Museu da Pessoa

Do Rio de Janeiro para Foz do Iguaçu

autoria: Museu da Pessoa personagem: Miguel Jorge Neto

Projeto Memorial do Trabalhador
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Miguel Jorge Neto
Entrevistado por Cláudia Leonor
Foz do Iguaçu, 28 de agosto de 2002
Código: ITA_CB004
Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha



P – Bom, eu vou pedir pra você falar de novo seu nome completo, local e a data de nascimento.

R – Bom, o meu nome é Miguel Jorge Neto, data de nascimento 2 de janeiro de 1952. Conforme eu já havia falado eu sou catarioca, ou seja, um catarinense registrado como carioca e vivi minha juventude toda no Rio de Janeiro.

P – Mas porque o catarioca?

R – Porque eu nasci em Santa Catarina efetivamente e fui registrado como carioca.

P – Ah, de que cidade de Santa Catarina?

R – Coqueiros.

P – Mas faz fronteira?

R – É perto da cidade de Florianópolis, da grande Florianópolis. Ta bem próximo da cidade de Florianópolis.

P – Certo. E o nome dos seus pais?

R – Rubens Jorge e Amália Moreira Jorge.

P – E qual que é a atividade do seu pai?

R – Eu nasci em Santa Catarina justamente por causa disto. Ele era militar, servia no quinto de marinha lá e eu nasci lá. E depois ele foi transferido para o Rio de Janeiro. Aí ele me registrou lá no Rio de Janeiro pra não pagar uma multazinha. Ele me registrou como carioca nascido lá naquela época.

P – (risos). E me fala uma coisa, já indo direto ao assunto. Quando que você ouviu falar pela primeira vez de Foz do Iguaçu, que você veio aqui a primeira vez? Como é que foi?

R – Bom, tem algumas histórias contáveis e outras não.

P – (risos). A que você puder contar.

R – Aquela que eu posso contar é que tinha um general amigo meu, eu era gerente de pessoal do departamento pessoal de uma multinacional e segurança chamada _______________ do Brasil, e ele falou: “Olha, nos temos, tem a hidrelétrica de Itaipu que ta nascendo, vai ser a maior hidrelétrica do mundo etc. Eu acho que este projeto seria bom, nós estamos precisando de uma pessoa com a sua experiência na área de folha de pagamento, de pessoal etc e também com o conhecimento contábil que você tem. Você não quer encarar este desafio?” Eu falei: “Eu quero, me interessa, é claro.” Nós vimos as condições e eu vim pra cá teoricamente pra passar quatro anos, cinco da minha vida.

P – Quantos anos você tinha, Miguel?

R – Eu tinha 22 anos.

P – E quando você chegou aqui, como é que você...

R – Eu tomei um susto. Eu vim do Rio de Janeiro, era uma cidade pequena. Nenhuma estrutura. Hoje o que vocês vêem aqui em relação ao que era. Não tinha nada na cidade. Tanto é que eu era noivo, voltei lá, me casei rápido e voltei com a esposa (risos). Porque senão. A cidade era bem sem infra-estrutura. Aí que eu vi que o meu desafio seria maior ainda, né. Claro que me encantei pela beleza das cataratas. Bonita. Nós não tínhamos vila residencial, não tínhamos nada.

P – Onde você morava?

R – Em hotel. E depois eu aluguei uma casa pequena até sair as casas da ________. Isto foi em 74. Em 1974. As casas de Itaipu começaram a ser construídas em 76 por aí, 77. Então tiveram casas mesmo em 78, final de 78, 79 se não me engano.

P – E durante este período você ficava o tempo...

R – Não, eu, no início, em agosto de 74 eu passava 15 dias aqui e 15 no Rio. Em novembro de 74 comigo te falei eu fui lá, busquei a noiva, casei. Aí eu já fiquei definitivo aqui.

P – Mas você tinha um grande amigo aqui que morava com você aqui no hotel.

R – Meu primeiro grande amigo, Alberto Cotrin.

P – Como vocês se conheceram?

R – Inesquecível Alberto Cotrin. Nós nos conhecemos no avião vindo pra cá. Ele como um coordenador e assessor do diretor técnico que também se chamava Cotrin. Alberto Cotrin por coincidência era o mesmo nome. E começamos a conversar. Ah, tô indo pra tal _______. Eu também. Porque era o caminho que Itaipu indicava pra nós. Quer dizer, era ______na época. Então nós viemos, ficamos no mesmo hotel e almoçávamos juntos e tal. A amizade foi crescendo. O escritório da Itaipu foi neste hotel _______. Até que nós conseguimos alugar um galpão lá no centro da cidade. Aí que começou a desenvolver um pouco a Itaipu. Começou a chegar o pessoal, a admitir, fazia pagamento, estas coisas. E o Cotrin sempre comigo.

P - Que estágio que tava quando você chegou aqui?

R – Não tinha nada. Isto aqui por exemplo você não tinha uma estrada pra vim pra cá. Você tinha uma estradinha pequenininha. Mato, mato. Isso aqui era morro. E mato. Não tinha nada. Nada.

Tanto é que o primeiro almoxarifado da Itaipu tava no centro da cidade, o primeiro escritório foi no centro da cidade. Então algumas fotos que eu passei pra você que tinha aquela construção do canteiro de obras, aí que começou as máquinas a abrir estrada, abriu o canteiro de obras de Itaipu. Começou a ser montado.

P – Quando você fala canteiro de obras, você inclui o que assim, pra uma pessoa que é leiga assim que nem eu.

R - A palavra mesmo diz de canteiro de obras. Aonde foram montados os primeiros escritórios de obras, as primeiras oficinas, o primeiro refeitório da peãozada. O primeiro não, aí foi o segundo. Almoxarifado que serviria de suporte para fazer as obras de Itaipu.

Então este era o canteiro, o grande canteiro. E tinha vários locais. Oficina num local, carpintaria noutro local.

P – E aí vocês começaram a contratar as pessoas, como é que era isso?

R – É, a Itaipu, o quadro de pessoal da Itaipu, ele só foi efetivado mesmo a partir de 1985. Até então todos os trabalhadores pertenciam à (Caeb?), Companhia Auxiliar de Empresas Hidrelétricas Brasileiras. Nós fomos contratados por essa empresa e nós viemos cedidos a Itaipu. Então essas pessoas, um grande grupo era tudo contratado pela (Caeb?). Inclusive nós. E o outro não. Já tinha um grande empreiteiro depois, foi um grande empreiteiro contratado que era um consórcio. ______ Este, o consórcio, era aquele que contratou o grande volume, né? Mas essa (Caeb?) contratou um certo grupo pequeno. Já tinha a sua equipe de pessoal e tudo mais. Nesta época eu me desloquei em início de 75 eu já tava no serviço mais efetivo da Itaipu e foi para a área financeira. Então eu fui uma espécie vamos dizer assim, de responsável pela área financeira durante um tempo. Depois eu vim com a chefia e fazíamos toda a parte de ______ daquilo que era pago referente aos materiais que vinham para a obra como também os pagamentos efetivos. Claro que dentro de um limite que nós tínhamos local. Os valores maiores eram pagos no Rio de Janeiro. Uma vez por mes eu ia até o Rio levando este movimento contábil, estes pagamentos que eram feitos das desapropriações.

P – Para a empresa?

R – Para a empresa. Que vamos dizer assim. A sede administrativa da Itaipu era no Rio de Janeiro.

P – Tá. Me fala uma coisa. Este trânsito entre Rio de Janeiro Foz do Iguaçu eram aviões? Que aviões que eram? _________

R – Era avião. O primeiro avião que eu peguei pra cá era um (Avaro?). Meu Deus do céu. Olha, parecia um grande gavião batendo asa, porque era terrível. E gozado, ele não vinha pra Foz do Iguaçu direto, ele ia a Assunção no Paraguai pra depois vim pra cá. Era gozado. E um dos voos nossos, a gente desceu aqui no ________, não no aeroporto que era um local que já tinha. Um aeroporto minúsculo. Quer dizer, ____________, que era o primeiro aeroporto de Foz do Iguaçu. Depois teve este segundo e hoje é o internacional. Calcula né que tipo de avião que era.

Tinha um amigo nosso que vinha pra cá, o Carneiro, ele vinha com a garrafinha de whisky do lado só tomando o seu whisky. Quer dizer, não aguentava não. (risos) Era bem interessante.

P – (risos) Ai meu Deus do céu. E assim, você chegou no começo, né.

R – É. Eu na realidade hoje por uma questão administrativa os crachás já mudaram de número. Tá no meu crachá aqui. Eu tenho cópia, claro. Ele é crachá dois. Então o um hoje já foi embora. O um de Foz do Iguaçu. Dois de Foz do Iguaçu.

O um já foi embora. Então teoricamente do um era ____________, um advogado nosso da diretoria jurídica. Ele já foi____ o dois de Foz de Iguaçu. Foi bem no início.

P – E você acompanhou praticamente a construção toda.

R – Toda. Eu, costumo dizer para alguns, era bem vibrador. Mas pra mim Itaipu é tipo filho gigante. Ou seja, eu participei da sua gestação, eu vi este filho nascer, eu vi o filho crescer, e eu agora o vejo formado que é a verdadeira geração da energia. Então eu fiz esse paralelo e por consequentemente Itaipu é também uma outra família que eu tenho, né.

P – Com certeza.

R – Então é meu paralelo aí.

P – Destes momentos todos assim, qual foi o momento marcante assim que você viu na usina, o que que te emocionou?

R – Na verdade dois grandes momentos. O primeiro foi o desvio do rio. Este foi muito emocionante pra qualquer trabalhador que tenha pertencido aqui a Itaipu. Do empreiteiro, do trabalhador de Itaipu direto. Todos que por algum momento, você... É uma obra grandiosa do homem, ne´? Ele conseguir desviar o leito natural de um rio, um rio forte e pesado. A tecnologia empregada, quer dizer, a inteligência do homem aliada à tecnologia e desviando todo um canal do rio para dali o grande momento, vamos dizer assim, ali começou a nascer Itaipu. Com a desvio do rio. Você desvia rio, cerca o leito e ali você começa a erguer a barragem. Então é um momento forte. E o outro grande momento forte foi o começo da geração de energia elétrica, né.

A geração. A Itaipu passou da fase de construção para a fase de geração de energia elétrica. Aí também foi o segundo grande momento. E obviamente pelo lado pessoal, não o lado técnico, o nascimento do meu filho, né, o meu primeiro filho, Max Alexandre. Não nasceu aqui por... Era pra nascer aqui, mas a esposa foi fazer uma visita aos pais, ele antecipou um pouquinho e quis nascer carioca. Nasceu lá no Rio de Janeiro. Mas veio pra cá com 10 dias vida e...

P - E foi mais ou menos na mesma época?

R – 76. Dois anos depois que eu estava aqui, 76 que ele nasceu. Então foi o terceiro grande momento.

P – (risos). E assim este volume de gente que tinha trabalhando, o que que ...

R – Foi impressionante, ne. Nós tivemos 25 mil trabalhadores aqui. Agora você calcula o que era uma cidade pequena sem nenhuma estrutura começar a receber gente, gente vindo de toda parte do país e do mundo. Começamos a receber inclusive cultura do estrangeiro, cultura diferente, formas diferentes. Então foi uma revolução dentro da cidade, uma revolução cultural. Mas o pessoal não tinha nenhuma estrutura. Vou falar rapidinho de uma parte de serviço. Eu como trabalhando numa área financeira, fazia os pagamentos. Todas as faturas vinham com o mesmo tipo de erro. Aí eu falava: “Meu Deus do céu!” Não sabiam o que era fatura, não sabiam o que era duplicata, não tinham conhecimento. Nota fiscal vinham errado. E o mesmo tipo. Aí eu cheguei junto dos fornecedores e falei: “oh, isto tá errado. Quem é que faz assim?”

“Ah, o contador Manuel”. Fui no outro “ah, o contador Manuel.”

Aí eu notei que era esse contador, que ele era bem quisto na cidade e ele pegava todas as fornecedoras, então ele fazia o mesmo serviço, __________ você sabe, fui conversar com ele, acertei tudo. Isto serve como exemplo pra Itaipu. Ela serviu também para a cidade, fora o progresso, né. Pra trazer está certa cultura. Eu tô te falando um pedaço pequenininho aí da parte financeira contábil, mas você calcula o que a revolução destes 25 mil trabalhadores fez pra cidade em termos culturais, em termos de vida. Claro que paralelo a isso aí não foi só coisa boa. Tiveram algumas coisas ruins. Inclusive uma camada de Foz do Iguaçu achou que Itaipu foi ruim pra cidade. Na época, né. Porque trouxe o progresso, mas também trouxe a violência, trouxe algumas coisas não muito boas. Porque é o preço que se paga. É claro que se botar numa balança pendeu muito mais para o lado direito do que pro esquerdo.

P – Como chama a sua esposa?

R - É Isamara.

P – Isamara. E assim a gente tem pouquinho tempo, infelizmente. Você olhando pra trás, pra essa trajetória sua, vendo as fotos, tudo, o que você acha da gente estar resgatando a história de Itaipu pelos funcionários, para fazer parte do memorial do trabalhador. O que que você achou de ter falado de você, a sua experiência?

R – Olha, não só a minha experiência como eu acredito que a de todos eles. Primeiro é um sentimento de orgulho, ______, todos estes companheiros. Tenho um sentimento de orgulho por esta empresa. E aquele sentimento, ele se reforça quando você vê a preocupação da empresa em resgatar essa memória. E eternizar essa memória, né. Ela vai ficar eternizada. Isso daí pra nós, pra mim pelo menos, por exemplo ontem não tive uma boa noite de sono eu ficava lembrando, poxa, o alcance desse tipo de trabalho, até onde ele vai. ____

pro museu, serão expostos em outros tipos de divulgação. Eternizar, e obviamente eterniza também nossa participação nesse projeto que obviamente foi a maior hidrelétrica do mundo. Quem não teria orgulho de participar, né?

P – Com certeza.

R – Então o projeto pra mim é fenomenal.

P – Ta joia, obrigada.

R – De nada, eu que te agradeço aí a oportunidade