50 anos do SENAC São Paulo
Depoimento de José Benedito Zani
Entrevistado por Cláudia Leonor Oliveira e Rosali Henriques
São Paulo, 11/07/1995
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: SENAC_HV006
Transcrito por Tereza Cristina de Lima
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 - Bom, e...Continuar leitura
50 anos do SENAC São Paulo
Depoimento de José Benedito Zani
Entrevistado por Cláudia Leonor Oliveira e Rosali Henriques
São Paulo, 11/07/1995
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: SENAC_HV006
Transcrito por Tereza Cristina de Lima
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 - Bom, eu queria começar pedindo pra você falar o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R - José Benedito Zani, quinze do doze de 1950, nascido em Santa Maria da Serra.
P/1 - Certo. O nome dos seus pais e onde eles nasceram.
R - Primo Zani Sobrinho, meu pai, Terezinha Gonçalves Touta, minha mãe, nasceram também em Santa Maria da Serra.
P/1 - Zani, eu queira que você descrevesse um pouco como é que era a sua cidade, Santa Maria da Serra.
R - Santa Maria da Serra é uma cidade que está sintonizada no meio do Estado de São Paulo, quase nem aparece no mapa. Uma cidade muito pequena, totalmente agrícola. E até a década de setenta era bastante isolada e sem nenhum recurso, tipo hospital, médico, dentista, escola de segundo grau não havia, principalmente na minha época de estudante, toda a minha fase de estudante tive de estudar fora, nas cidades vizinhas.
P/1 - Quais eram as atividades do seu pai e da sua mãe?
R - A minha mãe era fazendeira, o meu pai era um pequeno agricultor. As nossas atividades na década de cinquenta, quando eu nasci, até setenta era a agricultura, meu pai plantava. E de sessenta a setenta foi uma fase muito difícil, principalmente 64, na época da revolução, foi uma fase muito difícil pra nós, dificuldade financeiras, o meu avô perdeu a fazenda pros bancos, coisas nesse sentido; então foi uma fase muito difícil para eles e pra mim que era estudante.
P/1 - Seu pai cultivava o quê?
R - A nossa especialidade era cultura de mandioca, a região lá é uma região de mandioca, mas cultivava milho, arroz, café; e depois chegaram as grandes usinas de cana, aí cana de açúcar.
P/1 - E você estudou nas cidades ao lado?
R - É, eu trabalhava na agricultura com meu pai até às três horas da tarde, fiz o ginásio e o colégio à noite. O ginásio na cidade de Torrinha, uma cidade vizinha, e o Normal eu fiz na cidade de São Pedro, próximo a Águas de São Pedro.
P/1 - E como você ia pra aula? Em grupo? Todo mundo saía da fazenda junto?
R - Nós viajávamos todo dia às seis horas da tarde em kombi ou em ônibus até as cidades vizinhas, que era 45 minutos, uma hora de viagem. Entrava no colégio às sete e saía dez e meia, onze horas, meia-noite estava em casa, no outro dia cinco e meia, seis horas da manhã tinha que estar na fazenda. Então era bastante puxada essa vida de estudante, não só a minha como de outros colegas que estudavam, principalmente porque a cidade não oferecia trabalho, não tinha trabalho. Uma cidade muito simples, muito pacata, a única forma de sobrevivência financeira pra nós estudantes era através da agricultura, trabalhar na agricultura mesmo.
P/1 - E vocês faziam brincadeira, jogos?
R - É, na cidade, cidade do interior, pequena, o único esporte mais divulgado e que tinha maior participação popular era o futebol, então era isso que a gente praticava. Tinha um clube na cidade que todo sábado tinha os bailinhos, principalmente porque nós vivemos a época de ouro da jovem guarda, uma época de muito romantismo, então nós frequentávamos esses bailes e era comum a minha turma de estudante, nós tínhamos uma vitrola pequena, à pilha, e nós fazíamos serenata nas casas das meninas, colocava flores na janela, roubava de uma casa e colocava na outra, e, de vez em quando, saíam os pais, soltavam os cachorros, mas era uma forma de, final de semana, alguma atividade nesse sentido. Porque a cidade não tinha nada a oferecer, nós tínhamos que criar as nossas coisas.
P/1 - Certo. E você resolveu fazer Normal, como é que foi essa opção pelo curso?
R - Essa opção pelo Normal, na verdade quem decidiu foi a minha mãe. A minha mãe tinha um sonho de ter um filho professor, porque, naquela época, na década de sessenta, ser professor era a pessoa de maior nível intelectual na cidade, que andava de terno e gravata, que tinha carro do ano e morava na melhor casa da cidade, e ganhava-se muito bem. Então a minha mãe falou: "Não, você vai ser professor, vai ser professor." E eu achei que era uma profissão legal, e eu tinha facilidade de comunicação, então eu fiz o Normal. Pra minha decepção, uma década depois, não era nada disso.
P/1 - Você tinha outros irmãos, e eles incentivavam algumas profissões pros outros irmãos?
R - É, eu tenho, nós somos em seis irmãos, eu tenho só um que não quis estudar, o sonho dele era ser caminhoneiro, e acabou sendo, o restante todos estudaram, todos fizeram cursos técnicos. Eu tenho uma irmã que é pedagoga também. Mais Técnico Agrícola, o outro Técnico em Contabilidade, a outra está se formando em Magistério também. Lá em casa tem uma tendência pra área educacional, todos, quase, estão na área educacional, só um que, dois, né, um é Técnico em Contabilidade e o outro é Técnico Agrícola.
P/1 - Deixa eu voltar um pouquinho. Você falou que viveu essa época dos anos sessenta, da música, tudo... Como que eles chegavam até a cidade, até Santa Maria? Através do rádio?
R - É, era através do rádio. A televisão em Santa Maria da Serra era em algumas casas, você contava nos dedos. Branco e preto. Então era muito difícil. Eu não sei, mas eu acho que na minha casa televisão só entrou em 1970, 68, setenta. Porque meu pai, entre comprar uma televisão e uma vaca de leite, ele preferia comprar uma vaca de leite. Ele dizia, vaca de leite dá dez litros de leite por dia, televisão não dá nada. Só que depois que nós compramos a televisão, pusemos em casa, aí ele ficou louco, apaixonado, porque era uma coisa que, no interior, numa cidade como essa, pacata, chegar a televisão nas residências era uma coisa que assustava até as pessoas. E era, inicialmente, através do rádio, depois através da televisão.
P/1 - E você terminou a Escola Normal e foi lecionar?
R - Não, quando eu terminei a Escola Normal eu prestei dois concursos, um na prefeitura de São Paulo e um no Magistério, no Estado, e acabei não entrando em nenhum dos dois. Porque tinha, na época, se não me engano, tinha seis mil professores pra 1.200 vagas, então tinha professor demais. Acabei lecionando pouco tempo em escola de sítio, e aí eu resolvi ir pra Piracicaba, e acabei entrando numa empresa comercial que trabalhava com móveis de escritório e equipamentos da Olivetti, móveis e máquinas de escritório, onde eu fiquei quase dois anos. Numa das visitas ao Senac pra oferecer um contrato de manutenção de máquina Olivetti, o Diretor da escola, que na época era o Brás Vernucci, me convenceu a fazer um curso de nível técnico no Senac, que era o de Recepcionista. Ele achava que pelo nível de escolaridade que eu tinha, eu deveria fazer de Recepcionista. E ele foi tão convincente que eu acabei aceitando, e foi por aí que eu entrei em hotelaria.
P/1 - Você lembra do que é que ele falou pra você? Assim, o que ele argumentava?
R - Bom, ele argumentava que hotelaria era uma profissão de futuro, e eu acho que nesse aspecto ele tinha visão, porque hotelaria, naquela época, na década de setenta, no Brasil era empírico o trabalho hoteleiro, era bem empírico. Vamos dizer, a hotelaria no Brasil começou com a entrada do Hilton, que é uma cadeia internacional que chegou no Brasil e aí se fazia hotelaria profissionalmente. Então ele me impressionou por isso: "Olha, vai ser uma profissão do futuro, vai crescer muito." E realmente aconteceu, na década de oitententa a hotelaria deu um boom e, se não me engano, na década de setenta nós tínhamos oitocentos hotéis, e hoje... Na década de oitenta nós tínhamos 2.500, e a previsão pro ano de 2000 era de sete a oito mil hotéis no Brasil. Então a hotelaria no Brasil deu um boom. E quem entrou, naquela época, fez carreira e fez sucesso. Então ele me convenceu por aí. Era uma coisa nova, eu estava na área de vendas que não era uma profissão que eu gostava. Quem tem uma formação educacional e vai pra área de vendas é complicado. Mas para sobrevivência, eu não queria mais depender dos pais, eu já estava morando em república, morando fora, e eu achei que fazer um sacrifício de nove meses valia a pena, e foi por aí que eu entrei.
P/1 - E por que é que você escolheu o curso de Recepcionista? Era curso de Recepcionista?
R - É, o Senac naquela época, em Águas de São Pedro, oferecia três cursos: o curso de Garçom, de Cozinheiro e de Recepcionista. Pelo conteúdo, foi o que eu analisei, eu não era muito fã da área de alimentos, bebida, garçom e cozinheiro, naquela época não eram profissões muito bem conceituadas no mercado de trabalho. Cozinheiro tinha o conceito de queimador de panela. Hoje tem cozinheiros aí ganhando muito mais do que professores e diretores de escola. E eu fui pra área de recepção porque era um... Além de ter um conteúdo que aproximava muito do que eu tinha feito até então a nível de escolaridade, e pelo fato de que recepcionista tinha contato com o público, isso é um negócio que me fascinava, eu gostava muito. Até porque quem fez o Normal, o contato com alunos era uma obrigação de expressão, então eu escolhi Recepcionista por aí, eu vou ter contato com o público, um público diferente, e tal. Isso me impressionou, por isso eu fiz Recepção.
P/1 - Certo. Mas aí você teve que mudar pra Águas de São Pedro?
R - O Senac oferecia sistema de internato, então nós residíamos na escola, o curso era integral. Você tinha aulas teóricas em sala de aula e estágio prático. Então você tinha uma média, uma carga horária de oito a dez horas por dia. O sistema ainda era de internato, internato mesmo. O senhor Brás Vernucci não deixava nós sairmos à noite, nós só saíamos de sábado e domingo. E à noite tinha atividades, atividades recreativas, porque senão não conseguia prender 180 jovens num sistema de internato. Então nós tínhamos atividades tipo futebol de salão, biblioteca, sala de música, sala de tevê, nós podíamos jogar cartas, tinha atividades culturais programadas pela própria escola, como batalhas culturais, e coisas desse nível, pra segurar a garotada. Agora, dez e meia, onze horas, todo mundo pra cama, porque no outro dia, seis horas da manhã tinha educação física. Então ia fazer educação física, voltava às sete, tomava um banho, café da manhã, e às oito horas ou era sala de aula, ou era trabalho na operação. Então era uma atividade educacional gostosa porque você tinha a teoria, a parte de formação acadêmica, você tinha a prática logo em seguida.
P/1 - Certo. Zani, eu queria que você me falasse mais um pouco do dia-a-dia dos alunos mesmo, como era o alojamento dos alunos, a convivência.
R - Nesse início era problemático, porque o grupo era muito heterogêneo. Então você tinha, como é que o Senac recrutava aluno nessa época? Como é que leva 180 alunos pra Águas de São Pedro pra fazer um curso de Garçom, Cozinheiro e Recepcionista? O Recepcionista tinha um nível de escolaridade pra fazer o curso de recepção que era o ginásio completo, então era um pessoal de um nível um pouco melhor, mas os garçons e cozinheiros o Senac recrutava, na época, nos tiros de guerra e nos orfanatos. Porque ninguém ia fazer o curso de garçom e cozinheiro, numa profissão que não era conceituada no mercado. O Senac em termos de hotelaria era desconhecido, então era complicado. Você tinha um grupo muito heterogêneo e era complicada a convivência; tinha muitos conflitos, brigas, discussões. O dia que soltavam nós na cidade era um trauma, porque não tinha uma mulher pra cada aluno do SENAC na cidade, isso era complicado. Uma cidade que tem 1800 habitantes não tinha uma mulher pra cada aluno. E os alunos presos, quando saíam queriam liberdade total, então era confusão na cidade, ia gente parar na delegacia, era complicada essa convivência, no início. Depois, com o passar dos anos, as coisas foram mudando, porque a escola passou a ser conhecida, conceituada, muito bem aceita no mercado, a profissão passou a ser uma profissão economicamente, aí a procura natural pelos cursos foi crescendo e, automaticamente, melhorando o nível dos alunos. A ponto que hoje nós temos pessoas universitárias fazendo curso de cozinha. Eu considero assim, um professor de filosofia hoje, pra ele conseguir trabalho e ter salário é uma coisa meio difícil, agora um cozinheiro bom, ele consegue emprego fácil e um bom salário, isso com certeza. Então no começo, essa convivência não era boa, não. Tinha muitos, tinha inspetor de alunos fiscalizando a gente o tempo todo, era complicado, a gente morava seis em cada quarto; quando um queria dormir o outro estava estudando, outro estava cantando, o outro tocando violão, outro jogando carta, era complicado. Mas sobreviviam todos. Aqueles que não se encaixavam dentro da disciplina, acabavam sendo eliminados. Tinha algumas regrinhas básicas pra convivência dentro do internato. Droga, homossexualismo, álcool, faltar nas aulas, tanto teóricas como práticas, era fator de eliminação. Com algum cuidado na parte de homossexualismo porque o Senac não podia discriminar, era um negócio complicado de você trabalhar, mas o homossexualismo não era só esse problema, ele acabava criando outros problemas que acabavam levando a eliminação. Mas tem de tudo numa escola de internato, tem de tudo. Eu visitei outras escolas do Estado, cursos agrícolas, é o mesmo problema, inicialmente. Hoje esse problema não existe mais, mas naquela época havia muito.
P/1 - Dentro do seu curso de Recepcionista, quais eram... Era dividido em matérias, quais eram os professores que você tinha?
R - É, nós tínhamos algumas matérias que até pra mim eram muito fáceis porque eu já tinha tido no Normal. Português, Matemática, Relações Humanas no Trabalho, Inglês, noções de Francês, e depois tinha a parte técnica. A parte técnica era a matéria de recepção mesmo, a forma de recepcionar perfeitamente um cliente, a técnica correta de se recepcionar um cliente, fazer um check-in, um check-out, atender um cliente durante a estadia. Então nós tínhamos um número de aulas teóricas e depois nós íamos pra prática. Na prática a gente era escalado em diversos setores do hotel, desde capitão porteiro, aquele que cumprimenta o cliente e tira as bagagens, o mensageiro, que encaminha o cliente até o apartamento, o recepcionista dentro do balcão, o correntista, que faz as contas dos clientes, e fazíamos também telefonista, que é uma forma de você educar a voz, e uma forma de você se comunicar com o cliente, melhorar sua forma de comunicação. Então o curso era, basicamente, dessa forma.
P/1 - Você se lembra de alguma coisa engraçada que tenha acontecido durante essas aulas práticas, alguma dificuldade?
R - É, veja bem, na verdade os hóspedes quando iam pro hotel eles sabiam que estavam indo para um Hotel-Escola. E é diferente você ir para um Hotel-Escola do que para um hospital-escola. Fazer uma cirurgia por um aluno eu acho que é um negócio muito complicado e eu não aceitaria, se bem que tem muito aluno de medicina que já está fazendo residência que até opera, mas no hotel ser atendido por um aluno, o aluno, na verdade, procurava atender muito bem e atendia muito bem, porque ele conhecia a técnica correta que ele aprendeu na teoria, e ele não tinha vícios, os vícios da profissão os professores não ensinam, é lógico. Então o atendimento dos alunos era muito bom. Mas, às vezes, aconteciam fatos engraçados. Porque a convivência entre os alunos e os profissionais do hotel era assim: os profissionais eram antigos de casa e os alunos trabalhando juntos. E eu não lembro de nenhum fato assim, mas eu me lembro que as fechaduras dos quartos tinha uns buracos muito grandes, então quando chegava lua-de-mel tinha alguns alunos que iam espiar. De repente um casal abre a porta pra sair e o cara está espiando na porta. Ou senão, às vezes, o cara está no corredor espiando lua-de-mel e vem vindo um hóspede. Isso os alunos faziam, tiveram casos de ser pego no flagra, ou de repente você pegar um garçom com a bandeja na frente de um apartamento, buraquiando um casal qualquer que está dentro do hotel, isso acontecia. Outras coisas que aconteciam, por exemplo, naquela época já acontecia, os alunos eram muito jovens, bonitos, corpos atléticos, e, de repente, o hotel tinha no mês de agosto, que era o mês geriátrico do hotel, a idade média era acima de sessenta. Então a gente era muito flertado pelas senhoras. Elas eram muito carinhosas, boazinhas com a gente, davam gorjetas boas. De repente você via que um aluno foi chamado pra levar o jornal no quarto, e de repente lá ele era assediado, isso acontecia. Porque era que nem juntar a fome com a vontade de comer. O aluno, por outro lado, em sistema de internato e aquelas senhoras que, são coisas que até dentro da ética, a gente não deve nem comentar, mas acontecia. Se você contar os bastidores do hotel dá pra escrever um livro. Tem coisas que...
P/1 - Zani, você conhece um pouco a história do hotel de São Pedro, da família Moura Andrade, eu queria que você falasse um pouquinho a respeito disso.
R - Bom, a família Moura Andrade foi uma família pioneira em Águas de São Pedro. Como é que eles descobriram a cidade de Águas de São Pedro? Aliás, Águas de São Pedro está dentro do município de São Pedro. É uma cidade de três quilômetros e meio quadrados, dentro do outro município. Na verdade a família Moura Andrade comprava naquela região café, eles eram exportadores de café, e, naquela época, a Petrobrás estava perfurando poços de petróleo em Águas de São Pedro porque o Monteiro Lobato falou que lá tinha petróleo - chamaram o Monteiro Lobato de louco, mas ele não era louco, não. E perfurando petróleo encontraram as águas medicinais e fecharam os poços, porque o que vai fazer com aquelas águas? E a família Andrade, como viajava muito pro exterior, pra Europa principalmente, nessa fase de negociação do café eles acabaram descobrindo que na Europa as águas medicinais eram um grande atrativo para o pessoal da geriatria. Então eles resolveram comprar a área que era de setecentos e poucos alqueires, e resolveram planejar uma cidade totalmente turística. Então se você analisar Águas de São Pedro, não tem uma rua, não tem uma quadra que seja quadrada ou retangular, todas as ruas são curvas de nível, porque Águas de São Pedro é dentro de uma grota, de uma barroca, então eles fizeram todas as ruas em curva de nível, e planejaram a cidade criando a área hoteleira, a área comercial e a área residencial. Então foi uma cidade projetada pra ser uma estância turística. E o Grande Hotel São Pedro foi feito por causa dos cassinos. Ele inaugurou o hotel em 1940, e já inaugurou com o cassino. E os cassinos funcionaram até 49. Ele não tinha dinheiro pra fazer o hotel e a cidade, então ele financiou uma parte do hotel pelo BNDES da época, do Estado. Mas ganhou muito dinheiro com os nove anos que funcionou o cassino. Quando fechou o cassino ele ficou com um elefante branco na mão, porque como é que ele ia levar gente pra Águas de São Pedro se não tinha estrada, as pessoas tinham que ir de trem até Rio Claro, de Rio Claro pegar uma jardineira que ele tinha e ir por estrada de terra. Pra chegar em Águas de São Pedro eram dez horas de viagem. Aí ele começou a explorar as águas minerais, mas a ocupação não era suficiente. E, outra coisa, no Brasil, lazer, entretenimento, não era ainda coisa divulgada na classe média, na classe alta, na elite, eu nem sei se existia isso, mas não existia essa tradição dentro da sociedade, de frequentar os hotéis. Tinha algumas pessoas que raramente viajavam pra Europa. Aí chegou uma hora que ele não aguentou mais, aí ele acabou vendendo o hotel pro Estado, vendeu e arrendou. Foi uma forma de ele pagar a dívida. Com esse dinheiro que ele pegou ele acabou investindo um pouco no hotel; quando foi em 69 ele não aguentou mais, aí ele resolveu vender o hotel pro Estado, não, aliás, em 69 ele tinha que devolver o hotel pro Estado, e o governador da época era Abreu Sodré. O Abreu Sodré era muito amigo do Papa Júnior, que era o Presidente do Senac, e ofereceu pro Senac pra fazer um Hotel-Escola. E fazer um Hotel-Escola era um sonho do Papa Júnior, ele tinha visto na Europa escolas de hotelaria, não Hotel-Escola, escola de hotelaria, em Lausanne e em Glion. Aí havia interesse do prefeito da cidade, não havia nenhuma contrariedade. Fechar o Grande Hotel São Pedro era uma ameaça pra cidade, aí o Senac pegou. Realmente era um elefante branco, o hotel estava totalmente em bagaços, deteriorado, e o Senac tinha um grande desafio que era fazer daquele hotel um Hotel-Escola. Esse é um resumo da história, rapidamente, do Hotel-Escola da família Moura Andrade até 69.
P/1 - E você entrou como aluno logo nos primeiros anos?
R - No comecinho que o Senac pegou do Estado, eu entrei. O Senac pegou em dezembro de 69, eu entrei em 71. Então eu peguei toda essa fase de transição, a montagem dos alojamentos, os primeiros cursos, os primeiros professores que vieram todos da Europa, porque no Brasil nós não tínhamos professores desta área, peguei todo esse início.
P/1 - E aí o curso durou nove meses e depois você continuou no Grande Hotel?
R - É. Quando eu terminei o curso de Recepcionista eu fui convidado pra ficar, porque eu tinha um nível de escolaridade, eu tinha uma formação que interessava pra escola, como eu tinha o Normal, se eu dominasse a técnica eu seria um excelente professor da área de recepção, no conceito deles. E eu também achava que isso era possível, porque você dominando a técnica, dominando a matéria, você tendo a didática e a metodologia, você pode dar aula. E foi dessa forma que eu fui convidado, aí assumi a recepção e acabei assumindo o curso, acabei dando aula e coordenando o curso de recepção, porque eu não dava todas as aulas, eu dividia as aulas com os outros profissionais.
P/1 - E os outros profissionais eram também professores de fora, que vinham do exterior ou de São Paulo?
R - Não, eram profissionais que trabalhavam na recepção e que eram especialistas em alguma área. Por exemplo, um profissional que cuida das contas dos hóspedes, no dia que era dada essa matéria, como fazer uma conta de hóspede, como fazer um check-out, esse profissional ia pra sala de aula dar aula. Era uma forma de desenvolver a equipe. Inicialmente ele ia, assistia a umas duas ou três aulas que eu dava desta matéria, e depois ele ia e acabava... Pra você distribuir. E também não criar uma dicotomia entre a teoria e a prática. Eu falo uma coisa lá e o profissional faz outra lá embaixo. Então se você envolve todas as pessoas no processo, ela sabe que tem que dar aula lá e fazer o mesmo processo embaixo.
P/1 - Você assumiu a recepção, assumiu o curso e sua carreira é toda ligada ao Grande Hotel, né? Eu queria que você falasse um pouco disso.
R - É, veja bem, a partir do momento que eu senti a possibilidade de fazer carreira, eu comecei a me interessar pela área, então eu fiz muitos cursos no Senac, pedia pra participar de todos os treinamentos que o Senac oferecesse e fiz muito estágio em outros hotéis. Por exemplo, na minha época de recepção, nos áureos anos de 74, a coqueluche do Estado de São Paulo era o Hotel Casa Grande, no Guarujá. Então aquele hotel era o que tinha de mais moderno e sofisticado em hotelaria, então eu queria fazer estágio lá, e fui. Quando inaugurou o Hilton, era outra coisa, todo mundo queria fazer estágio no Hilton, e eu fui fazer estágio no Hilton. Então eu fazia os cursos no Senac, no Ceatel na época, os módulos e fazia estágio. Como eu tinha obrigação de dar aula e passar pros alunos esse conhecimento, porque afinal eles iam trabalhar nesse mercado, então eu tinha que conhecer, tinha que visitar, nós fazíamos muitos estágios. Depois eu fui pra gerente de hospedagem, aí amplia um pouco o leque. Você passa a administrar recepção, lavanderia, a área de limpeza do hotel e a área de governanta. Uma área mais complexa, mas eu tinha feito curso pra isso, então eu não tinha muita dificuldade porque eu tinha a convivência prática, a situação de realidade prática e você vai fazer a parte teórica. Aliás, todas as vezes que eu tive a prática primeiro e depois foi a teórica, eu fiz sucesso, eu acho que foi melhor pra mim assim. Inclusive na gerência geral, quando eu fui pra Gerente Geral eu não tinha nenhuma formação acadêmica de gerenciamento, só tinha prática e intuição. Aí quando eu fiz Administração na GV, eu vi que eu tinha feito muita coisa errada, mas tinha feito muita coisa boa. Agora a minha intuição era baseada na experiência que eu tive de convivência com os outros gerentes. Até 78 passaram oito gerentes lá. Você vai observando as coisas que são boas nas pessoas, que dão certo no dia-a-dia da administração e vai por aquele caminho, as coisas ruins você esquece. Aí quando eu fiz a parte acadêmica de administração eu vi que tinha instrumentos gerenciais que você poderia usar, independente de ser hotelaria ou não, porque tem a parte técnica, isso ajudou muito. Então quando eu fiz a Gerência de Hospedagem, eu fiz o bloco no Senac na área de Administração de Hospedagem, porque você tem um pouco de instrumento de gestão, eles dão essa parte teórica. E depois eu acabei sendo convidado pra ir pra área administrativa.
P/1 - Nessa época que você vinha pra São Paulo fazer os cursos, você continuava morando em Águas de São Pedro?
R - Esses cursos eram rápidos, quinze dias. Eu vinha pra cá, a família ficava lá, eu ficava hospedado em hotel, final de semana eu ia embora pra Águas, visitava a família, trabalhava no final de semana, e depois, segunda-feira voltava. Então foi dessa forma porque não dava pra largar o trabalho totalmente e nem a família.
P/1 - E esses cursos eram aqui no Ceatel?
R - No Ceatel.
P/1 - Como é que era estruturado o Ceatel na época? O que você lembra?
R - Bom, o Ceatel estava começando naquela época. Então o Ceatel começou com um convênio do Cornell e do Lausanne. Eles traziam esses professores, de Cornell e de Lausanne, já vinham com o pacote pronto, o próximo pacote, bloco, é Contabilidade Hoteleira, então você ia, sala de aula normal, o professor dava como se gerenciar a parte financeira, contábil, administrativa, área de Hospedagem idem, área de Vendas e Promoções idem; e o Ceatel tinha outros cursos como o curso de Reciclagem de Garçom, curso de Vinho, curso de Cozinha na área de cozinha quente, cozinha fria, padaria, confeitaria, o Senac tinha outros cursos, aliás, o Ceatel. E tinham esses blocos que vinham do exterior, que era muito procurado porque hotelaria era muito empírica no Brasil. Não tinha, até hoje não tem escolas, tem algumas faculdades de hotelaria, eu não quero fazer nenhuma crítica nem citar nomes, mas que forma aluno em sala de aula. Agora eu pergunto, como é que um aluno aprende a fazer molho demi glace, ou por transparência, ou por projeção? Não dá pra fazer o molho demi glace, nem o molho rôti, nem o molho maionese, nada. A vantagem do Senac é que você aprende isso em teoria e leva o pessoal pra Águas de São Pedro e aprende na prática. Falar pra um aluno em sala de aula o que é escalfar na cozinha, o que é brasear, o que é gratinar, o que é grelhar, que são formas de cocção, em sala de aula é meio difícil do cara... Agora se colocar o cara lá pra fazer, aluno pra fazer na chapa ou no fogão e ele queimar a mão, tal, isso é interessante porque ele aprendeu. Nesse aspecto a vantagem do Senac ter um Hotel-Escola e um Restaurante-Escola aqui é muito bom. Você tem a teoria e você tem a prática, você vai fazer, você coloca a mão na massa. A grande dificuldade das pessoas, vocês mulheres devem ter isso aí, é pegar uma receita e conseguir realizar em casa, não consegue, consegue as simples, as mais sofisticadas não consegue, por quê? Falta aquelas dicas, aqueles pormenores que se aprende na cozinha. Aí o cara fala assim: pra fazer um bom lagarto tem que ser braseado, o que é brasear? Então são algumas dificuldades que algumas outras escolas... Nesse aspecto o Senac não, está muito na frente porque tem o Restaurante-Escola, tem o Hotel-Escola.
P/1 - Hoje os alunos de hotelaria do Senac têm aula teórica aqui em São Paulo e vão fazer estágio no Grande Hotel?
R - É, os alunos do tecnólogo, do nível superior, eles têm as aulas teóricas aqui em São Paulo e depois eles têm, obrigatoriamente, isso está no regulamento, eles têm 45 dias de estágio prático passando por todos os setores do hotel. Até como se lava corretamente, internacionalmente, uma bacia de privada, tem técnica pra isso. Porque ele tem que saber que quem vai usar é um hóspede que está pagando diária de 150, duzentos dólares, ou duzentos reais, agora a gente pode falar em reais porque é uma moeda estável. Então eles vão pra lá, e passam por todos os setores, vão aprender. Cortar couve, corta o dedo, porque tem técnica correta de segurar a couve, a cebola pra não cortar o dedo, tem técnica correta de passar a faca, todas essas coisas, vão enfiar a mão na massa. São filhinhos de papai que nunca fizeram isso, mas como você é gerente, pra mandar tem que saber fazer, ou pelo menos conhecer como faz, essa é uma técnica que eu uso. Eu posso não ser um exímio conhecedor de cozinha, mas se eu pegar um molho de uma carne e colocar na boca, eu tenho obrigação de saber se ele está queimado, se ele está cru ou se ele está no ponto. Quando eu fumava eu tinha uma grande dificuldade porque o fumo tira muito o paladar. Quando você deixa de fumar você afina bastante o paladar. Então são técnicas que se ele não colocar a mão na massa, não faz. E tem uma vantagem desse curso do Senac que é a seguinte: tem a obrigação desse estágio e depois, no final do curso, eles têm mais um estágio obrigatório, aí não é mais operacional, colocar a mão na massa, aí é um estágio mais de supervisão, deles entrarem no restaurante de qualquer hotel aqui no Estado de São Paulo ou no Brasil e ver como é que a brigada trabalha, como é que a brigada atende, qual o trabalho do maître, do garçom, do cozinheiro, como é que essa ligação restaurante-cozinha funciona perfeitamente. Você na hora que pede a bebida, enquanto ele busca a bebida e traz na sua mesa tem que demorar seis minutos, e o prato à la carte vinte minutos, tem regrinhas tudo pra isso. Então toda essa harmonia de trabalho eles têm que fazer no estágio operacional.
P/1 - Zani, quando foi que você assumiu a gerência do Grande Hotel?
R - Eu assumi em 1984, depois de treze anos trabalhando no hotel. Veja bem, no Grande Hotel São Pedro eu só não trabalhei de garçom e de cozinheiro, mas o resto eu trabalhei em todos os setores, e não trabalhei de cozinheiro e de garçom porque era uma área que eu não gostava e eu não sei explicar por que, naquela época eu não gostava e é até uma questão, eu acho até por uma questão de idade. Hoje não, o jovem já nasce, ou pelo menos alguns que estudam no Ceatel, já têm tendência, eu gosto de cozinha; eu não gostava. Mas como Gerente Geral eu tinha obrigação de conhecer, pelo menos o básico. Na verdade você não tem que ser um exímio conhecedor, mas você tem que ter gerentes que conheçam. Mas é duro, você vai discutir um cardápio com o gerente e se ele quiser te enrolar ele te enrola, porque ele conhece a técnica e você não. Então eu passei a ler muito, estudar muito essa área e passei a praticar, eu ia na cozinha, botava roupa de cozinheiro e ficava lá junto com os cozinheiros e ficava vendo. Depois eu juntava isso com a parte que eu lia e via que tinha algumas coisas que não estavam muito bem certas. Em 84 quando eu assumi, na verdade, eu acho e eu digo isso, porque eu não era a pessoa mais preparada pra assumir. Eu tinha um conhecimento de todas as áreas, área de ensino eu dominava, a área de hospedagem, de recepção, de lavanderia, área de convenções, venda, promoções, marketing, tudo isso eu dominava porque eu conhecia a teoria e a prática. Mas com 33 anos eu não me achava maduro pra assumir uma responsabilidade tão grande, 240 funcionários, 150 alunos, trezentos hóspedes no hotel quando a casa está lotada, 1200 refeições por dia, era muita responsabilidade. Parece-me que tem uma teoria que os americanos só dão um cargo desse pra uma pessoa quando elas completam quarenta anos, porque no conceito deles e de alguns filósofos da administração, aos quarenta anos o homem atingiu o seu ápice de amadurecimento e eu concordo com eles. Com 33 eu tinha muito medo, muita insegurança, e eu fiquei nove meses como interino, e o Senac acreditou em mim, resolveu dar uma oportunidade, porque nós estávamos reformando o hotel, aliás, nesses últimos dez anos da minha gestão o prédio tem 25 mil metros, eu acho que nós reformamos 18 mil metros, restauramos o hotel todo nesses dez anos. Então era um grande desafio e segundo o conceito do Senac parece-me que eu estava indo bem, então resolveram me dar uma oportunidade. E eu particularmente, eu pensei assim: se eu tiver dois anos de currículo no Senac, no Grande Hotel São Pedro, na maior escola de hotelaria da América Latina, eu trabalho em qualquer hotel, eu não tenho problema mais de emprego, dois anos de currículo era o suficiente. Então eu peguei aquilo de corpo e alma, desde criança eu sempre fui assim, me entreguei totalmente, doze, quatorze, dezesseis horas por dia, e acabei ficando dez anos, que também não é bom. No meu conceito, eu acho que um gerente quando ele fica cinco anos numa empresa, seja ela nacional ou internacional, ele deve mudar, a empresa deve mudar, porque você acaba se envolvendo com as pessoas, as pessoas acabam misturando profissionalismo com amizade, você começa a ter cansaço físico e mental, você acaba se acomodando em algumas coisas, o teu pique começa a diminuir; em tese eu pensava assim. Eu acho que comigo não aconteceu isso, mas eu acho que depois do oitavo ano começou a ter um pouco de acomodação. Se bem que o hotel vinha bem de ocupação, nós tínhamos a melhor ocupação do Brasil. A minha gestão bateu diversos recordes, recordes esses que não foi batido por administração anterior e nem foi batido por concorrentes.
P/1 - Que tipo de recordes?
R - O índice de ocupação, por exemplo. Planos econômicos violentos e eu tinha que fazer cirurgia na empresa, numa empresa como o Senac é difícil fazer demissões, porque é uma organização que não é particular, e também não é pública, e de repente você tem que demitir cinquenta funcionários num dia, não é brincadeira. Mas você tem que fazer a cirurgia senão a empresa não sobrevive. Então são coisas assim que no dia-a-dia você exercita como se fosse uma empresa particular. Eu tive que fazer isso duas vezes, dois planos, porque chegou uma hora que eu tava com 25%, 30% de ocupação com quadro de pessoal dimensionado pra 60% de ocupação, como é que faz? São coisas que acaba tendo que fazer. Mas assim, recorde de ocupação em 84 e 85, recorde de lucro operacional, recorde de metros quadrados de reforma, recorde de convenções, nós perdemos muitas convenções na época das obras. Você vai fazer uma convenção num hotel que está cheio de barulho, pedreiro? Perdi muitos clientes, muitos, e depois eu fui recuperando. Aí eu fazia um trabalho pessoal nessa área de relações públicas e contato com o cliente, foco no cliente, trazer o cliente de volta. Então foi assim. Quando eu sair, eu estou indo pra Campos do Jordão, eu acho que estou indo pra outro ar, pra outra vida, pra outro trabalho, pra outro desafio. E o Senac não tinha opção, ou me mandava embora, e não tinha outra. Não dá pra me colocar numa outra unidade, a minha especialidade é hotelaria, é a coisa que eu sei fazer. Então não, "transfere o Zani pra uma unidade em Presidente Prudente", posso até, até acho que tenho competência pra tocar uma unidade dessa, mas não tem nada a ver comigo.
P/1 - Zani, eu queria que você falasse um pouquinho de você como Gerente. Você morava dentro do Grande Hotel, né? Você comentou lá fora que não tem sossego, como é que é isso?
R - É, na verdade, você está 24 horas à disposição da empresa. Eu tenho uma característica pessoal de gestão que, às vezes, é aceita por alguns diretores, alguns não são aceitos, e eu não tenho culpa de ter essa característica. Eu lembro que eu fiz um teste de QI quando eu fiz o Normal, eu nem lembro mais quanto que deu o QI. Quando eu fiz a GV eu fiz outro teste de QI porque era obrigação do curso fazer, se não me engano deu 8,2, parece que o superdotado é doze, com a Cecília Bergamin que eu considero que é uma grande mulher da área de recursos humanos. E ela fez duas coisas, esse teste de QI e um teste, não, uma classificação de perfil gerencial, e o meu deu conciliador. Até porque toda a minha formação é psicologia, sociologia, metodologia de ensino, filosofia, não podia dar outra coisa. Pra quem fez o Normal e pra quem fez pedagogia, então deu estilo gerencial conciliador. Eu sou um cara que, não sou sabão, mas eu sou um cara que consigo conciliar dentro do conflito um monte de coisas. E tem outro detalhe que era o relacionamento meu com os hóspedes; era muito grande, mas isso não era porque eu queria, eu aprendi na escola européia que você tem que, principalmente num hotel de lazer, você tem que dar atenção pro hóspede. E ali eu levantava grandes negócios, e pegava um cara da IBM, um hóspede da IBM e, de repente ele me facilitava o acesso no cara de convenções, ou no cara de marketing, tal. Então esse relacionamento permite que o cliente tire um pouco da sua intimidade, então muitas vezes é normal chegar em casa oito horas da noite, oito e cinco o telefone tocava: "Zani, chegou aqui um cliente e tal, está querendo falar com você, não marcou hora, não marcou dia, não marcou nada. Como é que faz?" Veio de São Paulo, você fala que não atende? Aí você sobe, você atende o cliente, muitas vezes é um cliente que está querendo visitar o hotel pra comprar uma convenção, olha se você não sobe. Ah, mas tem um Gerente de plantão lá, mas é diferente, Gerente de plantão se ele domina uma área, não domina outra, e às vezes eu, assim, como eu dominava quase todas, naquela visita técnica eu já fechava o negócio. E, às vezes, eu tinha que subir oito horas, tinha marcado um jantar com minha esposa, subia lá, tomava um aperitivo com o cliente, fazia uma visita, jantava com o cliente, chegava em casa meia-noite. Minha mulher queria me matar, pô! Isso acontecia porque eu não conseguia controlar isso, eu não sabia falar não. Acontece alguma coisa de madrugada no hotel, o primeiro que chama já é o geral, não vai chamar o Gerente da área. Por exemplo, o padeiro do dia esqueceu de pedir fermento pra fazer pão, o padeiro que vai entrar meia-noite tem que fazer pão para o café da manhã, e aí, como é que faz? Sem fermento não faz pão. Então tem que chamar o Gerente. Se me chamava eu tinha pelo menos o princípio de ética que eu não ia chamar outro. Tem Gerente que é, ele quer, isso não é problema meu, liga pra fulano de tal. Não, mas já me acordou eu não vou deixar acordar outro, porque eu não vou dormir mesmo, vou ter problema até pegar no sono outra vez. Então eu ia lá, subia, abria o almoxarifado, tirava o fermento, tal. Às vezes dava pane do PBX, "Ó, o PBX saiu do ar", como é que um hotel lotado pode ficar sem telefone? Chamavam na minha casa. Às vezes era chave geral não sei da onde que a faxineira passando por lá bateu a vassoura e desligou, essas coisas que só você sabe, ou a caldeira não entra às cinco horas da manhã, mas quem tem que chamar? Tem que chamar o Gerente Administrativo, o Chefe de manutenção, mas não, liga pro Zani que o problema está resolvido, não, tá resolvido. Então por isso era muito ruim morar no hotel, tinha as suas compensações, tem as mordomias, todo mundo chama de mordomias, mas na verdade você está 24 horas por dia. E, na verdade, tem que fazer um estilo de, tem que fazer uma forma de gerenciamento diferente, não pode ser desse jeito, delegar mais, passar para as pessoas, mas é um estilo muito pessoal, eu estou revendo muito isso, eu acho que pra Campos do Jordão eu vou montar um esquema totalmente diferente. Porque eu fui, na verdade, você vê pela minha história aí, eu fui criado por esse pessoal, lá tem funcionários de, eu sou o quarto funcionário mais velho, mas tem funcionários de vinte, de quinze anos. Aliás, tem uma teoria européia que diz o seguinte: quanto mais velho um funcionário no hotel, melhor o serviço personalizado para os hóspedes, porque tem hóspede lá, por exemplo, senhor Roberto Carlos. Você acha que ele liga pro setor de reservas pedindo uma suíte quando vai no hotel São Pedro? Ele não liga, ele liga na minha casa, por outro lado que tenho o telefone da casa dele. Tem algumas pessoas aí da sociedade que não ligam pro setor de reservas pedindo uma reserva, liga pra casa do Zani, porque conhece, já tem convivência. Eu estou falando do Roberto Carlos, como eu posso falar do Fernando Henrique Cardoso, quantas vezes esse homem não foi fazer palestra pro PT, da esquerda, em Águas de São Pedro, na época da união dos vereadores. Então tem um monte de pessoas, uma série de pessoas que ligam direto, porque eu sou conhecido. Empresas que querem fazer convenções, não vão ligar pro setor de vendas, não vão ligar pra Gerente que estão lá. Hoje apareceu o Almadén pra fazer uma visita técnica no hotel com um grupo de cinquenta pessoas aí da Associação Hebraica. Veio procurar o Zani na Francisco Matarazzo, porque ele perdeu os contatos, mudou o Gerente de Vendas, mudou o Gerente do hotel e agora, como é que faz? Ah, mas o Zani está em tal lugar! Então vou falar com ele. "Olha, eu não tenho mais nada a ver com o hotel mas eu vou te facilitar os caminhos!" É o problema da convivência muito tempo com as pessoas, tanto com os funcionários e tanto com a clientela. Tem o lado bom? Tem. Nós temos hoje o maior índice de ocupação do Brasil em termos de hotel de lazer em Águas de São Pedro por causa desse tratamento personalizado, são muitas relações públicas.
P/1 - Certo. Eu queria que você falasse um pouco agora desse projeto novo que você está participando pro Grande Hotel Campos do Jordão.
R - Bom, o Grande Hotel Campos do Jordão vai ser um Hotel-Escola nos mesmos moldes de Águas de São Pedro, com algumas diferenciações de curso que ainda nós não definimos. Mas, na verdade, São Pedro hoje tem de Garçom até pós-graduação. Talvez Campos do Jordão tenha essa mesma linha. Nós estamos pensando também em entrar na área de segundo grau, formar o colegial com alguma opção de formação técnica, porque isso é permitido pela Secretaria Estadual de Educação. Você forma um menino que tem um nível colegial com uma opção profissional, por exemplo, Técnico em Nutrição, Técnico em Administração Hoteleira, ele não vai sair de lá um administrador hoteleiro, mas vai sair um técnico que pode exercer um cargo de chefia num hotel duas, três, quatro, cinco estrelas. Agora, o maior desafio no momento é terminar o hotel. E é uma equipe de trabalho, na verdade. O Senac precisava de alguém assim: quem conhece dentro do Senac hotelaria pra discutir os detalhes técnicos de operacionalização? Por exemplo, nós temos engenheiros que entendem de hotelaria, nós temos arquitetos que entendem de hotelaria, nós temos técnicos que entendem de hotelaria, mas quem gerenciou um hotel que eles vão montar? O Zani. E são coisas simples. Por exemplo, eles estão montando a lavanderia pra um hotel cinco estrelas, mas eu que vou comprar a roupa, eu que vou especificar, e roupa de hotel não é igual a roupa da sua casa, nem a toalha, nem o travesseiro, nem o lençol, são tudo diferente. Máquina de lavanderia é outra coisa, você tem que comprar a máquina correta, certa, e hoje com a abertura da importação, o que tem de máquina aí que faz tudo, fala sozinha. Então eu sou a pessoa que vai trabalhar coordenando essa parte técnica, montar a equipe em Campos do Jordão e inaugurar o hotel. Resumindo é isso. Eu estou começando, eu tenho tempo, eu estou começando devagar porque eu estou numa fase de recuperação de saúde, mas eu tenho certeza que nesse trabalho de equipe eu tenho condições de fazer esse trabalho tranquilamente. Porque eu também não domino tudo, mas eu faço muita pesquisa, aquilo que eu não domino eu pesquiso. Tem muita gente no mercado que dão as informações técnicas que você precisa.
P/2 - Eu só gostaria de fazer uma pergunta. Você é casado Zani, tem filhos? Conta um pouco da sua vida.
R - Casado, três filhas, dezenove e meio, dezoito, treze, residentes em Águas de São Pedro, as três estudantes.
P/2 - E a sua esposa?
R - A esposa também vive em Águas de São Pedro. As minhas filhas, tem uma história interessante das filhas. As minhas filhas nasceram e viveram dentro do hotel, então elas têm uma formação bastante diferente das crianças normais. Por quê? Elas tiveram que aprender a sentar na mesa, usar o talher correto, saber como usa o guardanapo, como é que senta no sofá, como é que se comporta numa situação de convivência sendo filha do Gerente, vendo reclamação, gente falando mal do hotel, do Gerente e ficar quieta. Porque foi uma fase que eu estava envolvido até o pescoço com o hotel e elas estavam sempre dentro do hotel. Adoravam o hotel e hoje não vão mais, o hotel cansou, hoje elas não frequentam, raramente elas vão ao hotel, mas na época elas tinham uns quatro até os dez, doze anos, elas adoravam o hotel, viver dentro do hotel era uma beleza. Agora eu precisava tomar muita precaução de como elas conviviam dentro do hotel com hóspede e com funcionário, sem misturar as coisas. Então foi uma coisa pra mim fantástica, a educação que elas tiveram dentro do hotel porque eu ensinava, olha porque é que dobra o guardanapo assim, porque que você tem que comer com o talher assim, porque é que tem que beber assim, porque tem que mastigar com a boca fechada. Então essas coisas foram ótimas. Sempre elas estava comendo comigo, convivendo comigo, então foi legal. E a minha esposa também. A minha esposa é de origem muito simples, mas essa convivência nesse ambiente social, essa adaptação no ambiente social, ela vai lá e quando descobrem que é a esposa do Gerente todos os hóspedes querem conversar, porque os hóspedes são hóspedes diferentes, não estão num hotel executivo que sai de manhã e só vem pra dormir, são os hóspedes que vivem 24 horas no hotel. Então vai conversar com minha esposa e tal, e ela tem que tomar uma série de cuidados, do que fala, do que ouve, do que convive, tem que tomar muito cuidado porque senão você mistura as coisas. Mas foi legal.
P/1 - Zani, pra terminar a nossa entrevista, a gente está no fim do tempo, eu queria que você falasse pra gente o que é que você achou de ter dado a entrevista falando da sua experiência de vida, da sua experiência profissional...
R - Eu vou tentar não me emocionar. Mas eu recebi muito do Senac na minha experiência profissional, eu acho que tudo o que eu sou profissionalmente eu devo ao Senac. Eu dei muito, mas recebi muito mais. A coisa que mais me emociona de trabalhar no Senac é que sempre eu fui prestigiado pelos meus superiores, pela direção e pela presidência. Eles sempre acreditaram em mim e eu sempre fui fiel a eles. Eu acho que no meu trabalho, um dos meus princípios de trabalho foi honestidade, me dedicar muito e a fidelidade. Então tudo o que eu pedia eles me deram, me apoiaram, então vocês me desculpem por eu me emocionar assim, mas é uma vida. Vinte e cinco anos eu acho que é uma vida, mas eu sou muito feliz porque aprendi como homem e aprendi como profissional, com eles. Uma instituição, uma organização, não é porque eu estou dentro dela não, invejável. Pela seriedade com que faz as coisas, eu acho que a gente poderia ser até melhor do que é, mas nós sempre tivemos como objetivo buscar o melhor, e sempre fizemos o melhor. Eu acho, eu viajei pra Europa, pros Estados Unidos, eu fui em outras escolas de hotelaria, acho que eu conheci umas dez escolas de hotelaria, nós só não somos primeiro mundo porque o país não é primeiro mundo, mas eu acho que em termos de tecnologia, de recursos humanos, de condições físicas, nós não deixamos nada a desejar para as outras escolas de hotelaria. Nós temos um problema sério de recursos humanos, formar um professor de hotelaria no Brasil a nível do que forma na Europa demora muito tempo, até por causa da característica do brasileiro. Enfim, eu acho que nós fizemos um trabalho muito sério e eu fico muito grato de poder ter participado desse trabalho, desse depoimento, porque é uma história que marcou a minha vida, eu recebi muito do Senac, eu dei muito ao Senac, então eu me sinto gratificado, agradeço às pessoas que me aprovaram pra fazer esse depoimento.
P/1 - A gente é que agradece.Recolher