Depoimento de Leila Maria Furlan da Silva Telles
Entrevistada por Cláudia Leonor e Valéria Barbosa
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 07 de novembro de 1994
Transcrita por Carlos Alberto Torres Matos
P - Eu queria que você começasse falando seu nome completo, local e da...Continuar leitura
Depoimento de Leila Maria Furlan da Silva Telles
Entrevistada por Cláudia Leonor e Valéria Barbosa
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 07 de novembro de 1994
Transcrita por Carlos Alberto Torres Matos
P -
Eu queria que você começasse falando seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Bom, Leila Maria Furlan da Silva Telles, eu nasci em Concórdia, Santa Catarina, em 24 de outubro de 55.
P -
E o nome dos seus pais, onde eles nasceram?
R -
Meu pai se chama Osório de Henrique Furlan, ele nasceu numa cidade do interior do Rio Grande do Sul chamada Galópolis, que hoje em dia é município de Caxias do Sul. E minha mãe nasceu em Ruserna, Santa Catarina.
P -
Certo. E conta pra gente como é que foi a sua infância, como era o bairro em que você morava, a rua onde você morava?
R -
Bom, na verdade Concórdia não tinha bairro, né. Era uma cidade tão pequenininha que não dá pra identificar muito. Tinha uma rua principal e nós fomos morar, quer dizer, minha família mudou para Concórdia porque meu avô paterno fundou uma empresa que depois se tornou uma grande empresa dentro do município de Concórdia. Então meu pai mudou-se com minha mãe pra lá para trabalhar nesta empresa. Daí que nós nascemos.
P -
E o que é que você lembra da cidade assim?
R -
Ah, Concórdia era uma cidade bem de interior, né , bem de colonos de italianos, né, tem um pouco de austríacos também, mas basicamente é colônia italiana do Vêneto, né. Então uma cidade superalegre, e como tinham muitos imigrantes do Rio Grande do Sul, então tinha esses Centros de Tradições Gaúchas, chamados CTGs, que são... então todo final de semana tinha festa. Aliás, a cidade toda era uma festa, sempre foi, até hoje é, uma cidade muito alegre. E era uma delícia ser criança lá, porque não tinha bloqueio, não tinha nada e era como se fosse uma grande família, principalmente por causa da empresa. Hoje, vamos dizer que 70% da cidade depende da Sadia, naquela época era muito mais do que isso. Então isso fazia com que todo mundo se conhecesse. Então todo mundo era amigo de todo mundo, todo mundo brincava junto, não tinha essa coisa de casta social era... Até hoje as empregadas lá na minha cidade sentam na mesa pra jantar e pra almoçar. Então é uma coisa muito diferente do que é aqui em São Paulo.
P -
Que tipos de brincadeiras que vocês crianças...
R -
Tudo, desde colocar um trapézio em cima de um pinheiro; a gente ia pra um moinho da Sadia, pegava um monte de saco forrado de serragem, colocava dentro da Kombi e levava pra casa e fazia um quadrado no chão do jardim, aí punha uma escada no pinheiro e subia, mas subia alto, ia com o trapézio e tchau, tchau, de repente caia lá em baixo, estourava todo o saco de serragem e minha mãe saía furiosa. Mas tudo. A gente pescava, toureava boi. Fazia tudo, não tinha o que, ia pra fábrica da Sadia e ficava lá dentro brincando, que era uma delícia também, ia trabalhar, fazia de tudo. Era uma vida completamente com a natureza, assim supergostoso.
P -
E a escola, você estudava?
R -
Em Concórdia eu fiz só o primeiro aninho, né, que era o jardim de infância, né, que com cinco anos eu vim pra São Paulo. Mas eu tive uma vida depois muito assídua em Concórdia, porque quando chegava o primeiro dia de férias, no segundo dia ia pra Concórdia e ficava lá três meses.
P -
E ficava onde?
R -
Ficava na casa do meu Nôno, pai do meu pai. Que meu nôno continuou morando lá. Ele era uma pessoa superdivertida, superalegre, do tipo que queria que a gente saísse, queria que a gente aproveitasse a vida. Ele sempre foi um bom vivant. O oposto do meu avô materno, que era sério, trabalhador, compenetrado. Então eu ia embora, passava o Natal lá com eles e ficava lá direto. E adorava ficar lá. Isso até eles morrerem, que faz uns cinco, seis anos que eles faleceram.
P -
Ô Leila, e na Sadia tinha alguma coisa que te atraía mais, algum lugar que você gostava mais de ficar?
R -
No escritório sempre gostei de ficar, mesmo quando eu ia nas férias eu adorava ir no escritório.
P -
O que é que você fazia lá?
R -
Ah, mexia na máquina de calcular, mexia em datilografia, adorava ir na gráfica. Eu gostava de ver papel, ver documento, adorava fuçar as coisas de meu pai em casa e sempre foi assim até hoje, desde pequena eu sempre gostei de mexer com papel.
P -
Certo. Aí aos cinco anos de idade você...
R -
Nós viemos para São Paulo, dezembro de 60 nós viemos pra São Paulo. Meu pai assumiu a parte administrativa da empresa aqui. E aí nós fomos morar numa casa alugada na Rua Cardoso de Almeida, no bairro de Perdizes. E daí meu pai já comprou um terreno numa rua paralela onde já é, onde tem a Guizardi ali no Pacaembu. E até hoje tem a nossa casa lá. Ele construiu a casa e eu morei lá até casar.
P -
E qual foi o impacto, assim, da mudança, de sair do Sul e vir pra São Paulo?
R - Foi muito difícil, pra mim foi dificílimo, que eu tinha toda liberdade em Concórdia. Eu com cinco ia sozinha pra escola, e a escola era umas 20 quadras da minha casa. Eu tinha que atravessar a cidade, 20 quadras era isso. Mas era totalmente a liberdade, não tinha nada, não tinha perigo de nada, né. Se eu quebrasse a perna na rua o dono do bar era amigo do meu pai, então não tinha. E aqui em São Paulo não. Apesar que eu devia morar numa casa que tinha um jardim grandão e tudo, mas a única coisa que a gente achava o máximo era que tinha televisão. Era única coisa que eu e minha mãe podia falar "olha isso é melhor", porque o resto... E depois que meus irmãos vieram morar em casa, porque naquela época que a gente morava em Concórdia, os meus irmãos, os três mais velhos, eram internos, porque não existia, em Concórdia só tinha até o primário. A partir do primário, então minha irmã com sete, oito anos foi estudar em Porto Alegre e meus irmãos estudavam aqui em São Paulo no Arquidiocesano. Então, em São Paulo foi pela primeira vez que a família se reuniu toda aqui e moramos juntos, né. Tinha o lado bom e tinha o lado ruim também.
P -
E aí você foi estudar onde aqui em São Paulo?
R - Quando eu vim pra cá eu fui estudar no Santa Marcelina na Cardoso de Almeida, também lá em baixo, né. E fiquei no Santa Marcelina uns quatro anos e depois eu fui estudar no Colégio Notre Dame, no Sumaré. Fiquei lá até o segundo ano ginasial, depois eu fui pro Rio Branco, fiz o ginásio no Rio Branco, terminei o ginásio, aí eu fui fazer, eu já não queria mais fazer clássico, nem científico. Eu já queria fazer alguma coisa que me desse algum tipo de profissionalismo, que eu pudesse fazer alguma coisa. Eu já tinha feito curso de datilografia, alguns cursinhos assim meio bobos sobre secretariado e tal. Daí eu fui fazer secretariado no Dante Alighieri e fiz os três anos. Aí, com diploma com tudo de secretária, né?
P -
Era um curso técnico?
R -
Curso técnico que equivalia a um normal, ou clássico, científico na época, né. Não era como é hoje. Daí eu prestei vestibular pra PUC, que eu queria fazer arqueologia.
P - Arqueologia?
R - Eu tinha o sonho de ser arqueóloga, mas era sonho mesmo, né. Porque inclusive aqui no Brasil não tinha muito campo, mas eu fui pesquisar, eu fui atrás. Aí na época existia o campo da geologia, não da arqueologia. Aí eu desisti, ficou só nos sonhos mesmos. Daí eu parti pra administração e, mas eu descobri que era aquilo que eu queria mesmo. Não fiquei infeliz, frustrada.
P -
E,
como é que você, você começou a trabalhar nessa época, como é que...
R -
Bom, na nossa família, como a Bruck, essa empresa da onde nasceu a Bacco's, vamos dizer assim, a empresa mãe. Nós... funcionava da seguinte maneira. Os meus dois irmãos trabalhavam com meu pai na Sadia, mas o meu irmão mais velho era meio rebelde, ele não gostava muito de obedecer, ele gostava mais era de mandar. E esse Frederico Bruck, que foi o dono dessa empresa, ele tinha o escritório no sexto andar do prédio da Sadia, que a Sadia sublocava algumas salas. E todos os dias ele descia com meu pai no elevador e falava: "É doutor Osório, eu não tenho descendentes no Brasil. Eu tenho uma empresa superconceituada, tenho uma boa clientela, mas eu não tenho pra quem deixar. O senhor não gostaria ai?" "Mas os meus não entendem nada de bebidas, eles nunca, o único vinho que a gente toma é o que vem da colônia", que meu tio fazia em Santa Catarina. E aí chegaram num acordo de tal modo que o doutor Frederico ficou durante um ano treinando meus irmãos. Os dois saíram da Sadia, mesmo esse que hoje está na Sadia de volta, esses dois. E durante um ano ele ficou treinando e depois de um ano, eles fizeram mais ou menos um contrato de venda futura. Se durante esse um ano o doutor Frederico achasse que meus irmãos tinham aptidão, então seria efetivada a venda. E o próprio banqueiro que fez esse, que financiou, porque meu pai não tinha dinheiro pra comprar a empresa, quem arranjou foi o doutor Frederico. É vivo até hoje esse banqueiro, não me lembro o nome. E daí meus irmãos saíram e foram pra Bruck. Só que daí era assim, toda família tem que ajudar. Então final de ano tinha cesta de Natal, né. E a minha mãe e os funcionários, naquela época não tinha cheque cardápio, não tinha nada disso, então a minha mãe que fazia sanduíche de monte, comprava caixas e caixas de caçulinha, guaraná caçula, e a gente era copeira, eu e minhas irmãs, então a gente ia, a gente montava umas tabuonas assim, mamãe colocava aquela cestona, a gente já fazia os sanduíches em casa, ajudava a mamãe a fazer, que era pra dar comida para os funcionários. Porque às vezes eles varavam a noite trabalhando, então a gente fazia o lanche do almoço e tipo sete horas da noite a gente jantava, que a gente sempre jantou seis horas em casa, seis e meia, a gente pegava aqueles cestões enormes e levava pra Paula Souza. E daí eu começava selar garrafa. Naquela época todas as caixas eram de madeira, qualquer bebida era de madeira, não existia caixa de papelão, então a gente tinha que abrir as caixas com pé-de-cabra, eu achava o máximo fazer isso. E "cré". Eu fazia a maior farra. E aí começou, a gente ajudava, ia sempre ajudar. Não tinha, meu pai nunca deixou a gente sem fazer nada. Se não estava em Santa Catarina, estava aqui em São Paulo, que naquela época meio morta, final de novembro, a gente entrava em férias, tipo dia 20, até dá o Natal a gente ficava no batente. Não tinha, datilografava envelope, fazia, ficava fazendo, alguma coisa fazia. Não tinha o que não fazer. Ficava levando correspondência de uma sala pra outra, ia no mimeógrafo, naquela época não tinha fax, né, então tinha que fazer aquelas cópias todas. A gente adorava fazer isso. Cuidava do almoxarifado, dava baixa em ficha de estoque. Sempre alguma coisa a gente fazia.
P -
Isso era na Bruck?
R -
Na Bruck.
P -
Tinha algum lugar da Bruck que você gostava mais de ficar, ou algum tipo de serviço?
R -
Ah, eu gostava mais de ficar no almoxarifado.
P -
Por quê?
R -
Porque mexia com controle, entrada e saída de coisas, quer dizer, eu sempre gostei da parte de controle. Até hoje eu cuido na Bacco's, essa parte de estoque, toda a parte de informática é eu que toco. Então, eu gostava daqueles armários organizados. Aquele monte de caneta, aquele monte de papel. Aí tinha um armário fechado que eram todos os brindes que as empresas estrangeiras mandavam, então, cinzeiro do __________________, sei lá, abridor de garrafa do outro. E meu irmão guardava aquilo a sete chaves. Então era o máximo quando ele ia pegar alguma coisa, eu ia lá, entrava, ficava extasiada. Nem tinha utilidade pra nada, porque eu não fumava, não bebia, então, mas eu achava bárbaro ver aquele monte de coisas estrangeiras, né. Eu achava uma delícia ir poder ficar no depósito, principalmente quando vinha a partida de chocolate, tinha aquele cheiro de chocolate do papelão. Porque o papelão suíço, a caixa de chocolate suíço tem um cheiro completamente diferente de qualquer outro cheiro que eu conheça. Eu achava bárbaro, e quando estava descarregando os conteiners, não era nem conteiners, não existiam conteiners também, mas eram os pallets, adorava ficar na porta controlando a mercadoria, pra ver se ninguém roubava. Eu ficava lá de fiscal. Isso já com 12, 13 anos.
P -
O almoxarifado era na Paula de Souza?
R -
Era na Paula Souza, era na Bruck, nessa época não existia Bacco's ainda, era só atacado, mas a Bruck tinha mais de 100 representações, tipo todas essas marcas famosas que hoje são as multinacionais que detêm, naquela época nós tínhamos.
P -
E você lembra pra quem a Bruck fornecia?
R -
Olha, a Bruck fornecia para o Brasil inteiro. Tínhamos mais de 30 representantes no Brasil. Naquela época não existia os supermercadistas, não trabalhavam com bebidas importadas, né. Então era assim, era venda direta pra restaurante, já, ia direto, né, que eram os grandes consumidores, e daí a Bruck tinha, por exemplo, um representante em Blumenau que tinha uma pequena empresa de representação em Blumenau. Então ele fazia a distribuição para o litoral catarinense. Aí tinha outro no Rio Grande do Sul, alguns supermercados tinham seções já, né, de importados. Mas isso foi mais na década de 70, que começou foi o Eldorado, o Carrefour que começaram. Principalmente o Eldorado que começou a setorizar mais o importado. Mas naquela época tinham produtos que não tinham similar nacional, nem vinho nacional engarrafado realmente, uísque não tinha nada nacionalizado, não tinha nada. O uísque que tinha naquela época era Old Eight, Drury's e acabou, né. Hoje tem os outros que têm matéria-prima importada, naquela época não tinha nada. Mais hotéis, a Bruck distribuía o Brasil inteiro.
P -
E como que era o bairro? Era aqui na Luz, na Paula de Souza? Como era o bairro?
R -
É, Paula Souza que chama.
P -
Paula de Souza.
R -
Não Paula de Souza, não, Paula Souza não tem o "de".
P -
Paula Souza
R -
É.
P -
Como é que era o bairro?
R -
Ah, o bairro, é de 90% do pessoal que está alí, a Bruck está até um pouco fora, porque ali
na Paula Souza só tinha a Casa Ricardo, a Escócia, né, depois e a Bruck. Os outros todos atacadistas estavam mais pra baixo na Santa Rosa, na zona cerealista, né, que mistura um pouco. Tem o F. Monteiro, mas já está um pouco mais pra baixo na Rua da Cantareira. Mas a Paula Souza ali era mais, era mais grãos também, tinha muita gente ali que vendia grão. Mas era. Você ia passando e o caminhão descarregando:
"Ô loirinha" e tal. A coisa mais engraçada. Que eu parava o carro na Sadia, que a Sadia tem garagem, e ia a pé pra Bruck. Eu conhecia todo mundo, todos negão que descarregava: "Oi, tudo bem?!" e ia embora, conversava com os caras. Até hoje, quando eu passo lá eu conheço um monte de gente. É um barato. Isso eu fiquei anos trabalhando lá, muito tempo. Mas era uma região assim, pra quem não conhecesse assustava, né, porque era outra freqüência, completamente diferente, né, como é até hoje.
P -
E você trabalhou ali na Paula Souza até quando mais ou menos?
R -
Na Paula Souza, eu trabalhava na Paula Souza e trabalhava na Bacco's também quando a Bacco's foi fundada em 68, né. Porque na Bacco's a gente ficava mais em final de ano, e na Paula Souza eu comecei a trabalhar efetivamente com uns 15 anos, já como secretária de um gerente administrativo, e aí eu secretariava esse doutor Francisco Carlini que chamava, mas ao mesmo tempo eu fazia estágio em outros departamentos. Então eu fui para o departamento de seguros, que na verdade não tinha, eu montei o departamento de seguros. Depois, porque o seguro da Bruck fazia o seguro, mas não recebia as avarias, então a gente começou a fazer um levantamento e tal, catalogar tudo, receber os atrasados. Eu adorava fazer, fazer tipo relatório mensal do que eu tinha recebido, quanto eu tinha dado de lucro pra empresa. Eu achava o máximo fazer isso. Depois eu fui pro departamento pessoal, fui pra contabilidade, fui pra secretaria de vendas, fui por todos, fui indo embora, até isso já quando eu fazia secretariado, né, com uns 15 anos. Então eu já executava aquilo que eu aprendia, modernizava alguma coisa, a parte de impressos eu mudei um monte de coisas na Bruck, por isso que eu gostava de ir para o almoxarifado, porque daí eu fazia o impresso, passava ele no estêncil e rodava ele no mimeógrafo. Então, fazia tudo, já entregava para as pessoas. Então eu gostava de ver a coisa andar assim até o final pra terminar. Tinha medo que alguém não fizesse o que eu tinha bolado, então já ia direto.
P -
Ah, tinha alguma resistência, que você tinha 15, 16 anos, tinha alguma resistência do pessoal que estava lá já?
R - Olha, eu nunca tive problemas, fui ter problemas mais tarde, depois. Mas com o pessoal dentro, não, que esse gerente que foi o meu, que eu era subordinada, se eu chegasse, meu horário era das duas às seis. Se eu chegasse às 2:10 eu saia às 6:10. Podia fechar o escritório e ficava lá. Então ele não me dava moleza, não. E eu chorava. Mas ele, ele me ensinou muito, disciplina de horário, tudo, ele me dava uma tarefa. Mas eu nunca peguei num nanquim na minha vida, eu não sei nem como fazer, ele queria que eu fizesse o estêncil com algumas coisas, eu não tinha noção do que era fazer aquilo. "Sempre tem a primeira vez, tem que aprender", ele falava. E eu aprendi, e foi ótimo. Foi uma baita de uma escola. Porque meu pai era muito mais difícil do que ele trabalhar. Apesar de meu pai não ficava Bruck, ele passava no final de expediente na Bruck, tipo seis horas assim ele passava na Bruck na hora que ele saía da Sadia, ou ia na hora de almoço. Mas o meu pai, se fosse trabalhar com ele, ele tem o gênio muito forte, mas eu não ia aprender tanto como se eu tivesse, como eu trabalhei com os outros. Eu sempre fui de almoçar com o pessoal, com o motorista do armazém, eu não ligava muito assim, então, conheci a família toda, então o porteiro. Quando o porteiro da Bruck morreu, já tinha uns 80 anos, a família toda mandou me chamar que ele queria que eu ficasse no lugar de uns netos no velório. Sempre me dei muito bem com as pessoas, até hoje me dou muito melhor com as pessoas mais humildes do que com as mais, mais. Então nunca tive problemas, nada. Mesmo na Paula Souza que é um reduto. Hoje em dia tem mulheres, na época não tinha. Ainda mais assim, né, almejando um cargo executivo, aí é que não tinha mesmo. Isso até hoje eu não tenho também, mas não tive não, fui ter mais tarde, mas nessa época não.
P -
Certo. O Leila e como é que surgiu a Bacco's, ela surgiu em função de uma necessidade, como é que foi isso?
R -
Bom a Bacco's na verdade, a Bruck tinha muita representação, só que ela não tinha um lugar decente pra expor. Porque Paula Souza ninguém vai ver o vinho na Paula Souza. Paula Souza está fora de mão, né. Quase tão ruim quanto vir aqui. E daí... (risos)
P -
Era atacado na...
R -
Era atacado
P
- Só atacado?
R - Só atacado. Mas a Bruck, o que ela tinha, o tesouro dela, por exemplo, ela representava o ____________ , Vat 69, ____________ ela tinha uma gama de produtos que ela tinha representação exclusiva pelo Brasil, que só entrava no Brasil através da Bruck. Então o que é que acontece: precisava de um show-room, naquela época começou-se a moda do show-room, começou em 65, 70, antes ninguém tinha isso, né, era uma coisa que veio dos Estados Unidos, né. Então foi montado a Bacco's. Ela só se tornou empresa porque nós tínhamos tanta representação na Bruck, que, pra gente conseguir outras similares, por exemplo, a Bruck tinha o Vat 69; por um lobby que existe na Escócia, uma mesma empresa aqui no Brasil, e em qualquer lugar do mundo, não pode trabalhar com duas marcas de uísque concorrente, e o Vat era concorrente da _____________. Então a gente tendo uma outra empresa importadora, a gente poderia ter a representação da ______________, por intermédio dessa outra empresa. Foi o que a gente fez. Então, mais basicamente foi pra isso, era pra poder jogar algumas representações, por exemplo, Casa de Vinhos de Borgonha conflitantes, então a Bruck tinha e a Bacco's também. Só que quem distribuía, quem fazia tudo era a Bruck, que tinha importação. A Bacco's não administrava isso, ela dava, simplesmente emprestava o nome. E daí foi feito esse show-room que era, que expunha os produtos da Bruck e vendia, né. Porque no começo, quando começou a se ter idéia, começou a ter idéia de ter só o show-room, mas a gente achou que o show-room só, eu não, quer dizer, na época eu era muito pequena, mas acharam que só o show-room não ia ser tanto atrativo assim, então se montou uma loja. Então, a gente importava queijos da Suíça, emmental, inclusive a gente revendia para outras pessoas por atacado. E aí a Bacco's começou a montar uma clientela grande. E aí foi evoluindo de 68 até 75 a Bacco's ficou administrada pelo meu irmão na Bruck. Só que não era o mettier dele. O negócio dele era atacado de importação, não queria ficar na loja, não queria trabalhar final de semana, e ficou com meu outro irmão, com o Luís, também. E esse também continuou. Só que foi uma coisa que foi assim, todo o varejo ele tem que ser cuidado pelo dono. Cuidado que digo é desde você ver se o funcionário está com a unha limpa, até ver se não tem ninguém roubando dentro da empresa. Se você não faz isso a qualidade cai, e foi o que começou a acontecer. Nós tínhamos até um sócio nesta época, um italiano, que ficava muito tempo na Bacco's, mas ele tinha a verve comercial, não tinha o lado administrativo de cuidar, de utilizar custo, nada disso. Então não tinha controle e aquilo foi, durante um certo tempo, foi, vamos supor, subvencionado pela Bruck, porque valia a pena. Só que depois começou a dar um prejuízo tal que não valia mais a pena. Ou vendia, ou alguém tomava conta, daí que eu entrei. Já, já tinha uma experiência de ficar todo ano na Bacco's, final de ano e tudo mais. E aí em 78, aí eu peguei realmente a gerência financeira, a gerência administrativa e comecei a organizar. Então, quatro anos depois a gente fechou uma loja pra poder montar uma estrutura. Que a loja estava tão bichada, vamos dizer assim, que não tinha como, como acertar a loja.
P -
Aonde funcionava essa loja?
R - Essa loja era na Cidade Jardim. Tinha uma clientela espetacular, só que ela tinha, desde, ela não tinha estacionamento, ela estava no térreo de um prédio caindo aos pedaços, então tinha infiltração na coluna, vazava no chão. Você chegava um dia de manhã na loja, numa segunda-feira na loja, a loja estava alagada, tinha que jogar tudo fora. Aí você mandava arrumar o piso. Agora, você não podia pagar a coluna de um prédio de 22 andares, sabe.
P -
Qual que era o tipo de clientela, você falou que era maravilhosa, qual era?
R -
Sempre. Até hoje eu tenho clientes de lá, principalmente agora na loja do Iguatemi. Basicamente uma clientela, com todos eu falo os parentes do meu marido, todos os quatrocentões e gourmets em geral, pessoas que, que gostam de comer bem e se preocupam com qualidade, se preocupam com origem de qualidade, com manuseio de alimentos. A Bacco's sempre teve um cuidado muito grande em, em não era só fatiar o presunto, a gente limpa o presunto, fatia, hoje em dia a gente tem, quer dizer, são dois pedaços de presunto uma folha de celofane, pra você tirar a fatia, sair inteira, quer dizer, existe muito esse cuidado no manuseio dos produtos. Então, as pessoas que eram uma elite, hoje em dia não é tanto uma elite. Hoje em dia o brasileiro já aprendeu a comer bem, já aprendeu a distinguir que o barato às vezes sai caro, então não vale a pena. Mas eu tenho senhoras hoje de 80 anos que são clientes nossa. A própria vó do meu marido, que tem 100 anos, é cliente da Bacco's há 20. Então, o perfil nosso de clientela é classe A.
P -
Tem alguma região, tipo assim ali, estava na Cidade Jardim, ali, né, vinha de outras regiões ou...
R - Bom, a gente tinha clientela em São Paulo inteiro, porque a Bacco's como loja, por exemplo, o supermercado. Na época, quem tinha? Tinha Santa Luzia, que você era atendido tipo supermercado, ou balcão. A Bacco's nunca teve balcão e nunca foi supermercado ela, sempre o gerente teve fora de algum balcão, sempre teve atendendo alguém. Nunca teve check-out. Então é uma coisa interessante, que é como se você tivesse recebendo na sua própria casa. É como se eu entrasse numa loja de roupas, não tem balcão. Tem o balcãozinho lá do caixa e tal, mas você é atendido no meio da loja por alguém. E a Bacco's sempre teve essa conotação, ela ter vendedores voltados pra atendimento aos cliente. Mesmo agora ela está informatizada, a Vilaboim, inclusive, já tem inclusive o código de barra, leitura ótica, nosso ênfase é sempre, se você chegar na loja, sempre tem alguém acessando o cliente, se ele não quiser, você deixa ele à vontade. Você não fica seguindo, que nem um rato, que isso é muito desagradável. Agora, se você, você tem que ter sempre alguém disponível pra atender,
pra esclarecer dúvidas. Que é uma raridade, que eu acho que é o futuro, o atendimento. O bom atendimento tem que, cada vez mais, tem que aprimorar. E tem que se usar os recursos tecnológicos de computação pra aprimorar isso. Que o varejo sempre vai ser uma coisa pessoal, jamais vai ser uma coisa mecânica, impossível.
P -
Vocês fazem algum tipo de treinamento pros funcionários?
R -
Normalmente, quem nós, bom, hoje nós já estamos num nível que não precisa mais de treinamento, porque na própria entrevista com o funcionário a gente já dá, a gente já percebe se a pessoa, então pra contratar alguém, a gente entrevista 30, 40. E se a gente acha que é um perfil que deixa, que está aquém do que a gente precisa, a gente procura, vamos supor, se o currículo dele for bom, a gente procura treiná-lo, né, dentro do período de experiência de 90 dias você sabe se emplaca ou não emplaca, né. Tem gratas surpresas e terríveis decepções. Aí vai da sorte, não adianta, não tem muita escolha, mas a gente está sempre muito atento ao funcionário novo. O funcionário entra, desde o momento que ele atende o telefone, pega uma, a gente pergunta muito para o cliente que é que eles acham que está faltando na loja, o que é que não está. Se o gerente foi, foi... a gente sempre, nós três, as três irmãs, somos três irmãs, a gente sempre se preocupou muito em deixar a porta aberta. O cliente vem reclamar, não arrumar desculpa pro erro que aconteceu: "Não, aconteceu isso." "Está bom, eu vou verificar o que que foi." Chama um, chama outro, até chegar no que aconteceu. Que a tendência são as pessoas antes de saber o que aconteceu se desculpar pelo funcionário. Agora, você tem que ver o que que é primeiro e depois muitas vezes fazer as pazes do funcionário com a cliente. Que acontece na loja. Que nem na Bacco's, a cliente fica brava com o funcionário: "Nunca mais eu volto aqui." Depois de um mês ela entra devagarinho na loja, não cumprimento ninguém, na outra semana ela já viu que ninguém olhou pra ela, aí ela já dá um oi pro caixa, e aí volta. É que nem briga de irmão, sabe, é igualzinho, é a coisa mais engraçada. E a gente tem um envolvimento, eu tenho grandes amigas hoje que são clientes minhas, meus filhos são amigos de clientes, de filhos de clientes. Então, envolve muito, porque o padrão de pessoas que freqüentam é muito parecido com o nosso, então, das mesmas escolas, o mesmo restaurante, né, é uma coisa. Então você fica e as pessoas confiam muito na gente, e o fato da gente ficar na loja dá uma confiabilidade daquilo que a gente está vendendo muito grande, que muitas vezes a pessoa pergunta assim: "O que é que você serviu de jantar?" Às vezes tem cliente que fica escutando assim você comentar com a outra que fez um jantar na sua casa que foi um sucesso, então ela vem: "Ai, você desculpa, mas você pode dizer o que foi que você serviu no jantar?", porque é um parâmetro ideal, sabe, é uma coisa que: "Bom, se ela serviu é porque é confiável, né, ela não vai servir uma porcaria na casa dela." E nem sempre o que a gente serve é o caro, que a pessoa vai achar: "Ah não, está falando porque é caro." Não, olha, você pegar esse tomatinho seco, misturar com uma ricota, fizer um assim vai ser o máximo e vai gastar pouquíssimo, aí a pessoa vai achar bárbaro, claro. E a gente se sente superfeliz que a pessoa fica superfeliz. E com isso você está alimentando uma relação de confiança.
P -
Acontece muito das clientes pedirem receitas?
R -
Nossa, isso é demais! Por exemplo, nós temos dois perfis de lojas, a loja do Shopping Iguatemi, que é uma loja nova, tem dois anos e meio, vamos dizer, da clientela 10% tem um giro constante, os outros 90, você pega o cadastro do Iguatemi por exemplo, tem gente do Rio Grande do Norte, tem gente do Rio Grande do Sul, tem eclética, todos os tipos de colônia, né, japonesa, chinesa, coreana, o que for. Na Vilaboim, 90% da clientela é aquele que vem no mínimo duas vezes por semana porque é o europeu que compra 200 gramas de presunto. Não compra de quilo, é diferente o perfil. Vai com o pãozinho debaixo do braço pra casa, encomenda o pão até que ele quer no dia seguinte: "Ó, às quatro horas eu venho buscar o pão italiano, não vende." Então o vendedor já separa. Então, essa da Vilaboim, principalmente, é uma que as pessoas, que a, você encontra num restaurante romano, você encontra na praça no domingo, você vai na Faap com as crianças andar de bicicleta, ele está lá com os filhos, ele ou ela.
Então isso e aí você conversa muito mais numa loja que nem dessa. Então a gente tem lá um, dependendo do tipo, eu sou muito boa por exemplo pra entrada, pra aperitivo eu sou ótima. Então eu tenho um monte de idéia. Sou uma negação na cozinha em geral. Compensação, minha irmã mais velha, a Diva, ela arrasa. Então dá um monte de receitas de macarrão é com ela. Então às vezes eu estou, a gente tem _____ entre as lojas, eu estou na Vilaboim, tem alguma cliente que quer uma receita pra macarrão, eu toco ___ pro Iguatemi, a Diva atende eu falo: "Diva, o cliente quer isso, isso, isso." A Diva pega no telefone: "Olha, você pega, você compra o óleo tal, pega não sei o que, pega a cebolinha, pica", e fica no telefone horas, e a cliente anotando que nem uma louca. E como elas também dão. Outro dia eu estava dando uma receita de salmão para uma cliente e ela me ensinou a fazer um macarrão com salmão que ficou também bárbaro. Também tem essa troca de informação, a pessoa confia muito, eu vou servir tal comida de entrada, vou servir tal prato de primeiro prato, segundo prato, que vinho eu sirvo? Eu quero servir um só, que é que dá pra servir? É melhor não dar o jantar um só não vai dar certo. Então aí você vai, né, monta a mesa da pessoa, casamento, a gente faz muita festa no França, então ele consulta a gente bastante também. Tem um serviço de consultoria aí meio espontânea o negócio.
P -
Que bárbaro. O Leila, essa loja da Cidade Jardim ela fechou em que ano mais ou menos?
R -
Ela fechou em 84. Aí foi até por um problema pessoal meu. Eu tive dois filhos seguidos, em dois anos, dois anos e meio, (fim da fita 045/01-A) e quando eu estava no final da gravidez do meu segundo, a minha filha ficou, teve um problema sério, teve que ser operada e eu tive um desgaste psicológico muito grande. Que, na primeira gravidez eu com cinco, seis dias já estava trabalhando, tinha feito cesariana. Aí na segunda, eu já estava debilitada da primeira e com o histórico que eu tive durante a gravidez do meu segundo, eu saí dessa gravidez realmente com uma reserva de forças muito reduzidas. Aí o meu filho nasceu em agosto, eu passei, virei o Natal, fiz catálogo, fiz cesta, fizemos tudo. Aí, quando chegou, isso foi em 84, foi de 84 pra 85, em dezembro de 84 nós resolvemos vender e vendemos, 84 mesmo. Terminou o Natal nós entregamos a loja em janeiro de 85, que daí nós fizemos essa franquia que iria até 89, nós conseguimos tirar só em 92.
P -
Você falou com a gente, quando eu fui lá na loja, que a franquia nesse ramo de alimentação não dá muito certo?
R - Não.
P - Por quê?
R -
Franquia na minha opinião,
franquia, eu já pesquisei várias inclusive a gente tem muita oferta de pessoas que querem montar franquias da Bacco's no Brasil inteiro. Firmas especializadas em gerenciar franquias já nos procuraram várias vezes. Mas o que acontece é que a franquia pra mim acho que dá certo, eu acredito que dê certo a franquia, no momento que você tenha um produto exclusivo. Então se você tem lá o McDonalds, ele é um McDonalds e está acabado. Você não pode colocar um hambúrguer da Sadia, porque não vai dar entendeu, tem de ser do McDonalds. Boticário, ele só revende produto do Boticário, e assim por diante. Algumas até dão uma certa flexibilidade. Por exemplo, uma franquia que faz um contrato com a Brahma, você não vai tomar Coca-Cola lá, você vai ter que engolir a Pepsi. Não tem jeito. O nosso supermercado não tem jeito, primeiro que ele é superdinâmico, os produtos entram e saem do Brasil, eles podem emplacar, eles permanecem, senão você tem um produto durante um ano, no ano seguinte você não tem mais. Não sei se você lembra na época da cerveja há quatro, cinco anos atrás, na época do cruzado, seis anos, sete, entrou cerveja no Brasil que nem na Europa se conhecia tantas marcas de cerveja. Agora dessas daí deve ter sobrado umas 15, 20, nas mais 200 que entraram. Depois nós temos 85%, 80% do uísque que entra no Brasil, ele entra por baixo dos panos. Não é nem via free-shop, entra pelo Paraguai mesmo. Então você compra hoje do Paraguai, você paga 10 dólares no uísque e oficialmente você paga 20. Como é que você consegue controlar? Selo, tem falsificação de selo de monte, porque é obrigatório um selo de controle da receita federal em cada uísque que se eu importar 10, 20 caixas, 30, caixas, 100 caixas de uísque, se eu importar 100 caixas de uísque, eu importadora, eu recebo 1.200 selos, nem um a mais um a menos. Se eu rasgar um eu tenho que mandar este rasgado pra receita federal pra eles me mandarem o selo de volta e eu tenho que pagar o selo novo. Então, por exemplo, tem muita gente que consegue mandar imprimir selo fajuto, então o que que acontece, o cara pode comprar do contrabando, colocar o selo lá e colocar numa prateleira numa loja Bacco's, e se o uísque, além de ser contrabandeado, porque corre o risco de fazerem escândalo se descobrirem, for fajuto? Quer dizer, for iôdo, aí, pior ainda. Nós tivemos duas denúncias desse tipo de dois clientes. E aí, a gente quis rescindir o contrato antes, mandamos uma carta pedindo a rescisão do contrato e não era renovado, renovável, ele não poderia ser prorrogado. No entanto, o que era o franquiado entre aspas, resolveu registrar o nome, fez um escândalo danado. Demorou muito, foi até ao Supremo a conversa, mas nós ganhamos todas as instâncias, ele foi recorrendo e nós, um monte de advogados, deu uma dor de cabeça grande, e gastamos muito também pra conseguir.
P -
E nessa época já tinha a loja da Vilaboim?
R -
Já tinha a loja na Vilaboim. Claro que quando nós vendemos a Bacco's da Cidade Jardim já existia a loja da Vilaboim. E a Vilaboim era uma loja muito mais lucrativa que a da Cidade Jardim em função do local, do espaço dela físico, ela é uma loja nova, num prédio novo, tudo funcionava bem. E a Cidade Jardim estava na descendente, principalmente o problema de estacionamento, um monte de coisas, que era um local já ultrapassado, né, não era um local nobre mais. Enfim, foi isso.
P -
E aí, a terceira loja que vocês abriram foi aonde?
R -
É, aí não, nós ficamos com as duas lojas, nós abrimos aí então o Iguatemi, nós tínhamos alugado, em 90, 91, nós alugamos uma casa na Rua Sergipe, Higienópolis, pra fazer a Bacco's dois, porque a Bacco's da Vilaboim era muito pequena pro bairro, então a gente achou, a gente queria uma loja maior, mais espaçosa. Então a gente pensou em ficar com as duas lojas, quando a gente já estava com essa casa, então eu ia transferir o escritório da Paula Souza, que a matriz era aqui na cidade, pra Rua Sergipe. Como tem três andares eu ficaria com o subsolo de depósito, térreo pra vendas e o primeiro andar para
o escritório. O que é que aconteceu, já no meio da reforma, já com os dutos de ar condicionado, com
dutos de saída de esgoto, a loja pronta, de geladeira, e o Iguatemi nos chamou, oferecendo um ponto, que é uma raridade. Normalmente o Shopping Iguatemi, hoje nem tanto, mas naquela época você ficava na fila anos pra conseguir uma loja, né. E aí nos chamou e nos ofereceu uma loja de 200 metros quadrados, fora área de depósito. E aí primeiro a gente não tinha estrutura nem cacife pra bancar as duas lojas. Então nós optamos por paralisar, assumir o prejuízo da Sergipe, do que já tinha investido, muita coisa a gente remanejou, né, geladeiras, freezers, PDV, a parte toda informatizada deu pra remanejar, mas nós assumimos o prejuízo e montamos a loja no Iguatemi. E aí eu mudei, nós mudamos a matriz de qualquer maneira pra Rua Sergipe e ficamos com a parte de montagem de cesta no térreo. Só que daí era uma loja, era um ponto muito caro pra ser só escritório. Então, nós resolvemos desenvolver uma outra atividade fora, quer dizer, relacionada com a Bacco's, porém fora do que a Bacco's sempre comercializou. Porque o Iguatemi, logo no primeiro ano ele começou uma linha de utensílios de casa, de tanto que os clientes pediam. Cortador de alguma coisa, destrinchador de não sei o que, coisas que, o abridor de lata: "Ah, essa geléia francesa é bárbara, mas a gente não consegue abrir a tampa." Então: "Ah, eu conheço um importador do Rio de Janeiro que traz um negócio, isso que é bárbaro, então coloca lá, um saca-rolha... todo mundo pedia. Então a gente começou a abrir um pouquinho, e aí começou o negócio crescer, e a gente pensou em montar uma loja lá. E o pessoal da Vilaboim, os clientes da Vilaboim têm muito ciúmes da loja do Iguatemi tem, é maior, está mais bonita, agora nós reformamos toda Vilaboim, a Vilaboim ficou linda. Mas até então tinha um ciúme danado, como se, sabe, você tivesse dois filhos e tivesse dando bola mais pra um e o outro fica magoado, né, é muito engraçado: "Pô, lá vocês têm máquina, panela de macarrão, vocês têm isso, têm aquilo, aqui não tem nada." "Mas aqui nós não temos espaço", Vilaboim tem 110 metros, 120. E aí surgiu a idéia, o ano passado em janeiro, da gente fazer alguma coisa nesse tipo. Então em 93, dois de abril a gente inaugurou a Bacco's Store que era pra ser assim uma loja assim que tivesse de 300 a 400 tipos de produtos. Na verdade ela passou de 2.000 já de variedades, quer dizer, todos os tipos de abridores, todos os tipos de desencaroçador, de cortador, e aí vem a parte, aí começa até a gente chegar até no porta-retrato, tem tapetinho de cozinha, tudo que você precisa, até flores. Aí começou a surgir idéias novas, os próprios clientes começaram a pedir: "Ah, põe isso que não tem." Única coisa que a gente não abre mão é de ter produtos basicamente importados. A gente tem só uma linha de vasos nacionais, o resto é só coisa importada, que a gente compra de terceiros, a gente por enquanto não está importando nada. Mas é uma coisa que juntou muito, né, guardanapo descartável juntou, quer dizer, terminamos a mesa, que antes a gente só punha a comida. Agora a gente põe o prato, talher, o copo, toalha, já monta tudo, faz tudo junto.
P -
E a clientela,
ela mudou, diversificou?
R -
Olha, a gente continua com os clientes tradicionais nossos, né. Vilaboim tem clientes em média de 10, 15 anos. Mas tem a segunda geração, né, os próprios filhos, alguns até netos
já são freqüentadores, né. Mudou um pouco o perfil, a gente tem uma classe média alta, que a gente não tinha antes, né. O próprio importado ficou muito mais acessível, né, às vezes é mais barato do que o nacional, grande maioria das vezes está acontecendo isso. Então mudou muito, uma mesa de uma classe média não tinha, tinha no máximo um vinho português, né, um vinho verde. Hoje em dia não, hoje em dia existe os gourmets de classe média mesmo, as pessoas que fazem questão de ter uma boa mesa. Mesmo porque sai mais barato você comprar e fazer em casa e comer muitíssimo bem e beber muitíssimo bem, do que você sair e jantar, então existe muito disso.
P -
O Leila, fala um pouco pra gente, você estava contando lá daquela associação da Vilaboim, vocês se mobilizaram?
R -
É, isso foi em 84, em 84 os lojistas da Vilaboim, a
Vilaboim, a Bacco's é a segunda ou terceira da Vilaboim. As lojas na verdade começou a crescer mesmo a partir de 72, 73. E, chegou no ápice em 80. Quando foi em 84 , foi quando eu sai da Cidade Jardim de 84 pra 85, que eu fui pra Vilaboim, eu olhava, os meus filhos iam sempre na Praça Buenos Aires, eu morava no Rua Rio de Janeiro, eu percebia que a Praça Buenos Aires era arrumadinha, policiada. E a Praça Vilaboim era um lixo, um lixo mesmo, depósito de lixo. Tinha muito assalto, tinha ponto de droga, era um horror. E eu ficava triste porque era bem no meu escritorinho, nós temos dois apartamentos em cima da Bacco's da Vilaboim, então meu escritório dava pra pegar uma área toda na frente. Só que olhava pra cima era bonita, pegava pra baixo era um horror. Aí um dia eu conversando com o dono da banca de jornal e a outra chamada Celeste que é do Vídeo Clube do Brasil, ela deu a idéia, a idéia não foi minha, a idéia foi dela, de colocar em prática, e ela não tinha assim mecanismo pra aglutinar mais gente, pra ir atrás, ela achava, por exemplo, que eu como proprietária da Bacco's eu tinha mais condições de convencer as pessoas, eu estava no ponto mais nobre da praça, eu tinha mais cacife pra chamar o pessoal, entendeu, do que ela, com a locadora que estava na Rua Aracaju, não estava nem na praça. E aí a gente começou a conversar com as pessoas, passou a circular, começou a fazer umas reuniões e aí fomos pra prefeitura, regional, seu Jânio Quadros e tal, com um pistolão daqui, outro pistolão dali e ele deu a autorização. A gente conseguiu o projeto gratuito do paisagismo, conseguiu planta da prefeitura, esterco do Jóquei Clube. Aí foi, o que a gente lembrasse a gente ligava pra pedir alguma coisa, né. Desde político até porteiro do Jóquei, qualquer um, e aí foi indo. A praça nós reformamos toda, nesse meio tempo teve um pessoal que foi contra a nossa mudança. Teve alguns artistas plásticos lá do bairro que fizeram um terrorismo em cima da reforma dizendo que nós íamos fazer com que a praça se transformasse em um estacionamento, que era um muro de Berlim, era um concreto, então fizeram uma circular e distribuíram pra todos os prédios da vizinhança a ponto da própria Rita Lee achar que a gente estava fazendo uma barbaridade, ela era cliente nossa, sempre foi, e daí nós explicamos que não era, e aí ela ficou a nosso favor, né. Que eles fizeram terrorismo mesmo, uma coisa bem de má fé. E hoje em dia eles são freqüentadores, elogiam muito, mas nunca deram um tostão, sempre picharam, nunca ajudaram, nunca fizeram nada. E nós tinha naquela época 20 e poucos sócios nessa atividades, hoje nós temos uns 12. Agora nós estamos criando a Sociedade Amigos da Praça Vilaboim, mas é difícil, não são todos que querem participar. Porque tudo que tem que ter, por menor que seja o desembolso, a pessoa acha lindo, está arrumado, está maravilhoso, mas não quer ajudar a fazer muita coisa não. Então, agora vamos ver como é que vai ser, né, pelo menos a manutenção está lá, a praça está limpa, está cuidada, não tem bandido, está iluminada.
P -
Vocês conseguiram lampiões, o que é que modificaram?
R -
A gente modificou os bancos, a gente conseguiu uns bancos que estavam na prefeitura, reformamos os bancos, que eram uns bancos feios, a gente conseguiu uns bancos antigos de ferro, e concreto, ferro, madeira, e os lampiões a gente comprou, instalação, tudo, até fiação elétrica. Nós não conseguimos nada da Eletropaulo, nada da prefeitura, nós só conseguimos que a prefeitura pagasse a luz, né, que ela estava ameaçando não pagar também e isso era um absurdo, né. Como se tivesse a luz na casa da gente. Então, é a gente que controla, liga e desliga, né. Tem a chave lá, fica com o pessoal da banca. A gente procura evitar que os mendigos durmam muito lá, mas também é meio difícil, porque não tem albergue pro pessoal, também vai tirar eles de lá? Só tem mais ou menos um acordo que durante o dia eles não fiquem, então se instalam de noite, dormem e depois vão embora. Mas, por exemplo, tem a parte de limpeza e tudo, vassoura e qualquer coisa a prefeitura faz muito pouco na verdade. Eu acho, como tem alguém que cuida, eles vão cuidar do que não tem ninguém, do que está caindo os pedaços. Mas agora acho que com essa associação vai melhor, vai dar uma organizada. Nós chegamos inclusive a ter um happy-hour na praça entre amigos. A gente teve até o ano, durante três anos, toda quinta-feira das seis e meia até às oito e meia a gente tinha um happy-hour. Happy-hour que eu falo, a gente fazia uma bandeja de frios na Bacco's, alguns lojistas ali e amigos nossos. Mais era a gente, mais eram amigos. Então levava uísque, isopor, mesinha, cadeirinha e ficava lá, uma delícia. O pessoal, clientela passava: "Ah, está servida de um uísque, quer um queijinho, uma mussarela de búfala?", sentava lá era uma delícia. Ficava triste o dia que chovia, porque daí tinha que ir embora. Era superdivertido, mas nós vamos começar de novo.
P -
O Leila, fala um pouco pra gente do vinho da Bacco's, como é que surgiu a idéia?
R -
É, a Bacco's lançou, faz uns dois anos, a Bacco's lançou vinho Bacco's, tinto e branco. Tinto é um cabernet cortado com um verlot e o branco é um riesling um vinho leve, branco. A Bacco's teve que ter, praticamente obrigada a criar uma própria marca, pra preservar a própria marca, porque tinha tanta gente registrando o nome Bacco's que a gente, que uma das coisas, foi-nos aconselhado, pelos advogados que gerenciam a nossa marca, que a gente industrializasse um produto, pra que esta marca fosse menos vulnerável, né. Que quando você tem o registro, por exemplo, de café, se você não produzir o café em cinco anos, você perde esse registro. Então pra gente, por exemplo, a gente pode deter a marca Bacco's pra produtos importados, bebidas e tudo mais. Mas se algum fabricante resolver colocar o nome Bacco's vai ser difícil você conseguir tirar. Então, uma das coisas que a gente não queria de jeito nenhum era ter um vinho com o nome Bacco's. Então nós conversamos com a minha irmã, ela fez esse trabalho, a Lucila, e ela conseguiu pela Vinícola Aurora desenvolver um vinho, nós já tínhamos uma experiência pela Bruck com um vinho chamado Waldorela, que também tinha sido desenvolvido pela Vinícola Aurora. Só que da Bacco's tinha que ser com um padrão melhor. E nós... então, foi desenvolvido esse vinho pra nós, foi aprovado, o tinto é espetacular principalmente. E daí ele começou, a gente atende a clientela, nós não fornecemos pra restaurantes, nada, e temos como vinho de bordo da Transbrasil, tanto nacional, como internacional.
P -
Certo. E vocês fornecem pra quem?
R -
O quê? O vinho?
P - É.
R -
O vinho é fornecido só nas nossas lojas. A gente não revende ele pra revenda, a gente não tem intuito, a gente quer que seja uma coisa exclusiva só da Bacco's mesmo, a gente não quer popularizar. Mesmo porque se a gente começar a engarrafar muito vinho, provavelmente vai cair o padrão de qualidade dele. Porque ele é uma reserva especial, então não tem condições de ser muito...
P -
Você contou uma história do vinho, lembra? Do provador lá?
R -
Ah, sim. Quando foi pra ser, quando foi pra ser feito esse vinho, quando foi pra ele ser degustado, a Transbrasil estava escolhendo os vinhos pra ser de primeira classe, então foi uma série de vinhos importados, foram degustados no máximo, eram várias pessoas, inclusive o Sá Galvão, e eu era uma das degustadoras, o meu marido, minhas irmãs e tal, que todas nós conhecemos bem vinhos. Então os vinhos vêm em copos com os seus números e você tem os formulários que você preenche dando as notas. E o Bacco's era pra ser degustado como hour-concours, não era pra ele estar no meio do cabernet, do borgonha enfim. Porque tinha bateria, vinho do norte da Itália, vinho do sul da Itália, vinho daqui, vinho dali. E sem querer um dos garçons colocou o vinho Bacco's no meio dos vinhos cabernets franceses. E ele teve a nota mais alta. Então foi aí que nós conseguimos colocar ele na Tansbrasil. Então a gente tem, e o que é legal é que semana... faz uns 15 dias, nós recebemos um telefonema do Belém do Pará, de um cliente que tomou no avião, anotou o nome da Bacco's, tem o telefone atrás, né. Ligou pra saber se a gente poderia despachar. Já teve gente da Bahia, Rio Grande do Sul. Então é uma coisa supergratificante, né, porque a pessoa se preocupa em pegar a garrafa pra ver de quem que é, pra ligar, pra mandar a gente despachar, pros viajantes.
P -
O Leila, me fala um pouco, parece que vocês trabalham muito, até hoje com as cestas de Natal, né? Como que elas são hoje essas cestas de Natal, o que é que modificaram quando você começou na Bruck?
R -
Bom, na verdade ela voltou às origens, né, porque a Bruck até hoje tem a cesta de Natal e nós também temos. Nós somos concorrentes, na verdade, só a gente atende um público bem menor, a Bruck vende de centenas e a gente vende de dezenas, é diferente. Mas no começo eram só importados. Depois com o bloqueio, com o problema todo de __________ de importação, a gente tinha cota de importação na época, a Cacex, até quatro, cinco anos atrás você tinha, sei lá, 100 mil dólares de cota FOB, então se passasse disso você não podia importar, então você tinha que gerenciar suas importações de maneira que você conseguisse tudo que queria. Então era um pouco de cada. Os importadores maiores tinham cotas maiores, era a média dos últimos cinco anos, era um rolo. Então eu fui obrigada a colocar mercadoria nacional. Agora, nessa nossa cesta agora, agora que nós temos no nosso catálogo, nós temos só panetone nacional e mais alguma coisa, tipo primeira linha de palmito, então que não tem nada similar importado, basicamente é isso. E é uma cesta, são cestas bem, bem, a gente se preocupa muito com a composição, ser variado com coerência, quer dizer, a gente não coloca um molho de tomate e um tabaco na mesma cesta sabe, alguma coisa assim. Tem que ser equilibrado, tem que ver. Coloca um macarrão, coloca um molho que combine, que dê para fazer, o vinho que vai dar, quer dizer, a pessoa consegue tirar a cesta de Natal e montar vários quites de almoço, entendeu?, uma coisa assim. Uma coisa que a gente mesmo que elabora isso, a minha irmã e eu, nós que fazemos, composição a gente não deixa ninguém fazer.
P -
Normalmente uma cesta contém o que assim?
R -
Olha, ela tem que conter um destilado, né, um uísque, uma aguardente, um pisco, uma vodka, agora tequila está na moda. Variedade de vinhos, né. Eu sou favorável
a cestas com menos quantidade... menos variedade de vinho, mais quantidade _______, tipo dois, dois, dois. Mas não é o que o mercado quer, o mercado gosta de um disso, um daquilo, um daquilo, então só jantar de dois, né. (risos) Mas enfim é o que o mercado gosta, a gente não pode mexer muito. Depois começa, na parte, a gente tem que contrabalançar a parte de alimentos doces, alimentos salgados, né, então você tem que ter sempre um canapé, um aperitivo, um mel, uma geléia, você tem um salgadinho, uma caixa de chocolate, uma lata de biscoito. Você tem que imaginar a pessoa ao longo do dia, o que ela vai consumir, até o chocolatinho de sobremesa. Mais ou menos é isso, isso que dá coerência numa cesta dela ser uma coisa, e de sempre procurar trabalhar com produtos que não tenham um gosto duvidoso, né. Que sejam, se é chocolate, tem que ser chocolate bom, não dá pra ser só importado e ser uma porcaria, né. Que está cheio de coisa porcaria, né. Você tem que ter essa coerência na hora de montar. Normalmente as cestas da Bacco's são mais caras que a média de mercado por causa disso, que a gente trabalha com marcas muito conhecidas. Sei lá, pega um ___________ da vida, pega um _________ inglês, não pega um chocolate que ninguém nunca ouviu falar, a pessoa bate o olho e sabe o que é o que, não tem...
pode não gostar até do sabor do chocolate, mas sabe que é coisa boa, não tem dúvida quanto a qualidade.
P -
E como essa cesta ela é embalada?
R -
Depende, a desse ano a gente está, só com as cestas grandes que a gente está trabalhando com cestas de vime, vime envernizadas com três cores, né, bege com alguns desenhozinhos, sempre faz verde e vermelho, as cores da Itália. E esse ano a gente desenvolveu uma caixa de madeira com o logo da Bacco's, que tem um Baco que a gente desenvolveu há dois anos atrás, um "baquinho" deitado, é, o rei. Então isso é feito em silk na tampa da caixa. É uma caixa imitando uma caixa de vinho antiga, então é superlegal, e ela é... então, bate preguinho na caixa mesmo, sela a caixa e manda.
P -
E quem que são seus clientes assim da cesta de Natal?
R -
Olha, tem todos os tipos, tem o pai que dá para o filho, como tem a empresa, tem o banco, bolsa de valores. Aí depende, a gente atende de uma a 300, não importa a quantidade. Tem clientes que desenvolve a própria cesta que nos contata já em agosto: "Olha, eu tenho 150 dólares. Me monta uma composição pra esta cesta, mas basicamente o perfil do meu cliente é esse, esse, esse." Então a gente monta. "Não, o perfil é mais para o italiano, é mais para o...", se é uma multinacional americana muda mais um pouco, e aí desenvolve em cima disso, faz meio por encomenda.
P -
E assim, a clientela em geral, vamos dizer, tanto do shopping quanto da Vilaboim, é, como eles costumam pagar as compras?
R -
Olha, numa época que tinha diferença entre o preço de cartão e à vista, a gente forçava mais a venda pra ter uma venda à vista. Então dava um desconto mais pra ter. Então dava 60, 40, 60 pra à vista, 40 para cartão. Hoje é mais ou menos a metade, cartão, dependendo da época, dependendo do período do mês. É cartão de crédito e pagamento à vista, a gente não trabalha com pré-datado, nada disso. E, e fatura pra empresas, né. A gente tem um cadastro de empresa, tem um departamento de crédito e cobrança, então o vendedor da loja ele tem autonomia pra ligar para o crédito e cobrança e pedir uma autorização, então tem o número de código, ele dá o número de código e aquele cliente passa a ser, depois de pesquisado, visto e tudo, né, a gente levanta a ficha na Associação Comercial e libera o crédito e aí vai. Até prova em contrário o crédito está aprovado.
P -
Eu queria que você falasse um pouquinho sobre o marketing, a história do marketing da empresa, você falou que trabalhou bastante nisso.
R -
É, na verdade é, a Bacco's, nós nunca fizemos muita, muita... agora a gente até começou uma campanha, ontem na Folha de S. Paulo. Mas, nós nunca tivemos, o nosso forte de marketing, o nosso produto de marketing sempre foi o catálogo de Natal. A gente nunca teve um marketing muito, muito, nunca fizemos muita propaganda em rádio, televisão, nada disso. O marketing da Bacco's sempre fomos nós na loja, o dono na loja atendendo o cliente, esse é o marketing da gente, sempre foi, que é o mais trabalhoso, né, quer dizer, ninguém pode fazer por você, você tem que fazer sozinho. E, mas aquilo a gente sempre, qualquer coisa que a gente sempre fez a gente sempre preocupou com a qualidade, o padrão daquilo que a gente está fazendo, seja num catálogo, seja numa foto pra mandar pra uma revista. A gente tem um marketing muito gratuito, as revistas nos procuram muito. Semana passada, na Veja São Paulo, na Veja nacional, meu irmão, saiu o Júnior sentado numa pilha de caixas de bola, falando o problema das importações, quer dizer, sempre tem uma empresa, vai fazer um levantamento sobre bebidas, como a Exame, a Veja, a IstoÉ, Casa Cláudia, aí vai indo embora, sempre a gente tem, o pessoal consulta a gente ou pega produto pra fotografar. Então o pessoal fala: "Ah, como é que vocês aparecem tanto na Folha, nisso, naquilo, devem estar gastando uma maior nota!" A gente não gasta nada, o pessoal que vai lá pedir, entendeu? Então a gente dá. Agora, faz dez dias, teve o pessoal do SBT fazendo uma entrevista por causa do Fernando Henrique, o que é que o Fernando Henrique gostava de comer, porque a esposa dele é nossa cliente há muitos anos. Ele eu vi umas duas vezes na vida, mas ela a gente vê todas as semanas praticamente. Então é muito mais isso, a gente trabalha também como consultor dessas empresas. Quando tem alguma notinha da Gazeta Mercantil, ou Diário do Comércio, que a minha irmã, a Diva é conselheira da Associação Comercial, o Diário do Comércio liga muito pra pedir, como é que está o mercado, como é que não está. A gente dá um feed-back pra eles. Aí, então, acaba saindo um monte de coisas, mas meio que na galega, não é muito programado.
P -
O Leila e assim, a composição da Bacco's, ela mudou, né, hoje estão só as irmãs, né? O que é que...
R -
É, a nível executivo eu nunca, depois que meu irmão saiu e eu assumi, eu nunca tive ninguém da família trabalhando comigo, a não ser um cunhado meu que ficou um período, marido da minha irmã, da Lucila. Só que uns três anos pra cá nós começamos a perceber que nós éramos sócios de tudo, então embolava um pouco o meio de campo, né. Então nós decidimos, de três anos pra cá, meu pai já com 70 anos, decidiu fazer a separação e cada um, cada macaco fica no seu galho. Minhas irmãs não trabalhavam. Quer dizer, em 86 começou uma delas, a do meio, e agora mais recentemente, três anos e meio, quatro anos, a Diva, a mais velha, então nós começamos, começaram a ter três famílias atuantes dentro da Bacco's. Então a gente fala que três famílias é o suficiente, e meu pai queria dividir o patrimônio dele entre os filhos. Então a maneira de fazer isso foi
tirando cotas de um de uma empresa, dando para o outro, e aí separa as pedrinhas pretas das brancas, né. E foi feito isso há dois meses atrás, em julho, três meses. Então ficou, eu e minhas duas irmãs, nós temos por volta de 90% das ações da Bacco's, e os outros 10% fica entre a minha mãe e o meu irmão do meio. Meu irmão menor, esse não quis sair da sociedade, então ele continua. Meu pai saiu e meu irmão mais velho saiu. Mas isso foi uma coisa absolutamente, foi uma herança antecipada, né.
P -
E são mais vocês três que tocam?
R -
A parte de gerência nós temos só uma consultora que é minha mãe, minha mãe é do tipo que vai, é espiã. Vai às outras lojas, viaja, vê alguma coisa, ela passa todo dia na Bacco's, ela tem que dar, vai lá fuçar, ver se o vendedor está atendendo direito, vai ver: "Ah, não pode, a gravata está torta." E ela todo dia ela passa no meu escritório, passa no escritório da minha irmã, passa no Iguatemi, ela faz o circuito. A gente chama de sargento. Meu pai também vem toda hora, passa. Todos os meus balancetes eu envio pra ele, apesar dele não ter mais sociedade, mas eu mando todos balancetes, ele tem cópia de todas contas a pagar até hoje. Toda semana eu mando o cash flow pra ele, só para ele estar a par. E tem uma maior experiência, é uma pessoa mais velha que tem muito conhecimento, tem muita experiência, então, os dois são nossos consultores, um comercial, outro administrativo-financeiro.
P -
E atualmente você coordena o quê?
R -
Eu cuido da área administrativo-financeira, e cuido dessa loja da Store, da Store eu cuido desde compra até a parte contábil, toda. Todo o circuito fechado. E das outras lojas eu cuido da área financeiro-administrativa. As minhas irmãs cuidam da área comercial e da área de marketing. Uma delas ficou com a conta, cuida da parte de bebidas e a outra da parte de alimentos, e cada uma gerencia uma loja. Quer dizer, tem o seu gerentes, tem o gerente geral que foi instituído agora neste mês, que cuida das duas lojas, então, pedidos noturnos, precisa fazer plantão e tal, ele faz, que até pouco tempo atrás nós fazíamos isso. E cada uma das minhas irmãs fica baseada numa das lojas, né. Então as lojas sempre têm uma de nós lá dentro. É difícil não encontrar uma lá.
P -
Agora, fale um pouco de você, o que é que você mais gosta de comprar, assim?
R -
Eu gosto de comprar coisa pra casa, quer dizer, agora eu até, essa fome de coisas de casa até que, assim, amainou um pouco, porque com negócio da Bacco's Store agora, quer dizer, na verdade eu compro até mais, mas compro melhor, né, porque quando eu vou encomendar pra loja eu já encomendo pra mim. Mas eu gosto muito de coisas de casa, gosto muito de mesa bem posta, arrumada, então, gosto dos objetos, gosto de cada dia da semana ter uma cor diferente, assim eu curto essas coisas.
P -
E o que mais você detesta comprar e você tem que fazer?
R -
É, eu não gosto de ir na feira, eu não vou. Até acho linda as frutas, mas não gosto assim do ato de ir comprar. Gosto de entrar numa loja que nem a Bacco's e, aliás, às vezes eu vou na Bacco's pego um vendedor e falo: "Olha, você esquece que eu sou dona Leila, você me trata, me puxa bem o saco que eu quero gastar um monte hoje aqui." Aí ele se esbalda: "Ah esse queijo é maravilhoso." Ele me dá pra experimentar, eu vou de, eu vou de cliente mesmo, adoro, acho uma delícia. Saio da Bacco's Store, fecha às seis e meia, o escritório fechas às seis e a Bacco's às sete e meia, da Vilaboim, e eu moro entre, eu vou à pé às vezes. Então vou duma pra outra, (fim da fita 054/02-A) paro meu carro, às vezes eu estou de carro na frente da Bacco's, desço, dou a chave pro manobrista e vou fazer compra. Comprar um queijinho, um vinhozinho pro jantar, comprar o pão, se vem gente em casa à noite, aperitivo. Adoro essa função de europeu de final de dia, assim. Acho uma delícia. E compro por dia mesmo. Nunca compro pra semana.
P - Você quer fazer alguma pergunta Valéria?
P - Eu não sei como é que está o tempo?
P - A gente ainda tem mais uns 15 minutos.
P -
Eu queria que você falasse um pouco do seu casamento, como é que você conheceu seu marido?
R -
Bom, meu marido eu conheci por intermédio dos amigos, tinha uma prima minha tinha apresentado um amigo pra ela, ela acabou ficando noiva desse amigo e aí esse amigo me apresentou o Fernando. Fernando é uma pessoa superliberal, do tipo que adora ter uma mulher executiva, não tem nada contra. Eu, na minha época de baixaria de filho pequeno, eu achava que tinha que parar e ele sempre foi um incentivador tremendo disso, que foi uma coisa que
ele me ajuda pacas, ele é do tipo que, se eu estou numa loja e dá um pepino na outra e eu não posso sair, eu ligo pra casa, caço ele no celular e falo: "Fernando, vai lá, vê o que está acontecendo." Ele vai embora, e fica lá. Os gerentes adoram ele. Ele não manda, ele só, mas ele cansa de ficar, se um dia eu estou doente, eu não estou me sentindo bem, eu tenho um plantão numa loja, ele vai e fica. E os meus filhos também já estão no esquema. O Fernando vem num perfil de família completamente diferente do meu. Ele é de uma família quatrocentona, descendente de João Ramalho e Bartira, e a minha não, a minha é uma família de imigrantes que veio com uma mão na frente outra atrás, então juntou muita coisa. Juntou uma história com gente que faz fortuna, né. Porque a família dele já está no declínio, né, a nível de patrimônio assim. A nossa está em ascensão, então isso é uma coisa legal, porque junta um back-ground com uma coisa mais assim flamejante, né, é isso.
P -
Você falou que seus filhos já estão na dança, o que é que...
R -
Ah, minha filha desde os dez anos já organiza minhas gavetas, a mais velha, ela adora, agora está meio rebelde, 12 anos, está um pouco chata não gosta de, mas ela, tipo, atende o telefone no final do ano, faz pacote. Na Bacco's Store ela faz as contas, ela adora matemática, já trabalha com computador, tudo, então ela gosta de ficar fazendo soma. Mas minhas gavetas é ela quem arruma, invariavelmente ela que arruma. Ela gosta, ela já se posicionou o que é que ela quer fazer, né, então ela quer trabalhar comigo, então o pessoal na loja já chama ela de patroinha porque ela em casa, ela organiza a lista de compras, ela que liga pra Campos do Jordão na sexta-feira pra saber o que é que precisa mandar. Então ela faz a lista, ela dá para o motorista pra ele ir comprar, depois ela fiscaliza se ele comprou. Ela é superorganizada, adora.
P -
Quantos anos ela tem?
R -
Tem 12. Fez 12 semana passada. Mas ela gosta do agito assim, ela gosta do papel também, está no sangue.
P -
O Leila, pra gente ir terminando agora. Se você pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, você mudaria alguma coisa e o que é que seria?
R -
Acho que até vim falando com o caseiro, agora, no carro. A única coisa que acho que eu mudaria seria, seria no meu pós-parto dos meus dois filhos. Eu ter tido tranqüilidade pra ficar um pouco em casa. Quer dizer, eu gostaria de ter tido, que uma das minhas irmãs naquela época estivessem trabalhando comigo pra eu poder ficar um mês em casa tranqüila, porque eu tinha muito problema, eu tinha que voltar a cada quatro horas pra amamentar em casa. Eu morava em Higienópolis, trabalhava na Cidade Jardim. Eu tinha que mandar o motorista trazer meu filho, minha filha pra amamentar, então isso foi uma coisa. E eu banquei a amamentação seis meses, mas foi um desgaste total e completo. Isso, hoje eu mudaria, hoje eu não faria dessa maneira não. Não ia agüentar ficar quatro meses, mais um mês pelo menos pra deixar o corpo se, se aceitar. Eu nunca aceitei que meu corpo não pudesse dirigir, que a minha cabeça tinha que dirigir o corpo. Eu nunca aceitei que o corpo pudesse dar um sinal de cansaço. Então, não interessa se está doendo, estou cansada. Eu vou embora. A minha cabeça dizia que eu tenho que ir, mas isso chega num ponto que não dá, né, você tem um desgaste emocional muito grande. E aí a cabeça passa a não funcionar como ela funcionava. E aí é um círculo vicioso. A única coisa que eu mudaria, de resto seria idêntico, acho que eu não mudaria nada. Nem o marido. (risos)
P -
E no comércio, você gostaria de mudar alguma coisa?
R -
A gente está sempre mudando, a Bacco's Store é uma prova disso. Essa semana mesmo na Bacco's do Iguatemi eu montei uma seção só de tapete pra cozinha. Eu montei tipo quinta-feira e no sábado já estava fazendo reposição de tapete lá. Então, sempre, dentro do teu negócio, você pode fazer um monte de coisas, você pode prestar um serviço, de repente montar um buffet, fazer uma festa, que cansa sempre a mesma coisa. Porque você tem que procurar, se seu negócio é um negócio de sucesso, dentro dele você inovar e criar. E não ter, o que eu sempre falo para as minhas irmãs, não ter medo de mudar, ter coragem, tem que ter coragem. Você tirar um negócio assim você acha que está mais ou menos, você fica com medo: "Ah, se eu tiro um negócio que é mais ou menos, você tira pra pôr um que é pior", mas esse mais ou menos fatalmente vai ser ruim um dia. Então você tem que, antes que aconteça dele ficar ruim, você tem que virar a mesa. Fazer algum ato radical, qualquer coisa que... Quando você perceber que um funcionário não está indo bem, virar tudo, mudar todo mundo de lugar, mudar a sala, mudar a mesa, dar algum jeito de mexer. Aí eu acho que você se renova dentro do teu negócio mesmo. Senão fica um saco, né. Fica muito chato.
P -
E o que é que você gostaria de realizar assim, qual é o sonho que você tem?
R -
Bom, eu imagino hoje, imagino mais na parte social. O que eu tenho vontade de fazer dentro de Higienópolis, tenho vontade de alugar uma casa e fazer tipo uma casa aberta pra pessoas que não tenham onde morar, essas coisas, né. Não é nada muito demagógico, é uma coisa que seria feito pela igreja que eu freqüento. Juntar assim, um albergue com sopão, uma coisa ligada nesta área, a gente está procurando até uma casa, pensando em procurar, não estamos procurando. Pensando em procurar uma casa pra fazer alguma coisa desse tipo. Que Higienópolis tem, ali na pracinha tem um monte de crianças, que todo dia vão na loja buscar o biscoitinho e tal, mas não tem estrutura nenhuma ali perto que possa colocá-las numa escola, que possa gerenciar esse problema. Que eu acho que a gente tem que fazer isso de bairro a bairro. O que eu imagino, profissionalmente, eu acho que eu não quero mais do que eu tenho, acho que o que eu tenho já está bom. É só administrar pra utilizar o que eu tenho. A nível de patrimônio eu acho que também não tenho muita ambição. Acho que agora eu parei num ponto que eu quero melhorar o que eu tenho e se possível, e com certeza vai acontecer, fazer com que eu possa permear isso pra mais pessoas, né. Funcionar como mata-borrão. Então esse que eu acho que é o futuro e tentar usar de repente a associação que a gente está montando da Vilaboim pra gente melhorar um pouco a situação.
P -
Certo. Agora, a última pergunta, né. Que é que você achou de ter passado essa hora com a gente conversando, deixando registrado a sua experiência de vida, a sua experiência comercial?
R -
Achei ótimo, e foi bom como eu tinha feito o filme das bodas da minha mãe, já estava mais, foi mais fácil. Foi ótimo, quero ver o trabalho pronto depois.
P -
Com certeza. A gente agradece muito a sua ajuda e a colaboração.Recolher