porque se eu tivesse feito Jeans Store apenas como meio de vida, eu provavelmente não teria tido sucesso com a Jeans Store e não vou ter sucesso agora com
o Celebrity. Eu acho que o lucro é uma decorrência de você estar fazendo bem feito aquilo que você está fazendo. Agora, o fundamental é você gostar daquilo que você está fazendo. E acreditar.
P - Certo. E agora, nossa última pergunta para terminar. O que é que você achou de ter conversado com a gente essa hora, de ter deixado registrado a tua trajetória profissional, a história da Jeans Store?
R - Eu fiquei, bom, nós estamos aqui conversando há bastante tempo, vocês tiveram o raio x da minha carreira, da minha vida. Para mim foi extremamente gratificante, porque você se eternizar dessa forma num vídeo, de ficar num arquivo para o futuro, para mim é uma grande honra. Agora, eu espero que a minha, as minhas experiências possam servir e possam ser útil aos jovens de amanhã, e que entendam uma coisa: a sensibilidade de cada um, o talento de cada um vai fazer com que nada se cria, tudo se transforma e que muitas vezes a verdade, ela está muito mais próxima, muito mais próxima de cada um do que se imagina. Por exemplo, na hora que procura-se desenvolver fórmulas mágicas e complicadas, muitas vezes você não vai conseguir chegar a lugar nenhum. Deve-se procurar, é não inventar, é reformular e recriar. Como no começo eu coloquei que o cartão de crédito não é nada mais que o fiado numa nova embalagem, o self-service não é nada mais que as antigas cantinas de fábrica, por quê? Porque hoje o self-service? O self-service
porque a população cresceu, ela trabalha na cidade, ela quer comer rápido, as empresas não têm mais cantinas, então, vão comer nesses restaurantes de fast-food. Então, as pessoas têm que ter a habilidade de poder, de com a cabecinha recriar e reciclar as coisas. Mas tudo o que é feito, já existe, e tem que se procurar sempre no baú. Eu acho que essa é a contribuição que eu gostaria de deixar e fazer com que os comerciantes do futuro procurem na história do comércio, as origens do comércio e as origens do comércio, de como o comércio começou a funcionar no velho Oriente, e as velhas teorias desse velho comércio ainda prevalecem até hoje. Muito obrigado.
P - A gente que agradece!
P - Obrigado.
R - Você sabe que todas as teorias das feiras de Bagdá, todas elas são válidas ainda hoje?Recolher