Senac 50 Anos
Depoimento de Alpínolo Lopes Casali
Entrevistado por Roney Cytrynowicz e Cláudia Leonor Oliveira
São Paulo, 12/07/1995
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº SENAC_HV008
Transcrito por Rosália Maria Nunes Henriques
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Professor Alp...Continuar leitura
Senac 50 Anos
Depoimento de Alpínolo Lopes Casali
Entrevistado por Roney Cytrynowicz e Cláudia Leonor Oliveira
São Paulo, 12/07/1995
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº SENAC_HV008
Transcrito por Rosália Maria Nunes Henriques
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Professor Alpínolo, o senhor poderia inicialmente dizer seu nome, data e local de nascimento?
R - Eu devo estar sendo interrogado a respeito dos primeiros dias do SENAC em São Paulo. Sou uma das pessoas que viveram os primeiros dias no nosso SENAC. Segundo informações obtidas por amigos ou pela leitura dos jornais, todos os companheiros da primeira hora já foram convocadas por Deus, Nosso Senhor, de maneira que eu sou o único vivo na terra. Elevo meu pensamento a Deus, pedindo que ele tenha dado repouso eterno a todos eles, fazendo com que a luz perpétua continue a brilhar sobre suas almas. Então peço que repita a pergunta agora.
P/1 - O senhor poderia dizer o seu nome completo, onde e em que data o senhor nasceu?
R - Meu nome completo é Alpínolo Lopes Casali. Eu nasci no dia nove de maio de 1910, filho de Alexandre Casali, italiano, e de Rosalina Lopes Casali, portuguesa.
P/1 - Em que local o senhor nasceu, professor?
R - Eu nasci numa fazenda localizada no município de Ribeirão Preto, próximo ao município de Sertãozinho. Todavia, como a família de minha mãe morava em Sertãozinho, houve um pedido unânime que o registro do meu nascimento fosse feito em Sertãozinho e não em Ribeirão Preto, dee maneira que oficialmente o meu registro de nascimento é de Sertãozinho, [em] nove de maio de 1910.
P/1 - Professor Alpínolo, qual era a atividade de seu pai?
R - Bom, o meu pai aqui no Brasil… Meu pai, vindo para o Brasil no fim do século a primeira vez e voltando no começo do século, ele... Houve uma fase em que ele trabalhou como uma espécie de guarda-livros e depois, atendendo talvez a um desejo próprio de sua inteligência e da sua noção de capacidade, resolveu ser administrador de fazendas, de empresas - uma empresa em Olímpia que estava sendo construída pra produzir açúcar. Meu pai foi um homem que trabalhou em fazendas de café ou então em fazendas ou usinas de açúcar.
Posteriormente, mudando-se para Olímpia, associado com um amigo e patrício também, italiano, foi diretor de uma empresa com uma máquina de beneficiar café e beneficiar arroz. Porquanto Olímpia se tornou poucos anos após o seu aparecimento numa expressão empresarial, tornou um grande centro de plantio e de cultura de café e de arroz. Papai era o diretor dessas duas empresas na parte técnica, com seus auxiliares técnicos, e de resto a sua inteligência, a sua habilidade.
P/1 - Professor Alpínolo, que lembranças que o senhor tem da casa do seu pai?
R - Uma lembrança de pais que viviam como marido e mulher com muita paz, muita harmonia, muito amor recíproco em razão do que puderam oferecer aos seus filhos. Um lar tranquilo, generoso, bondoso, cheio de alegrias e prazeres próprios de meninos, depois de adolescentes.
Papai foi um grande homem. Trabalhou muito, mamãe também. Eu me recordo uma passagem de meu pai com o vencer dos anos, talvez ainda em 10, ou talvez anos 20. Conversando com um amigo ele dizia: "Olha, fulano, até hoje eu ainda não assinei uma duplicata, eu ganho o meu dinheiro e pago as minhas dívidas em dinheiro, compro as coisas e não fico devendo. Eu pago, não assinei uma duplicata sequer." O que revela que era um homem realmente de uma pontualidade ética muito grande.
P/1 - E onde o senhor estudou, Professor?
R - Bom, eu comecei a estudar quando os meus pais moravam na Fazenda São Miguel, onde se plantava e colhia cana de açúcar e ao lado [havia] a Usina Albertina, que meu pai ajudou a construir, onde se fabricava o açúcar. Chegando a hora própria de eu me alfabetizar, meu pai descobriu que à distância havia, na Fazenda Vassoural, uma boa escola primária. E que mais perto da São Miguel e da Usina Albertina havia uma fazenda também onde dois jovens, ou duas crianças mais ou menos da minha idade iam a essa escola na Fazenda Vassoural, então papai entendeu-se com o pai desses dois colegas.
Eu saía, almoçava às dez horas, montava a cavalo e ia até essa fazenda, que se chamava Recreio. Encontrava já os meus coleguinhas prontos pra irmos a Vassoural num carrinho, que era uma carroça alta, duas rodas só e um animal. Andava mais trinta ou quarenta minutos, chegava em Vassoural, assistíamos às aulas e às cinco, cinco e meia voltávamos com chuva, com sol. Deixava os meus colegas na fazenda deles, arriava o meu cavalinho, andava mais trinta a quarenta minutos com sol, chuva, escuridão até a minha casa. Aí eu levava uma vida doméstica com meus pais e já com meus irmãos.
P/1 - O senhor ajudava no trabalho da fazenda?
R - Não. Eu era um... Devia ter dez ou doze anos. Provavelmente iniciei com menos anos, mas via meu pai trabalhar, minha mãe trabalhar, tínhamos... mamãe tinha uma auxiliar nissei, japonesa, muito interessante. E gostava muito de ler jornal, o meu pai já assinava o "Fanfulla" e "O Estado de S. Paulo". Depois até papai passou a suspender o "Fanfulla", que era em italiano para a colônia italiana e passou a ler também "O Estado de S. Paulo", razão pela qual começou a falar melhor o português. (risos)
P/1 - Professor Alpínolo, onde o senhor concluiu o colégio depois?
R - Ah, bom, depois o meu pai foi convidado por Jeremias Lunardelli, sob a alegação que no futuro lhe proporcionaria vantagens… Aí eu devo dizer o seguinte: papai, quando estava na Fazenda São Miguel e na Usina Albertina, ele era empregado. Depois, eu não sei se já me perguntaram ou se eu já disse, papai e um amigo, Brasílio Pedrini, compraram uma máquina de beneficiar café e beneficiar arroz.
Já morávamos em Olímpia, eu já frequentava o grupo escolar de Olímpia. Foi aí que Jeremias Lunardelli botou na cabeça de meu pai que ele e o Brasílio deviam vender a máquina de beneficiar café e arroz, tomar conta de uma fazenda chamada Pau D’Alho e no momento oportuno ele indicaria uma fazenda pra meu pai comprar na região onde o meu avô já possuía a sua fazenda - isto é, a Noroeste, até falava em Lins, Araçatuba. Mais tarde, muitos anos mais tarde ele indicou a meu pai uma fazenda além de Araçatuba e meu papai acabou comprando. Eu, já como advogado, percebi que a fazenda fazia parte de um imóvel objeto de uma divisão judicial. E entrei com advogado afim de que o título de meu pai fosse reconhecido pelo avaliador e pelo juiz na área correspondente a que meu pai tinha o café e o mato, e os campos.
Fui estudar em Campinas, matriculei-me no Ginásio Diocesano Santa Maria, fiz ali o primeiro... Eu entrei, acho que em 24 ou 25. Eu sei o que fiz, fui aluno externo em Campinas. Eu estudava no Diocesano e descobri que lá havia uma escola comercial e até com uma vantagem: era uma escola reconhecida pelo Governo Federal - o ensino comercial, na época, era livre. Então eu estudava no Diocesano e à noite estudava nessa escola comercial que era reconhecida pelo governo, e que era de propriedade da Diocese. Depois eu deixei Campinas e fui para Jaboticabal. Em Jaboticabal eu fiquei dois anos, fiquei 29... 28 e 29. Eu lá completei os meus estudos na área secundária. Depois então é que eu vim pra São Paulo fazer o vestibular na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, como realmente fiz. O meu desejo era que oportunamente eu pudesse vir a fazer um concurso para magistrado e me aposentar posteriormente como magistrado. Mas na minha vida apareceram três "C". E esses três "C" me forçaram a me dedicar ao ensino e a advocacia.
P/1 - Quais foram os três "C"?
R - Três "C". O primeiro "C" foi... eu não sei se devo contar, não tem nada a ver. Imediatamente não tem nada a ver com o SENAC; mediatamente tem, mas imediatamente não tem.
Como o ensino comercial era livre, no governo Getúlio Vargas um ministro da Educação resolveu torná-lo oficial, à semelhança do que acontecia com o ensino secundário. E Francisco de Campos era o ministro da Educação, foi o autor do famoso decreto federal, estabelecendo regime de licença e fiscalização para o funcionamento do ensino comercial.
O ministro da Educação de então, Washington Pires, telefonou ao governador de São Paulo, cujo secretário foi indicação de Osvaldo Aranha. Era o doutor Ataliba Nogueira, meu amigo, meu conhecido, pedindo a indicação de um jovem, de uma pessoa jovem que pudesse implantar o decreto federal estabelecendo a oficialização do ensino comercial. Prosa vai, prosa vem: "Não quero, não posso." "Mas pode, deve." Vêm os amigos, vêm os colegas de turma: "Aceite, se você não aceitar poderá ser que um cidadão que combateu contra São Paulo aceite o cargo. Aceite você, você esteve conosco."
Tomei posse no último dia. Fui em virtude de influência de amigos, inclusive de um professor meu da Faculdade de Direito e do professor diretor da Faculdade e da Escola Álvares Penteado. Aí me tornei funcionário público.
P/1 - Professor Alpínolo, quantas escolas comerciais existiam em São Paulo na época?
R - Bom, na época na verdade só existia a de Campinas, oficializada já, e uma que se transformou em Álvares Penteado, então legalmente só existiam duas. Com a minha presença é que as escolas foram aparecendo, pedindo reconhecimento e o número então multiplicou-se de uma forma realmente surpreendente. Eu, como coordenador da inspeção e as escolas, com inspetores de uma, duas ou três escolas na capital. No interior, também inspetores, geralmente com uma escola só porque as cidades eram distantes uma da outra como Ribeirão Preto, Araçatuba, Campinas, Sorocaba, Taubaté. Eu indicava nomes ou a Superintendência do Ensino Comercial já tinha nomes.
Eu coordenava todo esse serviço e eu, como apenas tinha uma formação jurídica ainda inacabada e uma formação de contador, achei que deveria me munir de conhecimentos na área de Educação. Havia a Faculdade de Filosofia mantida pelo Colégio São Bento, ligada a uma universidade da Bélgica; me matriculei nessa faculdade. E pedi aos professores Alexandre Corrêa Fanaker ou Frei Norberto que me ajudassem na medida do possível, para que me tornasse um funcionário cuidando do ensino comercial, mas também com conhecimentos suficientes de Pedagogia, de Didática, de Psicologia e de Administração Escolar, afim de que eu pudesse realmente ser útil ao ensino, aos diretores, aos professores e aos alunos.
Tive uma idéia extraordinária: eu pedi ao diretor do ensino [comercial] - já não era o primeiro, era o segundo, Lafaiete Belfort Garcia, que reunisse todos, a mim e os meus colegas de outros Estados no Rio de Janeiro e nos submetesse a uma semana ou quinze dias de cursos intensivos para que nós pudéssemos exercer a nossa função com conhecimento de causa. Fomos pro Rio de Janeiro e ficamos quinze dias lá. Aula de manhã, aula à tarde, às vezes aula à noite. Recebendo aula de Pedagogia, de Didática, de Psicologia, de Administração etc. Voltamos para os nossos Estados com conhecimento bem apreciável a respeito das ciências e das técnicas da educação.
P/1 - Professor Alpínolo, esses cursos comerciais formavam exclusivamente contadores ou eles formavam também outras profissões?
R - Não. Na primeira fase, de acordo com a lei, as escolas de comércio ou escolas técnicas de ensino comercial formavam técnicos em contabilidade. Aconteceu que nessa época ainda não havia um departamento superior para cuidar do ensino superior de comércio: contador, administrador. Como, por exemplo, Álvares Penteado, que abriu, instalou logo um curso para contador universitário e administrador de grau universitário.
Enquanto o ministério não criou também uma secretaria para cuidar do ensino superior comercial, o ensino superior comercial do Estado ficou também submetido, subordinado à ação do coordenador do serviço de inspeção, ou seja, eu. Eu até me dei muito bem com Álvares Penteado; modestamente, fui lá, conversei com o diretor, com os professores. Muito deles reconheceram que precisavam também estudar um pouco e devo dizer que eu iniciei também uma série de cursos para os inspetores, para os professores, para os diretores.
Aproveito pra dizer que eu então, conhecendo os técnicos do SENAC, eu os convidei para que eles ministrassem cursos ou então proferissem palestras, e foi o que aconteceu. A tal ponto que num determinado momento eu pedi a aprovação do meu chefe no Rio de Janeiro e tornei obrigatória a frequência de um curso quando o professor era de disciplinas profissionalizantes. Porque geralmente o professor de Português, Matemática vinha da Escola Normal ou então de um colégio, de uma faculdade. Os que ensinavam Contabilidade, Direito Comercial, matérias próprias do ensino comercial, esses não tinham escolas, então eu consegui a aprovação da Sociedade Mackenzie, que mantinha a Universidade Mackenzie, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Mackenzie e uma Escola Técnica de Comércio Mackenzie. Obtive a colaboração deles, da sociedade, da faculdade e da escola em manter um curso de formação para professores de disciplinas profissionalizantes. Então, pra ser professor de contabilidade deveria frequentar essa escola pra aprender Pedagogia, Didática etc. De maneira que foi.
Foi até uma correria porque os professores próprios queriam valorizar-se, então frequentavam esses cursos para terem esse pequeno diploma. O diretor desse meu curso foi o professor Rafael Grisi, que era professor da Faculdade de Filosofia no Mackenzie. Foi uma grande satisfação minha e um orgulho meu.
P/1 - Professor Alpínolo, até que ano o senhor manteve essa função no ensino comercial do Estado?
R - Bom, eu me aposentei no ensino comercial com... De acordo com a lei se aposenta com trinta anos de serviço; eu me aposentei com 36 anos de serviço. Eu me aposentei porque o Lafaiete Belfort Garcia se tornou muito meu amigo, então dizia: "Espera um pouco mais." E aconteceu um coisa também terrível pra mim porque depois eu fui também envolvido pelo SENAC.
P/1 - Justamente o que eu queria saber.
R - Depois fui envolvido pelo Conselho Estadual de Educação. E devo dizer que eu me entusiasmei muito com a educação, estudei muito.
Quando estava na iminência de ser impedido pra fazer concurso de magistrado eu dei notícia ao meu chefe, Lafaiete Belfort Garcia: "Lafaiete, eu vou fazer concurso pra magistratura. Estou me preparando, de maneira que você vá também se preparando pra colocar alguém no meu lugar se eu for, se eu vier a ser aprovado." Pois bem. De repente, recebi uma visita do Lafaiete acompanhado de dois colegas fazendo um apelo que eu não saísse, que não deixasse o ensino comercial, que eu ficasse. E até tenho um documento, não sei se está aqui na minha pasta ou não, em que ele faz por escrito um apelo caloroso que eu continuasse no ensino, deixasse a magistratura como sonho não realizado.
Diante de uma viagem do Rio de Janeiro, Lafaiete e mais dois colegas, insistindo, falando, me dando o documento, que eu tenho até num quadro, eu desisti da magistratura e me dediquei exclusivamente ao ensino. Razão pela qual eu fiquei no Conselho Estadual de Educação de 63 - sou um fundador - , até julho de 86. Tanto assim é que quando o conselho comemorou o seu 30º [aniversário], houve uma solenidade muita bonita e eu recebi uma placa de prata. Não sei se está aqui.
P/1 - Está aqui atrás, a gente já pega.
R - Não sei se está aqui ou se ficou lá.
P/1 - Ficou aqui atrás.
R - Acho que ficou lá.
P/1 - Ficou, a gente já pega. Professor Alpínolo, o senhor poderia contar como se deu a fundação do SENAC?
R - Bom. O SENAC, eu tenho aqui algum documento. Foi o primeiro "C".
Eu estava com o meu ensino comercial, que me dava muito tempo pra ser advogado. 90% das escolas mantinham curso noturno, 10% curso diurno, de maneira que eu trabalhava mais à noite e menos durante o dia. Durante o dia era uma parte mais de ler relatórios ou enviar relatórios, me preparar para ser melhor funcionário, e à noite é que eu visitava escolas. Mesmo os cursos pra professor, diretor e inspetor eram dados à noite. De dia eles também trabalhavam, eram comerciários ou bancários ou advogados, alguns médicos, de maneira que os cursos deveriam ser feitos à noite.
Eu trouxe muita gente boa do Rio de Janeiro pra ministrar esses cursos em São Paulo ou então pedia colaboração de amigos meus da universidade pra ministrar cursos aos diretores, professores e inspetores.
Estava quietinho no meu escritório quando recebo um telefonema. "É o Professor Casali?" "É." "Um momento, que o doutor Ataliba vai falar com o senhor."
Não sei se já contei aqui. Em consequência da Revolução, São Paulo passou a ser administrado por interventores indicados pelo governo do Rio de Janeiro. E havia em São Paulo um interventor muito amigo dos paulistas; tão amigo era que quando precisou escolher um secretário-geral, ele telefonou ao Oswaldo Aranha. O Oswaldo Aranha, não tendo elementos pra decidir, telefonou ao seu primo, Alfredo Egydio de Souza Aranha, em cujo escritório eu fiz o meu estágio de advogado, para que indicasse o secretário-geral pra servir pro interventor. E o Oswaldo Aranha indicou o doutor Ataliba Nogueira, como eu disse.
O doutor Ataliba Nogueira era promotor da 4ª Vara Criminal de São Paulo. E ele... Eu me tornei conhecido porque ele era de Campinas. Quando ele foi nomeado para a 4ª Vara Criminal como promotor, foi muito recepcionado em Campinas, inclusive colégios o cumprimentaram. Quando foi visitar o Diocesano, quem o saudou fui eu, de maneira que quando cheguei em São Paulo, em 30, logo procurei o doutor Ataliba e me tornei amigo dele. Ele me telefonou dizendo: "Olha, eu vou... O interventor me pede que eu faça uma indicação de alguém que implante o decreto que cria o ensino comercial."
Você me falou sobre o SENAC, então volto atrás.
Foi assim. Eu já estava no ensino comercial, foi o primeiro "C", o segundo foi o SENAC. Eu estou trabalhando quando recebo um telefonema: "É o Professor Alpínolo Casali que está falando?" "É." "Com licença, que daqui a pouquinho o Professor Lafaiete Belfort Garcia vai falar com o senhor." Lafaiete Belfort Garcia era o diretor do ensino comercial no Brasil. "Ô, Casali, como vai você? Olha, de acordo com a lei tal, número tal, o governo precisa… O Ministério da Educação precisa ter um representante no Conselho Regional do SENAC nos Estados e o ministro Souza Campos pediu que eu indicasse uma pessoa de sua confiança para representar o ministério no Conselho Regional do SENAC. Eu me lembrei de você e não vai dizer não ao Diretor Doutor Brasílio. Por sinal eu tenho lá um primo, o Francisco Garcia Bastos é meu primo. Aceite e colabore com o trabalho como você aceitou ser funcionário do ministério. Aceite esse trabalho, ajude esse pessoal do SENAC."
Eu aceitei. Aceitei e tomei posse, foi meu....
P/1 - Professor Casali, só uma pergunta anterior.
R - Eu fui nomeado no dia, por portaria de primeiro de julho de 46 e me apresentei ao SENAC na segunda reunião do SENAC, realizada no mês de julho mesmo. Não me lembro a data, mas no mês de julho. Me apresentei ao doutor Brasílio Machado. Lá eu encontrei o Francisco Garcia Bastos e encontrei também um cidadão que, tendo sido aluno da Álvares Penteado conhecia minha atividade na área do ensino comercial.
P/1 - Professor Casali, o que motivou a criação do SENAC se já existiam outras escolas comerciais regularizadas em São Paulo? O senhor contou que já existiam outras escolas comerciais em São Paulo, então o que era diferente do SENAC em relação às outras?
R - Ah, sim. Eu não sei se os comerciantes hoje têm ideia da origem de uma reunião dos comerciantes de São Paulo, do Rio, de todos os Estados, em Araxá, Minas Gerais. Os comerciantes chegaram, após uma semana ou duas de reuniões, a várias conclusões. E uma das conclusões foi no sentido de pedir ao governo que criasse um serviço obrigatório de aprendizagem comercial, como já existia de aprendizagem industrial, afim de que os comerciantes tivessem mais possibilidade da constituição de um corpo de funcionários mais competentes, mais capazes, mais operantes. Surgiu então uma lei federal criando o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC.
Evidentemente, a escola de comércio não podia ensinar o que os comerciantes desejavam, porque a escola de comércio formava só o contador. Numa casa comercial, além do contador, o comerciante precisava de outras atividades, aliás, de outras pessoas com outros conhecimentos. Assim aconteceu e esse relatório, a que eu me referi antes de entrar pra cá explica sobejamente todas as razões, arrola todas as razões que justificavam a instalação dos cursos do SENAC.
P/1 - Professor Alpínolo, na carta de Araxá se fala também em combate ao pauperismo.
R - É.
P/1 - Havia também objetivos, vamos dizer, sociais ou políticos que motivaram a criação do SENAC?
R - Eu acredito que não. Acredito que em relação ao SENAC os comerciantes viram apenas a necessidade de ter empregados habilitados a produzir o seu trabalho com mais eficiência, em benefício da empresa e deles próprios, e como incentivo para que continuassem a estudar, numa escola de comércio ou [em] escolas industriais ou indo pra uma universidade. Então o SENAC passou a ser um fornecedor de pessoas experientes para o comércio e pessoas interessadas em continuar cursos de outros estilos, outras missões.
É o que aconteceu. Muitos empregadinhos, vendo o seu curso e a sua possibilidade de entrar num curso técnico de ensino comercial, logo puderam então ficar só a serviço do comércio. E esse relatório que o João Pacheco Chaves mandou compor é muito interessante, porque menciona as disciplinas dos três cursos que existiam. O curso era... Agora não me recordo mais de memória, mas eram três cursos. Os três cursos atingiam a objetivos específicos dos comerciantes em virtude das matérias existentes. Eu tinha aqui, mas eu acho que deixei lá.
Outra coisa também que eu posso dizer aos senhores. Os próprios comerciantes se interessaram mais por uma realidade até então desconhecida: a necessidade de ser também um meio de progresso não só material, mas progresso também cultural do país, porque os próprios comerciantes passaram a estudar. Tornaram-se pesquisadores dos problemas econômicos do país, os problemas sociais do país enquanto deputados, senadores, vereadores. Não saíram exatamente em virtude do que aprenderam, do que souberam na sua vida, como no SENAC.
P/1 - Professor Alpínolo, o senhor lembra exatamente quando começou a funcionar o primeiro curso do SENAC?
R - Lembro.
P/1 - A primeira escola?
R - Lembro. Eu acho [que] o primeiro curso acho ainda… Eu disse à Terezinha que trouxesse o relatório do meu amigo, o falecido Bastião Chaves. Eu disse: "Põe a tala, Terezinha." De vez em quando me perguntam eu pego a tala e vejo. Mas eu acho que eu tenho aqui um ofício do que aconteceu.
Havia uma rivalidade sadia entre os diretores da Confederação Nacional de Comércio do Rio e das Federações dos Estados, e tal fosse o Estado essa rivalidade era maior: Rio-São Paulo, Rio-Minas, Rio-Rio Grande do Sul, Rio e talvez Pernambuco. Ficamos sabendo que o Rio iria dar início às aulas com as suas escolas já preparadas na primeira quinzena de março de 1947 e foi aí que o doutor Brasílio Machado Neto me procurou e me disse: "O Garcia Bastos, de acordo a sua declaração - está lá, eu tenho aqui -, vai ficar no cargo a título provisório sem remuneração, mas também sem obrigação de permanência."
Eu devo lhe dizer uma coisa muito importante. Logo que cheguei a frequentar as reuniões do SENAC, sendo que na segunda ou na terceira o Garcia Bastos foi nomeado diretor geral, falei com o doutor Garcia Bastos, com o doutor Brasílio e com outros colegas que deveríamos imediatamente pensar numa sede. Então foi gozado, nós nos reunimos na Associação Comercial - Viaduto Boa Vista. Até eu dei a ideia: "Vamos encontrar um prédio que fique na Florêncio de Abreu e perto da casa comercial do Chico Bastos, que aceitou o cargo de diretor." Eu me recordo que o prédio foi escolhido por um rapaz que eu havia indicado para trabalhar no SENAC, o Gontran Calmon, e mais um funcionário da casa comercial do Francisco Garcia Bastos. Eles alugaram um andar e uma parte, parece que foi o 11º e um salão no décimo. No 11º funcionava os departamentos do SENAC e no décimo era a sala de reunião do conselho. Ficava próximo ao Viaduto Maria Paula, pertinho pro Chico Bastos vir até o conselho e sair.
Então você me perguntou...
P/1 - Sobre a implantação do primeiro curso.
R - É. Então surgiu lá essa ideia. Eu mostrei que seria facílimo. Eu poderia fazer facilmente alguma coisa útil, porque tendo as escolas de comércio ali à disposição eu podia ir aos meus amigos, conhecidos e ou não conhecidos e dizer: "Como o seu curso só funciona à noite o senhor concordaria em alugar as suas instalações escolares para uma escola SENAC, como uma circunstância? Para o senhor ter garantia de que nada iria perecer, nada iria sofrer danos, vou propor que o SENAC admita a presença de um elemento da escola: ou o senhor Diretor ou um professor ocupando posto de Diretor Administrativo. Ele cuidará das máquinas de escrever, das carteiras, das instalações sanitárias, das lousas." E eles concordaram. Concordaram e até tem uma relação aqui das escolas que... Foi pena que a Terezinha não tenha posto uma talazinha no relatório do Pacheco Chaves porque as escolas de ensino comercial tinham o seu nome, mas como escola do SENAC também tinham o seu nome. Eu não me recordo de todos os nomes, mas, por exemplo, eu indiquei a Escola Técnica de Comércio Clemente Ferraz, na Rua Florêncio de Abreu, que ficava pertinho do...
P/1 - Essa foi a primeira a funcionar?
R - Não. Ficava pertinho da instalação do Conselho, do departamento. A outra, Escola Técnica de Comércio Pedro II, na Líbero Badaró; uma outra, Escola Técnica de Comércio Bernardo Reis da Silva, na Rua da Liberdade; uma outra, Escola Técnica de Comércio Carvalho Mendonça, na Avenida Rangel Pestana. Locais onde o número de ônibus, o número de condução era enorme, então os alunos podiam vir, podiam sair com facilidade.
O SENAC deu para os seus cursos nomes de grandes vultos, ou como empregados ou como empregadores. Eu me recordo que na Líbero Badaró o nome era de um líder, era empregado, não-sei-quê Nunes. Eu conheço a história dele. Eu é que pedi, não me esqueço, não me lembro o nome dele, mas era um líder dos empregados do comércio e nós demos o nome de José Nunes, qualquer coisa assim para a escola da Líbero Badaró.
O mais interessante é que, a pedido do doutor Brasílio e a pedido do Chico Bastos e com a anuência de todos os membros do conselho do SENAC, eu dei a relação de todos os funcionários, ou melhor, de todos os educadores ou técnicos que deveriam ser contratados. Isso foi um grande orgulho pra mim, todo aquele pessoal que eu falei: o Chico Bastos, o Walther Barioni foi o primeiro. O Barioni levou Antônio D’Ávila, o Ávila levou eu e assim sucessivamente. Levei um velho amigo meu, o Sálvio. Ele não pôde ficar, então eu indiquei outro, um baianinho muito inteligente. Para a escola de Santos eu indiquei o Mamante Torres, que havia deixado o lugar dele em Agudos. Ele ficou de plantão lá, a espera de ser chamado, então eu conversava com ele. Verifiquei que era um rapaz ativo, estudioso, inteligente e indiquei, o Chico Bastos e o doutor Brasílio Machado concordaram e o Conselho também concordaram, os Conselheiros concordaram. Então foi uma satisfação. Até mesmo a constituição do Conselho também passou pela minhas mãos.
P/1 - Quem eram os Conselheiros, eram pessoas representativas?
R - Muito.
P/1 - Mas de que...
R - Muito, muito. Todos eles vinham, vamos dizer, de frações do comércio poderosíssimo. Havia um, por exemplo… Eu não me lembro mais o nome dele. Ah, eu tenho o nome dele aqui. Ele tinha uma casa comercial que era rival do Mappin. Veja bem aqui, era o Luciano Vasconcelos de Carvalho. A casa comercial dele estava instalada naquele prédio da esquina da São Bento com frente para a Praça Patriarca, com relógio. Tanto assim que quando eu passo na São Bento, sem querer eu olho pra cima, à procura do relógio na casa do Luciano.
Um outro também muito competente era o Oscar Machado. Esse tinha uma casa de ferragens também na rua do Conselho e ele tinha a vantagem de ter feito o curso de administração na Álvares Penteado. Tinha o Alexandre Refinetti também, o João Di Pietro. O João Di Pietro é um nome que não deve ser esquecido porque foi ele que decidiu a compra do prédio na [Rua] Galvão Bueno. Chegamos à conclusão que, muito embora os núcleos-escola funcionassem bem em escolas comerciais, se porventura o SENAC tivesse um prédio e lá instalasse as suas escolas seria melhor.
E eu conhecia... Há cinquenta anos não se pode guardar tudo; por mais que a gente tenha memória, não se pode guardar todos os nomes. Mas havia uma escola nessa rua onde havia uma divergência entre os sócios e eu me dava com os dois deles. Um dia eu perguntei: "Me diz uma coisa. Se o SENAC quiser comprar esse prédio, vocês venderiam? Assim vocês receberiam o dinheiro, repartiriam entre vocês, cada qual iria fazer o que bem entendesse com o dinheiro e terminaria essa situação de conflito entre vocês."
O doutor Brasílio concordou - aliás, o Di Pietro concordou, todos concordaram e foi comprado então o prédio na... Até o Di Pietro dizia: "Vamos aproveitar a ausência do doutor Brasílio e vamos botar o nome de doutor Brasílio." Quando ele chegou, ele botou a mão: "O que é isso? Eu disse que eu não queria o meu nome!" O senhor não queria, mas nós quisemos, acabou. E foi assim que nasceu. Então as escolas, os cursos passaram a funcionar no grande prédio da [Rua] Galvão Bueno, grande prédio.
P/1 - Quais eram os cursos mais procurados no início?
R - Todos. A quantidade de funcionários no comércio era tão grande que havia aluno para todo e qualquer curso que o SENAC pensasse. Até devo dizer que… Onde está? Aqui.
Veja bem, na Universidade do Ar tinha aulas para todo tipo de funcionário. Então, o que acontecia? Os técnicos frequentavam os estabelecimentos comerciais, conversavam com os proprietários, os diretores, os gerentes, subgerentes e daí então surgiram os currículos, adaptados realmente ao objetivo do curso em relação à pessoa humana do empregado e à pessoa do trabalhador, ou à pessoa do...
P/1 - A Universidade do Ar surgiu em que ano, Professor Casali?
R - Bom. A Universidade do Ar, eu não gosto. É por isso que eu não devia falar aqui.
P/1 - Então deixa eu perguntar de novo?
R - Veja bem. É pena que gostaria de ter alguém que pudesse dizer: "O Casali está certo” ou “Não é bem assim, Casali."
Veja uma coisa, eu passava com frequência pela Rua XV de Novembro porque ali havia uns cidadãos que vendiam livros novos e usados, mais livros usados. E como eu estudava na faculdade e quando... Eu já era formado na faculdade, mas estudava na Faculdade de Filosofia, então eu tinha interesse de comprar livros.
Pois é. Num dia eu chego lá, pego um livro: "O que o rádio pode fazer pela educação" [era] o título, mais ou menos. "Quanto custa?"
"Doutor Brasílio, olha, eu encontrei esse livro que diz: o rádio a serviço da educação." "Ah, que bom, deixa eu ler." O diretor do SENAC, se não me engano, já era o Gontran ou o Pacheco Chaves. Houve então uma reunião, [disseram] “bela ideia”, e eu tive uma sorte incrível, inacreditável: encontrei uma amiga que havia estudado exatamente o problema, a influência do rádio na divulgação da cultura popular. Doutor Brasílio se entusiasmou, todos se entusiasmaram: "Vamos fazer." E fizemos.
Eu disse ontem à Tereza que fiquei com vontade de dar umas palmadas na menina. Eu sou viúvo, minha mulher infelizmente morreu no dia vinte de janeiro do ano passado. Essa menina já estava com a minha mulher há oito anos, ela continua comigo e até devo dizer que quando eu entrei... Em outubro de 93 fui para o Hospital do Coração.
Uma das filhas queria contratar uma empregada pra ficar dormindo em casa e fazendo companhia à minha mulher dia e noite, porque
ngela já estava casada e saía às cinco horas ia pra casa dela, mas a minha mulher não concordou, disse: "Não eu quero ficar com a
ngela.
ngela está conosco a oito anos, é quase como filha." Uma menina preciosa, de uma honestidade ímpar, não teve ideia de ter tirado um objeto sequer, entre aquelas centenas e centenas de objetos ricos e finos e bonitos que a minha mulher comprava e punha. Mas tem uma mania de limpeza, e ela infelizmente consumiu uns recortes de jornais. É uma pena, porque eu poderia até mostrar o jornal para dar essa resposta para você.
O doutor Brasílio disse: "Vamos fazer o seguinte: como é uma universidade..." A princípio era só Curso Comercial Radiofônico. Era a Estação de Rádio Difusora e a emissora também, Televisão Difusora. "Agora muita gente vai ouvir por curiosidade ou por interesse pra aprender e nós precisamos fazer, dar também, irradiar aulas, transmitir aulas que sejam realmente aulas dignas de serem divulgadas pelo rádio." O Conselho contratou pessoas especializadas pra escrever as lições. Eu até vou... Pena eu não ter trazido aqui o relatório do Pacheco Chaves, porque quem escreveu, por exemplo, Noções de Economia e de Comércio foi um professor catedrático da Faculdade de Direito, que era membro do Conselho Consultivo da Associação Comercial, chegou até a ser Ministro de Educação. Noções de economia e de comércio, lindas lições.
Quem escreveu Sociologia foi também um rapaz inteligentíssimo, foi o Roland Corbisier, infelizmente depois se tornou comunista. Eu não sei se agora, depois da queda do muro de Berlim ele voltou atrás, ele e a irmã que morreu há uns três ou quatro anos.
Todos os que ouviram ou que leram as lições do primeiro curso radiofônico, todos eles, deram nota dez às lições. Então, o que aconteceu? Não sei se foi o Breno Di Grado; eu sei que foi um funcionário, querendo valorizar o Curso Comercial Radiofônico, disse: "Isso é uma universidade, uma Universidade do Ar. O teor das lições, o valor das lições que vão para o ar, isso é uma universidade." Então ficou Universidade. Então [foi] o Curso Comercial Radiofônico e depois - Universidade do Ar. A primeira foi em primeiro de novembro de 1947 a abril de 48.
P/1 - Esse era o tempo que demorava um curso?
R - E a segunda foi de agosto a novembro de 48. E em uma delas compareceu o autor daquele livro que eu encontrei na Rua XV de Novembro e me deu total prazer.
P/1 - Professor Casali, a Universidade do Ar foi a primeira experiência no país de ensino via rádio?
R - Foi. Ou pelo menos com a extensão que o Conselho do SENAC deu.
Eu não tenho ideia, não tenho conhecimento da existência de cursos radiofônicos com a extensão, com a profundidade que o SENAC deu ao seu curso, não creio. Eu sei que os jornais elogiavam muito o nosso curso e o conteúdo das lições. Eu mesmo, [me diziam] às vezes: “Quantas vezes, como membro do Conselho Estadual da Educação, eu não me socorri das lições sobre Sociologia, ou então sobre um aspecto mais simples? Foi formidável essa ideia sua, formidável.”
Houve também, por assim dizer, uma preocupação dos comerciantes, de um modo geral ou pelo menos de uma classe de comerciantes também, em se esmerar na sua cultura. Depois, eu não sei também se vocês sabem, havia uma reunião no Conselho Nacional do SENAC, os Presidentes iam pra lá e membros do Conselho também iam. Então os Conselheiros estudavam, se preparavam porque na hora do debate ou eles ficariam de boca calada ou então falariam. E falando, eles poderiam receber palmas ou apoio ou vaias, “de acordo”, “concordo”. "O que o senhor tem a dizer disso? Faça um argumento, o que o senhor responde?" O doutor Brasílio me levava. Toda vez que houve essa... Eu fui com o doutor Brasílio e toda vez ele me distinguia me levando, porque na hora muitas vezes ele não sabia responder, não podia responder, então ele falava: "Dou a palavra ao meu colega, Professor Casali." E tinha o gauchinho, tinha um gaúcho que era tremendo também em discutir, em se contrapor, ou então em contar vantagem do Rio Grande do Sul.
P/1 - Professor Casali, quantos anos o senhor ficou no Conselho do SENAC em São Paulo?
R - Eu fiquei até... Deixa me ver se eu sei. Eu fiquei...
P/1 - 53 ou 54?
R - Não. Eu tenho aqui.
Eu achei, ou melhor, eu entendi que deveria cuidar do meu ensino comercial, porque o ensino comercial progrediu de uma forma extraordinária em São Paulo e no interior, razão pela qual eu pedi ao Lafaiete que criasse um coordenador com sede em São Paulo, mas também coordenadores regionais. Cresceu muito e não houve um crescimento de cultura com relação a diretores, inspetores e mesmo também em professores. Então eu achei, combinei com o Lafaiete: "Eu deixo, eu vou pedir a minha dispensa no SENAC e vou me dedicar ao ensino." Tanto assim é que, não sei se sabem, houve um acordo entre a diretoria do ensino comercial e o SENAC na constituição de um órgão, cuja sigla é Cadec, afim de que os grandes professores do SENAC e professores contratados pela diretoria de Ensino Comercial ministrassem cursos a diretores do ensino comercial, a professores do ensino comercial e a inspetores do ensino comercial. Foi uma beleza o Cadec, depois o Sadec. Então eu saí.
P/1 - Não entendi porque...
R - Portaria 597 de 28 de agosto, dispensa pedido de representante junto ao Conselho Regional do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Estado de São Paulo, Alpínolo Casali. Aí eu saí.
P/1 - O senhor saiu para se dedicar ao ensino comercial de forma geral então?
R - Sim, exatamente. Da minha advocacia também. Funcionário público ganha pouco, né? Eu também só aceitei o cargo a princípio, em 32, se o Vítor Viana me autorizasse a continuar, abrir o escritório de advocacia. Foi condição. [Ele respondeu:] "Pode. Se o senhor tiver possibilidade de cuidar da sua atividade de coordenador do ensino comercial o senhor pode perfeitamente ser advogado." Eu tenho até vários ofícios de diretores e de ministros louvando o meu trabalho, só este curso que eu descobri lá no Mackenzie foi uma maravilha!
Vou contar uma coisa aqui aos colegas. Houve uma ocasião que eu tive uma questão em Barueri, então fui a Barueri defender os meus clientes. No dia da audiência eu compareço e tinha lá um jovem juiz. Ele me viu e me disse assim: "Doutor Casali, depois que terminar o nosso trabalho, espere que eu quero falar com o senhor." "Pois não, doutor. " E foi.
Fez as perguntas, nós fizemos, ele ditou, tudo. Depois eu e ele sozinho: "Doutor Casali, eu quero dizer uma coisa ao senhor: há várias razões para eu estar aqui, uma delas é o senhor." E eu falei: "Não me diga isso." "Sim, porque eu vim do interior de Minas Gerais para estudar na faculdade de Direito com a intenção de posteriormente fazer concurso para juiz. Mas o que o meu pai me mandava de Minas Gerais não era suficiente pra eu viver em São Paulo e fui obrigado a ser professor de escola. Vou lá e o cara me diz: 'Pra você ser professor de escola você tem que fazer o curso do Mackenzie.' Fiz o curso do Mackenzie e foi muito bom, porque quando eu fiz o concurso pra juiz aquele curso me valeu, estou aqui! Entre os motivos está o senhor." Eu falei: "Muito obrigado.”
P/1 - Professor Casali, depois que o senhor saiu do SENAC manteve algum tipo de vínculo com a entidade?
R - Olha, só com esse atual Presidente é que eu fui esquecido. [Em] uma ocasião houve uma solenidade na Álvares Penteado e Álvares Penteado resolveu conceder uma medalha, qualquer coisa assim, a seus antigos professores e diretores, e estava lá esse cidadão. Fui apresentado a ele e até devo dizer que não tive simpatia por ele. Porque disse: "O senhor hoje está merecendo nota dez com louvor, o senhor está fazendo um grande trabalho em benefício do SENAC. O SENAC está progredindo, está crescendo. Eu acompanho pelos jornais e informações de funcionários que continuam a ser meus amigos, mas saiba o senhor que não pode esquecer da semente que nós plantamos: Fulano, Fulano, Fulano, Fulano, Fulano, Fulano, Fulano. Fulano morreu e os senhores não se manifestaram a respeito dele." "Sim, senhor." O Pacheco Chaves. O SENAC não manifestou se foi o melhor Presidente... A meu ver foi o delegado que mais produziu pro Conselho.
P/1 - Mas pra gestões anteriores o senhor trabalhava como assessor?
R - Não.
P/1 - Não?
R - Não, não. Eu era muito consultado, era ouvido, me telefonavam, como acontece hoje no Conselho Estadual da Educação. De quando menos eu recebo um telefonema: "Doutor Casali, o senhor tem um parecer sobre esse assunto, já estudou esse assunto?" Então o Cordão muitas vezes me telefonou, o Breno Di Grado me telefonava de quando em vez. As coisas assim, na base mais da cortesia do que da necessidade.
Acho que o SENAC hoje… Eu vi, eu recebi, a Lígia e a Terezinha me mandaram. O SENAC hoje é uma potência, é uma grande instituição, é uma meritória, benemérita instituição. Pena que a sociedade não conheça suficientemente o que é o SENAC hoje em dia. De forma que se eles ouvirem, aqueles colegas que estão lá em cima, devem estar orgulhosos ao tomarem conhecimento do que seja o SENAC hoje em dia. Eu tenho uma sobrinha que trabalha no SESC e ela me conta o que é o SESC também, a grandeza do SESC, os serviços que o SESC realiza. Notável.
P/1 - Professor Casali, nós estamos chegando ao final do nosso tempo. Será que o senhor poderia falar um pouquinho sobre um projeto que o senhor ainda tem pro futuro, ou um sonho que o senhor tem?
R - Não. Eu fiquei conhecendo a atuação dos atuais responsáveis pelo SENAC. Olha, eu fiquei realmente muito bem impressionado. Até vou dizer comparando o ensino municipal, o ensino estadual. Digo que o SENAC deveria ser para o Estado e para a Prefeitura um estímulo pra que o ensino de todos os graus do município e do Estado viesse a se tornar melhor.
P/1 - Professor Casali, pra finalizar: o que o senhor achou de ter dado o seu depoimento com a sua história de vida e a sua trajetória dentro do SENAC pro Museu da Pessoa?
R - O que eu achei?
P/1 - O que é que o senhor achou de ter dado esse depoimento com a sua história de vida e sua trajetória?
R - Bom, eu vou dizer o que disse ao Cordão quando estive com ele na solenidade da entrega do título de Cidadão Paulista, Paulistano ao Padre Corbeil. Eu disse: "Cordão, eu tenho um certo constrangimento em falar dos anos 40 ou dos anos 50 porque não tem uma pessoa que possa dizer: não é verdade ou é verdade." Ele me disse: "Doutor Casali, vá e diga. Quem quiser acreditar, acredite, quem não quiser acreditar não acredite, mas diga."
P/1 - Tá bom, muito obrigado, Professor Casali.
R - Obrigado.Recolher