Projeto: Ponto de cultura
Depoimento de Geralda Candida de Jesus
Entrevistado por Isabela de Arruda e Maiara Moreira
São Paulo, 02/03/2010
Realização: Museu da Pessoa
PC_MA_HV246_Geralda Candida de Jesus
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Então, Dona Geralda a gente sempre começa com a identifica...Continuar leitura
Projeto: Ponto de cultura
Depoimento de Geralda Candida de Jesus
Entrevistado por Isabela de Arruda e Maiara Moreira
São Paulo, 02/03/2010
Realização: Museu da Pessoa
PC_MA_HV246_Geralda Candida de Jesus
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Então, Dona Geralda a gente sempre começa com a identificação, eu queria que a senhora dissesse o seu nome completo, o local e data do seu nascimento.
R - Meu nome é Geralda Candida de Jesus. Nasci em Coroaci, estado de Minas Gerais, Governador Valadares... Era pra eu falar primeiro...
P/1 - A ordem não importa. Só o nome, o local de nascimento e data.
R - Em 19 de agosto de 1951 é o meu nascimento.
P/1 - E o nome dos seus pais?
R - É Rafael José dos Santos, meu pai, e minha mãe é Maria Domingues dos Santos.
P/1 - O que eles faziam, os seus pais?
R - Como é que é, trabalhar na roça? O que é mesmo? (risos)
P/1 - Lavrador?
R - Lavradores. Era isso que eles faziam.
P/1 - Os dois trabalhavam com...
R - Isso.
P/1 - Entendi. E a sua infância, como era? Descreva os seus pais.
R - Os meus pais eram muito rígidos, rigorosos sobre o comportamento dos filhos. Tiveram 14 filhos, morreram cinco e ficaram nove, né? Eu mesma era muito danadinha quando era pequena (risos) e eu apanhava, apanhava bastante. Teve um tempo que eles queriam que eu ficasse com alguém, porque era muito filho – a gente não tinha condições de cuidar de todos, ficava às vezes um tempo com uma família, outro tempo com outra – apanhava também das famílias de onde eu ficava (risos), entendeu? Eu tive uma infância um pouco dolorosa.
P/1 - A senhora é a mais velha dos irmãos?
R - Não, eu sou a do meio. Minha irmã mais velha, é outra.
P/1 - E esse monte de criança, como que era a relação com seus irmãos, com as brincadeiras?
R - Então, eu tinha os meus irmãos homens, que a gente brincava junto. Quando completei mais ou menos seis anos é que eu fui ficar nas casas das pessoas: um ano ficava com alguém, no outro ano ficava com outra, entendeu? E os meus irmãos eram, também, muito levados, mas eu era mais, então o que acontecia é que eles... Depois teve um problema com a minha irmã, companheira minha de idade, ela teve uma enfermidade que eles falam que é a doença do macaco – que eu não entendo como é que foi... A gente lá na roça não entende muito as coisa – e aí ela ficou mais ou menos uns seis meses numa cama sem comer, sem beber e sem nada, ficou completamente só a pele e o osso, depois ela se recuperou de novo com alguns medicamentos de ervas, e agora ela ainda vive - ela é mais velha do que eu um ano – mas tem um probleminha, uma sequelazinha na mente dela, porque ela não funciona assim como nós, ela tem um pouco de – como é que chama aquela doença que as pessoas ficam meio neuróticas, esqueci como é que fala – então, ela tem esse tipo de problema, mas ainda vive. E eu gostava de brincar com ela quando ela era mais pequenininha, de colocá-la em uma porta e dizer: “Olha os bois que vem vindo lá” pra poder empurrar ela e ela caia e eu dava risada – eu lembro, olha como é que a gente vai lembrar das coisas, né?
P/1 - Vocês eram bem pequenas, quantos anos mais ou menos?
R - Acho que ela tinha uns cinco aninhos e eu acho que tinha uns quatro, porque eu era mais nova que ela um ano. A gente tinha esse tipo de brincadeira e eu sempre fui uma pessoa que gostava de ficar limpando casa, arrumando, meu pai não gostava, trazia as coisas dele e jogava pelos cantos da casa, ferramenta essas coisas todas; eu apanhava mais por causa disso, porque queria colocar a casa em ordem – inclusive hoje vivo numa situação, é insuportável. E eles não davam aquela força pra mim e daí quando fui crescendo pensava assim: “Eu quero ir embora daqui, embora pra São Paulo”, pensava em São Paulo, pra mim era um outro país.
P/1 - Só voltar um pouquinho, daqui a pouco a gente chega na história dos sonhos e tudo mais. Queria que a senhora descrevesse um pouquinho mais dos seus pais mesmo, como que era sua relação com a sua mãe, o cotidiano da relação da família. Como é que era?
R - Então, é como eu te falei, a gente tinha as condições muito “insuportáveis” da vida financeira, e a gente, como é que se diz, vivia como pessoas na roça, que não tem aquele cuidado com os filhos, de escola, enfim... Eu cheguei estudar, mas em lugares longe. A gente não conseguia se organizar, porque eram muitos filhos e não tinha como cuidar melhor por causa das condições financeiras que não eram adequadas, entendeu? Depois chegou um tempo que meu pai tinha a mente um pouco – não era muito boa – tinha um problema na mente, meu pai teve que separar de minha mãe, viemos para a cidade de Governador Valadares, nessa época eu ia completar 17 anos...
P/1 - Aí já é um pouco mais pra frente?
R - É. A gente veio pra cidade e meu pai ficou lá e depois de um tempo ele faleceu e a gente, como é que se diz, levamos a vida nessas condições na cidade porque a gente não teve o tempo da gente mais, de Governador Valadares, mas na roça mesmo a gente tinha uma vida não muito boa – não lembro muito como é que era – eu lembro sim, que minha mãe... Eles criavam cabritos e porcos, a gente tinha essa criação de cabritos e porcos, a gente colhia café. Às vezes tinham os plantios de alguns mantimentos [como] arroz, feijão; a gente tinha os lugares de colheita de arroz, que é em brejo, lugar úmido. Quando chegou o tempo que a gente não conseguia colher mais nada, porque a terra foi ficando, não sei se fraca, eu não sei o que tava acontecendo, não colhia. Os porcos e os cabritos a gente continuava tendo, chegou um tempo que uma pessoa pegou e falou para minha mãe que queria que a minha mãe fornecesse leite pra essa pessoa, para as crianças dela, e minha mãe falou: “Ficar tirando do leite das crianças, a gente tá sobrevivendo com isso”. Aí, essa pessoa falou assim: “Você não vai conseguir ter mais nada então”. Acabou, jogou porcaria em cima das criações da gente, acabou com tudo, foi morrendo os nossos cabritos, os porcos também, não teve mais condições de ter nada de prosperidade, foi nessa época que a gente conseguiu vir pra cidade.
P/1 - E esse lugar onde vocês moravam era um sítio de vocês, como que era?
R - Era sim, era uma fazendinha que a gente tinha.
P/1 - Entendi. E como que era a casa onde vocês moravam?
R - Era uma casa bem grande.
P/1 - Se você estivesse de frente pra ela como você descreveria a casa?
R - Era casa de roça, sabe, eu descreveria mais ou menos: era uma casa bem grande, de assoalho de tábua; tinha a cozinha grande; uma sala de jantar também grande e mais a sala de entrada; dois quartos na sala e dois quartos na sala de jantar; e a cozinha grande, mais o resto que era tipo quintal, que a gente fala terreiro, né – lá na roça a gente fala assim, quintal é terreiro, onde é terra mesmo – e tinha uma entrada grande de um portão, de uma porteira que é onde chegava pra nossa casa, bem grande. E em volta era como eu tô te falando: cafezal; mais para o fundo do cafezal eram os lugares de plantio de arroz; depois tinha uma mata bem grande que depois teve uma época que umas pessoas, eles falam garimpo, foram pra achar ouro, dizem que acharam ouro na nossa terra, mas roubaram. Depois, quando meu pai deixou eles entrarem pra olhar, eles roubaram os negócios lá de pedra que a gente tinha. Depois mais outro tempo, vieram mais outros garimpeiros e chegaram lá e falaram que tinha faísca de pedras, e que a gente podia ficar milionário, mas pegaram todas as pedras que a gente tinha lá. Com isso o meu pai foi ficando com a mente “mais ruim”, a gente foi ficando mais pobre ainda (risos) e aconteceram essas tragédias durante a vida da gente criança nesse local. Com o tempo, meu pai foi ficando com a cabeça “mais ruim”, ele falava que ia matar todo mundo e a gente não tinha condições de colocar ele em internamento, né, e acabamos deixando ele; ele arrumou outra pessoa, outra mulher, ficou lá com essa pessoa e a gente veio pra cidade, porque ele tava prometendo matar todo mundo (risos) e enterrar tudo lá na terra...
P/1 - Mas um pouco antes de vocês mudarem para Governador Valadares, ainda na casa onde vocês moravam, vocês tinha o costume de contar histórias? Como é que era o cotidiano?
R - Ah, tá. O meu pai, às vezes sentava com a gente... No começo, [quando] ele estava com a mente melhor, cantava com a gente, tocava violão e cantava, inclusive ele tinha uma música que falava assim... Deixa eu ver o que ele cantava, porque eu guardei na cabeça: “Chove chuva que eu quero pagar o meu dia pra mim deixar dessa lida antes que a lida me deixa”. E cantava mais outra modinhas, bobeiras e a gente ficava se divertindo com ele. Depois, como eu tô te falando, ele foi ficando com a mente mais danificada e a gente acabou... Minha mãe teve que fazer isso com a gente pra... E deixamos ele e depois com o tempo venderam lá, depois que a gente já tava na cidade e que ele [já tinha] morrido, aí venderam o local, então nunca mais precisei voltar nessa área de novo, nesse local.
P/1 - E assim, antes de mudar para a cidade você já estudava ou foi só quando você se mudou, como é que era esse começo da escola?
R - A gente estudava, assim: tinha uma escola lá perto – não sei se era em Goiabá, [onde] que era – tem uma cidadezinha também, uma cidadezinha de Coroaci que é pertinho de Goiabá, só que eu nasci em Coroaci – depois a gente estudava nessa cidade de Goiabá. Era pequenininha na época, agora deve estar tudo diferente, nunca mais voltei, saí de lá eu tinha acho que 14... Desse Goiabá, sai [quando] tinha 14 anos, fui para Santo Antônio de (Sanduá?), que é uma outra cidade um pouquinho maior, e de lá fiquei esse tempo que eu to te falando, que cheguei em Governador Valadares [quando] ia completar 17 anos.
P/1 - Em Goiabá foi a primeira escola que a senhora estudou, a senhora tem lembrança dessa escola, quais as lembranças dessa escola, amigos?
R - Eu não lembro muito mais não, não lembro não.
P/1 - Algum professor?
R - Também não lembro. Depois eu vim fazer alguns cursos aqui mesmo, em São Paulo. Tive estudando... Deixa eu ver, estudei naquela Igreja Santa Efigênia, não tem uma igreja católica, eu nem lembro a data, acho que foi 75, 76...
P/1 - Isso é mais pra frente, vamos continuar (risos) mais ou menos na linha. A senhora, só uma última pergunta sobre essa escola: a senhora lembra como a senhora ia pra escola, era muito longe de onde vocês moravam?
R - Era um pouquinho longe...
P/1 - Vocês iam todos juntos?
R - Só que eu não lembro a distância, nem lembro direito porque eu estava pequena ainda, lembro de algumas coisas, né? Eu ia mais os meus três irmãos mais velhos… Essa escola eu não lembro direito onde fica mais. Tem coisa que a gente consegue recordar um pouco, mas tem coisa que não lembra, mas só sei que a gente ia pra essa escola e não lembro nem quanto tempo eu fiquei, não lembro do diploma que eu peguei, nem sei mais porque tudo...
P/1 - E vocês se mudaram pra?
R - Pra Governador Valadares, né?
P/1 - E como foi essa mudança?
R - Então, quando nós chegamos em Governador Valadares, no bairro de São Cristóvão, onde moram os meus irmãos, a minha mãe arrumou um lugarzinho no morro desse bairro. Um lugar que não tinha nem água, nem luz e ali ela ficou num cômodo, um cômodo pequeno de madeira, mas como era com todos os outros irmãos, eu acabei ficando com uma pessoa, na casa de uma pessoa pra trabalhar e ela ficou ali mais os meus outros – acho que minha irmã estava também numa casa – mas os outros sete irmãos, sete não, seis. Eu fiquei fora – ficou eu, mais uma irmã com outra pessoa e a minha outra irmã foi para o Rio de Janeiro – e ela ficou ali com mais os seis filhos, né? Eu inclusive fui trabalhar na casa de uma pessoa nessa cidade sem conhecer nada, quando eu fiquei uma semana com essa pessoa lá, com essa família, eles me colocaram pra fora de casa de noite, fui ficar numa favela – não sei onde que era, porque alguém me acolheu – por maldade, porque eu não sei o porquê que feziram isso comigo...
P/1 - Mas como que foi, a senhora chegou nessa cidade e vocês se conheceram?
R - Uma prima minha arrumou pra eu ficar com essa família, porque minha mãe não dava pra ficar dentro de casa com mais os nove filhos. Então saiu eu, saiu a minha outra irmã para o Rio de Janeiro e a outra foi trabalhar com uma outra família. Fui trabalhar com essa família que umas primas minhas, que já moravam nessa cidade, arrumaram pra gente e a minha mãe ficou com os seis filhos em casa. Falamos assim: “Vamos trabalhar para ajudar a resolver o problema dos outros filhos, dos outros irmãos”. Então aconteceu que eu fui uma das mais danadas, sei lá o porquê que eles fizeram isso, não sei se [foi] porque não tava fazendo as coisas direito – era muito menina, né, e vindo da roça, de pouco – aí não sei o que aconteceu que a pessoa nem comunicou nada com a minha prima, nem com a minha mãe e me colocou para fora de casa, “você não dorme aqui hoje”. Sem sabe o que eu fiz, eu não lembro se eu fiz alguma coisa grave. E com isso depois, eu fiquei fora, fui procurar um lugar porque eu tinha que dormir, porque era menor e não sabia como me virar, mas alguém me acolheu nessa casa e quando foi de manhã eu falei: “Eu consigo chegar nesse morro”, fui pela beira da linha, de uma linha de trem de ferro e consegui chegar nesse local onde que minha [mãe] morava e ela ficou tão triste por aquilo ter acontecido, né? De repente consegui com uma outra família e com essa outra família consegui ficar mais tempo e ajudava a trabalhar, a fazer as coisas lá e levava o dinheiro pra ela, comprava as coisas pra ela se manter. Com isso... Depois a gente foi se separando, o meu irmão continuava trabalhando, mesmo o menor, com trabalhos de pedreiro, ajudando as pessoas, agora estão todos casados, estão todos com as suas vidas.
P/1 - Nessa época a senhora não morava mais com a sua mãe, então morava nesses lugares onde a senhora ia trabalhar?
R - Não, ficava nas casas de família, na casa de pessoas.
P/1 - E como que era esse trabalho, como foi o começo de trabalhar?
R - Eu trabalhava como doméstica ajudando a limpar a casa, ainda tava boba danada de roça, ajudava limpar a casa. Depois fui para o Rio e do Rio vim pra cá. Trabalhava como doméstica com eles e era uma família evangélica, me ajudou, como se diz, a tentar minimizar um pouco a minha vida, né? E aí a gente, como eu estou te falando, fiquei com eles até 17 anos e depois eu fui para o Rio e do Rio vim pra São Paulo. Nós nos separamos, aí eu não sei mais contar as histórias da vida deles lá, porque eu fui a única que separei definitivo deles e vim morar aqui.
P/1 - Entendi, e quando a senhora morava lá em Governador Valadares a senhora ainda estudava ou já tinha... Como é que foi esse processo da escola?
R - Em Governador Valadares... Não lembro se estudava lá... Não estudei não. Lá em Governador Valadares eu fiquei pouco tempo.
P/1 - Trabalhava?
R - Fiquei pouco tempo só trabalhando. Trabalhei também num frigorífico de frango lá, antes de eu ir pra essa casa de família, aí trabalhei no frigorífico de frango, abatedouro que eles falam, né, e também foi tudo coisa de pouco tempo pra ajudar a minha mãe. Depois minha mãe ficou muito doente também, a minha irmã do Rio foi pra lá pra ajudar a resolver os problemas. Moram lá ainda, compraram terreno, construíram as casinhas e eles moram todos um perto do outro - só tem um outro irmão que mora nos Estados Unidos - eles ainda moram lá como que tô te falando, mas eu mesma não estudei lá não, vim fazer alguns estudos aqui em São Paulo, depois eu trabalhava, estudava e não conseguia fazer os meus cursos completos porque a minha cabeça começou a ficar....
P/1 - E nessa época que vocês estavam lá, embora você não morasse mais com a sua mãe e com seus irmãos, o seu pai já não morava mais com a sua mãe?
R - Com a minha mãe não, porque ele tinha ficado na roça, né?
P/1 - Ele não chegou a ir com vocês, ele ficou por lá mesmo?
R - Ele chegou a ir pra Valadares, mas ele não gostava da cidade, falava que ali não era lugar dele porque foi acostumado lá no mato (risos) então ele tinha que ser o bichinho do mato, né, e inclusive voltou pra lá dali mais ou menos... Acho que foi em 78, parece que foi o falecimento dele. Aí a gente não voltou mais pra lá não, então meus irmãos continuam em Valadares.
P/1 - E quando a senhora trabalhava nessas casas de família, no seu tempo livre o que a senhora gostava de fazer? Tinha algum lugar que a senhora gostava de ir?
R - Ah, não. Normalmente a gente ia só à igreja, não tinha lazer nenhum, não curtia lazer nenhum. Eu trabalhava, ia à igreja e pronto, não tinha como se divertir, não tinha... Lá nessa cidade. Agora que tá mais evoluída, tem alguns lazeres, na época a cidade não tinha nada, sem lazer, sem divertimentos. Não cheguei a conhecer nada de lazeres pra te contar que me divertir e tal, não. Depois que eu sai de lá que eu fui para o Rio e conheci alguns lugares como montanha russa, lá no Rio de Janeiro. Aqui em São Paulo eu também nem tenho divertimento nenhum, porque nem dá e nem gosto mais de nada desse tipo de coisa.
P/1 - Mas na época, em Governador Valadares, a senhora ia nessa igreja, tinha um grupo de amigos, a sua família também frequentava?
R - É, a gente tinha. Tinha as pessoas da igreja, jovens, que a gente frequentava juntos e que a gente aprendeu, como é que se diz, respeitar um ao outro, respeitar a si próprio, então o divertimento que a gente tinha era esse, somente de igreja pra casa, de casa pra igreja… A gente não tinha lazer não.
P/1 - Nessa época, a senhora já tinha o seu primeiro namoro, ou ainda não?
R - Ah, tá. Não namorava não (risos).
P/1 - Uma paquera, alguma coisa pessoal?
R - Não, não. Não tinha. Os meus pais, quando a gente era pequeno, sempre conversavam com a gente a respeito dessas coisas, né, da gente... Como é que se diz, eles explicavam pra gente o seguinte: a moral da gente, a gente nunca podia deixar ela cair no chão, porque
o homem tudo bem, mas a mulher não. Minha mãe sempre explicava isso pra gente, o homem caiu lá, se levantou, se limpou e é o mesmo; mas a mulher, a moral dela fica no chão, né? Ela explicava essas coisas pra gente e a gente tinha o maior medo de mexer com negócio de namoro e de divertimento, de coisas que ela explicava que a gente não deveria. Então não tive quando fui menina, nunca fui de... Assim leviana, não. Nessa parte, não.
P/1 - E aí foi nessa época que a senhora começou a querer sair de Governador Valadares? Como que surgiu essa vontade?
R - Então, como eu tava te falando, aquela minha irmã estava no Rio nessa época né, ela me levou pra lá, para o Rio de Janeiro, e lá fiquei um ano. Lá no Rio as pessoas... Como eu te falei, ia completar os meus 17, meus 19 anos... Deixa eu ver, espera aí, deixa eu lembrar um pouquinho, eu cheguei no Rio de Janeiro com 17, ia completar 18. Quando eu saia pra igreja tinham uns rapazes que me perseguiam, que iam atrás de mim e um dia parece que algum deles, algum rapaz fez alguma coisa comigo… Tentava sair de perto dele e não conseguia, e o que a minha irmã fez? Eu tinha saído da igreja e eu tava a caminho de casa - não sei, o rapaz me cercava pra todo lado e eu tentava de sair e não conseguia. Eu lembro disso direitinho, como se fosse hoje – e a minha irmã ficou preocupada porque eu não conseguia chegar em casa – a gente morava numa loja de... Já tinha residência lá e a gente trabalhava fazendo doces e salgados – e daí quando minha irmã ficou preocupada que eu não chegava, ela saiu à procura de mim e ela encontrou lá o rapaz tentando me cercar, ela achou que eu tava namorando com o cara. Nossa, não gosto nem de lembrar dessa situação que a minha irmã me fez [passar]: a minha irmã me falou muita coisa, me humilhou muito; disse que eu tava namorando o rapaz, mas lembro que eu tava tentando sair dele, de perto do rapaz e não tava conseguindo. Ainda tava boba da roça, né, vim pra cidade de Governador Valadares e de lá eu fui para o Rio, toda besta sem saber como sair de situações, e quando essa pessoa me cercou, neste caminho, minha irmã pensou que eu tivesse com leviandade de namorar o rapaz. Ela conseguiu me puxar, me levar embora, e eu tentando explicar pra ela “mas eu não sei, o rapaz me cercava eu não tinha condições de sair dele, eu queria sair fora e ele me cercava, querendo conversar comigo e eu tentando sair”, e foi coisa de poucos minutos. Ela falou assim, me arrastou embora e foi me humilhando tanto, ela era mais velha do que eu, né? Desse tempo pra cá, que me aconteceu isso, não consegui mais ficar em paz nesse lugar, porque minha irmã sempre ficou no meu pé pensando que eu tava namorando pessoas que não deveria, e com isso larguei esse local. Expliquei para a pessoa da igreja, eu falei: “Eu queria ir embora para São Paulo, porque a minha irmã está me humilhando muito nesse lugar onde eu estou e ela também não vai me deixar ir embora, vou ter que sair escondida”, e foi o que eu fiz. Fiquei lá com essa pessoa da igreja e ela falou assim: “Tá bom, eu vou conseguir te conduzir para uma família lá em São Paulo, você vai conseguir ficar bem lá, [já que] você tem vontade de ir embora”.
P/1 - E no Rio, onde que era esse lugar que vocês moravam, que bairro?
R - Era em Copacabana fica perto de Botafogo e a igreja ficava pertinho de Botafogo também, lá Maracanã que fala? De jogadores?
P/1 - Do estádio.
R - Pois é.
P/1 - E só moravam vocês duas?
R - Nesse local, nesse coquetel. É uma loja de coquetéis de salgados e doces. Às vezes eu trabalhava até às “tantas” da noite fazendo doces e empanando os salgados, porque tinha muito pedido pra coquetéis que fala mesmo fora, de casamento... É buffet que fala?
P/1 - Isso.
R - Eles tinham muitos pedidos e às vezes a gente trabalhava até às “tantas” da noite e não me pagaram dinheiro nenhum, sai e foi a igreja que me ajudou a vir pra cá, pra São Paulo, porque dinheiro nenhum me pagaram em um ano que fiquei nesse local – acho que minha irmã deve ter recebido pra ela, nem sei. E foi como te falei, isolei o Rio. Voltei depois de alguns anos lá, mas minha vida toda, o tempo foi aqui, que já tá completando 40 anos que eu tô aqui.
P/1 - Entendi, a senhora com a ajuda desses seus amigos da igreja conseguiu...
R - Me ajudaram a chegar aqui para mora na Paes de Barros, ali na Mooca... Ficar com a família da igreja também, dos Irmãos Spina, não sei se você já ouviu falar.
P/1 - E a senhora lembra do dia que a senhora chegou em São Paulo?
R - Eu só sei que foi no mês de maio de 70 que eu cheguei aqui em São Paulo, mas não lembro o dia não.
P/1 - Mas a senhora lembra o que achou da cidade?
R - Ah, como se diz... Achei que São Paulo fosse mesmo um país diferente pra mim, fosse outro país, né? Eu fui morar na Paes de Barros, numa casa com essa família, depois eles mudaram para a mesma avenida, mas para um apartamento onde eu fiquei dois anos.
P/1 - Entendi, e essa família na casa de quem você foi morar eram amigos do pessoal lá do Rio?
R - Lá do Rio. Eles tinham uma empresa, não sei se ainda tem, acho que não tem mais. Essa família era da igreja e participavam dessa empresa que eles tinham lá no Rio, e tinham aqui em São Paulo também – agora parece que um bocado já se acabou. Eles tinham participação no Rio, porque eles tinham essa empresa lá e eu vim com alguém deles de lá, não é que eu vim com alguém deles. Primeiro eles chegaram lá no Rio, essa pessoa da igreja me apresentou pra essa família e aí eles falaram que iam mandar o dinheiro [para] que eu viesse de táxi do Rio pra vir parar aqui, e quando chegasse aqui em São Paulo o táxi ia me conduzir até a casa deles. Não vim com ninguém, mas foi com a autorização deles de lá. E, como tô te falando, eles tinham essas duas empresas, esses dois locais no Rio e aqui em São Paulo e aqui que eu vim ficar...
P/1 - A empresa era do quê?
R - Era uma gráfica que eles tinham lá no Rio e aqui. Aqui eles tinham duas, eles faziam papéis, inclusive bíblias... Os hinários da igreja eles fabricavam tudo nessa gráfica. Eles tinham gráfica ali no Brás, parece que acabou, outra na Serra Negra e outra no Rio. Gráfica de papéis, faziam cadernos, um monte de coisas.
P/1 - E a senhora veio morar aqui na casa dessa família...
R - Vim morar na casa deles.
P/1 - Como era a relação com essa família, quantas pessoas eram?
R - Era o casal e mais dois filhos...
P/1 - Crianças ainda?
R - Não, dois moços. Um casal, uma moça e um moço. Esses moços depois casaram, fiquei com eles dois só... De repente eu quis, acho que eu te falei que queria ter a minha independência, e comecei a trabalhar em firmas e fui alugar casa e morar em casa. Mas depois da casa deles eu morei foi numa outra casa, atrás de outros irmãos também da igreja...
P/1 - Mas um pouquinho antes, essa primeira casa onde a senhora morava ficava na Paes de Barros?
R - Na avenida Paes de Barros.
P/1 - Como que foi essa experiência, esse primeiro contato com a Mooca, ali com o bairro, diferente?
R - Então, agora está mais evoluído, mas antigamente era melhorzinho lá. Como eu te falei, eu trabalhava, mas só de casa para igreja, da igreja para casa e eu congregava na igreja lá da Vila Prudente - até esqueci que outro dia passei lá e está tudo diferente – e só isso que eu fazia. Às vezes eu congregava nas outras igrejas direto, mas sempre morando nessa casa, eu ia em outras igrejas em bairros fora [junto com] uma moça que trabalhava comigo na casa deles. Mas a gente não tinha... Quando eu cheguei na casa deles achei tudo diferente: era uma casa enorme, um sobrado bem grandão; eu tomava conta da cozinha e essa outra menina tomava conta de limpar a casa, né, de arrumadeira. Fiquei dois anos nessa casa, não tinha lazer nenhum não, achei diferente o negócio das casas muito grandes, primeiro assim, casa aqui em São Paulo que eu realmente entrei, né? Não tenho outros assuntos pra contar a respeito da...
P/1 - Mooca não.
R - Da Mooca não, só tive esse contato que te to te falando de congregar e ir pra casa e de casa pra igreja.
P/1 - E como eram essas atividades na igreja que a senhora fazia? Como que funcionava?
R - A igreja continua funcionando normal, porque...
P/1 - Que tipo de atividade a senhora faz, fazia na época principalmente?
R - Assim, você fala na igreja?
P/1 - Isso.
R - Ah, tá. Eu não tenho cargo nenhum na igreja. A gente participa comum, de ter os cultos normais, né, e como continua até hoje, continua o mesmo sistema que não muda (risos).
P/1 - Mas tem alguma atividade, por exemplo de oficina, ou de bazar, ou de visitas?
R - Não, não, não. A congregação não tem esse tipo de coisa não.
P/1 - Entendi, são só reuniões...
R - Só reuniões. Tem as reuniões de jovens, de crianças, as reuniões de jovens mensais, só dos jovens especiais. Mas a atividade nossa lá é normal, têm os ministérios da (obra piedade?), de limpar a igreja, de viajarem em missão, são outros, eu não participo dessa parte ainda não porque é preciso ter aquele dom pra participar dessa parte e eu não tenho; eu sou, como é que se diz... Simplesmente eu frequentei a igreja somente nas reuniões normais, então não tenho aquele, como você tá falando, que tem igreja que tem bazar, de ter comércio... A Congregação não participa desse tipo de coisa não.
P/1 - A senhora depois de sair dessa casa da Mooca foi pra onde?
R - Fui ficar na outra [casa], de um casal também, mas fiquei pouco tempo, sai pra conseguir alugar uma casa e morar sozinha, aí tentei trabalhar em firmas, pra eu tentar o meu objetivo e estou nesse “tentar” até o dia de hoje (risos), nas correrias da vida e… Decepção. Não foi que eu quis sair de casa de família e voltar a tentar ter a minha, o que que eu te falei, o meu... Fugiu da cabeça.
P/1 - A independência?
R - A minha independência. De tentar a minha independência, como até hoje eu tento continuar tendo a minha independência, mas dentro dos regulamentos, né?
P/1 - Mas aí, quando a senhora começou a pensar em ir morar sozinha, onde a senhora foi morar, como a senhora começou a procurar?
R - Eu consegui um aluguel, uma casinha de aluguel – lembro pouco – parece que foi em Sapopemba. E depois, com isso já morei em vários lugares, depois de Sapopemba já morei em Pinheiros, em São Mateus, na Vila Prudente, também morei uma vez numa casinha de aluguel... Tem muito lugares também que eu...
P/1 - Mas essa primeira casa que a senhora foi morar, aí era sozinha mesmo?
R - Eu tava sozinha, depois eu consegui uma moça que queria também a independência dela e ficou uns tempos me ajudando a pagar o aluguel. Veio um irmão meu, veio morar comigo e eu estava em São Mateus, ficou mais ou menos uns três anos comigo, depois ele voltou pra Governador Valadares e eu continuei ficando só.
P/1 - E como foi essa mudança: a senhora que sempre morou, primeiro com a sua família, com muita gente, com muitos irmãos depois em casas de outras famílias, mas como foi essa mudança de morar sozinha? Como que era?
R - Acho que foi tipo, eu pensava isso quando eu era pequena... Quando eu tivesse assim a minha... Que eu [fosse] adulta, queria ter a minha independência pra ninguém ficar mandando em mim (risos) – escutei falar que a Dilma Rousseff é mandona – eu não gostava que ninguém ficasse mandando em mim e não gosto de mandar em ninguém, então eu queria ter a minha independência sim, de ter a minha vida, entendeu? Então, tentei me acostumar assim e até hoje acho que eu devo continuar a minha vida assim, porque acho que é o meu gênio, não é? Embora que a gente viva em trancos e barrancos, mas como se diz, pra não atrapalhar a vida de ninguém, a gente só quer atrapalhar a vida da gente mesmo e viver sozinho acho que é melhor pra mim, por isso que eu quis assim, eu que quis assim.
P/1 - Voltando mais um pouquinho Dona Geralda, nessa época a senhora foi morar sozinha em Sapopemba, né?
R - Foi em Sapopemba, isso.
P/1 - A senhora tinha saído da casa de família onde trabalhava e foi trabalhar a onde?
R - Ah, daí eu fui morar sozinha, comecei a procurar emprego nas confecções de roupas e aí consegui entrar em firmas pequenas no Bom Retiro, depois eu também trabalhei no Brás...
P/1 - E do que era essa firma?
R - Era confecção de roupas, comecei como arrematadeira de roupas, fazia acabamento de roupas de malha; depois tinha algum lugar que treinava de passar em máquina à vapor, em ferros, ferro à vapor, ferros pesados; e comecei a trabalhar nesse ramo. Fiquei um bom tempo, acho que mais ou menos uns dez anos trabalhando assim, só que eu não parava nas firmas, porque os outros falavam: “Tem uma promoção de um lugar que tá pagando melhor e que tem mais qualidade de trabalho para as pessoas”, eu sempre fiquei... O mal que eu fui fazer de ficar pulando de empresa em empresa, de firma em firma. E chegou um tempo que eu comecei a ficar cansada – ah, depois fui morar em Santo Amaro - comecei a ficar cansada com a rotina de trabalho de sair cedo de casa e chegar tarde, e depois comecei a estudar, estudava e trabalhava. Depois eu parava de estudar, aí vinha trabalhar em dois empregos: trabalhava de dia em um e a noite em outro, você tá entendendo? Eu fui ficando... É tipo a rotina... Foi assim todo o tempo, mudando sempre de endereço, de local e fui, como eu te falei, tive uma história um pouquinho ruim porque foi assim que eu, sei lá, alguém me orientava, mas eu não conseguia acho que pegar a orientação das pessoas, eu tinha que ir pela minha cabeça: começava de casas de aluguel, às vezes aumentava o preço e eu tinha que sair porque não dava para ficar pagando. Empresa, lugar que pagava um pouco melhor eu mudava. Durante dez anos eu fiz isso, depois eu fiquei cansada com essa rotina de sair cedo de casa e chegar tarde com essas conduções caóticas que tem e continua pior, né, em vez de melhorar, piora, fiquei cansada e estressada, eu falei: “Eu vou mudar de ramo” e comecei a trabalhar em limpeza. Aí trabalhei em hospital.
P/1 - Mas um pouco antes, como foi essa volta à escola? A senhora falou que trabalhava e estudava, como que foi esse retorno?
R - Então, trabalhava de dia, e pegava o horário da noite pra estudar. Isso deixa a gente cansado, porque trabalhava em pé o dia todo com máquina à vapor, tinham vezes que eu estava na máquina à vapor, outras vezes eu tava no ferro, começou a dar problema no braço, depois comecei a estudar… A minha cabeça começou não aguentar mais aquela rotina, foi [quando] eu parei de estudar e parei de trabalhar durante o dia e fui trabalhar no outro ramo a noite, assim, de limpeza que eu fazia meio período e o trabalho que eu tinha durante o dia era o período integral.
P/1 - Mas a escola onde a senhora estudou, a senhora lembra onde era?
R - Lembro que estudei nessa escola... na Santa Teresa. Como é que chama a rua que eu te falei?
P/1 - Santa Efigênia?
R - Santa Efigênia e outras escolas que eu estudei, agora estou meio confusa de outras escolas que eu entrei, não tô conseguindo lembrar...
P/1 - Tudo bem, tranquilo.
R - Você entendeu? Só sei que eu cheguei a estudar em outras escolas, mas não tô conseguindo lembrar em qual outro lugar, aqui dentro de São Paulo mesmo. E é isso que eu te falei, depois fui abandonando as escolas tudo e continuei só trabalhando. E mudei o ramo de trabalho e não consegui mais estudar na noite não e de fazer meio período em limpeza.
P/1 - Nessa época a senhora morava onde? Já tinha mudado mais uma vez?
R - Eu já tinha mudado – deixa eu ver... Tava morando em Santo Amaro - é, Santo Amaro que eu estava morando...
P/1 - Foi Santo Amaro. E como que eram essas relações de vizinhança nesses vários lugares onde a senhora morou, tem alguma lembrança?
R - Assim, essa de Santo Amaro eu lembro direitinho. Tive quando eu morei em São Mateus, a dona da casa morava no mesmo quintal [que eu], a relação que a gente tinha era muito pouca, eu trabalhava muito, chegava em casa a noite, saia de manhã, no final de semana eu tinha que descansar e fazer alguma atividade em casa – na época o meu irmão morava comigo – então eu sempre tive perseguição das pessoas, mesmo não tentando dar oportunidade pra elas me perseguirem, né? Essa pessoa, começando com ela… Essa dona da casa queira desviar o meu irmão. Meu irmão trabalhava de cobrador, ele ainda tinha 19, e ela queria desviar o pensamento do meu irmão. Uma vez, tive um pouco de discussão com ela, se ela não podia ajudar ele a conseguir caminhar no “caminho do bem” que ela não viesse colocar ele no “mau caminho”. Tive uma pequena discussão com essa pessoa e ela achou ruim comigo, por eu ter reclamado dela achar que tinha de colocar conselhos no meu irmão, que não tava de acordo. Depois sai da casa dela... Daí meu irmão saiu, foi embora nesse tempo e eu continuei sozinha, daí eu fui morar em Pinheiros, de Pinheiros fui pra Santo Amaro, onde eu fiquei sete anos... Eles invadiram a minha casa, os bandidos, começaram uma perseguição muito grande comigo.
P/1 - Mas um pouco antes ainda, falar um pouquinho mais dessa mudança no trabalho. Aí a senhora foi trabalhar com limpeza?
R - É, foi com limpeza.
P/1 - E onde que a senhora trabalhava nessa época?
R - Quando eu entrei na limpeza, entrei no Hospital São Paulo, depois do Hospital São Paulo eu tive no Edmundo Vasconcelos, hospital também que fica...
P/1 - Sempre em hospitais?
R - Sempre em hospitais.
P/1 - E como que era o trabalho nesses lugares? Correria?
R - Trabalho de limpeza é correria, né, em UTIs, trabalhava com pessoas que estavam isoladas em UTIs. Fazer a limpeza geral, né, profunda do teto ao chão. Eu gostava sempre de fazer esse tipo de trabalho...
P/1 - A senhora gostava desses lugares, do trabalho?
R - Gostava, eu trabalhava com o maior gosto e aí começou a perseguição… As pessoas quando vêem você trabalhando honestamente, alguém que trabalhe de qualquer maneira começa a perseguir, foi o que aconteceu comigo todo o tempo. Começaram a fazer coisas, calúnias comigo, lembro tudo certinho porque acontecia isso. Aí sai desse hospital, que me mandaram embora, aí vim para o Hospital Edmundo de Vasconcelos.
P/1 - Mas o que que acontecia nesses lugares ?
R - É o que eu te falei... Quando se trabalha tem muitas pessoas... Quero dizer o seguinte, porque eu sei que tem muitas pessoas que passam pelo que eu passei, de ver você tentar fazer o trabalho correto e alguém – acho que deve ser quase igual aos políticos – começa a querer fazer com que você faça [o trabalho] de qualquer maneira e se você não tem condições e você quer fazer as coisas do jeito que manda o figurino, do jeito que você assinou no contrato, eles começam a te perseguir, foi o que aconteceu comigo. Começaram a me perseguir porque eu queria as coisas corretas e não faltava. Depois que eu entrei na limpeza perdi muitos trabalhos como esse daí, por causa de gostar de trabalhar naquela função e tentar fazer o trabalho corretamente, você entendeu? As próprias colegas começavam a me perseguir... Nas confecções de roupa não, lá normalmente davam apoio nas coisas, mas quando eu entrei pra outra função foi perseguição até o último instante do tempo que eu trabalhei... Então foi isso, as relações que eu tive entre as pessoas, não foram aquelas relações boas das pessoas me ajudarem, me apoiarem, não sei. Tem horas que eu fico pensando: “Por que será que eles me perseguiam? Será que era por que eu tentava fazer as coisas direitas e eles faziam de qualquer maneira?”. Eu não faltava, não levava atestado, e a maioria achava que eu tinha que fazer igual a eles, entendeu? Foi meio ruim as relações, depois que mudei de ramo de trabalho eu nunca tive aquele sucesso como deveria ter.
P/1 - E a senhora mudou de hospital depois disso?
R - Mudei de hospital, [fui pro] hospital particular Edmundo de Vasconcelos, fica ainda na Santa Cruz, perto do Hospital São Paulo, e com isso deu tentando me organizar lá, foi a época que começou a perseguição comigo na minha casa onde eu morava...
P/1 - Em Santo Amaro?
R - Em Santo Amaro, na favela que existe lá ainda, em Santo Amaro no Jardim Solange, você conhece lá não, depois do Jardim
ngela?
P/1 - Sei.
R - Pois é, comecei a construir a minha casinha num barranco, e trabalhando de meio período – das duas às dez da noite – nesse hospital mesmo. Antes, voltando atrás no Hospital São Paulo, eu carregava latas que desocuparam de margarinas, de óleo, pra eu poder vender e comprar as colunas para construir a minha casinha em Santo Amaro – isso mexe na minha cabeça até hoje. Comecei eu tava num barraquinho, na beira do barranco, e quando chovia a água entrava tudo, tinha de colocar, como é que fala, tijolo porque não tinha cama (risos), colocava uma tábua por cima pra água passar por baixo. Comecei a construir essa casinha, meu irmão até veio de Minas, o outro irmão, que já é pai de família, me ajudou a construir essa casa do lado de baixo e acabaram... Eu com o maior sacrifício construindo essa casa, carregando lata pra comprar as colunas, e quando comecei a construir a minha casa, que já estava um pouquinho adiantada... Nessa altura já tinha mudado para o Hospital Edmundo de Vasconcelos, porque tinham me mandado embora do Hospital São Paulo, e eu construindo a minha casa num maior sacrifício, que era aquele sonho que eu tinha, de ter aquela casa naquele lugar, começou a perseguição dos bandidos pra tomar a minha casa e acabaram tomando, tentaram me assassinar lá dentro de casa, e tive que pedir a conta do hospital.
P/1 - Como começou esses problemas, lá no lugar onde a senhora morava?
R - É... Tá tudo claro na minha cabeça... Teve um homem, um tal de Turco, que ele começou a invocar comigo lá, mas eu não morava na terra dele, que era a terra do Turco, que tinha do outro lado, esse outro lado era a favelazinha, não era muito grande, era pequena. Ele começou a invocar comigo e disse que eu tava construindo no terreno dele, foi chamada a Prefeitura pra olhar e viu que não era terreno dele, foi colocada a divisão direitinho e dessa data pra cá ele colocou os bandidos pra me perseguir na área. Eu sei que tem gente que passa por isso ainda. Foi a perseguição em cima de mim, não adiantou porque o Fórum de Santo Amaro não resolveu, a delegacia não resolveu e deixaram os bandidos tentar de me matar dentro de casa. Foram vários BOs que eu registrei, mas ninguém fez nada...
P/1 - E chegaram a entrar na sua casa?
R - Chegaram, chegaram... Porque eu tava construindo embaixo e meu barraquinho em cima, na parte debaixo que era um barranco... Você sabe como é um barranco é um lugar acidental, eu tentei tirar as saídas das chuvas, gastei muito nesse local e o que acontece? Por eles eu sei que foi isso, esse rapaz lá, esse Turco, esse senhor que colocou os bandidos pra me perseguir na área. Eles começaram a me perseguir, me ameaçar de morte e tinha uma família pertinho de mim que eu sempre trazia coisas do hospital pra eles, porque sobrava comida, leite, sobrava tudo e eles me davam e eu trazia pra essa família e essa família se uniu com esse tal de Turco pra poder me tirar fora da área e colocaram... o Turco tinha dinheiro, acho que começou a soltar grana na mão dos bandidos para os bandidos me perseguirem. Tentei apurar esses fatos, tá lá os processos no Fórum de Santo Amaro, na delegacia, mas ninguém fez nada até hoje – isso mexe com a minha cabeça – eles pegaram e tentaram me ameaçar e eu não sabia o porquê que eu denunciava, fazia o BO na delegacia das ameaças que eles me faziam, e cheguei a relatar que era o problema do Turco. Chamaram o Turco lá, acho que foi comprando cada vez mais eles. Agora acontece quase um problema [parecido] onde que eu moro, mas aí não é tipo de... É um assunto semelhante a este.
P/1 - Nessa ocasião...
R - Eles tentaram me matar dentro de casa, isso foi em dezembro de 96, fiquei lá até 97 e eles me perseguindo.
P/1 - E como foi isso, o dia que eles entraram?
R - Eles tentaram me assassinar dentro de casa, de madrugada. Chegaram, me chamaram na porta, porque eu tava trabalhando de noite... De tarde, não era de noite. Eu chegava do trabalho às 11 horas da noite e daí... Não, espera aí, nessa data eu já estava trabalhando a noite... Não trabalhava a tarde – eu tô meio confusa agora...
P/1 - Tudo bem.
R - Só sei que... é isso aí, chegava em casa 11 horas da noite e daí esse dia eu fui dormir, quando foi duas horas da manhã as meninas me chamaram, mas a perseguição já estava há um ano, eles me perseguindo e eu registrando os BOs, pedindo socorro lá e ninguém fez nada e eles continuaram me perseguindo. Quando foi nessa data que eu tô te falando, eles falaram que iam me assassinar dentro de casa, tentaram mesmo, Deus me guardou. Quando foi mais ou menos duas horas da manhã, me chamaram na minha porta e eu conhecia o rapaz que tava me jurando mesmo me matar, ele falou que era outro nome, quando eu vi na brechinha do barraco, eles descendo – ele desceu [com] mais uma outra pessoa, que eu não sei quem é, um outro rapaz – e me chamou na porta, quando ele me chamou eu respondi, já vivia assustada lá, e eu falei assim: “Por favor, se retirem da minha porta porque eu trabalho e tenho que dormir”, aí eles começaram a atirar. Foi tiro, mas foi tiro e eu abaixei; e jogaram tanto tiro, não acertou em mim, acertou no guarda-roupa que tinha ao meu lado, na geladeira do outro lado. Depois disso tentaram me assassinar nesse dia e eles continuaram me perseguindo, a delegacia não fez nada, nada, nada. As pessoas falavam: “Cuidado você chegar aqui de noite, a tarde, porque eles estão por aí, eles vão te matar”...
P/1 - Os vizinhos?
R - Os vizinhos... Uma vizinha que eu tinha lá e mais uma outra. Eu peguei e comecei a fazer o seguinte: eu saia do trabalho, quantas vezes eu dormia na... Fiquei esse tempo todo, quase que seis meses eu dormia pelos terminais de ônibus e chegava de manhã cedinho - de manhã cedinho eu sabia que eles se isolavam - eu chegava de manhã cedinho e me trancava e cuidava das minhas coisas e quando fosse a hora de sair para o trabalho, sempre as crianças me acompanhavam, algumas crianças me acompanhavam, eu ia, mas não dormia em casa preocupada deles me matarem, mesmo dentro de casa de noite, com isso eu fiquei seis meses. Quando foi em junho de 97 eu sai e fui pra Minas, uma vizinha disse: “Eu tomo conta aqui pra você e você vai e sai daqui um pouco porque eu vou falar que eu comprei até acalmar a situação e depois você dá um jeito de voltar”, aí eu fui pra Minas, de novo para Governador Valadares com o sentimento de ir embora para os Estados Unidos.
P/1 - Daí você foi morar novamente na casa da sua mãe, dos seus irmãos?
R - Não, minha mãe já não estava mais viva, do meu irmão... Da minha mãe, entendeu, eu fiquei lá. E com isso eles invadiram a minha casa, a minha vizinha tentava... Mas mataram uma pessoa na porta da casa da minha vizinha que ficou tomando conta pra mim e aí ela saiu da casa dela, trocou com outra pessoa e abandonou lá, abandonou e eles invadiram a minha casa com tudo dentro... Ainda vou tentar mexer com isso, porque até o momento ninguém fez nada – ai, mexe muito na minha cabeça. Fui embora pra Minas, como eu tô te falando, fiquei lá quase um ano, de lá eu fui pra Foz de Iguaçu ficar com minha outra irmã que tava lá e de lá eu voltei pra São Paulo de novo, foi em 98...
P/1 - Mas em Minas, quando a senhora voltou pra lá, a senhora falou que teve a intenção de sair do Brasil também?
R - Foi, eu tentei...
P/1 - Como foi isso?
R - Eu tentei. Meu irmão estava nos Estados Unidos e eu pedi a ele que me ajudasse ir embora para os Estados Unidos. Meu irmão tentou fazer documentação falsificada pra mim e quase que a gente foi preso, e mesmo assim não conseguimos – foi cabeça dele fazer – ele falou: “Não, porque você chegar lá nos Estados Unidos você pode me trazer problemas”, porque ele tinha de ser responsável, mesmo jurando que eu não ia trazer problemas para ele, ele não acreditou em mim e foi tentar falsificar documentos. Fui parar lá no Rio Grande do Sul... Santa Catarina, Rio Grande do Sul não, como é que chama o outro estado que tem é... Rio Grande do Sul não, Santa Catarina... Não, como é que chama que tem dois nomes iguais é...
P/1 - Mato Grosso, Mato Grosso do Sul?
R - Não, não. Rio Grande... Santa Catarina... Esqueci o nome do local onde eles falsificavam documentos, fui parar nesse local, nesse estado e tentaram fazer a documentação, porque tudo era o meu irmão que me conduzia para os lugares, e eu sem querer fazer aquilo acabei fazendo, depois descobri no Rio de Janeiro de um “bocado” que eles prenderam, quase que me prenderam também, mas conseguiram tirar fora o passaporte falsificado aí acabou de arrasar tudo e não consegui ir e disse: “Não vou tentar mais”. E de lá eu tentei fazer, porque minha outra irmã disse: “Vamos tentar fazer de um outro jeito, arrumar agências pra arrumar renda, tinha que declarar renda e tal pra fazer o passaporte e com declaração de rendas também foi negado, aí me “abusei” lá em Foz de Iguaçu, vim pra cá de novo, inclusive onde eu tô morando aqui, eles não sabem, porque eu disse: “Deixa eu ajeitar a minha vida” para eu poder especificar pra eles onde eu estou. Eles sabem que estou em São Paulo, mas não sabem que eu tô na Zona Leste. Voltei pra cá, cheguei aqui, fui morar numa pensão e dessa pensão, lá do centro de Santana, eu pensei: “Eu vou ter que voltar a trabalhar em firmas de novo”, aí consegui alugar casa... Não, eu fui ficar numa casa de família lá em Guarulhos com um casal de engenheiros...
P/1 - A senhora morava em Santana e trabalhava em Guarulhos?
R - É, eu fiquei em Santana numa pensão e dessa pensão eu entrei numa firma que tinha dentro da... Aeronáutica, em Santana? Tem uma Aeronáutica em Santana?
P/1 - No Campo de Marte?
R - Isso, no Campo de Marte, ali. Fiquei uns dois meses só, depois eu sai e fui ficar na casa dessa pessoa lá em Guarulhos, fiquei cinco meses e de lá, o que que eu fiz? Eu comprei esse lugarzinho onde que eu tô, foi isso que aconteceu e fui trabalhar dentro do metrô na limpeza, com a Brasanitas?
P/1 - Então a senhora foi morar em Arthur Alvim?
R - É, agora onde que eu tô.
P/1 - Entendi.
R - Já tá completando dez anos.
P/1 - Como que a senhora foi trabalhar no metrô?
R - Eu consegui, a limpadora, né, no metrô é a Brasanitas – outra que acabou comigo (risos) – aí fui trabalhar no metrô pela Brasanitas, entendeu? Fiquei três anos e sete meses trabalhando dentro da estação do metrô, várias estações, eles transferiam a gente por tudo que era estação. Trabalhei em várias estações o mesmo trabalho, o mesmo serviço, só que em várias estações.
P/1 - E como que era o trabalho no metrô? Como que funcionava? Vocês ficavam o dia inteiro?
R - Eu falei que gostava... Lá tem vários períodos, né? Eu gostava muito de trabalhar na limpeza, é nisso que entrou todas as tristezas da minha vida, porque todo tempo das coisas que eu gostei não tive resultado. Eu trabalhava primeiro quando eu entrei na Brasanitas, fui trabalhar dentro da estação de trem, ela fazia a estação do trem, as estações do trem ferroviário e fazia o metrô, daí eu pedi a transferência para o metrô porque tinha uma vantagem a mais: eu entrava no mesmo horário e sai mais cedo – eram uns 20 minutos mais cedo – e lá a gente tinha uma vantagem a mais de benefícios de tíquete refeição que não tinha na estação de trem, e fiquei três anos e sete meses, acho que na estação do trem fiquei uns cinco meses e o resto do tempo fiquei no metrô.
P/1 - Vocês ficavam o dia inteiro no metrô mesmo, embaixo da terra sem ver a luz do dia?
R - Não, porque lá eu limpava as estações.
P/1 - Ah tá, a parte de cima?
R - É, eu comecei fazer sobre lavagem, lavação de máquinas nas borrachas. Assim, primeiro eu trabalhei dentro do metrô São Bento, lá a gente fazia a lavação dos pisos, também com máquina, aí depois me transferiram para a estação que tinha borracha, você entendeu, como na Tatuapé é só borrachas, então a gente fazia lavação...
P/1 - No piso de borracha?
R - Piso de borracha, isso a noite, eu trabalhava a noite toda, escolhi a noite e fazia aqueles trabalhos com gosto, com tudo. E mesmo sendo perseguida por alguém, os metroviários têm um bocado deles que são legais, mas outro bocado é problema grave porque trouxeram [problema pra] lá pra muitas pessoas, no fim trouxeram pra mim também. Eles são muito exigentes, mas mesmo assim tinha que tá cumprindo aquela meta, aquela ordem dos contratos que a gente fez e tava cumprindo tudo bonitinho. Pra resumir o assunto, a gente é transferida pra vários lugares das estações, onde mandaram tinha que ir e eu ia. No fim eu pedi a transferência para lavação dos trens mesmo que ficava – parece que suspenderam isso – lá no PIT de Itaquera, que fica a lavação dos trens, então sai de lá. Lá a gente lavava os trens, os metrôs a noite toda, tinha que fazer a lavação dos metrôs e todos os carros, que a gente fala vagão, mas lá eles falam os carros, né, do metrô. E com isso um funcionário do metrô lá, um cara que eu sempre brincava e ele sempre brincava com a gente, jogou uma calúnia em cima de mim e quando pensei que estivessem me promovendo de um cargo me jogaram foi fora da estação...
P/1 - E aí a senhora saiu do metrô?
R - Foi, me mandaram embora, foi uma calúnia tão forte que tá aí na justiça comum, da de resolver o meu caso de jeito nenhum. Essas duas coisas mexem na minha cabeça: o de Santo Amaro e mais essa calúnia que os metroviários me fizeram...
P/1 - Mas qual foi o motivo dessa saída, a senhora sabe?
R - Então, eles me caluniaram: eu respondi ele uma brincadeira de uma coisa que eu sempre tava acostumada a brincar com ele. Ele tomou como... Ignorou, e falou que para eu responder a ele daquela maneira, eu devia estar drogada, por duas [vezes] ele me falou isso. Eu também, como se ele tivesse falado comigo com brincadeira mas não foi, e começaram a ficar um pouco indiferente comigo e essa indiferença durou umas duas semanas e com duas semanas eles fizeram um relatório que foi parar no sindicato da gente e quando fui chamada no escritório que ficava na Marechal Deodoro pra eu conversar com o chefe de lá, com o supervisor. Essa conversa foi pra me mandar embora. Adiantou eu lutar com isso daí? Não adiantou. Tá até hoje isso mexendo na minha cabeça. Quando fui descobrir o porquê que me mandaram embora eles fizeram um relatório de uma acusação – de coisa que eu nunca fiz, quando eu lembrava disso a pouco tempo dava um pânico de choro – deles terem falado que tudo que mandava eu fazer, que eu... Como é que se diz, renegava, sei lá o que falou lá, disse que eu não fazia, contestava em tudo e que eu tava sempre junto dos metroviários buscando algo que não deveria, de reclamar da empresa – eu não fazia isso – que eu reclamava da empresa e que eu trabalhava com má vontade e eles podiam alegar que eu faltava, mas eu não tinha nenhuma falta, três anos e sete meses não tive nenhuma falta, nunca levei um atestado pra eles, nunca levei uma advertência. Com isso era para a empresa, alguém da Justiça, ter apurado isso pra mim, porque isso mexe na minha cabeça, tinham que fazer uma apuração e não fizeram, jogaram foi somente as calúnias que eles fizeram e ficaram por isso mesmo, você entendeu?
Não procuraram ir em busca da minha conduta dentro da empresa – eu tenho a minha consciência limpa completamente, porque não dei motivo pra ele, não levava atestado, não faltava, nunca assinei uma advertência, porque a maioria das pessoas lá assinavam advertência direto por chegar atrasada, por faltar, por levar às vezes atestado falso, eu nunca fiz isso, e eles jogaram essas acusações [dizendo] que eu recusava tudo que me mandavam fazer, inclusive comecei a trabalhar lá na estação do trem, fui até o PIT, terminei no PIT, que é o contrato que a gente assina, é a onde bota a gente pra trabalhar e assim eu fiz, mas mesmo assim me jogaram calúnia porque disseram que eu não fazia as coisas que deveria e com isso os danos morais que me causaram fizeram um processo muito bem feito, está entre a Justiça com o advogado. Eu tive que processar o advogado que foi da Procuradoria, fizeram um processo muito bem feito, mas não deu a minha causa, você entendeu?
P/1 - E quando foi que tudo isso aconteceu?
R - Então, isso foi em novembro de 2002 que eles me mandaram embora e quando comecei a descobrir tudo foi em outubro de 2003, aí já logo coloquei o advogado, advogado não ajudou a resolver o problema, o advogado particular, porque ele só entrou com trabalhista, mas não quis entrar [com] os danos morais, podia ter entrado os dois juntos, né, e o meu trabalhista que foi no Fórum da Barra Funda, também não deram minha causa, meus direitos. Eu tirei esse advogado e coloquei um outro, que também não resolveu, porque quando um apronta uma barbaridade o outro não vai resolver. Entrei com danos morais aqui na Procuradoria Geral do Estado, que agora é Defensoria Pública, mas tá lá defendendo não sei o quê, porque as pessoas continuam passando os problemas [pra mim]. E aí, o que aconteceu? Na época que estava entrando na Defensoria Pública, tava o meu processo ainda lá porque estavam tentando resolver pra mim e ninguém resolveu, diziam eles que tinham arquivado o processo, mas como arquivaram o processo sendo que a advogada não entrou com o recurso quando eles chegaram lá no... Foi a turma da Brasanitas que foi a testemunha, eles mandaram que colocassem as pessoas que viram o acontecimento: que foi uma encarregada, uma funcionária que estava junto de mim e mais a supervisora, então as três da Brasanitas, e mais os três que... Dois que me acusaram com mais o outro do metrô. Chegou lá e fizeram uma panela só que eu acho que jogaram ameaça em cima dos funcionários da Brasanitas, porque é assim que eles fazem mesmo, eles acham que são os poderosos, então os funcionários de empresa terceirizada que trabalha dentro do metrô tem que ficar por debaixo do pé de algum metroviário, e aí, o que que fez? Ao invés das testemunhas, que me mandaram colocar na Justiça, me ajudarem a defender, jogaram foi mais calúnia em cima de mim perante a Justiça. Juiz, acho que não tinha luz, disse que era para arquivar o meu processo, mas eu ainda estou em busca disso porque agora vou lutar dentro da CBN pra ir lá resolver isso. Então, isso mexe na minha cabeça das coisas. Como pode acontecer [essas] coisas na vida das pessoas, né?
P/1 - A senhora depois disso continuou morando em Arthur Alvim?
R - Continuo lá no mesmo local.
P/1 - E a senhora começou a trabalhar com alguma outra coisa?
R - É, agora eu faço sabão caseiro e estou tentando sobreviver com isso, vender e comercializar isso daí. Eu estava trabalhando na feira, mas depois deu problema na minha perna, trabalhava com lanches, inclusive eu tenho registrado algumas coisas como autônoma. Depois começou a dar problema na minha perna de andar muito, então eu parei com isso e estou fazendo essa parte de fazer sabão. Eu tenho um pouco de freguês.
P/1 - E a senhora vende em casa mesmo? Como é?
R - É, eu vendo em casa, levo nas feiras também, porque às vezes tenho as freguesas nas feiras, porque na época que eu vendia os lanches, vendia o sabão também, aí os lanches eu parei, mas o sabão eu continuo com algumas freguesas. Estou sobrevivendo com isso, inclusive os funcionários do metrô sujaram a minha conduta de uma forma tal... Agora estou tentando organizar junto da CBN com esse negócio de e-mail, como eu to te falando, aquele e-mail que eu fiz para eu poder ficar passando pra eles, já comecei a jogar alguma parte do acontecimento meu lá e depois eu vou jogar essa parte do metrô, entendeu? Eles sujaram a minha conduta de uma forma que depois que eu sai do metrô eu não consegui mais emprego em lugar nenhum, e cadê que a justiça ajuda a resolver isso, cadê que eu acho um advogado que ajuda a resolver isso. E olha, logo em seguida que eu sai, foi em 2003, mandei currículo pra vários hospitais, porque eu já tinha a prática de trabalhar a noite. No Santa Marcelina, fica lá perto da gente, fui várias vezes tentando a vaga, não me falam o porquê e a minha vaga também não me deram. Fiquei até 2004 tentando [mandar o] currículo para os lugares, mas agora nem procuro mais porque agora com mais idade, piorou, mais tempo parada de trabalho aí que eu não consigo mesmo. E agora vou jogando as coisas na CBN pra ajudar a resolver isso daí.
P/1 - Agora que a senhora falou, a senhora já tinha comentado um pouco sobre a senhora estar aprendendo a mexer com internet, como é que começou isso?
R - Agora surgiu na minha cabeça que eu tenho que aprender computação – ainda bem que tem o telecentro perto de mim, estão aguentando as pontas comigo (risos), já fiz o primeiro, o segundo, o terceiro curso e vou entrar para o quarto (risos); eu falo: “Agora ou vocês vão me expulsar daqui, ou eu saio aprendendo alguma coisa”. E com isso eu marco com eles todas as tardes, agendo lá e vou tentando passar os e-mails – já passei vários pra CBN, só não sei se já “jogaram” mensagem porque eu não sei achar… Sobre o problema que está me acontecendo lá na área, que eu nem posso ficar falando os problemas que estão lá, porque vai que acontece o problema que me aconteceu em Santo Amaro, isso não pode mais me acontecer.
P/1 - A senhora não quer falar sobre esse assunto?
R - Então, os marginais estão na área, eu não posso jogar isso dentro de uma imprensa, porque se eles souberem do negócio, não posso deixar isso sair no ar não...
P/1 - Tudo bem.
R - E tanto é… Se eles descobrirem que estou passando os e-mails… Já tive ameaça forte lá com eles porque teve policial que já passou denúncias pra eles e já me ameaçaram dentro da minha casa. E agora estou tentando apurar isso nos órgãos públicos criminais, mas mesmo assim estou correndo risco, correndo risco. Estou tentando passar os e-mails a respeito disso lá pra CBN pra me ajudar a resolver...
P/1 - E a senhora vai todos os dias, tem uma turma, como é que funciona?
R - Eles fazem as inscrições pra gente, todo mês, por enquanto eles suspenderam os três horários... Só tem o horário da noite, das seis às oito da noite, das 18 às 20, né? E eu tô fazendo esse curso.
P/1 - A gente já ta indo para o finalzinho.
R - Eu tô tomando o seu tempo aí, e vocês nem almoçaram.
P/1 - Só continuando, a gente estava falando do telecentro onde a senhora faz os cursos, a senhora tava falando como funcionava, da turma.
R - Então, veio na cabeça: “Eu tenho que fazer qualquer coisa a respeito da internet, porque eu não quero ficar dependendo das pessoas e nem dá para ficar pagando”; falei: “Deixa, eu vou ter que entrar nos cursos, vou procurar e vou ter que entrar num curso, pagar eu não vou”. Consegui esse telecentro que eu já sabia que tinha esse telecentro – mas eu não sabia que não pagava – lá perto de casa. Agora eles estão me aguentando lá pra tentar aprender a mexer com o computador. Eles têm várias turmas de terceira idade, de jovem, até de crianças com autorização dos pais pode ir lá para aprender [a mexer no] computador, ou fazer digitação tudo de graça, não paga. Eu comecei a fazer o curso, isso foi no ano passado, em outubro eu me cadastrei com a professora e fiz o primeiro curso. O primeiro curso que a gente faz são 20 horas, e aí nessas 20 horas são todos os dias da semana, das seis às oito e vai de segunda a sexta. Eles dão certificado, eu não aprendi nada (risos), nem ligar o computador, porque é muita coisa que a professora explicava então aquilo fazia aquela confusão na minha cabeça. Quando eu ia ligar o computador, às vezes eu ligava mas não sabia onde que eu tinha que fazer o texto, ou na internet, ou sei lá mais o quê, ou jogo, não sabia, não sabia manusear o mouse pra colocar naquilo que eu queria e muito menos depois pra achar aquilo que eu tinha que fazer. Foi nessas primeiras duas semanas, depois eu cadastrei de novo, me inscrevi de novo fiz mais outra vez com ela, agora que eu tô conseguindo tentar achar como que entra na internet (risos), agora a gente está na meta de, como é que chama, tabela de contas, e agora entrou um professor que ele é mais paciente, não joga muita coisa de uma vez, agora tá dando pra eu pegar alguma coisa. Inclusive, ontem fazendo a tabela de contas da matemática, tô começando a “capturar” alguma coisa na minha cabeça, vou todas as tardes, eu pego uma hora antes - hoje mesmo eu vou de novo - uma hora antes de começar o curso pra eu poder fazer essa digitação pra eu treinar, mas mesmo assim eu estou péssima, mas estou me esforçando, preciso... Agora a CBN vai ter que me aguentar... Os comentaristas da CBN de e-mails… Vou passando pra lá, porque eles são de conseguir, de resolver, debater com as coisas, vão me ajudar porque a única solução são eles, porque não sei mais onde buscar solução sobre os problemas que aconteceram comigo e que está acontecendo com as pessoas junto a mim de não atenderem. Eu falei: “agora tentando fazer a internet, pelo menos tentar entender o e-mail” vou começar a buscar a CBN, vai ter que me aguentar; agora o telecentro e a CBN vão ter que aguentar as pontas comigo.
P/1 - Então Dona Geralda a gente já tá indo pro finalzinho da entrevista...
R - Chegando no finalzinho...
P/1 - Vou fazer umas perguntas: quais são hoje as coisas mais importantes, para a senhora, na sua vida?
R - Mais importante hoje... Você quer saber assim, algum objetivo?
P/1 - A senhora tem um sonho, enfim... Quais são seus sonhos hoje, seus objetivos? Coisas importantes na vida da senhora hoje.
R - Ah, tá... eu tenho um sonho sim, de movimentar um negócio que eu já tenho ele e viajar para outros países, inclusive o meu debate, estou lutando com isso porque eu me cadastrei numa empresa que ela... Entrou na minha cabeça, ela é uma empresa que eu nunca vi em mundo nenhum, a organização que ela tem, só que já faz um tempo que me cadastrei… Nem vou falar. Todas as pessoas que se cadastram nessa empresa logo já encontram os seus objetivos rapidinho, rapidinho eles têm o seu sucesso. Eu, como na época que eu me cadastrei entrou esse problema lá onde que eu moro, que mexe muito com a minha cabeça, está me atrapalhando a movimentar esse negócio que eu tenho, é um negócio que todo mundo pode conhecer e todo mundo pode entender como é a organização dessa empresa e também o objetivo que ela tem para as pessoas, o fundamento dela para as pessoas, o projeto que ela tem. Tenho esse objetivo comigo de lutar com essa empresa, foi a única que eu consegui encontrar de honestidade, que fornece realmente as pessoas que ingressaram nessa empresa. Ela começou a dedicar o projeto que ela tem pra todo mundo no mundo inteiro. Ela tem condições realmente de alcançar os seus objetivos além do que [você] sonha. Estou lutando com isso daí, tenho esse objetivo, de conseguir assim um grande... O meu sucesso vai começar com uma grande rede que eu tenho dentro dessa empresa, eu tenho que formar uma grande rede... Não é rede que fala primeiro, como é que começa para formar uma rede, como é que começa? Equipe. Eu tenho que formar uma equipe nessa empresa, e dessa formação de equipe se chega numa rede, e aí com isso, quando as pessoas conseguem formar uma rede nessa empresa, elas conseguem realizar todos os objetivos que ela consegue sonhar, tem o sonho de muitos anos.
Isso daí que é o meu objetivo, assim que eu conseguir eliminar esse problema que eu tô lá nesse local, eu vou trabalhar junto dessa empresa para ajudar muitas pessoas. A gente tá se ajudando e ajudando as pessoas também, pra gente crescer (risos) e a realizar os objetivos, porque ela fornece várias viagens para todos os países, dentro do país da gente mesmo… Um ajudando o outro. Ela fornece viagens pra gente ajudar os demais em outros países, no mesmo estado da gente, então o meu objetivo agora é esse: terminar de resolver o meu problema nesse local pra eu conseguir com a sociedade, junto dessa empresa, realizar os meus sonhos e objetivos.
P/1 - A senhora quer falar mais alguma coisa que eu não perguntei?
R - Ixi, agora não to mais lembrando de nada, parece que eu falei tanto (risos).
P/1 - Só a última pergunta: como foi contar essa história, o que a senhora achou dessa experiência?
R - Então, é ótimo vocês fazerem isso para as demais pessoas, como eu quero dizer à você, eu sei que os problemas que eu tô te passando aqui tem milhões de pessoas que querem desabafar com alguém, pra conseguir movimentar alguma coisa que está na sua mente, e é o que eu desejo, fazer a divulgação para as pessoas. Às vezes as pessoas precisam da gente pra ir em busca deles, para ajudar, desabafar alguma coisa que fica preso dentro de si. Os problemas que eu tô falando aqui, do que eu passei, da minha história que foi um pouco ruim, como falei, eu sei que tem um milhão de pessoas na minha frente e um milhão atrás de mim que estão passando pelas mesmas condições. E se nós, como se diz, formos tentar ajudar essas pessoas na busca de realizar o objetivo… Isso é o que eu desejo: que vocês ajudem a orientar cada um, ouvir de cada um alguma coisa que querem fazer e às vezes tem um obstáculo na frente e está em busca de solução pra tentar resolver. A gente sabe que todas as coisas têm solução, e tem muitos que às vezes ficam morrendo torturadamente porque não encontram alguém que dê uma mão, que converse e vá em busca de solução. Então esse é o meu objetivo... Foi o que você não me perguntou.
P/1 - Então tá certo, Dona Geralda, muito obrigada.
P/2 - Obrigada.
P/1 - Foi ótima.
R - Então, alguma coisa que foi a mais...Recolher