Eu sou Rosalvo Peixinho da Cruz, filho de uma família de agricultores, muito humilde e numerosa, com 11 filhos - 7 homens e 4 mulheres, dos quais 5 são surdos e mudos. Eu estou entre o sétimo e o oitavo, porque sou gêmeo. Minha parceira é surda, tenho 32 anos e nasci em um lugar chamado Barrei...Continuar leitura
Eu sou Rosalvo Peixinho da Cruz, filho de uma família de agricultores, muito humilde e numerosa, com 11 filhos - 7 homens e 4 mulheres, dos quais 5 são surdos e mudos. Eu estou entre o sétimo e o oitavo, porque sou gêmeo.
Minha parceira é surda, tenho 32 anos e nasci em um lugar chamado Barreira do Tubarão, no município de Heliópolis, semi-árido baiano, na divisa com Sergipe. É onde vivo e trabalho atualmente. Meu pai é analfabeto, só pensava nas plantações para tirar o sustento da família, minha mãe, que estudou até a 4ª série primária, se tornou professora por necessidade e vontade de ver os filhos estudarem, ensinava em nossa casa e chegou a ter turmas de até 57 alunos de pré a
4ª série. Ela cuidava da casa e dos filhos, era professora ganhando uma mixaria e ainda fazia a merenda sem ganhar nada, só com a ajuda dos filhos que precisavam aprender, e nos finais de semana aprendíamos com ela os ensinamentos religiosos. Ela tornara-se a líder comunitária da localidade, que era totalmente abandonada, em todos os sentidos. Nesta realidade eu vivi até os 12 anos - quando não suportei mais ter que andar 10 quilômetros
todos os dias para o povoado mais próximo, onde passei a estudar a 5ª série- , tendo que ir para a cidade de Ribeira do Pombal - BA.
O fato mais marcante da minha adolescência foi ter que deixar minha família numerosa da zona rural aos 12 anos e ir para a maior cidade da região, realidade e mundo totalmente desconhecido. Fui morar com meu irmão mais velho, que resolveu fazer esta aventura e me levou para estudarmos e morarmos juntos. Esta adaptação foi muito difícil, ele trabalhava e eu cuidava da casa, que era emprestada; ele ganhava pouco e chegamos a passar muitas necessidades básicas, além da solidão de ter que ficar só muitas vezes, porque ele viajava muito por conta do trabalho.
Mas a vontade de superar tudo isto foi maior e com o decorrer do tempo fui arrumando amizades, também comecei a me destacar na escola, e isto facilitou a minha socialização, sempre freqüentei a igreja e comecei a participar da pastoral da juventude, onde aprendi através de grupos o papel de ser líder; fui coordenador e assessor de juventude na diocese de Paulo Afonso durante um bom tempo. Sempre que vinha passar férias com a família ficava indignado com a situação de abandono da comunidade, e quando concluí o ensino médio não pensei outra coisa, vim para a comunidade, juntamos a família e mais outras vizinhas e fundamos a associação comunitária da Barreira do Tubarão.
A partir de tudo que vivenciei e aprendi com as dificuldades da vida, do aproveitamento das poucas oportunidades que tive e da realidade do meu lugar, percebi que não dava para ficar parado, que era possível mudar, que com os conhecimentos que tinha, com a liderança que minha mãe exercia na comunidade e com a união das famílias poderíamos melhorar a realidade, a partir daí articulamos uma reunião, falamos da proposta de fundarmos uma associação para desenvolver a comunidade e mudarmos de vida.
Convidamos os moradores, nem todos vieram, mas dos que vieram 16 disseram que topariam fazer parte da associação. Deixamos outra reunião marcada para discutirmos o estatuto e a diretoria. Na segunda reunião apenas 13 aceitaram realmente fundar a associação, os outros disseram que tinham medo deste negócio de associação e desistiram.
A partir da situação de abandono da comunidade, sem água, sem estradas, sem energia elétrica, sem escola, sem assistência médica e tantas outras necessidades, vi que podia fazer alguma coisa. O primeiro passo foi promover a fundação da COMFUTURO - Associação Comunitária da Fazenda Barreira do Tubarão, isto aconteceu em 06 de julho de 1996.
O maior desafio foi convencer os moradores todos desacreditados que era possível, através da associação, melhorar a comunidade, conscientização esta que vem acontecendo gradativamente. O segundo desafio foi pagar os custos para fundar e manter o trabalho da associação, e o terceiro foi ter que deixar os objetivos pessoais pelos coletivos, ou seja, se dedicar de corpo e alma em um trabalho voluntário em prol da sociedade.
Foi imprescindível em todos os momentos a minha família estar sempre muito unida, e isto serviu de base para o trabalho com as outras, assumindo grande parte das despesas e dos trabalhos.
Com a COMFUTURO fundada, fizemos um diagnóstico e um planejamento comunitário, a partir daí fomos em busca dos objetivos, com atividades e projetos.
Iniciamos o trabalho em várias frentes, a partir dos pontos mais críticos, de acordo com o diagnóstico e o planejamento comunitário.
Eu iniciei um trabalho de alfabetização de Jovens e adultos, onde lecionei por 1 ano e consegui diminuir o analfabetismo de mais de 50% para 25%. Ao mesmo tempo vários cursos de capacitação específicos foram realizados com os associados, que até hoje continuam, para todas as idades em diferentes áreas.
Realizamos em seguida um projeto de investimento em apicultura e ovinocaprinocultura para os associados. Em 1999 implantamos um banco de sementes; no ano 2000 construímos a sede da associação, com salão para reuniões e escritório. As reuniões, celebrações religiosas, catequese, encontros de jovens, comemorações, etc. passaram a ter este local adequado, pois
até então aconteciam na casa da minha família.
A comunidade que não produzia nem um quilo de mel hoje produz 35 toneladas por ano, vende à CONAB e distribui gratuitamente para mais de 20.000 consumidores, de várias entidades, como: Pastoral da Criança, Maternidade, Creches, escolas e vários outros projetos sociais, beneficiando 98 produtores.
Em 2005 conseguimos vencer uma seleção pública de projetos e implantamos um projeto de inclusão digital e social que atua em 5 linhas de ação: Inclusão Digital; Segurança Alimentar e combate a desnutrição, com distribuição de alimentos e remédios; Prática esportiva, com 256 crianças e adolescentes; atividades de educação arte e cultura como: arte cênica, artesanato, reciclagem e acolhimento de estagiários de escolas famílias agrícolas da região.
Atendemos a 115 famílias de 06 comunidades, totalizando 472 pessoas.
A partir da idéia que gerou este trabalho já foi possível canalizar mais de R$ 1 milhão entre projetos de investimentos e vendas da produção e projetos não reembolsáveis. Pretendemos chegar ao desenvolvimento totalmente sustentável, por isso na geração de renda este ano já iniciamos o beneficiamento de 20 toneladas de castanha de caju, e em dezembro iniciaremos o beneficiamento do caju para polpa, doces, geléias e outros derivados. Sobre meio ambiente, implantaremos um viveiro de mudas para o replantio de plantas nativas e frutíferas para o repovoamento da vegetação, além de reciclagem de lixo. No social e assistencial, iremos implantar um horto comunitário e realizar o acompanhamento a cada família na área de saúde e alimentação. Na educação, implantaremos uma sala de alfabetização de jovens e adultos para zerarmos o índice de analfabetismo, além de vários cursos para as atividades que estão sendo desenvolvidas.
Hoje eu sobrevivo deste trabalho, na minha terra, com minha família, e vendo todas as pessoas em minha volta mais felizes. Vivo totalmente integrado com a comunidade, e me vejo como um agente de mudança porque ajudei a transformar e melhorar a minha vida e a vida de tanta gente que agora tem esperanças, acredita em um mundo melhor para todos e ajuda a construí-lo.Recolher