Projeto Memorial do Trabalhador
Depoimento de Rubens Viana de Andrade
Entrevistado por Marina e Cláudia Fonseca
Foz do Iguaçu, 30 de agosto de 2002
Realização Museu da Pessoa
Entrevista ITA_HV003
Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha
Revisado por Bruna Ghirardello
P/1 – Pra começar, dig...Continuar leitura
Projeto Memorial do Trabalhador
Depoimento de Rubens Viana de Andrade
Entrevistado por Marina e Cláudia Fonseca
Foz do Iguaçu, 30 de agosto de 2002
Realização Museu da Pessoa
Entrevista ITA_HV003
Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha
Revisado por Bruna Ghirardello
P/1 – Pra começar, diga de novo seu nome completo, local e data do nascimento.
R – Bom, eu nasci em Pouso Alegre, Minas Gerais, em 20 de junho de 1924. Lá em Pouso Alegre mesmo é que fiz meu curso primário e ginasial. Só saí de Pouso Alegre para o estudo universitário.
P/1 – O nome dos seus pais, por favor.
R – Porfírio Ribeiro de Andrade. O nome de minha mãe é Ana Viana de Souza Ribeiro.
P/1 – O senhor se lembra dos seus avós?
R – Me lembro sim. Meus avós paternos, Martiliano Ribeiro de Andrade e Preciliana Avelina da Costa. E os meus avós maternos são Francisco de Paula Souza e Maria do Carmo Viana de Souza.
P/1 – E a origem da família é portuguesa?
R – A origem, todos brasileiros, viu. Eu acredito que só tenho lá na quarta geração o sangue português. Mas até onde eu conheço é todos brasileiros mesmo. Gente mineira lá da velha guarda.
P/1 – Tá certo. E qual era a atividade do seu pai e da sua mãe?
R – Meu pai tinha uma indústria de laticínios, né? Fábrica de queijo e manteiga.
P/1 – Certo e sua mãe?
R – Minha mãe era professora da rede pública, professora primária lá em Pouso Alegre mesmo.
P/1 – Quantos irmãos o senhor tem?
R – Eu tenho quatro irmãos, dois homens e duas mulheres.
P/1 – Todos vivos?
R – Só tem uma mulher viva, eu sou o caçula lá de casa.
P/1 – Tá certo. Como era a cidade na sua infância?
R – Pouso Alegre era uma cidade pequena na época, né? Devia ter por volta de 40 mil habitantes, por aí. Mas lá é um centro muito importante porque é equidistante de São Paulo, Belo Horizonte e Rio. E quando foi construída aquela estrada Fernão Dias, ligando São Paulo a Belo Horizonte, passando ao lado de Pouso Alegre, levou para a cidade muitas indústrias de São Paulo. A primeira fábrica da Latasa, essa fábrica de latas para cerveja, etc, foi instalada lá em Pouso Alegre. A cidade teve um desenvolvimento grande em função dessa estrada. Hoje deve ter em torno de 120 mil habitantes. Mas lá é sede de bispado, tem um centro de, um bispo residente. E tem uma coisa muito importante que é uma unidade do exército, um regimento de artilharia, que influi muito na cidade porque é uma população militar grande para a população do município, né, em relação à população do município. Influencia muito os rapazes para irem para o ensino militar, porque tem a grande vantagem de não custar nada, né? Começa a estudar sem despesa nenhuma e recebe até uma pequena ajuda de custo. Então isso motiva muito os rapazes, muitos rapazes da cidade seguiram a carreira militar.
P/1 – Casamentos também, né? Casar com os militares.
R – É, as moças também casavam muito com os militares (risos).
P/1 – Agora, é, a escola primária o senhor fez lá mesmo?
R – Lá mesmo. Num colégio de padres lá. Colégio São José. Então fiz o primário e o curso ginasial lá. No meu tempo o curso ginasial era de cinco anos. Hoje é de quatro, né? Mas seguido de dois complementares, que eram feitas anexo às escolas de engenharia. O número de anos é o mesmo, né, do existente hoje. Então eram cinco ginasiais e dois complementares. Hoje são quatro e três né.
P/1 – E depois desse...
R – Depois fui pra Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, lá fiz todo o curso de engenharia. Mas como era período de guerra, eu fui pra lá em 1941, nós estávamos em plena guerra. Os rapazes eram convocados para fazer o serviço militar, e uma das maneiras da gente fazer o serviço militar sem prejudicar o estudo era cursar aquele curso de preparação de oficiais da reserva. Então simultaneamente com o curso de engenharia, eu fiz este curso de militar.
P/1 – É o C.P.O.R.?
R – C.P.O.R. Saí de lá tenente de artilharia.
P/1 – É, mas se tivesse feito o estágio. Fez o estágio?
R – Fiz estágio. O regimento de Pouso Alegre. O regimento de artilharia de Pouso Alegre.
P/1 – Isso não atrapalhou os seus estudos?
R – Bom, não perdi nem um ano com isso, né. Mas que era sacrificado era porque a gente tem que dividir o tempo né, pra atender aos dois cursos. Se bem que o curso de militar foram dois anos apenas, né. Então estes dois anos foram muito trabalhosos, mas não chegou a prejudicar.
P/1 – E que outras lembranças o senhor tem da faculdade?
R – Olha, no nosso tempo de faculdade era muito diferente de hoje. Primeiro que naquela época escola de Engenharia só existia nas grandes cidades, quer dizer, só tinha em Belo Horizonte, São Paulo, no Rio de Janeiro. Era muito raro escola de Engenharia no interior, São Paulo não tinha nenhuma. Minas ainda tinha a de Itajubá que formava mecânicos eletricistas. E as escolas eram muito formais. Para se ter uma idéia, o aluno só ia à escola de paletó e gravata. Não tem essa liberdade de hoje. Os professores também eram muito formais, né, havia uma certa distância entre o professor e o aluno. Não há essa liberdade que há hoje. Professor e aluno há uma certa liberdade hoje. Naquela época não havia muito disso, era um pouco de formalidade.
P/1 – E havia naquele tempo engenharias especializadas como agora, engenharia eletrônica, elétrica, e...
R – Não. Não era tão especializado assim.
P/1 – Era engenharia e pronto.
R – Na escola onde eu, na época, hoje ela tem todos os demais cursos, mas na época em que estudei só tinha lá Engenharia de Minas, que é muito adequado ao estágio que havia no estado, né, porque tem muitas minerações que até hoje ______ desenvolvidas. E a Engenharia Civil. Hoje tem mecânica, elétrica, tem todas as modalidades né?
P/1 – A sua escolha foi a Civil?
R – Civil.
P/1 – E aí quando o senhor se formou o senhor se encaminhou para, foi fácil arrumar emprego?
R – Pois é, naquela época, na época em que me formei o emprego era muito fácil. Quer dizer, havia demanda de Engenharia muito grande no país todo, especialmente em São Paulo, que estava com um intenso programa lá de construção de estradas. Era o governo de Ademar de Barros e ele organizou, na época o chefe do D.E.R. [Departamento de Estradas de Rodagem] era Eduardo Celestino Rodrigues, um ilustre engenheiro lá de São Paulo. Ele organizou quatro diretrizes regionais. Uma delas é em Araraquara, pra onde eu fui designado. Lá em Araraquara era um grupo de engenheiros contratados, quase todos de fora, porque os de São Paulo ficavam em São Paulo mesmo porque os lugares eram mais favoráveis, né, que trabalhavam na construção dessa estrada Washington Luís, que vai de Araraquara a São José do Rio Preto, entra pra aquele sertão todo. E nessa ocasião, a terraplanagem era feita por métodos primitivos, nesta estrada chegou a haver trechos construídos por transporte de terra por carrocinha.
P/1 – Por burro?
R – É, por burro (risos). As carrocinhas eram cheias manualmente. Eram homens que com pás enchiam a carrocinha. O burro muito ensinado seguia o itinerário dele certo... E onde era pra fazer o aterro só tinha um operário que chamava pinote, porque ele abria a carrocinha, ela entornava aquele punhadinho de terra, fechava outra vez e o burrinho voltava. Isso era muito comum naquela época. Mas aí nasceram as grandes máquinas e foi uma mecanização muito rápida. A mecanização das estradas lá em São Paulo foi muito rápida. Aí praticamente acabou com toda...
P/1 – Acabou com os burrinhos.
R – É.
P/2 – Eu queria perguntar-lhe porque o senhor resolveu seguir a carreira de Engenharia Civil.
R – Olha, eu segui Engenharia Civil talvez por dois motivos. Uma que eu tinha um tio engenheiro formado lá na Politécnica de São Paulo que eu admirava muito. Desde rapaz sempre ele era muito culto. Nem tanto na engenharia. Ele tinha uma cultura geral muito boa e eu gostava muito de ouvir as conversas dele etc. Então isso influenciou um pouco pra ____ engenharia. E a outra foi atrativo porque a gente via que os engenheiros arrumavam emprego logo e começava a ganhar bem, então isso é que atraiu um pouco mais.
P/1 – E então o senhor resolveu, o senhor ainda era menino ou foi mais tarde?
R – Não, isso resolvi foi no ginásio, quando tinha o que, 16, 17 anos, né? Lá os meus colegas em geral como eu tava contando a pouco seguiam a carreira militar por influência do quartel lá da cidade. Mas eu preferi, naquela ocasião já minha preferência era mesmo para uma carreira civil.
P/1 – E como é que foi a reação dos seus colegas com a sua escolha?
R – Eles até acharam, mais ou menos, correta a escolha porque, na minha turma de ginásio, eu me destacava muito nas ciências exatas, quer dizer, em Matemática eu me saia muito melhor do que em História, em Geografia, em Línguas, né. Então era uma coisa mais ou menos adequada. Isso não chegou a....
P/1 – E a reação dos seus pais.
R – Fui muito incentivado, principalmente pela minha mãe, que é irmã do tio engenheiro. Ela incentivou muito. Ela incentivava muito os filhos. Ela cobrava os estudos. Enquanto nós estávamos no ginásio ela cobrava todos os dias. A gente tinha que mostrar o que tinha feito, o que não tinha feito. Ela era rigorosa.
P/1 – E quem é que mandava mais na casa, a sua mãe ou o pai?
R – Bom, as grandes decisões eram do pai, né. As pequenas decisões, se ainda não tomou banho, eram da mãe (risos).
P/1 – E na sua cidade era muito alegre? Havia brincadeiras, festas dos jovens, bailinhos, como é que é?
R – Havia, as cidades do interior do porte de Pouso Alegre na ocasião eram muito agradáveis, todo mundo conhecia todo mundo. E havia um footing que hoje não existe mais. Em torno da pracinha lá da cidade, que ficava junto da igreja, era o ponto de reunião dos rapazes e moças. Então os rapazes circulavam em um sentido, no sentido anti-horário e as moças no sentido horário, então para poder cruzar e flertar, né (risos). Isso era muito comum no interior todo. Em Araraquara quando eu fui pra lá ainda era isso também.
P/1 – O senhor arrumava namorada?
R – Não. Talvez um pouco diferente de hoje. Quer dizer, hoje há muita liberdade assim do relacionamento rapazes e moças. Eu sempre digo isso porque eu tenho filhos, eu tenho netos agora, eu sei como é. Naquele tempo era, como se diz, um pouco mais formal, né. Pra namorar a gente tinha que namorar pensando que era uma coisa pra valer mesmo.
P/1 – Aí dava medo, né? E foi assim que o senhor encontrou a sua esposa em Araraquara?
R – Pois é, em Araraquara já foi diferente, né. Eu cheguei em Araraquara como engenheiro, já tinha um emprego, já tinha um razoável salário. Então frequentava o clube local, né. E a conheci nessas reuniõezinhas de clube, né.
P/1 – E foi longo o namoro?
R – Não, não foi. Foi até muito curto porque nós tivemos esse convívio e depois eu fui pra Paulo Afonso solteiro. Chegando em Paulo Afonso era uma vida muito isolada e era um acampamento. Morava numa república de solteiro, eu e mais quatro engenheiros. Então havia um isolamento grande. A gente saia do trabalho e só vinha pra casa e não tinha televisão, não tinha rádio, não tinha nada. Aí eu falei: “Ah, vou casar. Vou casar com aquela moça lá.” E mandei uma carta, porque naquele tempo não tinha telefone. Mandei uma carta pedindo em casamento pra ela.
P/1 – É mesmo?
R – Ela respondeu por telegrama. Mais rápido que carta.
P/2 – Só uma palavra, como é que foi esta resposta?
P/1 – A resposta foi: “sim”?
R – Foi positivo (risos).
P/2 – E qual é o nome dela?
R – Maria do Rosário.
P/1 – E depois como é que foi? Aí casaram?
R - Ainda estava em Paulo Afonso. Aí nos casamos. Ela foi para Paulo Afonso, moramos lá muito tempo. O primeiro filho nasceu lá em Paulo Afonso.
P/1 – Mas não no acampamento?
R – No acampamento.
P/1 – Como é que era esse acampamento?
R – O acampamento de Paulo Afonso era muito confortável, como _______ em Itaipu. Então tinha aquelas residências para engenheiros, técnicos especializados, funcionários administrativos de categoria. Eram casas boas, casa com todo o conforto. Era uma vila residencial. Havia um clube para a prática social, para esportes, e havia residências de solteiros também. Então não havia nenhum sacrifício de moradia, né. Havia sacrifício de isolamento, só isso.
P/1 – Aí só restava escutar as estórias de Lampião, é isso?
R – A região era a região frequentada por Lampião mesmo, né, toda aquela região era frequentada por ele. Mas lá nós tínhamos uma vigilância muito severa, não tinha perigo de chegar o Lampião lá não. Se chegasse nós dava um cabo dele (risos).
P/1 – Mas já que nós estávamos em Paulo Afonso, como é que foi essa construção, essa coisa toda que o senhor estava me explicando lá fora?
R – Bom, o Paulo Afonso foi idealizado ainda no governo do Getúlio, porque o Nordeste não tinha nenhuma energia. O Nordeste era carente de energia. E com uma queda d’água excepcional como aquela de Paulo Afonso, do Rio São Francisco. E o engenheiro lá de São Paulo, Otávio Marcondes Ferraz, um excepcional engenheiro lá de São Paulo, ele foi incumbido de fazer um estudo do aproveitamento de Paulo Afonso. Nessa ocasião, o Brasil não tinha firmas de engenharia habilitadas para fazer estudos energéticos e nem firmas construtoras com recursos para poder enfrentar uma construção como essa. Então o Dr. Marcondes Ferraz constituiu uma equipe própria, ele mesmo foi contratando técnicos, idealizou o projeto de Paulo Afonso. O projeto de Paulo Afonso é genial, ele é muito criativo. Ele barra o Rio São Francisco, reúne as águas para entrar nos poços adutores e acionar turbinas numa casa de força subterrânea e no leito do rio fica o vertedouro. Quer dizer, quando o vertedouro é aberto, restabelece a cachoeira integralmente. A água que não é consumida pela usina, ela passa pelo vertedouro e volta a criar a cachoeira. Tanto que Paulo Afonso tem quatro estágios. Lá tem PA1, PA2, PA3, PA4. Enquanto só funcionavam as PA1 e PA2 havia sobra de água, então a cachoeira sempre funcionou. Agora com PA4, não, agora não. Falta água. Aí foi o contrário, começou a faltar água. Aí foi construída uma barragem a montante de Paulo Afonso que é Sobradinho. Sobradinho é o maior espelho d’água do país, tem uma área muito grande. Sobradinho é que faz reserva d’água pra alimentar Paulo Afonso.
P/1 – Agora, é, o senhor fez parte então da equipe desse engenheiro que o senhor citou?
R -
Eu fiz parte da equipe de construção lá de Paulo Afonso. Equipe própria. Não tinha empresa. Os funcionários, empregados da CHESF [Companhia Hidrelétrica do São Francisco] daquela ocasião eram próprios. Não pertenciam a nenhuma firma empreiteira e nenhuma firma de engenharia.
P/1 – Mas diz agora pra eu entender, o seu chefe era aquele engenheiro que o senhor citou, que fez o estudo da Paulo Afonso?
P/2 – Como é que era a estrutura hierárquica desses companheiros seus? Havia um chefe, era aquele engenheiro...
R – Bom, numa hidrelétrica tem dois trabalhos bem distintos. Um é o trabalho que a gente chama de engenharia ou de projeto. São os que projetam aquilo que os outros vão construir. Então a equipe de projeto trabalhava dividida. Parte era no Rio de Janeiro e parte era lá no próprio local. Ela produz os desenhos, os projetistas imaginam aquilo que vai ser construído. E os construtores a partir do desenho constroem no terreno. E o diretor, o presidente da CHESF na época era Antônio Alves de Noronha. Muito conhecido na época também. E o diretor técnico era o Otávio Marcondes Ferraz. Otávio Marcondes Ferraz, ele morava na obra. Ele lá tinha então uma divisão tinha divisão de poços, de obras subterrâneas que abrangia os poços adutores, casa de força, canal de fuga, chaminé de equilíbrio. E o setor de barragens. Tinha barragem do rio principal, do braço principal, e barragem dos braços secundários. Porque São Francisco lá se abre em vários braços. Então cada conjunto desses era um setor de trabalho, comandado diretamente por ele, pelo Dr. Otávio Marcondes Ferraz. Ele morava lá com a família dele. Ele era casado sem filhos, só morava o casal. É um homem muito ilustre lá de São Paulo, da alta estirpe paulista.
P/1 – E o senhor pertenceu a que equipe?
P/2 – Entre as quatro, qual era a sua equipe? A que tinha quatro áreas, qual era a sua área?
R – A minha era nas obras subterrâneas. Eu trabalhei exatamente nas obras subterrâneas. Mas naquele tempo os recursos de construção eram muito precários. Nós não tínhamos esses equipamentos modernos que tem hoje. E lutava ainda com outra dificuldade própria do local, porque os operários que eram todos ali do Nordeste não tinham nenhuma experiência. Quer dizer, o operário, o barrageiro legítimo, ele sabe se defender, ele sabe fugir do risco. O operário nordestino é meio assim, meio bobão, né?!
P/1 – Certo, não tem experiência.
R – É pejorativo isto, mas...
P/1 – Não, não. É real, né?
R – Mas então havia assim uma dificuldade grande e foi, essa obra de Paulo Afonso usou, exigiu muita criatividade do grupo que lá trabalhava porque era pesada, uma obra difícil, uma obra trabalhosa. No próprio leito do rio, o desvio do rio que hoje a gente faz com relativa facilidade, abrindo os canais laterais e túneis conforme a situação geográfica do local, lá foi feito dentro do próprio leito por um sistema muito engenhoso, né, era uma série de células metálicas. Células metálicas são de cilindros que eram formados estaca por estaca até o contorno completo. Depois enchia essa célula de areia. Então uma ao lado da outra, até a metade do rio, é que barrava o rio, fazia o rio escoar só pela outra metade, pra poder construir a barragem nesse interior seco, onde já tinha sido feito o esgotamento. Depois inverteu. Quando já estava pronta a barragem ali, ela tinha comporta do vertedouro, o rio passou por ali, ele foi ter do outro lado. Mas ao fazer isso, o Rio São Francisco, ele ali tem uma velocidade de escoamento grande, então a colocação dessas células era uma coisa muito problemática por causa da velocidade da água. Então foi imaginado lá um navio, um verdadeiro navio, navio que tinha 50 metros de comprimento por 30 de largura, qualquer coisa assim, 15 de altura. Esse navio vinha e submergia em frente, para barrar a velocidade da água para poder fazer a célula. Então é um trabalho enorme.
P/1 – E pra tirar o navio, botar ele pra cima?
R – Tirar o navio, a gente bombeava, tirava a água de dentro dele e ele flutuava.
P/2 – Esse foi o maior desafio então da obra?
R – Foi o maior desafio. Paulo Afonso foi construída com muito trabalho, com muito sacrifício. Mas saiu uma obra boa. Foi a redenção lá do Nordeste. Eram três unidades de 60 megawatts cada uma, 180 megawatts, quer dizer, as linhas de transmissão já alimentavam direto Recife e Salvador. As duas cidades ficaram já abastecidas de energia como até hoje. Com abundância de energia elétrica. Foi isso que desenvolveu o Nordeste. Com a chegada de Paulo Afonso é que o desenvolvimento do Nordeste começou a se acentuar. Lá não havia energia. Energia é básica pra tudo isso, né?
P/1 – O senhor ficou quanto tempo lá?
R – Cinco anos.
P/1 – E quando o senhor saiu estava pronto?
R – Quando eu saí eu fui pra usina da Cemig, Salto Grande do Rio Santo Antônio. A Cemig foi a primeira empresa estadual de geração de energia. Depois da Cemig é que nasceram a CESP (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) de São Paulo, a CEEE do Rio Grande do Sul e as outras, em geral de todos os outros estados, né? E a Cemig, essa obra de Salto Grande do Rio Santo Antônio, foi iniciada por um engenheiro lá chamado Américo René Giannetti. Esse Américo René Giannetti é pai desses Giannettis economistas que tem em São Paulo. Iniciou este trabalho e logo em seguida o Juscelino assumiu o governo de Minas. Deu um incremento muito grande. O Juscelino tinha aquele temperamento de obreiro, né? Então, Salto Grande recebeu recursos, recebeu dinheiro e foi uma usina que saiu rapidamente. E desse grupo da Cemig, nesse grupo da Cemig nasceram homens que foram os principais responsáveis pelo crescimento, pelo planejamento do setor elétrico brasileiro. De lá estiveram Mário ________, o Camilo Penna, __________ e o John Cotrim. O dr. Cotrim, como nós chamávamos, teve um papel muito importante na instalação de Furnas. Foi ele, praticamente, o idealizador de Furnas, foi presidente da empresa durante 20 anos, né? E ele, quando estava na Cemig é que ele imaginou estudar o Rio Grande, que é um rio que faz a divisa São Paulo-Minas. E o Rio Grande tinha muitos aproveitamentos que poderiam ser efetuados com relativa facilidade. E assim começou, começou com a usina de Furnas e foi descendo o rio, construindo várias outras. Furnas, Estreito, Porto Colômbia, Marimbondo e por último Água Vermelha. Quer dizer, o Rio Grande tem uma produção de energia excepcional. Muito disso se deve, é claro que se não fosse feito naquela época mais tarde seria também, mas ele foi o iniciador, né? John Cotrim tem formação, ele é descendente de ingleses, a mãe e o pai são ingleses e ele nasceu aqui no Brasil. Não, o pai é português, a mãe é que é inglesa. E ele nasceu no Brasil e teve educação inglesa também. É um homem elegante, mas é um bom engenheiro. É solteirão, nunca casou.
P/2 – Por que “mas”? Era um homem elegante, mas era um bom engenheiro. Por que quem é elegante não é um bom engenheiro?
R – Porque eles são bem incompatíveis (risos). O engenheiro é um homem grosso, né? Geralmente, quando você pensa num engenheiro de obra assim, é um sujeito grosso, de pé grande, bota no pé, com a calça meio ________. Era o engenheiro daquele tempo. Hoje não tem mais disso não né?
P/1 – Só esqueci de perguntar, Dr. Rubens, fiquei com uma curiosidade em Paulo Afonso. Como é que era transportado o material necessário para fazer a obra e como é que era o negócio do concreto?
R – Pois é, alimentação de Paulo Afonso era feita por estradas precárias partindo de Recife. Então o cimento era de uma fábrica lá do Recife com o nome de Cimento Poty. Aí tem uma curiosidade muito interessante que é o seguinte, os primeiros a chegarem a Paulo Afonso, quando não havia casa para eles morarem, os operários, faziam um barraquinho com o papel do saco de cimento. Então nasceu a chamada Vila Poty. E existe até hoje né? Era, então era assim. Eles cobriam, faziam, as paredes eram sacos de cimento, e o teto era sapê. Botava aquele... Isso foi o início de Paulo Afonso. Mais tarde a própria empresa construiu casas, construiu alojamentos, e daí...
P/1 – Mas e o concreto da barragem?
R – O concreto da barragem.
P/1 – E outras peças.
R – A pedra britada era obtida lá mesmo, né, que era uma rocha granítica, lá era granito. Nas próprias escavações da barragem já saia o material necessário para a pedra britada. Portanto os britadores funcionavam lá mesmo. E tinha uma central de concreto, entendeu? Uma central de concreto já bem moderna até. Essa central de concreto trabalhava com o cimento que vinha de Recife e com o material local, com pedra britada e areia lá do local mesmo. Não havia naquela ocasião refrigeração de concreto. Um dos primeiros lugares a fazer refrigeração foi aqui em Itaipu. Porque o concreto não era em grandes massas. Eram volumes menores e tinha a necessidade da refrigeração, é que o concreto produz muito calor quando ele começa a se solidificar, e nessa produção de calor se ela não for contida, ela trinca. Faz com que o concreto trinque. Então o concreto entra na, aqui em Itaipu o concreto entrava com a temperatura de cinco graus. Fosse qual fosse a temperatura do ambiente, o concreto entrava com cinco graus. Porque aí essa baixa temperatura absorvia o calor de hidratação, quer dizer, é o cimento que ao hidratar cria esse calor, né?
P/1 – Ele mesmo cria?
R – Mas então lá em Paulo Afonso foi simples. A central de concreto era instalada lá mesmo, era uma central Johnson. Mais tarde foi até usada em outros locais. Furnas mesmo usou a central de Paulo Afonso. E a pedra britada era feita lá mesmo com britagem própria, a areia era extraída do próprio São Francisco. Então tinha todo, o cimento vinha de uma fábrica de Recife.
P/1 – Poty?
R – O cimento Poty.
P/1 – Bom agora voltando. Nós estávamos ainda em Furnas, né?
P/2 – Em Salto Grande.
P/1 – Salto Grande.
R – Nós estávamos?
P/2 – Na Usina de Salto Grande. Mas antes, só pra eu, é, em Paulo Afonso o senhor também cuidou também da parte subterrânea?
R – Paulo Afonso?
P/2 – O senhor também cuidou da, não, em Paulo Afonso o senhor cuidava da parte subterrânea.
R – Pois é.
P/2 – Em Salto Grande também?
R – É, foi. Talvez tenha sido esse o motivo de eu ter ido pra Salto Grande. Lá em Paulo Afonso eu trabalhava nas obras subterrâneas. E tinha o consultor dessa obra, também era lá de São Paulo, Domingos Marchetti, que vem a ser sogro do Lauro Rios que foi presidente do Instituto de Engenharia de São Paulo muito tempo. Marchetti era um engenheiro italiano muito experiente em obras subterrâneas, ele é que deu as primeiras orientações. Então, Paulo Afonso foi feito, é, são três poços adutores de seis metros de diâmetro, 80 metros de profundidade, né, e lá na casa de força é uma, você tem idéia de o que é uma casa de força, aberta na rocha, depois a saída da água, né, porque entrava pelos poços adutores, acionava a turbina e saia pelo túnel para voltar ao rio. E era feito com um equipamento sueco muito, assim, artesanal. Eram marteletes manuais e o carregamento da rocha pra sair pra fora é em vagonetas de 1m³ cada uma, geralmente pequena. Mas Paulo Afonso saiu, fez-se bem. No PA4 já foi muito diferente, né? Mas em Salto Grande...
P/1 – O PA4 o que é mesmo?
R – Paulo Afonso quatro.
P/1 – Sim.
R – Tem PA1, PA2, PA3 e PA4. São quatro etapas.
P/1 – Antes de continuar, eu to curiosa pra saber como é que é trabalhar no subterrâneo pessoalmente.
R – Olha, usina subterrânea, ela é penosa, um trabalho penoso porque está lá no fundo, né? Você está 100 metros abaixo do solo. Tem, a ventilação é precária. Naquele tempo, hoje não. Hoje as ventilações são modernas, com ventiladores fortes.
P/1 – É meio como se um cara que trabalha na mina, extração de minério? É meio que equivalente a ___________ mineração?
R – Não. É, é semelhante ao minerador. Talvez menos rigoroso que o minério, mas é uma coisa semelhante. E de Paulo Afonso, terminadas essas obras subterrâneas, usina praticamente em funcionamento. Foi iniciada em Salto Grande, no Rio Santo Antônio, uma usina que tinha um túnel de 4400 metros, Túnel de Guanhães. O rio fazia uma curva, esse túnel fazia uma reta e era nesse trecho que ele ganhava o desnível do rio. E como era obra subterrânea, naquele tempo pouca gente sabia fazer obra subterrânea, eu fui pra lá.
P/1 – Ah, foi? E lá foi o senhor, né?
R – Fiquei lá bastante tempo. Então lá que, como eu tava dizendo, foi a primeira obra da Cemig e tinha um grupo de engenheiros da Cemig que se espalhou depois pelo país criando uma série de outras obras, né? O próprio John Cotrim veio de lá. John Cotrim, auxiliado por uma companhia canadense, ele fez um estudo completo do Rio Grande. E nesse estudo foram localizados vários aproveitamentos economicamente aceitáveis. E começou pelo primeiro que era o de Furnas. Depois, todos foram construídos. Foi construído em Furnas, foi construída em Peixoto, Estreito, Jaguara, Porto Colômbia, Marimbondo e por último Água Vermelha. É uma escada, o Rio Grande hoje é uma escada. O reservatório cai bruscamente, outro reservatório cai novamente bruscamente, um metro cúbico de água no reservatório de Furnas gera muita energia porque ele vem, sucessivamente, em todos os níveis. E a água do Rio Grande é a que vem parar aqui em Itaipu. O Rio Paraná é formado pelo Rio Grande com o Paranaíba, né? O Rio Grande é um pouco maior que o Paranaíba em volume d’água, então Salto Grande foi uma obra meio pioneira também naquela ocasião. Mas já um pouco diferente de Paulo Afonso. Lá já tinha empreiteiro, já tinha firmas de projeto, já não era a própria Cemig que fazia isso. A Cemig fazia só o papel de fiscalização. E os trabalhos de execução eram de firmas empreiteiras.
P/1 – Bom e depois dessas obras pra o senhor, como é que estava a sua carreira? O senhor foi pra onde?
R – Pois é, de Paulo Afonso eu fui pra Salto Grande de Minas.
P/1 – Sei. E depois?
R – De Salto Grande de Minas é que eu dei uma guinada. Sempre tem, lá em Salto Grande eu conhecia muito um engenheiro, Júlio Miguel de Freitas. Ele veio pra São Paulo quando estava sendo programada a construção da COSIPA [Companhia Siderúrgica Paulista]. Aí também deu notícia pra gente, falou: “Ah, vamos deixar de ficar aqui no mato, vamos passar uma temporada na cidade.” Nós morávamos em Santos, é isso mesmo. Aí foi iniciada a construção da Cosipa, eu comecei lá na Cosipa como engenheiro da laminação e da metade em diante da obra eu era o coordenador de obras. O título era esse de coordenador de obras, porque a Cosipa foi construída por uma série de empreiteiras, muitos empreiteiros. E tinha que haver uma coordenação desses empreiteiros, né? Era estaqueamento, estaqueamento da Cosipa que, em virtude de ser um terreno pantanoso, todos os edifícios estavam suportados por estacas. São edifícios industriais poderosos. Então tinha uma estaca em cada metro quadrado. Essas estacas tinham um comprimento da ordem de 18 metros porque elas atravessavam esse terreno pantanoso e a ponta se situava lá num conglomerado de seixo rolado, né, que aí dava resistência. Mas toda a Cosipa foi feita assim sobre estacas.
P/1 – Quando o senhor chegou estava a zero?
R – Não. Quando eu cheguei na Cosipa estava começando a terraplenagem, quer dizer, seria a cobertura do terreno.
P/1 – Como era, o que o senhor encontrou lá?
R – Lá era um bananal. O local da Cosipa era um bananal enorme. Porque todo esse terreno de charque é bom para aquela banana comum, né? Lá a Cosipa foi, desapropriou.
P/1 – Acabou com as bananas?
R – Acabou com as bananas. E ao lado da estrada de ferro.
P/1 – Mas não era manguezal. Era água doce?
R -
Não, água do mar, ali já é porto. Só que tem alimentação. O Rio Cubatão, por exemplo, deságua logo ali, quer dizer, podia estar uma mistura de água doce com água salgada. Mas ali tinha acesso. Do porto de Santos pra lá foi aberto um, não é um canal, foi feito uma melhoria, quer dizer, retirando, aprofundando um pouco mais o ___________, os navios chegavam, até hoje chegam em ______________ pra descarregar o minério, descarregar o carvão. Por exemplo, na baía de Santos chega até lá.
P/2 – Quer dizer, a escolha ali foi exatamente por causa disso? A escolha do local da Cosipa foi exatamente por causa disso?
R – Foi. A escolha do local foi por essa facilidade, porque é um porto. Facilidade pra receber o carvão que é importado, facilidade pra receber minério da, podia ser da Vale do Rio Doce. Hoje ela tem mineração própria e desce pela estrada de ferro. E ao lado da estrada de ferro que escoa o produto importado, né, o produto fabricado.
P/1 – É um local estratégico, né?
R – Ah, estratégico. E o centro consumidor é São Paulo, porque a Cosipa foi feita para atender a indústria automobilística. Ela fabrica chapas, quase que essencialmente chapa e essa é destinada à fabricação do automóvel.
P/2 – E Dr. Rubens, ali quando o senhor chegou já é década de 1960? Quando senhor chega na Cosipa é década de 1960.
R – Foi em 1960.
P/2 – Certo. E já havia no local outras fábricas?
R – Havia em Cubatão. Havia não _______________ mas perto de __________________, em Cubatão existia lá, a Refinaria de Cubatão. Foi a primeira refinaria brasileira, né? E uma usina hidrelétrica da Light, a Usina de Cubatão. E ao lado, já trabalhando no subproduto da refinaria tinha uma série de outras empresas menores que usavam matéria prima da siderúrgica. Era um ____________ de operário muito grande lá. Muito grande. Os operários não moravam no local, né, moravam em Santos, moravam em Cubatão. E de Santos eles iam trabalhar de trem. Tinha um trem que chegava lá as seis e meia da manhã lotado de operários, era especial pra isso. E a tarde retornava, levando.
P/1 – E começaram a subir pras favelas, é isso?
R – Não, não morava operário lá. Não tinha favela.
P/1 – Não tinha?
R – Não tinha porque eles morariam, primeiro porque no terreno da empresa, eles não deixavam construir favela, né? E moradia, era, __________. Cubatão tinha. Na cidade de Cubatão.
P/1 – Já tinha?
R – É, já tinha um pouco de favela lá. Mas nas imediações da Cosipa não.
P/2 – E o senhor morava em Santos, que o senhor disse. Em que lugar de Santos o senhor morava?
R – Eu morava ali na Rua da Paz.
P/2 – Perto da praia?
R – Perto da praia. Rua da Paz é ali pertinho, como é que chama aquela avenida? Angélica, né?
P/2 – O canal?
R – Não.
P/2 – A Washington Luís?
R – É. Tem o principal que é na costa, né. Entra na costa, é a seguinte lá que eu não tô me lembrando bem.
P/2 – Que é a Washington Luís.
R – É a Washington Luís.
P/2 – Que é o nome da rodovia que o senhor construiu. E como é que era...
R – A Rua da Paz ficava em frente a Sociedade dos Engenheiros de Santos, onde na época era presidente da Sociedade o Mário Covas. Foi lá que eu conheci o Mário Covas. Ele era mocinho, ele ainda era mais moço que eu. Ele já era o presidente da Sociedade dos Engenheiros de Santos.
P/1 – E o senhor ficou muito tempo na Cosipa?
R – Cinco anos. Eu fui depois de 1960. Em 1965 eu fui pra Furnas. A Cosipa teve um período muito trabalhoso porque foi justamente no governo João Goulart. E no governo João Goulart o sindicato era muito forte, vocês se lembram disto, era uma coisa terrível, faziam greve a todo instante. Então nossa vida lá não era fácil não, era muito trabalhosa neste aspecto. A gente tinha que ter muita habilidade pra poder conviver com _________, aceitar as reivindicações deles sem ultrapassar o limite do... Mas conseguiu se contornar. E quando em 1964 houve a “revolução”, aí foi uma corta cabeça muito grande lá.
P/1 – Foi, né?
R – Porque pegaram um navio com o nome Raul Soares, ancoraram esse navio lá na baía de Santos e todos aqueles que eram suspeitos eles levavam pro navio. Pegavam lá e levavam lá. Era a Marinha que cuidava disso. Era o almirante, ele era um cara duro mesmo, o almirante... Ele foi até do tribunal militar. Mas encheu o navio de operário. Não só de operário. De operário, de funcionário, de engenheiro, encheu o navio.
P/1 – Engenheiro também?
R – Engenheiro também. E ____________ de manhã eles mandavam os operários circularem lá no navio pra não ficar muito tempo, né, sem fazer nenhum exercício. Os operários cruzavam com os engenheiros e brincavam: “Uai, doutor, o senhor também está aqui é?” (risos). Foi duro este período, viu?
P/2 – O senhor acompanhou então toda esta questão do movimento.
R – É, todo aquele período de...
P/2 – Qual era o perfil desse funcionário, desse trabalhador, né, que construiu ________.
R – Não, né. É porque na organização sindical naquele tempo, o sindicato indicava o que chamavam de representante sindical. Então em cada modalidade, em cada setor da obra tinha um representante sindical. E esse representante se intitulava o chefe, queria até passar por cima da ordem dos superiores dele etc, porque ele era do sindicato. “Eu sou do sindicato.” Não trabalhava, ficava lá sem fazer nada.
P/1 – O senhor tinha contato com esses representantes?
R – Ah, tinha. Eu tinha muito contato com o presidente do sindicato, Vitelbino. Era um homem terrível. Ele era muito inteligente, como sempre né? Ele era muito inteligente, muito hábil e era com ele que a gente tinha que enfrentar essas coisas.
P/1 -
Certo, enfrentar.
P/2 – O senhor chegou a ver o Raul Soares?
R – Não, eu não.
P/2 – De longe?
R – Ah, eu vi. Tinha colegas que foram pra lá, né.
P/1 – Ficou lá no porto?
R – Tinha um colega muito curioso que, ao chegar no navio entra naquele, é um cubículo. E tem aquela escotilha que o sujeito olha pela escotilha e vê longe. Então, sabe esse amigo, quando chegou lá encontrou aquele cantor, o autor daquela “Quem sabe faz a hora.”
P/2 – Geraldo Vandré.
R – Geraldo Vandré. O colega dele de cabine. Ele chegou na cabine o Geraldo Vandré tava lá no alto, quietinho, sentado lá, quando ele entrou. Ele entrou muito sem jeito ainda, entrou, olhou na escotilha era o Geraldo Vandré. “Espera um pouco que dá um vento o navio vira um pouco e você enxerga o porto.” (risos). Era a alegria dele.
P/1 – Ficou quanto tempo lá?
R – Não foi muito tempo. Eles ficaram dez dias mais ou menos.
P/1 – Mas depois foi pra ilha de não sei o que não foi?
R – Hein?
P/1 – O navio levou todo mundo pra uma ilha.
R – Não, ficou ancorado lá.
P/2 – Era um navio prisão. Ficou ancorado, depois as pessoas saíram.
P/1 – No próprio porto?
R – Ficou ancorado no próprio porto. Depois é, esta prisão foi a reação dos primeiros dias. Depois soltaram todos. Porque ninguém lá era... Era porque pertencia ao sindicato. O outro era... Então eles chamaram de, como é que era o nome que eles davam mesmo, alguns foram presos por corrupção. O outro era o, fugiu o nome completamente. Motivo político, né?
P/1 – Subversão.
R – Subversão. Então a maioria era presa por subversão. Quer dizer, subvertia a ordem.
P/1 -
A ordem estabelecida.
R – Era um grupo grande, viu? Um grupo muito grande. E tinha digamos, não digo diretores, mas tinha gente de cargo muito elevado que apoiava muito o sindicato. Naquele ocasião, 1964, nós tivemos à beira, quase que à beira de uma mudança radical no regime. O João Goulart ia lá com frequência, o Vitelbino telefonava para o João Goulart da sala da gente, pegava o telefone de lá e ligava pra ele, pra você ver o poderio.
(Pausa)
P/1 – Bom a gente estava, fizemos uma pausa e a gente estava falando sobre a Cosipa no porto do navio. Então, prenderam todo mundo, foram pro navio. Quem era o comandante na época?
R – Era o Júlio ________ Castro. Era o comandante dos portos, né. Capitania dos portos.
P/1 – Sim.
R – Ele é que determinou a prisão desse grupo todo.
P/1 – E aí ficaram muitos dias presos e depois voltaram?
R – É. Eu acho que não chegou a passar dez dias. Em torno assim de uma semana por aí. Aí foram soltos.
P/1 – Voltaram a trabalhar?
R – Voltaram a trabalhar todos. Só foram, eles chamam, de indiciados, né?
P/1 – Sei.
R – Eles foram indiciados, mas não houve prova nenhuma contra eles, nada importante que justificasse a continuidade da prisão, então foram libertados.
P/1 – O senhor não perdeu os seus operários?
R – Não. Eles retornaram ao trabalho normalmente. Um pouco mais assustados (risos). Mas voltaram.
P/1 – Mais eficientes?
R – É, voltaram a trabalhar normalmente.
P/2 – Só dentro disso, é, o que que eles faziam. Assim, esses operários, eles eram da construção civil.
R – Todos da construção civil. Porque a Cosipa ela tem duas fases. Uma é a fase de construção civil, que é o estaqueamento, as fundações, os edifícios, pra depois vir a parte de montagem. Então montam os examinadores, os auto-fornos, o equipamento. Essa fase era a fase de construção civil. Quer dizer, o contingente operário lá era muito grande também. O contingente da Cosipa naquele tempo devia ser em torno assim em torno de uns 25 mil homens. E todo de operário comum. Tinha claro os mais qualificados, como os carpinteiros, os eletricistas etc, mas a grande quantidade era de operários comuns. E o sindicato dominava esse grupo todo. Então havia, digamos, uma passagem que eu me lembro muito bem, que uma enfermeira da Santa Casa de Santos foi demitida. Em função da demissão dessa enfermeira eles pararam a Cosipa inteirinha pra fazer a enfermeira voltar e conseguiram.
P/2 – As reivindicações deles, era isso que eu ia perguntar, quais eram as reivindicações deles?
R – Eles tinham um poder muito grande. O sindicato determinava uma greve e os operários seguiam rigorosamente aquilo lá, não iam trabalhar mesmo. Agora tinha uma vantagem, não havia depredação como há hoje, a greve era pacífica. Entrava em greve, acabou e pronto. Hoje é guerra, fazem uma série de... E o combate a isso, dessas greves, é que, quer dizer, a nossa função lá era tentar conseguir que o pessoal retornasse ao trabalho, né? E havia um certo confronto com o sindicato. Esse era um trabalho permanente.
P/1 – Mas o senhor nessa época lá fazia o quê? O senhor era engenheiro ________?
R – Eu era o coordenador de campo que eles chamam. Coordenador de campo. Era até a sigla C.O.C. né? Eu te falei inicialmente da Cosipa tinha muitos empreiteiros, então precisava haver uma coordenação de todos esses empreiteiros.
P/1 – O senhor ficou lá muitos anos?
R – Na Cosipa fiquei cinco anos.
P/1 – E depois da Cosipa qual foi...
R – Depois da Cosipa fui para, já terminando a usina, ela já estava em operação, laminando, produzindo chapas, já exportando chapas para São Paulo etc, aí fui convidado pra ir pra Furnas, pra usina de Estreito. Aí foi que quem convidou foi o Dr. Cotrim. Porque nós nos conhecíamos lá de Salto Grande, de Minas. Em Estreito começamos um trabalho muito importante também que foi, é, todas essas usinas do Rio Grande. E nessa ocasião, Furnas se juntou com a Cesp e a Cemig, desenvolveram no Brasil o nascimento dessas firmas de engenharia, que até então eram feitas por firmas estrangeiras. A Usina de Furnas foi projetada pela International Engineering Company que é uma companhia americana. De Estreito pra frente já foram só as empresas nacionais. E as empreiteiras também foram crescendo, nasceram nessa ocasião, daí é que se desenvolveram. A Camargo Corrêa nasceu nas usinas lá da Cesp lá em Ilha Solteira e Jupiá, né. A Andrade Gutierrez, a Mendes Júnior. Nasceram na usina de Furnas. Foi lá que elas começaram a dar os primeiros passos e hoje são grandes empreiteiras.
P/1 – Daí pra trás, no passado, não havia nenhuma delas?
R – Não, não havia. Eles não tinham recursos, não tinham equipamentos, não tinha pessoal especializado, né. Depois dessas empresas, lá em São Paulo nasceu a Themag. Um dos diretores da Themag era o Dr. Vargas, um engenheiro especializado em solda, aliás, ele trabalhou também na Cosipa. E a Camargo Corrêa surgiu lá, Cetenco também é lá de São Paulo, a C.B.P.O. (Companhia Brasileira de Projetos e Obras). São firmas paulistas e concomitantemente em minas surgiu a Mendes Júnior e a Andrade Gutierrez. E as firmas de engenharia daquele tempo são a Themag, a Promon, a Hidroservice, Engevix. A Engevix era do Rio. E essas firmas de engenharia que aí deram, hoje elas projetam todos. Aqui em Itaipu o papel delas foi muito importante. Mas eram empresas que se formaram naquela ocasião. E outra coisa importante que aconteceu lá em Furnas, eu digo Furnas mas, ao mesmo tempo, estava acontecendo na Cesp em São Paulo, estava acontecendo na Cemig também. Que é o incentivo para que os equipamentos, turbinas, geradores, os transformadores, comportas, fossem fabricados no Brasil. E é a partir daí que a indústria pesada brasileira tomou um impulso grande, a ponto de poder fazer todas as unidades de Itaipu no Brasil, coisa que não se poderia nem pensar naquele tempo.
P/2 – Em Furnas, a sua função, qual era?
R – Lá em Furnas eu comecei como superintendente de uma obra que era a obra de Estreito. Depois, como as outras foram sendo desenvolvidas, aí eu passei a ser o superintendente das obras do Rio Grande. Eu ficava sediado numa delas mas fazia a inspeção de todas as outras, né? Então eu morei em Estreito uma certa temporada, acampamento da obra mesmo. Estreito tinha um acampamento próximo da cidade de Franca. Acampamento muito bom. É como aqui que vocês viram lá. São casas muito boas, tem todo o ______.
P/1 – A gente quando fala acampamento, eu penso em barraco (risos).
R - __________________________________ chamar de acampamento, né?
P/1 – Sei.
R – E depois fui pra Marimbondo que é também um acampamento, que é próximo da cidade de São José do Rio Preto. Depois a última barragem do Rio Grande já foi a Cesp que construiu, Água Vermelha. E com isto esgotou o Rio Grande inteiro. Mas o trabalho em Furnas foi muito importante pela experiência que reuniu pra uso posterior, ela criou grupos de trabalho muito bons, experientes e gente com habilidade. Quer dizer, não só nas firmas empreiteiras de construção, como nas firmas de projeto como ______ próprio. Mas eu digo isto também estava acontecendo na Cesp, e estava acontecendo na Cemig.
P/1 -
Aí digamos já existia o operário especializado? O barrageiro?
R – O barrageiro é nômade, né? Ele sai de uma usina pra outra e ele não acostuma no outro trabalho. Pegar um barrageiro e botar pra trabalhar num prédio lá em São Paulo ele, não é o que ele gosta. Mas o barrageiro ele é o operário comum, é aquele que nós chamamos de servente, quer dizer, não tem nenhuma especialização. Depois tem uma série de especializações. Ou ele é carpinteiro, ou ele é ferreiro, ou ele é armador, ou eletricista, ou é bombeiro, ou é concreteiro, operador de máquina. Tem uma centena de máquinas que são os operadores, né? E em geral é, mais ou menos, o seguinte: aqui em Itaipu, a proporção foi mais ou menos essa. Num efetivo de 35 mil homens, 15 mil eram não especializados e dez mil especializados, quase a metade.
P/1 – Quer dizer que estes especializados já vinham de outras obras?
R – Outras obras.
P/1 – Que é o que o senhor tinha dito que em Paulo Afonso não tinha isso.
R – Pois é, Paulo Afonso não tinha experiência nenhuma, então o operário era inocente no trabalho de obra, né?
P/1 – Quer dizer, isso agora facilita o trabalho, né, geral.
R – Ah, facilita muito porque ele fica mais inteligente no cumprimento das ordens, você dá uma ordem, ele entende o que ele deve fazer. Quando o operário é chucro, ele não entende, você precisa quase que pegar nas mãos dele. É como a empregada doméstica, né? Quando ela não é boa, quando ela é nova, não tem que ensinar tudo pra ela? É mais ou menos o que acontece com o operário. Agora o grande mérito de Itaipu foi isso. De onde Itaipu tirou grande vantagem foi trazer pra cá só gente experiente, isso foi uma das razões do sucesso de Itaipu. Nós podemos comentar isso quando chegar lá, né?
P/2 – É, acho que a gente já podia, né? Então vamos entrar agora, Dr. Rubens, na parte de Itaipu e a primeira questão é quando o senhor ouviu falar pela primeira vez de Itaipu?
R – Pois é, Itaipu a gente já conhecia já dos jornais. Era uma usina polêmica, nos meios de engenharia a gente conhecia muito porque havia uma reação muito grande da Argentina, que não queria que construísse Itaipu. Havia uma rivalidade entre Brasil e Argentina muito grande. E além disso havia também uma certa resistência dos paraguaios, porque a cachoeira de Sete Quedas, como o próprio nome indica, são sete quedas. A divisa que o Brasil reconhecia com o Paraguai começava na terceira queda. Então todo o desnível não seria totalmente em território misto, né? Os paraguaios achavam que deveria ser a partir da primeira. Isso era uma das polêmicas que havia se arrastando muito tempo, chegou a haver até conflitos diplomáticos entre o Brasil e o Paraguai. E então Itaipu era conhecido deste modo. Nos meios de engenharia, de _________. E com uma alternativa muito curiosa. O João Goulart, quando ele era presidente, ele incumbiu Dr. Marcondes Ferraz, esse que era de Paulo Afonso, de fazer um estudo do aproveitamento de Sete Quedas. Marcondes Ferraz com uma ideia muito nacionalista então, imaginou que poderia ser construída uma barragem no trecho em que o Rio Paraná tinha ambas as margens brasileiras. Então fazia uma barragem, não precisava consultar ninguém porque era no próprio território. Abrir um canal lateral para que a água circulasse por esse canal e até no final das Sete Quedas teria casa de força, só do lado brasileiro, tudo muito bonito, né? Mas os paraguaios falaram: “Mas, e nós?” E isso foi muito polêmico. E o projeto de Itaipu foi desenvolvido por uma empresa neutra, isso é que é importante, uma associação da International Engineering Company americana com a Electroconsult italiana, os dois se associaram e formou uma empresa que nós chamamos de “Elc Ele”, é a abreviação de cada uma delas e eles fizeram um estudo de viabilidade do Rio Paraná. O Rio Paraná foi estudado, um trecho desde as Sete Quedas até a Foz do Rio Iguaçu com muita minúcia, com muito detalhe. Enfim, existiam muitas possibilidades de construção de usina, inúmeras. E algumas soluções até dividindo em duas ou três usinas, mas aquela que mostrou ser a mais econômica e a que aproveitava a maior quantidade de energia foi uma barragem única aqui no local de Itaipu. Então esse foi o estudo de viabilidade desenvolvido por esse grupo ítalo americano. Realizaram o layout, fizeram o layout da usina como ela deveria ser, a partir daí é que começaram os entendimentos Brasil e Paraguai pra formação da empresa mista Brasil Paraguai, né? E isso se deu, você deve se lembrar, no governo Médici. Naquela ocasião o presidente da Argentina era o Almirante, era um militar também, o mesmo que fez a guerra lá das Malvinas, fugiu o nome dele. Ele, numa viagem ao Brasil, ele, os discursos do presidente são lidos previamente por um e outro. O argentino saiu da leitura e de improviso ele fez uma crítica velada de Itaipu. O Médici, um sargentão assim muito bravo, né, falou então: “Cria Itaipu, faz Itaipu agora.”. E foi isso que acelerou Itaipu.
P/1 -
Foi a raiva do Médici?
R – É. Ele mandou criar Itaipu. Itaipu foi criada no finalzinho do governo dele, né, mandou acelerar, deu ordem pra que se levasse Itaipu a frente. Aí, a Itaipu binacional que já tinha, foi criada. Através de uma comissão dependente lá da Eletrobrás Brasil e Paraguai, eles fizeram um estudo do tratado, desse famoso tratado Brasil e Paraguai. Os Itamaratys, Itamaraty brasileiro com o Itamaraty paraguaio entraram no meio, fizeram o tratado. Então tudo pronto, tratado feito, todas as condições estabelecidas, criaram Itaipu. E nomearam o general Costa Cavalcanti, aí já é governo Geisel, comecinho de governo Geisel, ele tomou posse no começo de 1974 e o general Costa Cavalcanti foi formar a equipe dele. O coronel ________ veio junto com ele nessa ocasião e o general trouxe também o Cotrim, que era o presidente de Furnas, era um homem muito respeitável como um técnico de grande capacidade. E o Cotrim convidou a mim pra secundá-lo aqui. Antes mesmo da diretoria tomar posse, a posse da diretoria de Itaipu foi no dia 17 de maio 1974. É a data de Itaipu, por isso que a gente sabe certinho, a data em que Itaipu foi criada, 17 de maio de 1974. Um mês antes, no mês de abril, houve já uma reunião preliminar aqui em Foz do Iguaçu onde compareceram os diretores brasileiros, diretores paraguaios e alguns técnicos de ambos os países. Pra já trocar idéias e já definir os primeiros passos ao criar a companhia e pra não ficar aquilo, logo ao criar ficar sem saber direito o que fazer. Nessa reunião já foram estabelecidas coisas muito importantes que foram seguidas depois ao longo da construção, uma delas foi a gestão da construção. Então eu vou falar sobre a construção, tem a gestão financeira, tem a gestão de engenharia, tem a gestão de suprimentos, mas são a gestão de construção. Na gestão, na política de condução aqui da construção tomou-se duas importantes decisões, uma delas é que a supervisão, coordenação e fiscalização de todos os trabalhos da obra seria feita por uma equipe própria da Itaipu, sem contratar terceiros e os empreiteiros seriam contratados no regime de empreitada por preços unitários, quer dizer, então pretende fazer-se uma concorrência, cada um dava seus preços e o contrato era efetuado através dos preços, isto foi estabelecido nesta reunião e isso foi seguido, foi acompanhado até o final. E a supervisão e coordenação dos trabalhos da obra foi o cargo que me foi, para o qual eu fui indicado. Morava aqui no canteiro de obra e dentro do canteiro eu era o bispo, mandava em tudo (risos).
P/2 – E o senhor lembra de Foz do Iguaçu, a primeira vez que o senhor chegou aqui?
R – Pois é, a primeira vez foi neste mês, abril de 1974.
P/2 – Então, e qual foi a impressão que o senhor teve da cidade?
R – A cidade era mínima, Foz do Iguaçu naquele tempo não devia ter por volta de 30 mil habitantes e as ruas não eram asfaltadas, eram todas as ruas em terra. A única rua que tinha um pouco de asfalto, não era toda ela, era só um trecho, é a Avenida Brasil, aquela principal que começa do lado da Igreja e vai até o quartel do... Era uma cidade muito pequena, mesmo o comércio aí do Paraguai não era tão desenvolvido assim. Aí de repente vem uma companhia que coloca em trabalho cerca de 40 mil homens e boa parte desses homens com família, quer dizer, colocou aqui uma população de 60 mil pessoas, maior que a da cidade. Então explodiu tudo, o comércio aí explodiu, todas as casas comerciais vendiam, não davam conta para atender a demanda do... E a cidade teve o desenvolvimento de Itaipu, de Foz do Iguaçu dever muito a Itaipu, sem dúvida nenhuma. E inclusive depois incrementou o comércio aí, o contrabando aí (risos).
P/2 – Dr. Rubens, e como é que se formou o consórcio Unicom e Itamon?
R – Tem que ter aí uma preliminar. Esse grupo de Itaipu que me referi anteriormente do qual veio, eu vim de Furnas, o Gelásio veio da Chesf. ________, esse grupo, cada um trouxe os seus elementos e nós fizemos aqui, auxiliados por uma empresa de São Paulo, que foi muito útil pra nós aqui, a Engevix, ela tem sede em São Paulo até hoje, o planejamento da obra. O planejamento da obra o que é? É estabelecer o cronograma das diversas atividades e planejar como é que a obra deveria ser executada. Então distinguiu-se desse cronograma que fixava datas pra todos os eventos importantes, dois eventos básicos, que um era a divisa do rio, e o outra era a formação do reservatório. Para fazer o desvio do rio, que é a primeira etapa, pensou-se em contratar, fazer uma concorrência entre as firmas brasileiras associada com a firma paraguaia. Então selecionou-se primeiro, foi feita uma pré-seleção das firmas brasileiras e foram selecionadas cinco empresas, que é a Camargo Correia, a Cetenco, a Mendes Junior, C.B.P.O. e a Andrade Gutierrez, cada um tinha o seu sócio paraguaio. Fez-se a concorrência e era.... A maneira de pagamento de Itaipu era muito curiosa porque se pagava o serviço realizado, era tudo feito em dólar não era que a moeda fosse o dólar, mas era pra facilitar. A gente não podia fazer Cruzeiro porque não era só Brasil, não podia fazer Guarani, então fazia dólar. E tinha a parcela paraguaia e a parcela brasileira, cada um deu seu preço dizendo, só pra exemplificar, eu faço isso por 100, mas vou gastar 80 em Cruzeiro e 20 em Guarani, só pra facilitar o raciocínio. A firma vencedora foi a Andrade Gutierrez, que deu o menor preço, mas deu uma parcela ínfima de Guarani, que desequilibrava também. Não era esse o espírito reinante. O espírito reinante era que tanto quanto possível devia se dar a metade do Paraguai, quer dizer, sabia-se que a metade não era possível, mas pelo menos uma parte razoável e a Camargo Corrêa deu 22%, né? Aí o que que se fez? Criou aquela dificuldade e numa habilidade muito grande do general Costa Cavalcanti pra satisfazer ao Paraguai e ao mesmo tempo ter o preço mais conveniente para o Brasil, fez com que as cinco firmas se reunissem e mantivessem o preço da mais baixa com a proporção da Camargo Corrêa, ele atendeu aos dois interesses, e daí nasceu a Unicom, dessa fusão das cinco firmas. E a mesma coisa das cinco correspondentes paraguaias, nasceu a Conempa. Então os empreiteiros da primeira etapa foram Unicom e Conempa.
P/2 -
O senhor já era um barrageiro, né? Mas o que que o senhor viu assim como um grande desafio quando o senhor chegou?
R – Itaipu foi um desafio permanente, né? A gente vivia _______ todo dia (risos).
P/1 – Tipo o quê?
R - Aqui nós tivemos uma felicidade muito grande que foi o seguinte. Itaipu olhou muito o homem. __________ que o homem é o elemento principal da construção. E pra que _________ e incentivar o homem que ela criou essas vilas residenciais muito confortáveis, as casas são muito confortáveis. Quer dizer, todo casado aqui tinha casa, de qualquer nível, engenheiro, técnico, operário, todos tinham as suas casinhas. Um serviço médico de primeira ordem, um serviço médico que a região toda aqui não tinha um hospital tão bom. Um colégio pra ensino primário e ginasial que veio até do Rio de Janeiro, o Anglo-Americano do Rio que veio pra cá. E deu um salário maior do que o salário vigente nos centros urbanos. Não é uma coisa assim também que criou uma casta nova. Deu um pouquinho maior do que... O pedreiro ganhava um pouquinho mais do que aquele pedreiro que trabalha em Rio, São Paulo. E o carpinteiro... Isto trouxe a melhor qualidade de operário, de técnico, de engenheiro pra Itaipu. Então aqui lidou-se com a massa de homem de primeiríssima qualidade. Isso aí é uma coisa que contribuiu muito para o sucesso da... E a outra coisa que teve também uma importância muito grande foi quando se fez o cronograma, que foi naquele planejamento inicial. Verificou-se o que era necessário fazer, as quantidades de trabalho que deviam-se obter para manter aquela _________. Então tinha que fazer 300 mil metros cúbicos de concreto por mês. É uma coisa muito, uma tarefa muito ambiciosa, mas que em todo caso estávamos perseguindo, né? Tinha que fazer um milhão de metros cúbicos de escavação em rocha, que também era uma coisa inusitada e para fazer isso precisava ter um equipamento muito eficiente, aí não é só o homem, o homem não seria o bastante, tinha que ter um equipamento muito eficiente. Aí a própria Itaipu, é uma decisão importante essa de Itaipu, antes mesmo de ter o contrato com os empreiteiros, ela decidiu ela própria comprar e montar esse equipamento para que o empreiteiro viesse operar. Então ela montou todo o _______. A primeira providência foi comprar duas escavadeiras Bissau dos americanos de dez jardas cúbicas, escavadeiras do tipo de mineração, são escavadeiras elétricas muito grandes. E 40 caminhões fora de estrada, caminhões _______ de 70 toneladas cada um. E isso pra fazer a escavação do canal do desvio. O canal de desvio era a obra primordial, né? Comprou depois as centrais de britagem pra fazer toda a britagem necessária ao concreto, comprou as centrais de concreto pra fabricar todo o concreto necessário à obra e as centrais de refrigeração pra refrigerar o concreto. Isso havia tanto no Brasil, quanto no Paraguai, nas duas margens, fazia aqui no Brasil, fazia no Paraguai também, então o canteiro foi mais ou menos equivalente. Tinha aqui, tinha no Paraguai. Como da mesma forma foi equivalente os alojamentos, as casas, o que se construía no Brasil, construía-se no Paraguai. E com esse equipamento previamente, enquanto se cuidava-se da contratação do empreiteiro, já se dava andamento na aquisição desse equipamento. Quando o empreiteiro assumiu, ele já tinha então esse equipamento nas mãos e pode começar a trabalhar rapidamente. O início das obras de Itaipu, quer dizer, Itaipu foi criada em maio de 1974, aqui tinha uma estrada vicinal, a estrada que vinha de Foz do Iguaçu pra cá, era uma estrada vicinal, o sujeito podia quando muito vim de bicicleta. E aí foi primeiro fazer a estrada de acesso, desapropriar o terreno em volta da usina, isso tudo foi feito em 1974. Em janeiro de 1975, as obras começaram.
P/1 – Considerando que tem dois paises envolvidos, a direção dessa obra, ela era exercida pelos dois paises sempre? O senhor era o chefe de tudo que acontecia aqui?
R – Toda organização da Itaipu, desde a diretoria até os cargos mais importantes, cada brasileiro tinha um vice paraguaio. Eu tinha um vice paraguaio. Assim como tinha o diretor geral brasileiro, diretor geral paraguaio, diretor técnico brasileiro, diretor técnico paraguaio, aqui o superintendente da obra, eu, o superintendente da obra, tinha um vice superintendente da obra cuja função ele tinha o direito de saber tudo o que estava sendo feito, podia reclamar. Então ele podia protestar alguma coisa que ele não tivesse de acordo. Mas ele não é executivo.
P/1 – É isso que eu queria saber.
R – Senão atrapalharia. Dois executivos. Mas foi muito harmoniosa essa vida entre brasileiros e paraguaios. Depende de, é claro que tinha de vez em quando um joguinho de futebol aí que atrapalhava. Mas o resto ia bem com os paraguaios.
P/2 – Os brasileiros _______?
R - Era muito harmônica, eu vivi muito harmoniosamente. Eu tive três vices, um era um rapaz que estudou no Brasil, Leon Bojanovic, ele estudou na PUC lá no Rio, então falava muito bem o português, a gente nem cuidava de querer aprender o espanhol porque __________. Depois, foi um rapaz aí de Assunção, mesmo filho de políticos, Leopoldo Seifart. E depois do Seifart, foi o Mario Salinas e depois terminou. Esses três, me dei muito bem com todos eles, sem... É claro que __________ eu não vivia de beijos e abraços toda hora. De vez em quando tinha uma rusgazinha, né? Mas o convívio foi bom.
P/2 – Qual era o motivo destas rusgas? Principalmente o que que ocasionava essas rusgas que o senhor falou com os paraguaios?
R – Não, é claro que os paraguaios reivindicavam tudo que fosse favorável ao Paraguai.
P/2 - Que tipo?
R – Isso eles lutavam, mas com toda a força que eles tinha pra poder. A meta deles era igualar, então vou dizer que a gente comprava digamos dez automóveis, não automóveis pra passear na rua, automóveis, era geralmente o fusquinha pra andar aqui dentro da obra. Tinha que ser dez pra eles também. E isso num tinha...
P/2 – Mesmo que eles não fossem usar?
R – Não tinha outra saída, tinha que ser meio a meio. Se te contratava, digamos, serviço terceirizado porque as empreiteiras já estavam contratadas, mas um serviço terceirizado qualquer, digamos, um serviço pra fazer limpeza, pra fazer refeições, pra cuidar, estas coisas secundárias, tinha que ser igual lá também. Se tivesse uma equipe brasileira, tinha que ter uma equipe paraguaia, eles cuidavam muito do que era deles, o que é natural.
P/1 – Da maneira que o senhor fala, a gente tem a impressão que as decisões mesmo eram brasileiras. Quer dizer, o Brasil seria o mais...
R – Mais poderoso, né?
P/1 – Isso, era mais decisivo.
P/2 -
Mais executivo.
R – É, o desequilíbrio digamos entre os dois países era muito grande, nós sabemos disso.
P/1 – Sabemos, mas eles _________?
R – Mas eles queriam a igualdade, eles eram donos da metade do rio.
R – Mas quem comandava eram vocês, no Brasil.
R – Pois é, quem ________, sempre o executivo era brasileiro. E eles acompanhavam, né, através do vice. Eles sabiam tudo que estava sendo feito na obra, conheciam todos os detalhes de qualquer coisa e estavam sempre acompanhando aquilo de perto.
P/2 _ Eu queria lhe perguntar, Dr. Rubens, da montagem da infraestrutura. O senhor estava falando da estradinha vicinal e a partir daí, como é que foi esse trabalho antes de começar a construção?
R – Pois é, então, voltamos lá. Logo que foi criada a companhia, a primeira coisa que fizemos aqui foi construir um acampamento pioneiro. Até hoje, eu ainda vi construção assim do escritório desse acampamento que eu ____. Escritório esse que o Geisel visitou uma vez, nós fizemos uma exposição para ele num desses escritórios, um escritório pioneiro. Pioneiro o que que seria? Um escritório, um almoxarifado, uma cantina de refeições, e uma carpintaria pequena, uma serraria menor ainda, quer dizer, primeiras coisas, isso foi logo de saída e começou-se a abrir a estrada de acesso, que é fundamental, né? Essa estrada que hoje passa lá com duas pistas, _________, começou a ser aberta nessa ocasião e aqui no canteiro foi feita a desapropriação do terreno e preparado, não se fez nada, aqui só existia os furos de sondagem dos tempos do estudo de viabilidade, foi feita muita sondagem na região toda. Eu tenho até uma fotografia da primeira visita do Costa Cavalcanti no local das obras, não tinha nada, era aquilo lá, então a partir daí primeiro fez-se as estradas, estabeleceu-se a necessidade de fazer as vilas residenciais, de fazer os alojamentos aqui dentro do canteiro de obras, de fazer a cantina para as refeições dos operários, esses primeiros trabalhos de infraestrutura, isso tudo foi feito, digamos, em 1974. Quando entrou em 1975, que aí foi quando entrou a Unicom e a Conempa, aí eles ampliaram muito essas oficinas especiais, né, oficina mecânica, de carpintaria, de alojamento não, já era _____, e a parte de lazer que era Itaipu quem determinava. Aqui criava uma área de lazer muito boa, tinha cinema, tinha centro comercial, tinha área pra esportes, promovia-se acontecimentos esportivos aqui, trazia-se o time de Foz do Iguaçu pra jogar com o daqui, saia umas briguinhas no meio, mas jogava futebol, trazia-se cantores do Rio, a Fafá de Belém veio várias vezes aqui, cantava aí no palco de cinema. Era um perigo danado porque a Fafá de Belém era muito exagerada, né, no vestir, então precisava ______ os operários mesmo porque eram todos uma fera, né? A Fafá veio várias vezes aí e vários outros, vieram vários cantores. E construiu-se também para o lazer do nível de supervisão uns clubes na vila residencial, tem clube na Vila B, tem clube na Vila A, são clubes bons, são clubes que pouca cidade do interior tinha igual, todo o conforto com salões pra jogos, com salões pra dança, piscina, campo de tênis. Foi isto a infraestrutura que foi feita no correr de 1974 e parte de 1975.
P/2 – E como é que o senhor montou a sua equipe de trabalho, quer dizer, o senhor veio por convite do John Cotrim.
R – Pois é.
P/2 – A sua equipe.
R – A minha equipe, como eu disse anteriormente foi muito favorecida porque Furnas já tava terminando a obra de Itumbiara. A Cesp tinha terminado a Ilha Solteira, foi uma obra grande, de vulto, então o grupo da Cesp veio quase que todo pra cá, numa providência única deve ter vindo da ordem de 20 engenheiros da Cesp pra cá, todos engenheiros experientes que viveram lá toda a construção de Jupiara, de Ilha Solteira, eles vieram pra cá. Um pouco menos de Furnas, mas vieram alguns de Furnas também. E menos ainda da Cemig, que a Cemig não tinha nenhuma obra grande concluída. Então formou-se aqui uma equipe da coordenação de campo que era auxiliada por uma empresa de engenharia que era a Engenharia Logos, associada com a firma paraguaia, a _______, que fez esse planejamento do canteiro. Esse planejamento que eu disse, _______________, que nós chamávamos a instalação industrial da obra.
P/2 – Sim, mas a iniciativa da convocação dessa equipe foi sua?
R – Foi.
P/2 – O senhor que convocou esses...
R – Eu não digo que seja eu, isso aí é uma iniciativa da empresa da qual a gente sugere pra fazer isso, pra fazer, mas foi, o grupo de supervisão aqui da obra foi feito usando esse pessoal das usinas, e geralmente por iniciativa minha mesmo, né, porque não que eu conhecesse todos, mas vinha um, eu conhecia quatro ou cinco, vinha outro, eu conhecia outro, e assim. Nós tivemos engenheiros muito bons aqui. O grande mérito de Itaipu é que ele reuniu, Itaipu reuniu não só aqui no canteiro de obras, como nas firmas de engenharia, a fina flor da engenharia brasileira, nós tínhamos aqui os melhores engenheiros da época, não só no corpo próprio de Itaipu como nas firmas de engenharia e nas construtoras. As firmas construtoras tinham o que elas tinham de melhor em pessoal e equipamento, então isso facilitou muito. E Itaipu tinha uma organização de suprimentos, porque muita coisa era responsabilidade de Itaipu de fornecer, e também muito operosa, isso ajudou muito, né? A vida aqui no canteiro de obras era empolgante, eu vinha pra cá as sete horas da manhã, chegava no escritório, dava bom dia lá pra secretária, secretária não, secretário, que naquele tempo não tinha secretária, não podia ter, era um machismo danado, não podia ter secretária. Então ia lá, dava uma volta no canteiro todo, passava em todos os locais, tomava contato com todos, debatia um problema aqui, debatia outro problema lá, levava umas três horas, retornava, no escritório e ficava no escritório, almoçava aqui no canteiro mesmo e só voltava pro hotel depois das sete horas. Mas, olha, o trabalho era tão solicitante que a gente não sentia o tempo passar. O dia esgotava com uma facilidade enorme.
P/2 – O senhor é muito querido pelas pessoas aqui de Itaipu, né, o senhor, as pessoas têm um respeito muito grande pelo senhor. Mesmo aqueles que não trabalharam diretamente.
R – Pois é, por causa desse convívio diário, né? Esse convívio diário cria amizades prolongadas. Eu tenho muitos amigos operários que até hoje me telefonam, eu quando tenho a oportunidade de encontrar eu encontro, quer dizer, são amigos que nasceram dessa luta assim de todo dia. Esse trabalho empolga tanto que os operários de Itaipu tinham espírito tal que eles queria ser maiores que a própria obra, queriam ser tão grandes quanto a obra, quer dizer, isto é coisa rara você fazer, conseguir que todos pensem da mesma maneira que você. E a rotatividade de mão de obra aqui foi muito pequena, não houve, geralmente em obras há muita __________________, né, há muita mudança, mas aqui não, a rotatividade foi pequena, só havia rotatividade da mudança de trabalho, terminava a fase de escavação, entrava a fase de concreto. Os homens de escavação não são os mesmos de concreto, terminava a fase de concreto, entrava na fase de montagem que também não são os mesmos, aí houve realmente uma movimentação, uma troca grande. Mas no geral assim não houve não.
P/1 – Mas essa, na hora da rotatividade, a turma da montagem é demitida?
R – Pois é, a turma da montagem foi a última a entrar, né?
P/1 – E as que precederam? Cada fase demite?
R – Digamos o seguinte. A escavação foi um trabalho muito grande aqui. Houve um instante em que a escavação terminou. Esses operários da escavação, são os marteleiros, os cabos de fogo, os motoristas desses caminhões fora de estrada, os operadores de escavadeira, operadores de trator, esses tiveram que ir embora.
P/1 – Isso que eu perguntei.
R – Foram pra outras obras. O barrageiro.
P/1 – Não dá pra ser reaproveitado?
R – É, não tinha como aproveitar.
P/1 – O senhor falou várias vezes em caminhão fora de estrada. O que é isso?
R – Caminhão fora de estrada é um caminhão que não anda na estrada.
P/1 – Mas ele anda onde?
R – É um caminhão muito pesado, ele transporta 70 toneladas de carga, então as estradas normais não resistiriam um caminhão desse tamanho, né? Pra dar grande volume, nós tínhamos 40 caminhões de 70 toneladas e um outro tanto de 60 toneladas, eram duas marcas, uma ________ a outra acho que era da General Motors, GLC, General Motors Company, os dois caminhões é que faziam essa movimentação de rocha dentro do canteiro, porque o desvio do rio, pra desviar o rio era preciso criar um canal capaz de receber 35 mil metros cúbicos de água por segundo. O Rio Paraná, tinha que abrir um canal pro Rio Paraná passar por esse canal, essa escavação então foi uma escavação imensa e a rocha que saiu dessa escavação tinha duas finalidades, uma delas ia pra fazer as secadeiras, secadeira não é nada mais que uma barragem provisória pra fechar o rio e obrigar que as águas escoem pelo canal, então a rocha escavada ia ou para as escavadeiras ou para uma pilha de estoque que posteriormente ia ser usada numa barragem de enrocamento ou para a britagem, para fazer a pedra britada. Essa movimentação era muito grande, um milhão de metros cúbicos por mês de escavação em rochas, era um trabalho insano, trabalhava dia e noite em dois turnos de dez horas, quer dizer, tinha uma hora para a refeição do operariado e uma hora entre um turno e outro pra fazer a lubrificação do equipamento, a manutenção desse equipamento, não pode trabalhar continuamente sem, então trabalhava-se 20 horas por dia, só não trabalhava domingo, mas de segunda a sábado.
P/2 – Dr. Rubens, houve algum momento da obra que foi necessário se acelerar os trabalhos?
R – Houve.
P/2 – Porque parece que houve uma equipe da ________.
R – Houve sim. Logo que, houve até uma fase muito curiosa. Então __________ só pra dizer a vocês. O desvio do rio, pra fazer o desvio do rio tinha uma data estabelecida, outubro de 1978, essa data foi feita naquele planejamento inicial. Estabeleceu-se este outubro de 1978 para o desvio do rio e outubro de 1982 para o fechamento das comportas do desvio e formação do reservatório, então essas duas datas eram sagradas. Em função dessas datas, dependia a geração das máquinas, para fazer o desvio do rio você precisava fazer as secadeiras, fazer a escavação do canal do desvio e construir dentro do canal de desvio a estrutura de desvio, que não é nada mais que a barragem, o trecho da barragem dentro do canal e por essa barragem dentro do canal ficaram 12 aberturas por onde o rio deveria passar quando fosse desviado, essas 12 aberturas, cada uma tinha uma comporta para posteriormente ser fechada. Então essa estrutura de desvio que tinha um prazo muito apertado que foi o primeiro trabalho de concreto da obra, começou a atrasar. Aí houve o alarme geral que tava atrasado e foi feita uma reunião em São Paulo até, da cúpula de Itaipu com a cúpula dos empreiteiros, os presidentes das firmas empreiteiras e nessa reunião, foi uma troca de reclamações muito grande. Mas aí eu conheci, que tinha trabalhado comigo muito tempo, em Marimbondo, o engenheiro Ronan Rodrigues da Silva, que era Mendes Júnior. Um rapaz muito eficiente, tinha uma liderança muito forte sobre os funcionários, tinha uma grande capacidade de condução _______. Então, nessa reunião nós sugerimos que a Mendes Júnior mandasse ele pra cá, porque nós vamos dar um impacto aí na obra e ele veio com um grupo de dez ou doze pessoas ____________________, chegou e foi uma beleza, viu?
P/2 E conseguiram então cumprir os planos.
R – Conseguiu recuperar o atraso que havia da estrutura de desvio, desviou-se o rio exatamente na data prevista, dez de outubro. Essas datas são marcadas assim em função do ano hidrológico porque você não vai fazer uma coisa dessas num período de cheia, você não vai fazer também num período de seca. Então você tem que fazer numa certa conveniência que é o período de seca e a cheia que ainda não chegou.
P/2 – Dr. Rubens, eu queria que o senhor contasse pra nós alguns causos de Itaipu.
R – Tem muitos causos aqui na obra, alguns são impróprios (risos). Mas não tem muito não viu, não tem não porque a vida dentro do canteiro de obras era muito saudável, né, e o trabalho era tão intenso que não havia tempo pra.... Mas sempre tinha alguma briga, rivalidade, sempre existiu, né? Eu me lembro por exemplo de um caso do engenheiro Ronan, ele era muito enérgico, daí a razão até da eficiência dele. Ele comparecia assim no canteiro de obras e queria ver tudo, que se fizesse com muita rapidez. Chegou no almoxarifado, que precisava de um material qualquer lá do almoxarifado e o almoxarife: “Não, agora já ta fechado, é hora do almoço.” Ele arrebentou a porta do almoxarifado, entrou e pegou a coisa, não admitia que não pudesse ser feito assim. Essas reações do Renan eram muitas, demitia com uma frequência muito grande, o sujeito fazia qualquer falta, ele mandava embora na hora, o Ronan era meio...
P/2 – Personagem.
R – Folclórico. Mas o resto não tinha maior...
P/1 – Tinha história de fantasma?
R – O que que eu me lembro ________. Me lembro de um paraguaio. Tinha muita história de Brasil - Paraguai. Essa rivalidade Brasil - Paraguai nem sempre... Imprópria que eu falei nesse sentido, porque não é conveniente registrar, né.
P/2 – Dr. Rubens, o que que o senhor acha dessa iniciativa do Ecomuseu em estar planejando este memorial do trabalhador, esse resgate da história?
R – Eu acho uma iniciativa muito boa porque tudo tem sua memória, né? Não pode deixar de ______ a memória de Itaipu sem um registro nenhum, é uma obra muito importante pra não ficar. Eu acho que a iniciativa foi esplêndida, não podia ter melhor, principalmente realizado por gente tão competente quanto vocês. São profissionais do ramo, né? Isso conduz melhor porque fazer o registro da memória com gente não experiente, com amadores não fica bem feito.
P/2 – E eu queria saber se o senhor gostou de dar esta entrevista.
R – Eu gostei de dar a entrevista. Eu achei apenas que as coisas ficaram muito entrecortadas. Em todo caso vocês é que vão saber separar aí. Eu estava mencionando muito sobre Itaipu, você me perguntou uma hora _________. Itaipu teve momentos de muitos riscos, riscos grandes. Tinha vezes, assim, que a gente passava com o coração na mão. Por exemplo, o desvio do rio, o canal do desvio mais a estrutura do desvio foram feitas e calculadas para 35 mil metros cúbicos por segundo. Essa aí é a cheia que a gente chama de cheia milenar do Rio Paraná, isso ocorre de mil em mil anos, mas acontece que essa cheia pode ultrapassar e durante a construção quase ultrapassou. Se ela tivesse ultrapassado, teria sido um desastre enorme. Ia passar por cima das secadeiras. Então essa hora a gente fica com o coração na mão. Tudo, torcida, torcida, acabou superando. E a mesma coisa, essas duas operações são fundamentais. O desvio do rio e a outra, o fechamento das comportas da estrutura de desvio para reter o rio e formar o reservatório, são 12 aberturas, são comportas tipo guilhotina, ela desce segundo uma ranhura e fecham embaixo. Essas comportas tinham que ser acionadas simultaneamente todas as 12, porque se fechasse uma depois a outra e depois a outra, a medida que ia fechando, o rio ia crescendo de volume e a pressão dele não permitia mais a comporta fechar. Então era uma operação muito precisa e tinha que funcionar tudo perfeitamente porque se, digamos, ficasse uma duas ou três comportas sem fechar, o fechamento delas era quase impraticável daí por diante, era uma operação de muito risco. Ela foi feita numa madrugada, com a diretoria toda lá assistindo, né. Quando o sol começou a aparecer é que iniciou o fechamento da comporta. Mas é emocionante. As comportas ___________ é muito treinamento. Fizemos vários testes com comportas, fechando uma a uma, fechando duas a duas, sabia que o equipamento tava funcionando direitinho. E essa operação dura cinco minutos, dá os cinco minutos, as comportas todas fecham, aí pronto. Ou saiu bem, ou se não saísse bem era um desastre. E isto então emociona, né? Aí é uma festa depois que fechou e o rio cresce a olhos vistos. Você está vendo ali, ele começa a crescer, você vê o rio subindo, dentro do canal você vê ele subindo perfeitamente, depois tomou conta de toda a área e foi seguindo. Aí entra a parte ecológica, que saiu gente caçando macaco, caçando _______. Mas é muito emocionante a operação de fechamento do reservatório.
P/2 – Esse foi o seu momento mais emocionante?
R – Foi o mais emocionante. E o que, pra obter essa data foi que exigiu o maior número de tarefas, quer dizer, você tinha que estar com o vertedouro concluído, você tinha que estar com a barragem lateral direita concluída, tinha que estar a barragem principal concluída, as barragens laterais, quer dizer, a obra deveria estar pronta pra depois fazer o fechamento. Tanto que o fechamento foi feito em outubro e acho que um mês depois foi a inauguração da usina aqui. A abertura das comportas do vertedouro. Foi a inauguração do vertedouro. Tiveram aí os dois presidentes, o presidente na época era o Figueiredo e o Stroessner. Então essa operação foi muito importante também.
Uma coisa que eu não tinha me referido, é coisa mais pessoal, em virtude da minha atuação aqui em Itaipu, em 1982 o Instituto de Engenharia de São Paulo me elegeu Iminente Engenheiro do Ano. Eu recebi o título de Iminente Engenheiro do Ano em 1982, lá no Palácio Mauá. ___________Mas foi tudo em virtude da atuação aqui em Itaipu, quer dizer, eu devo isso a Itaipu.
P/2 – Então está bom, obrigada Dr. Rubens. Parabéns (palmas).
[Fim da entrevista]Recolher