Memorial do Trabalhador (Itaipu Binacional)
Depoimento de: Mário Penna Bhering
Entrevistado por: Cláudia Leonor e Danilo Lopes
Local e data: São Paulo, 12 de Novembro de 2002.
Realização Museu da Pessoa
Código do Depoimento: ITA_HV005
Transcrito por: Elisabete Barguth
Revisado por: Nataniel Torres
P/1 – Bom, a gente vai começar a nossa entrevista Seu Mário, vou pedir para o senhor falar de novo o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – O meu nome completo é Mário Penna Bhering e local de nascimento é em Belo Horizonte, em 24 de maio de 1922.
P/1 – O nome dos seus pais?
R – Do meu pai é José Bretas Bhering, que era de Ouro Preto, engenheiro e minha mãe, Maria do Carmo Penna Bhering, que era de Lavras.
P/1 – E qual a origem do nome Bhering o senhor sabe?
R – É um nome comum no Brasil e nas minhas viagens pela Europa sempre olhava o catálogo telefônico, na Alemanha e também na Áustria tem muitos Bhering, é um nome comum na Europa, então eu não qual é a origem aqui no Brasil.
P/1 – Tem alguém na família que é alemão?
R – Tem muita gente Bhering no Rio, tem uma rua: Mário Bhering no Rio, que é de uma pessoa que eu nem sei quem é, mas dizem que era uma pessoa importante na maçonaria, eu não sou maçom.
P/1 – E o nome dos seus irmãos?
R – Tem nomes todos romanos, porque minha mãe e meu pai gostavam disso, então um chama Vinícius, o outro chama Marcelus e o outro Marco Paulus e a outra, a única moça, chama Julieta, que é um nome romano também.
P/1 – Eu queria que o senhor descrevesse um pouco como que era Belo Horizonte da infância, que bairro que vocês moravam, como que era isso.
R – Belo Horizonte era uma pequena cidade naquele tempo do ponto de vista do que se tornou depois. Nós morávamos num bairro que era conhecido como Bairro dos Funcionários, porque Belo Horizonte é uma cidade que foi fundada, como você sabe, a capital era Ouro Preto e fizeram uma cidade para ser capital. No princípio foi muito bem feito, ruas cortando em 90 graus, depois como aconteceu com Brasília, foi cercada por vários bairros onde não reinava essa ordem, eu fui estudar em escola pública, naquele tempo eram boa as escolas, num grupo escolar em que minha tia era diretora, essas minhas tias tem o nome delas em escolas de Belo Horizonte e sempre foi muito interessante conversar com elas porque haviam sido professoras de muitos políticos, então elas diziam: “Esse era inteligente, mas esse era tão burro”. (risos)
P/1 – Qual o nome delas?
R – Helena Penna e Salomé Penna. E tem até Grupo em Belo Horizonte com o nome dela e depois tinha um colégio, perto da onde eu morava, que era um colégio de padres alemães do Verbo Divino, e chama-se Colégio Arnaldo, é famoso lá em Belo Horizonte e eu fui pra esse colégio, e desde o inicio tinha uma tendência pra algumas coisas, um pouco de física e vamos dizer ciências, um pouco de matemática e uma queda pra desenho desde essa época, eu desenhava bem, muitas vezes até ajudava a fazer as provas dos meus colegas que não eram capaz de desenhar nada, coitados, então isso é uma característica desse tempo. Outra característica, aliás, interessante, as minhas tias tinham uns quadros que meu avô comprou, alguns na Itália e tinham uns daqui, tinha uma sala de visita e tinha um quadro que eu era apaixonado, era uma marinha desse tamanho mais ou menos, e essa marinha era do grande pintor brasileiro chamado Castagneto, já deve ter ouvido falar nele. Nunca mais esqueci esse quadro. Um dia encontrei esse quadro e comprei não interessava quanto que o sujeito pediu, valia muito dinheiro, mas era um quadro que era uma referência da minha vida, era artístico.
P/1 – O que chamava a atenção do senhor nesse quadro assim?
R – Era uma praia com uma marinha, e ele pintou o quadro praticamente com três tipos de cores ou de tintas, naquela ocasião eu não sabia disso, vim a saber depois, ocre mais ou menos feito sua calça, terra de siene e seper, então pra pintar um quadro assim tinha uns tonzinhos de verde, mas muito pouco, era realmente um quadro lindo, influenciou bastante. Bom, eu me formei nessa escola e depois conversando muito com meu pai, que naturalmente me influenciou pra estudar engenharia, e eu comecei estudar engenharia em Belo Horizonte, mas logo no primeiro ano meu pai arrumou uma posição no Rio de Janeiro e eu fui para o Rio, na Politécnica do Rio naquela ocasião, hoje chama Escola Nacional de Engenharia. Primeiro que o Rio era uma sociedade muito mais avançada do que de Belo Horizonte, a cidade era muito mais bonita. Pra começar, tinha o mar, que é bem melhor do que o Tietê, então dizem que o problema de São Paulo é que a gente anda, anda, anda e nunca chega em Ipanema. (risos) Então moro em Ipanema hoje, eu moro em Belo Horizonte, mas tenho um apartamento em Ipanema, então, lá no Rio, comecei a olhar o Museu Nacional de Belas Artes, que não existia em Belo Horizonte um Museu desse tipo, aqui em São Paulo existe e acompanhar alguns pintores daquela época, ao mesmo tempo que eu começava a estudar cada vez mais hidráulica, máquinas hidráulicas, que é o que eu gostava na Politécnica. Quando finalmente me formei, apareceu uma oportunidade de ir para os Estados Unidos fazer um curso de graduação que eu te expliquei, chamava Grade Training Cost, a General Electric, a Westinghouse, essas firmas levavam pessoas do mundo inteiro para fazer um curso técnico e mecânico dentro das fábricas, o que interessava à eles terem gente que conhecia os produtos deles. Foi uma experiência interessante porque quando eu fui, foi logo depois da guerra, e eu encontrei gente do mundo inteiro, do México muitos, colombianos e também hindus, chineses, naquela ocasião os Estados Unidos estavam muito interessados em manter o Chiang Kai Shek no poder, então tinham muitos chineses e, afinal de contas, uma experiência muito interessante.
P/1 – Deixa só eu voltar um pouquinho, o que o pai do senhor falava pra incentivá-lo a fazer engenharia?
R – Ele usou uma tática mais ou menos assim, ele ia eliminando o que ele não gostava e nem eu. Padre, nada porque ele era positivista, advogado também não, porque tinham muitos na família, advogado não, médico, ele perguntou “Você gosta de cortar, sangue?”, não, naquele tempo não tinha economista, nem historiador, nem nada, sobrava, ele disse: “Você daria um belo engenheiro” e por aí, foi mais ou menos assim. (risos)
P/1 – E o seu pai trabalhava em quê?
R – Naquele tempo ele tinha se formado em engenheiro civil e mineração. Ele trabalhou um pouco com mineração, teve uma infância duríssima, uma juventude duríssima, a família era pobre. Depois se formou numa daquelas crises mundiais. Arrumou um emprego, que era uma loucura, locar uma estrada, que passava nessa ocasião, numa zona de índios, que ia do Paraná ao Mato Grosso. Naquele tempo, era tudo floresta, ele tinha muitas histórias sobre isso. Depois ele voltou lá em Ouro Preto mesmo. Quando ainda estava lá, namorou uma estudante de farmácia, que era minha mãe, então casou-se com ela, eu diria que foi um casamento feliz comparado com os de hoje.
P2 – A parte artística ele não deu nenhum incentivo?
R – Não, é bom que você perguntou porque naquele tempo estavam começando as histórias em quadrinho no Brasil. O Globo Juvenil tinha o complemento juvenil e nós ficamos, eu e meu irmão, encantados com a qualidade daqueles desenhistas em preto e branco. Vocês são moços, mas existiam uns artistas como Alex (Uemann?) que desenhava o Príncipe Valente, que é uma coisa linda de desenho, e o outro camarada que desenhava Flash Gordon. Então o que a gente fazia? Copiava aquilo, eu e meu irmão, que desenha bem também, fizemos muitos desenhos desse tipo, aí veio a guerra, a guerra para quem... eu estava começando o estudo de engenharia, me preparando pra entrar na Universidade, a guerra era um impacto enorme, as notícias vinham todas por rádio ou por jornal, não tinha televisão e tinha revistas com desenhos e retratos de aviões, esse negócio todo, então foi isso que eu desenhei durante muito tempo, fiz vários mapas dos combates, da invasão alemã e depois da volta dos alemães, das frentes etc., tenho até hoje, interessante. Bom, isso relativo... até que eu voltei dos Estados Unidos, eu posso dizer também que quando eu fui aos Estados Unidos, eu tive uma ocasião também de ver alguns dos Museus deles locais em Nova York e Chicago, mas eu comprei alguns livros de arte e vi alguns dos quadros que existiam no Museu de Nova Iorque e Washington, só que mais tarde eu fui a Washington e Nova York, conheci mais ou menos os quadros e é um impacto você ver um quadro assim desse tamanho, que é uma reprodução, chega lá você vê um quadro que é o tamanho desse negócio, é uma beleza, né, fica completamente... é a mesma coisa quando eu fui na Europa, entrar dentro do Prado ou dos Museus de Paris, que tinham grandes aquarelistas também que eu admirava naquele tempo. Bom, eu fui um bom engenheiro, mas tinha uma tendência danada pra arte. E durante dessa fase que eu voltei, comecei a trabalhar como representante desse pessoal, como eu te disse, Selva Ribeiro, que representava essa Allis Chalmers, acontece que eu era muito amigo de um engenheiro que tinha uma posição importante em Minas, chamado Lucas Lopes, foi quem fundou a Cemig e foi Ministro também. Ele, conversando uma vez comigo “O que você anda fazendo?”, “Eu ando fazendo isso, isso”, “Mas você tá feliz aí”, “Eu não to muito não”, eu tava no Rio nessa ocasião, ele disse: “Olha, o nosso candidato pode ganhar em Minas”, ele era antigo PSD, eu falei: “Como é que chama esse candidato”, “Juscelino Kubitschek”, um dia ele telefona e fala: “Olha, o Juscelino ganhou e eu vou fazer o programa dele que se chama Binômio Energia e Transporte, eu vou fundar uma empresa de eletricidade, que aquilo lá não vai bem, e você vai lá trabalhar conosco” e eu fui. Era uma companhia que ele tava fundando do princípio e tinha influência política. O pessoal que foi trabalhar comigo era da melhor espécie: o Joni Cotrim, que foi depois pra Itaipu, o Mauro Thibau, que depois foi Ministro e o pessoal que era desse padrão. Então, nós começamos a fazer o programa da Cemig.
P/1 – Deixa só eu perguntar uma coisa, como o senhor conheceu o Lucas Lopes?
R – O Lucas Lopes era uma pessoa que tinha trabalhado com meu pai um certo período, ele trabalhou, ele foi chefe das oficinas das estradas de ferro em Divinópolis, mas depois ele foi secretário da aviação do estado. Ele era uma pessoa já conhecida bastante, esse homem é tão excepcional, eu vou falar só um pouquinho sobre ele, ele fundou a comissão mista Brasil/Estados Unidos...
P/1 – Que deu origem ao BNDES.
R – Ele foi um dos organizadores do BNDES que você tá sabendo, ele foi Ministro da Fazenda do Juscelino. Depois, ele foi da comissão que escolheu o local pra capital, ele era uma pessoa fantástica e realmente deixou uma escola de gente boa. A Cemig foi muito importante. Eu fiquei na Cemig durante muito tempo, de 1950 até ser convidado pra ir pra Eletrobrás, que foi em 1967. Então, tem 17 anos de Cemig, e daí, fizemos muitas Usinas pequenas, grandes e etc., pequenas desde umas que eram grandes, no meu entender. Até que eu trabalhei em Itaipu e vi que uma máquina com uma turbina de 1 milhão de cavalos, que é toda potência de Furnas, é um negócio fora de escala, é a maior Usina do mundo disparada em quilowatts hora. Se os chineses conseguiram fechar aquela Usina deles, que tem que relocar 2 milhões de chineses, que é tudo habitado, então talvez eles possam gerar mais, mas o resto não.
P/1 – Agora na época que começou a Cemig, quais eram os principais desafios ali pro estado de Minas Gerais?
R – O que aconteceu foi o seguinte, o estado era todo cercado por companhias particulares ou companhias de Prefeitura, Municipais, enquanto que aqui a Light e Foreign Power, que fez a Paulista, eram companhias grandes e poderosas, e a Light era essencial porque a indústria veio pra São Paulo. A Light era uma companhia organizada. Em Minas, era uma falta de energia, uma coisa incrível, principalmente na zona central, que era servido por uma subsidiária da American Foreign Power. Essa subsidiária não investia, porque “Tal e tal”, uma conversa de 30 anos atrás que parece a de hoje, então se você pensar nessa tentativa de privatização que nós fizemos, eu leio aquela choradeira “Queremos mais tarifa, queremos não sei o quê, não podemos fazer e tal”, parecidíssima, a mesma coisa, então o Lucas diz: “Não, aqui nós vamos fazer uma companhia para ligar a indústria”. Quando a companhia começou a funcionar, ela não era uma companhia de distribuição, era ligar a indústria de Minas, indústria qual essa, era industria de metalurgia, principalmente aço e ferro, cimento, esse tipo de indústria básica, muito tempo depois é que a Cemig entrou em distribuição, distribuição assim no sentido de tomar cidades, depois tornou-se uma companhia integrada. Depois quando eu fui pra Eletrobrás, a Eletrobrás não ia lá muito bem também, você quer que eu fale 1 minutinho da Eletrobras ou não.
P/1 – Eu quero, mas antes eu quero uma coisa, em 1954, 1955 quando o senhor foi Vice Presidente, teve construção de duas hidrelétricas: Bernardo Mascarenhas, que também é conhecido como Três Marias, né, qual a importância?
R – Nessa época que eu trabalhei na Cemig, nós fizemos várias Usinas menores como Itutinga, Camargos etc., quando foi considerado importante, pelo Vale do São Francisco, fazer uma barragem pra regularizar o São Francisco, porque o São Francisco na seca cai muito a vazão, se essa Usina de Três Marias, que é o projeto de Três Marias, tinha um efeito não só de gerar energia em Minas, como também de aumentar a capacidade de Paulo Afonso, porque o São Francisco é praticamente, toda a água do São Francisco, com raras exceções nasce em Minas, no Rio das Velhas, em Paraopeba etc., então Três Marias foi muito importante. Foi feito na época que Juscelino tava mudando para Brasília, então era um negócio de massa pro oeste, uma Usina lá no São Francisco e mais um negócio, era uma época de otimismo enorme, Juscelino era um otimista, né, era um homem que tava sempre achando que ia fazer tudo. Então, essa Usina mais tarde foi conhecida como Bernardo Mascarenhas, que foi o nome de um pioneiro e é uma Usina muito boa. Agora pra você imaginar, naquela época ela tinha, é uma Usina de uns 200 mil kwh, que hoje não é grande coisa, mas naquela ocasião era. Principalmente ela regularizava o São Francisco. Mas não permitiu um sonho, que era navegar direito no São Francisco, que iria regularizar o rio e ia permitir que o transporte pudesse ser retomado num trecho grande do rio, isso não deu muito certo porque talvez não tivesse uma carga razoável pra ser transportada como aqui, o negócio do Tietê, que tem soja, que é um volume grande, então regulamentando, é isso.
P/1 – Aí o senhor foi pra Eletrobrás, primeira gestão.
R – Eu fui pra Eletrobrás que durou o governo Costa e Silva e o governo do Médici. Depois entrou o Geisel, e o Geisel tinha um Ministro que eu não me dava muito bem com ele chamado Shigeaki Ueki, então pedi demissão e foi colocado lá como Presidente quem? Antônio Carlos Magalhães.
P/1 – Da Eletrobrás.
R – Da Eletrobrás, indicação política daquele tempo do Golbery, agora eu sai dali e o Costa Cavalcanti tava até que de trabalho em Itaipu, então ele falou: “Você vem aqui me ajudar” e eu fiquei muito tempo ajudando ele lá.
P/1 – O que que era Eletrobrás?
R – O que que era?
P/1 – O que que era naquela época, entre 1967.
R – Bom, isso aí tem uma história. O projeto da Eletrobrás, feito pelo Getúlio, era uma companhia integrada para servir o Brasil inteiro, cópia da Electric Services. Esse era o projeto. Esse projeto nunca passou no Congresso, ele foi sendo emendado, foi tirando pedaços, a Light intervia, as companhias estaduais eram contra, e finalmente quando saiu o projeto da Eletrobrás, era um projeto totalmente diferente, era uma holding, porque já existia Furnas, a hidrelétrica de São Francisco etc., que iam ser subsidiárias. Isso saiu já no João Goulart. O João Goulart que promulgou, vamos dizer que criou, a Eletrobrás. Tinha até uma, naquela ocasião distribuíram, uma propaganda que tinha escrito “Eletrobrás, sonho de Vargas e realização de Jango”, pra toda rua, todo mundo na Eletrobrás tinha isso escrito, tinha até caixa de fósforo escrito isso, então eu fui pra lá e a Eletrobrás já tinha tido dois Presidentes antes, um indicado pelo João Goulart e o outro foi o Doutor Marcondes Ferraz, que era daqui, e que incidentalmente é uma das pessoas que fez o projeto de Sete Quedas, que é uma concepção dele. E o Doutor Marcondes tinha sido Presidente da Eletrobrás durante o governo do Castelo Branco, então ele ficou 2 anos mais ou menos. Quando mudou o governo eu fui lá por indicação de Minas, fiquei lá durante muito tempo e a Eletrobrás fez muitos planos, muitas coisas e expandiu muita capacidade instalada. Olha, nesse período que eu me lembro, o Brasil passou assim, o Brasil tinha uns 6, 7 milhões de kwh, quando nós saímos tinha uns 40 a 50 mil, e tinha Itaipu em construção. E só Itaipu dá 12 milhões de kwh e no Brasil hoje tem 60 há 65 milhões, então Itaipu é um pedaço importante disso. Agora na Eletrobrás, além disso, fiz uma série de coisas de efeitos, por exemplo eu criei a memória de eletricidade, criei uma organização melhor de pesquisa que hoje vem a ser um centro de pesquisa e controle de qualidade e uma série de outras coisa que um bom Presidente tinha que fazer. (risos)
P/1 – Tinha assim alguns entraves, alguma coisa que o senhor lembre assim marcante?
R – Tinha. Pra começar, era uma empresa que já de inicio ia mandar em Furnas, que já é um colosso; na hidrelétrica de São Francisco, que serve a sete estados do Nordeste e com sete governadores politicamente fortes, então não é fácil mexer. Nessa ocasião aconteceu uma coisa interessante, nós tínhamos decidido, na Cemig, fazer um estudo geral pra levantar a capacidade toda do Brasil em hidroeletricidade. Isso foi depois incorporado pelo governo federal e financiado pelo Banco Mundial e fez-se um estudo amplo. O que ia inicialmente pegar todo o Sudeste até o Sul, e praticamente fez todo o programa de seqüência das Usinas do Tietê, do Rio Grande, do Iguaçu, tudo isso foi feito nesse grande estudo, um estudo fantástico, conhecido como estudo Canambra, você já deve ter ouvido falar...
P/1 – Canambra?
R – Porque era canadense, americano e brasileiro, mas quem fez o estudo todo mesmo foram os brasileiros, então tinha alguns consultores canadenses. O negócio deu tão certo, que eu estando na Eletrobrás, e vendo o êxito de tudo aquilo que tava acontecendo, nós decidimos fazer o mesmo estudo no Nordeste. Criamos um estudo parecido no Nordeste e também no Norte do Brasil, foi o: “Estudo Norte”, que indicou esse potencial todo que o Xingu tem, que os afluentes da margem sul do Amazonas... deixa eu falar um pouco sobre o Amazonas. O Amazonas é plano, corre muito pouco. Você pode imaginar o Amazonas como uma série de lagos? O diferencial da cota entre Manaus e o mar é muito pequeno. Então onde é que tá a potência hidro do rio Amazonas? Tá justamente nesses afluentes que vão por uma formação chamada cristalino. Existe um momento que ela começa a descer para o Vale Amazônico, o Vale Amazônico é uma formação muito mais recente de terra coberta de floresta, então o grande potencial tá no Xingu, no Tapajós, no Araguaia e no Tocantins, aí tem milhões de kwh. Então começou pelo Tocantins. No Tocantins foi feita a Usina de Tucuruí que tá sendo aumentada, foram feitas várias outras Usinas no Tucuruí, outras Usinas abaixo e acima de Tucuruí, agora onde é que tem o grande potencial do Xingu? Esse potencial do Xingu chamava antigamente Kararaô, mas inundava tanta reserva de índio, que hoje é muito difícil fazer esse projeto. Então mudaram o nome, eu esqueci o nome, acho que é Belo não sei o quê, mas o problema é que inunda menos, muito menos índio, mas de qualquer maneira é um projeto combatido do ponto de vista, vamos dizer, de preservação da natureza, do meio ambiente, e esse tipo de projeto hoje é muito difícil conseguir um financiamento externo, porque todas as Ongs, todo movimento, tudo isso é contra e não dá em certos tipos de regiões. Tem razão em parte ,porque tem projetos hidrelétricos péssimos no Brasil, tem um projeto chamado Balbina que é uma desgraça, ele inunda e quase não produz energia nenhuma.
P/1 – Aonde é feito esse projeto?
R – É feito num rio que é afluente norte do Amazonas, foi feito pra abastecer Manaus. Mas pelo preço que ele custou, era preferível ter feito Usina térmica queimando gás, mas foi feito então...
P2 – Esse projeto nasceu quando?
R – Qual?
P2 – Esse projeto da Hidronorte.
R – O projetão, é um projeto que deveria por pressão de grupos interessados, fabricantes, empreiteiras, político,s devia sair agora.
P2 – Ele nasceu (?), como a Transamazônica que não deu certo, (?)
R – Ele tá muito bem estudado, e quem vai decidir é o governo atual se vale a pena fazer ou não, chama Belo Monte hoje, você vai ver, o projeto alto, com a barragem alta, que inundava toda essa região de floresta que tem muitos índios, foi cortado pela terça parte da altura de barragem, então ele inunda muito menos, produz muito menos de energia também, então talvez seja um projeto viável, eu não tô acompanhando muito de perto.
P/1 – Durante a gestão do senhor na Eletrobrás tem a criação de novas subsidiárias, as centrais elétricas de Itaipu, as centrais elétricas do norte e a Eletrosul. A Eletrosul nesse negócio de privatização foi dividida em duas, uma chamada Gerasul, que foi vendida para iniciativa privada, pertence hoje aos Belgas e a Eletrosul. Ficou só a parte de transmissão que cuida da transmissão e a Eletronorte não, a Eletronorte é dona de Tucuruí, da distribuição de Manaus e se fizer Belo Monte, seria uma Usina da Eletronorte.
P/1 – E por que criar as centrais hidrelétricas do norte e do sul, tinha alguma...
R – Já tá criado.
P/1 – Não, mas por que na época tinha essa necessidade?
R – Porque no Sul existiam companhias estaduais, mas existiam vários projetos do governo federal, tudo solto. Por exemplo, Usina térmica a carvão no Rio Grande do Sul, Usina térmica a carvão em Santa Catarina, um projeto hidrelétrico no Iguaçu, então o que resolveu se reunir esses projeto, que foi numa empresa, só que foi a Eletrosul. E a Eletronorte na realidade, a Amazônia era muito mal servida, a maioria dos lugares. E até hoje não tem energia elétrica, os que tinham eram Usinas a diesel velhas, Manaus era muito mal servida também, então foi decidido fazer a Eletronorte e fazer Tucuruí. Agora o mercado de Tucuruí não era só o Norte, mandar energia para o Nordeste e para indústria de alumínio localizada em Belém e no Maranhão, então é uma Usina que produz uma parte da energia pra produção de alumínio. Agora eu vou lembrar uma coisa relativa ao pessoal, eu gosto muito de pescar até hoje, eu tive uma ocasião de pescar nos lugares mais famosos, com tanto rio. Então você imagina, chegava ali “Qual é o peixe que tem aqui?”, tem lugares que você pegava Tucunaré um atrás do outro, até soltava de tanto que tinha, e no Mato Grosso tinham outros peixes maravilhosos, tinha Bicudo e tudo, e durante muito tempo eu pesquei muito nesses rios todos. Porque eu era engenheiro hidráulico, vamos dizer, Presidente da Eletrobrás. Da Cemig, já fazia parte do negócio e hidro, peixe e aquarela, aquarela é água, principal solvente da aquarela é água, ao contrário de óleo, que são outros tipos de solvente, né, aquarela o que que é? É uma pintura sobre papel. Geralmente em que os pigmentos são dissolvidos na água, por isso que se chama aquarela, então eu sou realmente uma pessoa muito ligada a água, mas não sou um pau d’água.
P/1 – Maio, que signo que é?
R – Não sei o que é, não é aquário não, seria o máximo.
P/1 – Explicaria tudo talvez.
R – Falando nisso, eu vou parar de beber água.
P/1 – Já que o senhor falou da termo, qual a diferença da termo pra hidrelétrica? E o que seria melhor em termos de Brasil realmente, na opinião do senhor.
R – A energia elétrica, no linguajar correto. A eletricidade chama-se uma energia secundária porque ela é produzida a partir de uma energia primária, que é a gravidade água caindo na barragem ou a queima de óleo de combustíveis, de óleo, carvão, madeira. Essas são as térmicas, que inclui a termo nuclear, que na realidade é uma reação nuclear, mas no fundo o que essa reação faz esquentar água que entra numa turbina a vapor, então as térmicas têm origem de carvão, de óleo, madeira ou nuclear, urânia, né? A hidro é uma coisa que o peso da água que cai e existe. Além disso, que são menos importantes no momento, mas pode se tornar gradativamente mais importante, as Usinas eólicas, que são grandes Usinas a vento, que tem pás enormes, que vocês devem ter visto na Europa, que tá muito em moda porque o pessoal do meio ambiente acha aquilo perfeito, porque não produz nenhum tipo de poluição, a não ser uma poluição sonora. Quem mora muito perto, aquilo faz um ronco… porque essas Usinas eólicas grandes, a pá é comprida no tamanho da asa de um Boeing, é um negócio enorme aquilo, e hoje é uma tendência de localizar essas eólicas em cima do mar, vai fazendo uma série de ilhas com concreto em cima e coloca lá pra fora, e aquele negócio fica rodando. É claro que aquilo precisa ter vento quase constante, do contrário não gera, então não pode ser um negócio e de repente puf, apaga, tudo porque não tá ventando. Então como é que funciona? Ela funciona integrada num sistema em que existe Usinas de outros tipos ,sejam térmicas ou hidro. A mesma coisa com as Usinas solares, que usam a luz solar para virar a eletricidade de uma vez, ou para esquentar água também. O que acontece com essas Usinas de energia solar, elas também só funcionam de dia, um dia como hoje em São Paulo, não geram nada, um dia que só tinha chuva e que tava tudo escuro, então ela carrega em geral um bando de baterias pra compensar quando ela não funciona. O Brasil baseou o seu abastecimento de energia quase todo em hidreletricidade, tem muitos rios, os rios têm energia, é uma energia limpa do ponto de vista ambiental aceitável, eficiente ao passo que uma térmica não é muito eficiente, com exceção do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que têm carvão, então fizeram também Usinas térmicas. Bom, e o futuro agora o que aconteceu? As hidros estão ficando cada vez mais difíceis e mais longe. As que tem por aqui, foram todas construídas. Então pra fazer novas hidros grandes, tem que ir pra Amazônia e o Brasil não é um país muito rico em depósito de material fóssil. O carvão não é muito bom, o nosso petróleo tá fundo e caro, e é necessário para transporte, petroquímica e outras coisas, se nós formos quebrar o nosso petróleo, vai haver uma falta em outras áreas, então a idéia era trazer gás da Bolívia e da Argentina, acontece que um gasoduto, além de caro... para você fazer uma Usina de gasoduto você tem que comprar aquele gás o tempo todo, você não pode comprar uma Usina a gás que produz energia mais cara, você quando faltar energia hidro, gera essa, depois começa chover você diz: “Agora eu não quero mais o seu gás”, todo financiamento do gasoduto foi feito pra vender toda a produção o ano inteiro, então são problemas complicados. E o que aconteceu então no fim desse governo quando deu esse negócio, no fim do ano passado, havia várias Usinas térmicas em construção mas estavam alto... o preço das Usinas térmicas era alto e ficava complicado passar esse preço para o consumidor. Foi um ano seco, os reservatórios não encheram e o governo foi apanhado no contrapé, como se diz. De repente não tinha outro meio a não ser racionar, então foi necessário racionar e o meu julgamento é o seguinte: era evitável o racionamento se tivesse sido investido lá no tempo que não foi, lá atrás, porque leva 5 anos pra fazer uma Usina, mas depois que ocorreu, eu diria que o governo administrou a crise bem, principalmente o Pedro Parente, que foi um Ministro excepcional, que foi pra lá, assumiu o Ministério de Minas e Energia que não era a especialidade dele, era um camarada que se comunicava bem e que realmente fez um apelo bonito ao consumidor “Se eu não vou impor cotas, vocês vão abaixar pra ajudar” e foi tão bom que todo mundo começou a fazer economia de energia, que muita gente não fazia antes. Então o que ele fez, foi muito bom por um lado, mas o que aconteceu? O Brasil que vinha crescendo numa curva assim, de repente a curva tum, em 2000 nós caímos para um índice de consumo de 1988, 2 anos como se nós ficássemos no tempo, foi uma coisa complicada.
P2 – O senhor acha que é um problema pro próximo governo? E a tarifa, o preço continua altíssimo.
R – O preço continua discutindo se é, se passa se não passa, existe uma coisa aí chamada MAI, que é um mercado atacadista. Então esse é um dos grandes problemas do governo do Lula, é ter uma pessoa competente no Ministério de Minas e Energia e o governo todo considerar isso, porque é um dos grandes problemas, porque esse ano tá chovendo razoavelmente, ele vai ter o ano de 2003 pra resolver isso, ele não vai ter uma crise em 2003, no meu julgamento e no julgamento de outras pessoas, mais pra frente, não sabe. Então, tem que ver.
P/1 – A população não voltou a consumir como antes?
R – Não voltou porque aprendeu a fazer economia. Tinha muita gente que usava lâmpadas incandescentes de 100 watts, 150 watts, tinha gente que tinha quatro, cinco televisões dentro de casa, então aprendeu que isso custa dinheiro. Até a empregada tem. É um direito da empregada ter, tudo bem, a minha empregada tinha e ela mesma comprou um freezer, então já não dava tanto assim, de repente o pessoal descobriu que eletricidade não nasce na tomada, ela vem lá de Itaipu ou não sei da onde.
P/1 – Agora, sempre se falou em economizar energia, mas nunca teve a necessidade.
R – Nunca teve porque a necessidade era barata. Agora, quando a eletricidade é cara, o pessoal economiza.
P/1 – E paga multa.
R – Paga porque paga a conta, então isso não tem muito a ver diretamente com Itaipu, mas Itaipu foi uma estrela que salvou a situação. Porque no momento o único rio que era regulado e a única Usina que não deu defeito, foi Itaipu. No momento que nós estávamos construindo Itaipu, houve um monte de gente contra, “É uma Usina inútil, grande demais, é uma obra faraônica”, você imagina, faraônica são as pirâmides que não servem pra nada, só pra botar o rei lá, o faraó, mas uma Usina dessa maravilhosa, que produz toda essa energia, muito mais barata que a Usina térmica, né, quisera um dos homens de Itaipu vivos pra ver o efeito que teve isso, agora nessa hora, os críticos todos calaram, foram xingar outras coisas.
P2 – Essa é uma pergunta que eu gostaria de fazer, é mais barato fazer uma hidrelétrica do que usar uma eólica, solar, o custo-benefício.
R – A maioria das hidrelétricas são mais baratas, desde que elas tenham água pra funcionar normalmente. Pra você fazer uma hidrelétrica cheia de máquina, num lugar que tenha seca é caríssima, né, agora a eólica deve ser instalada no Brasil, acho que sim, em certos lugares, principalmente no Nordeste, para complementar a energia hidráulica, eu acho que é uma boa solução. Você sabe que na Dinamarca 20% do consumo é atendido hoje por Usinas eólicas. Não é brincadeira. A Alemanha tá fazendo um esforço enorme nesse sentido, porque esses verdes que foram feitos lá na Alemanha, são contra o nuclear, então a solução na Alemanha vai ser eólica e aquecimento solar. Se bem que Alemanha não é um lugar tão ensolarado assim, é um lugar mais frio, eu não sei como eles vão fazer, eles estão proibidos de fazer Usina nuclear, Alemanha não faz Usina nuclear, só a França.
P/1 – E a Usina nuclear aqui em Angra dos Reis?
R – A Usina nuclear... tem uma Usina antiga americana da Westinghouse que deu muitos defeitos, mas que atualmente tá funcionando bem. E tem uma Usina nova, que é Angra 2, que é alemã, que é tecnologia dos alemães da Siemens. Essa é uma Usina boa, tá funcionando a plena carga agora pra permitir encher os reservatórios, ela é uma Usina boa e tem uma Usina Angra 3, parte do equipamento tá aí, mas tá uma discussão se faz ou não, é uma outra coisa que o governo tem que decidir aí.
P/1 – E alguma delas se compara em termos de produção com Itaipu?
R – Não, tudo gera mais caro que Itaipu.
P/1 – E menos?
R – Não, Itaipu é muito mais barato, não tem nada grande que compare com Itaipu.
P/1 – As primeiras conversas, os primeiros estudos de aproveitamento das quedas do rio Iguaçu, quando o senhor ouviu falar?
R – Quando eu fui da Cemig para Eletrobrás, eu era do estado mediterrâneo, então eu não tinha nenhuma experiência de discutir assuntos com os nossos vizinhos, sejam eles argentinos, uruguaios ou paraguaios. Mas chegando na Eletrobrás, primeiro existia uma entidade chamada CIER, que era uma entidade que coordenava as companhias de eletricidade desses estados, eu ia em muitas reuniões, conhecia muita gente, depois havia a crise já séria com o Paraguai em relação a esse projeto que chamava, naquela ocasião, Sete Quedas. Havia um projeto do Marcondes Ferraz que era fazer uma Usina logo pra baixo de Sete Quedas. Depois, pra baixo, tinha um canel, mas a Usina inicial era logo ali. Um projeto que era interessante, muito menor que Itaipu, mas que tinha um problema geopolítico, porque você num rio de fronteira, você não pode desviar a água aqui, usar do seu lado e devolver a água sem energia, entende? Você usa toda a sua energia e não adianta dizer “Mas a água tá sendo toda devolvida, ela foi devolvendo depois que ela caiu aqui, girou as turbinas do Brasil e volta pra vocês, vocês não tem direito a nada”, isso foi uma grande discussão, foi antes do governo Costa e Silva, foi do Castelo, vocês devem ter ouvido falar, fizeram um acordo chamado Ata das Cataratas, que foi assinado lá nas Cataratas, na Sete Quedas, o que dizia esse negócio? Dizia que o Brasil e o Paraguai concordavam que o rio era binacional e que qualquer aproveitamento seria levado em conta, que aquele potencial pertencia aos dois países em conjunto. Com isso, nessa ata dizia, será feito um estudo desse potencial, será criado uma comissão mista pra fazer isso. Quando eu entrei, fui procurado uma ou duas semanas depois por um cidadão chamado Mário Gibson, que era nosso embaixador em Assunção, ele me deu uma aula, porque eu era mineiro e não entendia nada disso. Entendia de Usina. Ele falou: “Olha, o negócio é muito sério, é uma coisa assim, assim, eu consegui controlar o negócio da briga lá”, a nossa Embaixada foi apedrejada, né, o nosso primeiro projeto foi...
P/1 – Pelos paraguaios, tinha algum ressentimento ainda em relação a guerra do Paraguai alguma coisa?
R – Sempre existe esse ressentimento, mas na realidade foi interpretado porque era uma violência. E era. Você não podia fazer uma Usina do lado brasileiro ignorando que o outro lado era paraguaio. Bom, Doutor Marcondes nunca admitiu isso, discuti com ele muito e ele: “Não, o meu projeto é melhor”. O fato que saiu o estudo. Nós fizemos uma comissão mista que estudou. Aí, ao ser estudada, verificou-se o seguinte: o potencial não tava todo em Sete Quedas, ninguém tinha estudado o canel, e essa comissão tinha que estudar todo o trecho binacional, que começa lá em cima e vai até a boca do Iguaçu, até aí é fronteira Brasil/Paraguai, depois, é Paraguai/Argentina, bom então foi estudado e verificou-se: se fizesse lá embaixo, em vez de dar 5 milhões de kwh, dava 12 milhões de kwh, então decidiu-se que esse era o projeto pra ser feito, e naquela ocasião, conversei com muito amigos do setor elétrico e eles perguntaram: “Quanto é que dá Mário?”, eu disse: “Ele dá 12 milhões de kwh, ele é capaz de gerar 70 bilhões de kwh hora”, eles falaram: “Não é possível”. Era. Naquele tempo era a metade do que o Brasil gerava.
P/1 – Que época era isso?
R – Eles falaram: “Você tem que fazer de qualquer jeito”, mas aí tinha um problema dos diabos, vamos dizer do ponto de vista geopolítico, o Mário Gibson, nessa época, era o Ministro e queria fazer, mas os argentinos ficaram muito preocupados que nós íamos fazer uma Usina lá embaixo, que ia regularizar o rio, mas era um perigo porque o Brasil podia abrir as comportas.
[Fim do CD 1 / 2 – 61 minutos]
P/1 – Bom, nós estávamos falando dos primeiros estudos e do problema ali entre Paraguai e Brasil, do geopolítico, e o senhor tava falando da questão da Argentina.
R – O que acontece é que Argentina tem um projeto chamado “Yacyretá”, que fica águas abaixo de Itaipu. Eles tem um projeto que tava sendo estudado há muitos anos. Quando saiu o tratado de Itaipu, a Argentina resolveu fazer Yacyretá também, fez um tratado parecido com o de Itaipu com Paraguai. Além desse problema de Yacyretá, que é uma Usina de queda baixa existe o canel. Existe um projeto muito bom argentino chamado: “Corpus”. Esse projeto, se fosse construído com uma cota muito alta, cortava a cota de Itaipu. Em vez de Itaipu, que tem cento e tantos metros, aquele projeto subia, então tirava, conforme subisse 10, 20 metros etc. Tudo isso eram coisas delicadas. Itaipu já havia sido organizada, a binacional a essas alturas, e pelo ritmo da construção que foi possível fazer, claro que os argentinos viram que aquilo ia sair mesmo, então o melhor era fazer Yacyretá e acertar o problema de Corpus. Houve muitas questões de natureza, vamos dizer, diplomática, reuniões com os representantes dos três estados, e finalmente acertou-se um acordo que chama: Acordo Tripartido. Esse acordo estabeleceu, acertou a cota de Itaipu. O regime de funcionamento de Itaipu, para não atrapalhar a navegação do rio, águas abaixo, enfim acertou-se aquela dúvida que havia, e aí, a Argentina começou a construir Yacyretá, e o Brasil, fazendo Itaipu muito depressa, porque tinha certeza que vinha um negócio aí pela frente, que era a Usina, que era muito importante pra evitar qualquer novo racionamento, isso foi uma parte toda que eu tomei parte de fora, como membro do conselho de Itaipu ou, as vezes, uma espécie de assessor especial do General Costa Cavalcanti ou do General Ney Braga, que veio a substituir o Costa Cavalcanti.
P/1 – Só pra registrar que a gente não acabou gravando, o medo dos argentinos ali pra...
R – Bom, no inicio houve uma porção de coisas de natureza passional, muitas declarações de alguns políticos argentinos, generais. E tinha o Almirante Rogers, você já ouviu falar, né? Ele que falou isso, que Itaipu ia ser uma coisa errada pra Argentina, que podia controlar o rio. Variar a altura do rio, atrapalhava a navegação, enfim, podia atrapalhar a Argentina, que estava de águas abaixo. No princípio, ele queria impedir a construção. Mas a Argentina, nesse período, também aconteceram várias coisas. Houve uma revolução muito grande. Os peronistas ganharam a eleição, voltou o Péron, não mais com a Evita, mas com a Isabelita. Esse Rogers foi fuzilado, se não me engano, e daí por diante, a conversa com os argentinos ficou muito menos emotiva e mais técnica.
P/1 – E aí se provou que não tinha nenhum problema.
P/1 – No auge das discussões, o (Flechin?), deve ter falado isso, o General Galtieri, Presidente da Argentina, veio aqui numa recepção com o Presidente Médici em Brasília, e fez lá umas declarações que não agradaram o Brasil e tal, isso tudo havia naquela ocasião. Esse Galtieri, foi o mesmo General que fez a guerra das Malvinas, então foi um negócio complicado.
P/1 – E quando começou a construção, a primeira vez que o senhor foi lá pra Foz, como era a cidade de Foz, o senhor se recorda?
R – Na verdade, me lembro de Foz, uma cidade muito pobre relativamente. Vivia ali com intercâmbio com o (Porto Estrocene?), que chamava a outra cidade, e tinha a ponte, né, a ponte já existia, mas Foz era uma cidade completamente diferente da cidade atual. Quando terminou a obra, existia aquela estrada que virou uma avenida cheia de casa, apartamento etc., e Foz do Iguaçu era uma outra coisa completamente diferente, mas mais arrumada, porque do lado do Paraguai, se você for lá, vai ver, eles não aproveitaram aquele dinheiro todo que entrou pra fazer um plano direito lá, existe uma parte melhor, mas a parte central é bastante confusa, onde tem aquela porção de lojas que vendem coisas. Agora, depois disso, me desliguei completamente, o Paraguai tá numa série de crises complicadas. O Vieda voltou e declarou que vai ser candidato, não sei o que tá acontecendo lá.
P/1 – E o senhor acompanhou a construção da Usina de Itaipu?
R – Eu acompanhava no sentido de arranjar o dinheiro que eles precisavam. O diretor financeiro de Itaipu era o Moacyr. Vocês já falaram com ele, Moacyr Teixeira? Vale a pena. O Moacyr Teixeira sabe tanto da parte financeira da obra. Tinham conversas constantes quando eu tava na Eletrobrás e depois quando eu sai, continuou, pra ver os recursos da onde que vinham, o que faziam, os empréstimos etc., pra poder tocar a obra. E no relacionamento, do ponto de vista técnico de condição da obra, eu não tive quase nada a fazer, quem conduziu aquilo foi o Doutor Rubens e a parte de engenharia, projeto era o Doutor Cotrim. Eles eram extremamente competentes e o Moacir era um bom diretor financeiro O pessoal de Itaipu dava conta da obra, o problema era ter dinheiro pra fazer aquilo e evitar esses problemas de natureza política ou de natureza diplomática, que era complicada, mas afinal de contas, foi quase um milagre. De Bernardi também acha isso, um país tão grande em relação ao Paraguai, tão poderoso, possa fazer uma Usina com um país pequeno, de economia fraca e a Usina sair no prazo, tudo direito. Muita gente achou que aquilo não era possível fazer, e foi possível mesmo. A Usina teve muitas críticas do lado do Paraguai, principalmente dos partidos de oposição ao governo Stroessner.
P/1 – Agora dentro desse clima de oposição, como o senhor fazia pra reverter isso e provar a necessidade de Itaipu pra obter esses empréstimos?
R – Aqui no Brasil ,nessa fase de governo militar, a mídia vamos dizer assim, não tinha tanto poder como tem agora, havia críticas etc., mas como a obra tava saindo e todo mundo sabia que o Brasil ia precisar de energia, então não foi uma coisa assim tão combatida. No Paraguai, o problema era muito mais delicado. Primeiro, o que o Paraguai ia fazer com a metade que lhe cabia, que era quase impossível, ele tinha que passar a consumir 6 milhões de kwh, não dava, não havia indústria que quisesse ir pra lá pra fazer isso, então como era uma obra do governo Stroessner, os partidos de oposição disseram que o tratado não prestava, que o Paraguai tinha sido explorado, e, com isso, tive muitas reuniões e se fez muitas contas pra provar que não era. E eu tinha um relacionamento muito bom com o Enzo Debernardi e isso ajudou muito...
P/1 – Que era o diretor...
R – Do lado do Paraguai. Ficava ao lado do Costa Cavalcanti. O meu papel foi, principalmente, ajudar lá em cima a desmontar. Porque eu sabia que a turma de baixo sabia fazer a obra, virar concreto, fazer tudo aquilo não tinha problema.
P/1 – Fala um pouquinho do Enzo Debernardi, você tá falando que ele é italiano.
R – O Enzo é um homem de uma família de origem italiana, mas nascido no Paraguai. Ele foi o Presidente da ANDE, que é a companhia de eletricidade do Paraguai e ele foi o principal executivo. Naquele tempo, a Usina que servia antes da ANDE, vamos dizer o serviço de distribuição de Assunção, a principal Usina, era uma Usina térmica, e a concessão, era desses nobres brasileiros: Orleans de Bragança, que eram donos da companhia. Depois, o Paraguai criou uma ANDE, que é uma companhia estatal e resolveu fazer uma usina num afluente do Paraná. Essa usina chamava Acaray e foi projetada pelos brasileiros que ajudaram a construir. Desde então, houve uma amizade muito grande entre o pessoal da eletricidade da ANDE com o pessoal da Copel que servia ali, que era Companhia de Eletricidade do Paraná e também com o governo brasileiro de uma maneira geral. O Enzo foi pra lá então, ele tinha vindo da Europa e fez a guerra, ele serviu na Rússia com as tropas italianas. Um dia ele me mostrou a Cruz de Ferro, devia ter tido experiências complicadas lá, eu não sei como não foi fuzilado, porque naquela hora que derrubaram Mussolini, ele era balilla quando garoto, então deve ter passado seus apertos, mas era um camarada corajoso, ótimo engenheiro, inteligentíssimo, e ele era o principal executivo que a gente podia conversar, e o tratado foi discutido principalmente do nosso lado com o pessoal do Itamaraty e da Eletrobrás, e do lado deles com o Chanceler deles, com seus assessores e com Enzo Debernardi. Tinha quatro pessoas brasileiras e quatro paraguaios, mais ou menos, porque eram pessoas chaves pra isso.
P/1 – E quem que eram os principais financiadores que o senhor conseguiu?
R – Principalmente créditos da Eletrobrás, dos Bancos do exterior, e também, dos próprios fabricantes. Porque a encomenda que foi feita daquelas turbinas, daqueles geradores, foi a maior do mundo de turbinas, geradores e transformadores. Tudo era enorme. Uma fábrica ficava feliz de receber uma encomenda de duas máquinas, de repente apareceu um negócio de 12 turbinas imensas. Foi dividido entre a Voith, que tinha fábrica no Brasil, e a mecânica pesada, que no fundo pertencia a Aston, isso enquanto as turbinas e os geradores, metade foram construídos em São Paulo pela Siemens, e a outra metade pela (Bourbon Raring?). Eles também aportaram dinheiro pra tudo isso. Mas o governo brasileiro, através da Eletrobrás ou diretamente, aguentou a conta.
P/1 – E o senhor, vendo isso hoje, como a gente tava falando a potência toda de Itaipu...
R – Hein.
P/1 – Vendo essa potência toda funcionando, faltando duas pra completar...
R – Houve um momento engraçado, nós podíamos ter feito em duas, tinha o canel, você podia ter feito uma barragem alta como nós decidimos fazer ou uma barragem média que ia até ali, ou outra média que ia até cá, então você podia fazer uma Usina de 6 milhões e outra de 6 milhões. Tinha vantagem e desvantagem. Primeiro o investimento era dividido, mas você perdia toda água, que essa, sendo alta, não perdia tudo. Depois de muita discussão, chegamos a conclusão que os dois projetos eram bons, então o que fazer? Houve uma discussão e vamos fazer a maior do mundo, isso aí era muito importante, não era.
P/1 – Um desafio também.
R
– Era um desafio, com aquelas máquinas imensas e deu tudo certo, foi uma coisa fantástica.
P/1 – Foi considerada a sétima maravilha do mundo moderno.
R – Você sabe porque se chama Itaipu? Nunca te contaram isso?
P/1 – Eu até sei, mas gostaria que o senhor contasse.
R – Porque o lugar é uma ilha, mas que não chama Itaipu, tem um nome em Guarani impronunciável, então resolveu-se dar o nome Guarani que fosse pronunciável, Ita é pedra, né, Ipu é barulho, então Itaipu é isso, foi dado esse nome e os paraguaios gostaram e nós dissemos: “Esse nome que vocês querem dar aí, ninguém consegue pronunciar”, o nome que era pra ser. Itaipu é um nome fácil, tem até a praia de Itaipu, perto do Rio de Janeiro.
P/1 – Voltando um pouco, como o senhor conheceu o Costa Cavalcanti?
R – O Costa fez parte da (?) e quando o Costa e Silva foi substituir o Castelo, eu era Presidente de Cemig, e o Presidente da Casa Civil do Costa e Silva era o Rondon Pacheco, então perguntaram lá “Tem um camarada aí que é da Cemig, que dizem que é bom”, mais ou menos assim, então eu fui lá conversar com o Costa Cavalcanti. Ele gostou de mim e acertei lá com ele e fui pra Eletrobrás. Mas não podia ter dito não, porque naquele momento, o governador de Minas tinha indicado o Israel Pinheiro e também o Rondon Pacheco, todos eles eram meu amigos, então eu tinha que ir mesmo. No princípio foi muito complicado, porque eu vivia muito bem em Belo Horizonte, tive que mudar toda uma estrutura pra morar no Rio, mas fiz toda uma diretoria naquele tempo, boa, com o Doutor Maurício Schumann, que era diretor, e outras pessoas, tudo deu mais ou menos certo.
P/1 – Pra assumir isso o senhor teve que ir pro Rio de Janeiro?
R – Fui morar no Rio de Janeiro com a mulher e os filhos, as filhas. Uma gostou tanto, que mora até hoje, nunca mais voltou.
P/1 – Eu queria que o senhor falasse um pouco, vendo hoje em termos de realização profissional, como o senhor vê o trabalho hoje em relação a Itaipu, essa grandiosidade, sendo importante pra 25% da energia do país.
R – Realmente foi uma Usina que marcou. Foi uma Usina bem projetada, bem construída. Entrou no momento certo. Tem salvo a situação do Brasil já desde que começou a operar, foi uma experiência também de fazer uma Usina daquela baseada num tratado em que estabeleceu um tipo de tarifa que é calculado pelo passivo, então, à proporção que for pagando a dívida, a tarifa de Itaipu vai caindo, porque ela é calculada em função da dívida e uma Usina elétrica, depois que paga a dívida, o que ela precisa, no ponto de vista de operação, é muito pouco ao passo que uma térmica é ao contrário, ela pode custar menos no inicio, mas depois o óleo representa metade do dinheiro que precisa e vai sempre aumentando. Outra coisa que aquela Usina é um bico de um funil, porque o Brasil começou através de várias companhias, né, a fazer Usinas no Paranaíba, no Rio Grande, no Paraná, no Tietê e foi regularizando de modo que o rio, quando chegou lá em baixo, tinha quase o dobro da vazão da seca, por isso que pode pro 12, se ele fosse um rio que não fosse regularizado, só podia colocar 6 milhões. Então é um negócio muito bom, é um negócio excepcional. Só existe uma Usina no mundo, um lugar pra Usina no mundo tão bom quanto esse, mas não tem possibilidade de mercado que é na África, o rio Congo faz uma volta assim, você pode instalar lá uma Usina maior que Itaipu, mas pra vender pra quem? A outra alternativa são dos chineses, que vão fazer uma Usina imensa mas que dentro daquele reservatório deles tem várias cidadezinhas, muita gente e muita fazendinha. Eles foram lá durante a construção pra saber, foi muito engraçado porque eles chegaram lá e perguntaram onde estão os americanos e o nosso pessoal disse: “Que americanos?”, “Porque me disseram que os americanos que estão fazendo essa obra”, “Aqui não tem americano não”, aí já mudaram o modo de ver. Alguém contou a eles que eram os americanos que tavam fazendo aquilo, uma coisa incrível. Aliás, deixa eu te contar outra também, eu fui com a minha mulher receber o Kissinger com a senhora dele, porque o Costa Cavalcanti não pôde ir e ele tava vindo de Buenos Aires, então eu fui lá e tive a oportunidade de mostrar a obra a ele, e conversar com um homem daquele, que foi interessantíssimo porque ele tinha sido o Ministro do Exterior dos Estados Unidos. Ele ficou bobo com aquela obra, naquela ocasião nós estávamos colocando 300 mil metros cúbicos de concreto por mês, ele falou: “É mais que o programa de silos de foguete dos Estados Unidos”, aqueles silos todos que eles fizeram tudo apontado pra Rússia, mas é o número que tava na cabeça dele, foi interessantíssimo, depois ele conversou muito, trabalhando pro Nixon, aconteceu a abertura com os chineses e ele conversou muito com o Chu En-Lai, você lembra? Chu En-Lai era um cara de uma família nobre e que era o Ministro do Exterior, então tem coisas...uma conversa fantástica.
P/1 – E o senhor costumava ir pra Foz pra de vez em quando olhar como estava a obra, alguns momentos marcantes assim.
R – O que acontecia é que eu era do Conselho. Fui do Conselho muito tempo e tinha que ir mesmo, tinha uma pauta deste tamanho que a Maria Helena trazia discussões e discussões.
P/1 – Quais foram os momentos marcantes da construção pro senhor?
R – Aquele do estouro, que você viu, que desviou o rio; e a primeira máquina a rodar... e teve também problema todo de interligar com Furnas e fazer a linha de corrente contínua que era uma novidade absoluta, é a linha de corrente contínua maior que tem no mundo em potência, tem aquelas válvulas imensas que você chegou a ver ou não, na subestação de Furnas e aqui na chegada de São Paulo e na subestação de entroncamento aqui, é como se fosse um tiristor de computador, só que tem que ele tem 12 metros de altura, cada válvula dessa que transforma corrente alternadas em contínua, transmite, e depois abaixa outra vez, aquilo é outra obra de engenharia, não é parte de Itaipu, é parte de Furnas mas é parte do projeto.
P/1 – Fazia parte do projeto levar toda...
R – Levar essa energia metade em corrente alternada, metade em corrente contínua.
P/1 – Agora, muito antes disso, o senhor trabalhou com padronização do 60kwh do Brasil, do 50 pra 60.
R – Quando eu fui pra Eletrobrás, o Rio de Janeiro tava racionando, porque a Light tinha perdido uma Usina, foi inundada, e existia energia em 60, mas o Rio era em 50, então foi a ocasião que “Vamos acabar com esse 50 de uma vez agora, vocês querem energia então todo mundo muda pra 60” e a Light morria de medo, vão entrar na justiça contra nós.
Não vão, não. Mudou os motores da bomba, mudou não sei o quê do ar condicionado e a gente foi ligando porque tinha energia da Cemig, tinha energia de São Paulo, então podia fazer.
P/1 – Só o rio de Janeiro era 50?
R – O Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul, depois mudamos o Rio Grande do Sul também e hoje é tudo 60.
P/1 – Só pra não ter o mesmo problema que nem a estrada de ferro.
R – O sistema brasileiro hoje é amplamente interligado em extensão.É o maior sistema interligado do mundo, porque ele é interligado desde lá do Norte até o Rio Grande do Sul, também quando desliga o negócio apaga tudo.
P/1 – Quando o senhor era Presidente da Eletrobrás, o senhor teve algum momento de crise como esse?
R – Nossa.
P/1 – O senhor lembra de algum em especial, o que aconteceu, alguma coisa aí.
R – Existe o livro da memória que eu vou te mandar, chama História dos Racionamentos do Brasil, tem vários.
P/1 – Mas o senhor lembra de algum momento marcante assim tenso.
R – Racionamento é sempre desagradável, é um negócio que você vai cortar energia, por isso que eu admirei tanto o Pedro Parente quando ele fez aquela saída, porque o que nós fizemos naquela época como tinha muita força, era o governo militar, quando entrava numa crise dessas, você estabelecia cotas obrigatórias, então isso é antipático, e quem não faz, desliga, essas coisas todas. E ali, ele passou isso para o consumidor, ele foi extremamente competente.
P/1 – Bom, falar um pouquinho da vida pessoal do senhor, como o senhor conheceu sua esposa, o senhor já falou um pouquinho, mas eu queria saber o nome dela mais detalhes.
R – Naquele livro de capa amarela tem um pouco disso, aquele ali da Cemig. Eu trabalhei nessa firma (Lischauman?) e ela era secretária de um dos departamentos, então eu comecei a namorar a Beth lá, e depois eu vim pro Brasil trabalhar aqui...
P/1 – O senhor conheceu ela no Estados Unidos?
R – No Estados Unidos, porque ela é americana, todas minhas filhas tem dupla nacionalidade. Então ela veio e fez um casamento aqui e ela dizia: “Que casamento é esse Mário, eu não entendi uma palavra”, que eu combinei com ela o seguinte: “Toda vez que o padre perguntar alguma coisa você fala sim”, coitada ela não entendia nada. (risos)
P/1- Ela não falava nada de português?
R – Nada, mas hoje ela fala português sem sotaque nenhum, depois de tantos anos assim.
P/1 – E aonde que foi o casamento?
R – Foi lá em Belo Horizonte, primeiro eu fiz um casamento civil e depois um casamento na minha casa com padre e tudo mas não em igreja, mesmo porque ela é luterana, e ainda é até hoje, só que menos, porque os luteranos são fortes religiosamente porque vem do tempo do Lutero, depois nós tivemos três filhas, uma filha, que gostava do Rio, arranjou uma carreira ligada às relações públicas, depois ela foi subindo devagarinho, muito jeitosa, e trabalha numa empresa que ela é gerente lá no Rio, como relações públicas, a outra filha trabalha na Cemig, a Cecília.
P/1 – Ela é engenheira?
R – Não, ela é bibliotecária, mas como ela fala inglês bem, ela virou assistente do Presidente. Ela conta coisas incríveis porque ela andou viajando pelo mundo e traduzindo, porque tem muitas pessoas que foram Presidentes da Cemig que falam muito pouco de línguas, só falam português, então tinha que ter uma pessoa que ajudasse. E a do meio, que é essa que tá aqui no Rio, essa tem uma empresinha junto com o sócio dela de eventos, coisas de desfile de moda, um pouco de relações públicas, então todas parecem que vão bem do ponto de vista profissional, do ponto de vista emocional, não sei.
P/1 – Então hoje o senhor mora em Belo Horizonte.
R – Duas em Belo Horizonte e uma no Rio.
P/1 – E o senhor?
R – Nos dois lugares. (risos)
P/1 – Efetivamente quando que o senhor parou de trabalhar, aposentadoria mesmo.
R – Eu parei de trabalhar como executivo, foi quando eu sai da Eletrobrás, depois disso, não fiz mais nada, a não ser consultoria, então tem que olhar aí quando eu sai...
P/1 – Foi no governo Sarney?
R – No fim do governo Sarney.
P/1 – Mesmo assim, ainda teve a conclusão de duas Usinas, Xingó e Tucuruí, tô certa ou tô errada?
R – Xingó veio de um governo e nós continuamos a fazer, e foi inaugurado num outro, né, e Tucuruí ficou quase todo pronto no meu tempo, mas depois agora como tá regularizado, eles colocaram uma outra carga de força que tá ficando pronta agora, então é uma dessas Usinas que atravessa vários governos, várias administrações.
P/1 – E teve a implantação do Centro de Pesquisas de energia elétrica?
R – O CPO, um Centro importante. A idéia de fazer o CPO foi do Ministro Dias Leite, ele na Vale do Rio Doce, não sei se naquele livro fala, ele teve idéia de fazer um Centro de Pesquisa da Vale, e esse Centro de Pesquisa fica perto do Centro da Vale e da Petrobrás, é pelo rio, tem uma parte de alta tensão, tem formado muita gente boa, tem bons técnicos, tem uma mulher que é uma das melhores engenheiras de sistema do Brasil que trabalha lá, quando as coisas ficam mais complicadas ela vai lá e...
P/1 – Como ela chama?
R – Eu não sei como ela chama, mas se você perguntar quem é a mulher que sabe tudo aí.
P/1 – Doutor Mário, eu vou falar um pouco do Centro de memória, da eletricidade, como é que começou esse trabalho assim, como começou essa idéia.
R – Havia a idéia de fazer alguma coisa parecida porque São Paulo tinha uma coisa desse tipo, a Cemig tinha não exatamente desse tipo, então quando eu fui nos Estados Unidos, eu conversei com o pessoal de uma coisa chamada Edson Institut, esse Edson Institut representa a parte elétrica do Estados Unidos, mas não só empresas públicas, as empresas de eletricidade, mas também eles tem uma parte importante que eles representam o interesse da indústria americana. Eu queria saber como eles podiam fazer uma coisa tão ampla e imaginei que eles tivessem uma grande instalação e tal, nada, eles tem três salas em Nova York, computador pra todo lado, memórias por tudo quanto é lado, descentralizado no Estados Unidos todo, a informação toda tá disponível com uma enorme velocidade. Bom, então vamos ver o que Eletric France tinha, é bastante diferente, a EDF é uma empresa única, serve toda a França, então ela tem um centro de memória de eletricidade que funciona dentro da empresa e que controla os Museus, as exibições, a parte física mais ou menos feito São Paulo que tem aí, mas também não tem aquela complexidade, não existem tantas companhias de eletricidade porque só tem uma, eles não mexem absolutamente com a indústria elétrica da França, eles não tem isso. Bom, então nós resolvemos fazer uma coisa assim, as subsidiárias, se quiserem ter instalações pra mostrar coisas físicas ou Usinas pequenas ou medidores antigos etc., todas podem ter, agora a informação, a memória, a biografia das pessoas e o uso da eletricidade do ponto de vista mundial, tudo caiu para a memória, porque tem escrito uns livros além da biografia, uns livros assim: “O cotidiano de energia elétrica do século passado”, o outro não sei o quê, e tem vários livros desse tipo, tem sido útil, é uma entidade que tem sete empregados contando com o boy e o porteiro, então ela é muito pequena, agora ela contrata muito, contrata serviços disso com a Fundação Getúlio Vargas e tal, pode até contratar vocês se tem alguma coisa que interessa.
P/1 – E onde que tá a sede?
R – No Rio, tem aquele cartãozinho meu. Quem manda lá é uma moça chamada Marilza.
P/1 – Quando o senhor pensou nesse projeto de memória, qual era a importância pro senhor?
R – O que aconteceu ali é que tinha toda uma história interessante do setor pra ser contada, como ele evoluiu desde o princípio, os êxitos e fracassos. Por isso que quando tinha muito êxitos eu falei: “Vamos escrever sobre racionamento porque nós tivemos vários”, tem que contar tudo, também as coisas que não andaram bem, e dizer o porquê racionou, quando começou esse livro era encalhado, era uma edição de 200 ou 300 e só tinha saído 60, quando começou o racionamento agora no ano passado esgotou o estoque, Brasília mandou pedir 100 e tanto pra saber como é que faz. (risos)
P/1 – A gente aprende com a história mesmo.
R – Então é um negócio que é útil. E algumas pessoas que eu fazia questão absoluta que fizessem depoimento, se recusaram. Pessoas chave, que tinham sido importantes no setor elétrico e tem outros que não pegaram todo arquivo, o Mauro Thibau pegou todo arquivo de Ministro durante 4 anos e doou tudo pra lá e também o Cotrim fez isso.
P/1 – Então tem um arquivo físico que tá no Rio de Janeiro.
R – E depois passa tudo pra memória CD Room esse negócio todo.
P/1 – Agora só pra recuperar um pouco, teve um plano do Sarney que não foi pra frente, acho que até pode explicar um pouco essa questão da crise que teve agora, o senhor tinha um plano de recuperação de energia elétrica na época do governo Sarney.
R – Eu logo no inicio fiz esse plano, que era um plano pra funcionar direito no governo Sarney, agora o que aconteceu, uma parte foi cena executada, mas não sei se você lembra, o governo Sarney teve vários Ministros da Fazenda e na parte da moeda, o Brasil entrou num parafuso de desvalorização, olha, o negócio chegou a tal ponto que eu como Presidente da Eletrobrás tinha greve toda semana praticamente, eu não fazia outra coisa senão ajustar salário, o dinheiro não valia mais nada, chegou um momento que era 80% ao mês, você lembra de um computadorzinho assim que nós tínhamos que fazer contas em trilhões? Não cabia porque eram nove zeros, uma coisa incrível, feito a Alemanha que teve depois da guerra, então não tinha mais moeda, não tinha plano mais nenhum, o negócio foi uma coisa terrível, foi uma parte dificílima. Algumas coisas se fez no inicio, já nem lembro direito o que que andou, mas os últimos meses ou os últimos anos do governo Sarney, o Sarney também inventou de ficar 5 anos você lembra como foi, esse quinto ano foi uma coisa.
P/1 – Bom, a gente vai caminhar pro final, então. Se o senhor fosse mudar alguma coisa na sua trajetória profissional ou pessoal, o senhor mudaria alguma coisa na sua vida?
R – Eu tenho duas coisas que eu gostaria de ter feito, aprender a velejar bem, porque eu não velejo bem...
P/1 – Mas veleja.
R – Velejo mal e aprender a falar francês bem, eu falo inglês perfeitamente mas francês não, é uma língua muito bonita, é isso, quanto ao mais, é isso.
P/1 – E o que o senhor acha desse projeto do memorial do trabalhador, e Itaipu tá sendo montado a homenagem ao barrageiro, do qual essa entrevista vai fazer parte.
R – Eu acho que é uma coisa interessante, porque ali teve participação desde de quem vira concreto até o outro que arma o aço, o pessoal que aperta os parafusos e monta aquelas Usinas grandes até os mestres, os engenheiros, os que arranjavam dinheiro pra aquilo, todos eram trabalhadores, então eu acho que merece Itaipu. Itaipu tem alguns livros, mas não desse tipo. Existe um livro sobre Itaipu grosso assim, que conta tudo e dá o cálculo de todas as (?), sabe o que aconteceu com aquele livro? Os chineses rasparam todo o nosso estoque, aí eu tive que parar, porque aquilo é um livro que representa um know how muito grande e eles, como tem um programa muito grande, pediram dúzias, aí o pessoal de Itaipu também parou, o pessoal da Eletrobrás bloqueou e existem muitos desses livros ainda, mas não assim pra dar pra todo mundo.
P/1 – Bom, o senhor já fez uma entrevista da história de vida, né, pra variar deve ser a segunda ou a terceira não sei, o que o senhor achou de ter mais uma vez revisitado a história do senhor e olhar pra trás e reconstituir toda a caminhada do senhor.
R – Eu acho bom, quando a gente vai falando até lembra de coisas que você pergunta, emotiva, coisas que eu já tinha esquecido em grande parte, se bem, muita coisa eu esqueci já, principalmente datas e nomes, eu achei interessante, eu achei que foi válido ter vindo aqui apesar da chuvarada de hoje de manhã.
P/1 – Mas ainda bem que tem água, não vai ter problema esse ano.
R – Olha, graças a Deus não foi pra aquele outro aeroporto senão eu tava lá até agora.
P/1 – Tá bom, Doutor Mário, em nome do Museu da Pessoa, do Ecomuseu de Itaipu, eu queria agradecer a presença do senhor, a disponibilidade de fazer a entrevista.
R – Ao Museu e a todas as pessoas, inclusive a entrevistadora, tudo bem.