Museu da Pessoa

História de Vida

autoria: Museu da Pessoa personagem: Mariza Daniel Velasques

Projeto ADC – Eletropaulo
Realização Instituto Museu da Pessoa
Depoimento de Mariza Daniel Velasques
Entrevistado por Rosali Maria Nunes Henriques e Katia Maria Francischi
São Paulo, 23 de Setembro de 1994
Código: ADC_HV015




Revisado por Raquel de Lima

P- Bom dia, Mariza.

R- Bom dia!

P- Nós gostaríamos, antes de começar, que você falasse o seu nome, seu local de nascimento, sua data de nascimento e o nome dos seus pais.

R- Bom. Eu nasci em primeiro de agosto de 1944. Meus pais são Roque Borges Daniel e Isabel Maria Curralo Daniel. O que mais que você me perguntou?

P- Onde você nasceu e seu nome completo.

R- Então, eu já falei, né? Mariza Daniel Velasques. Eu nasci em São Paulo.

P- São Paulo, capital?

R- Isso.

P- Em que bairro você nasceu?

R- Eu nasci na Vila Guilherme, na Zona Norte.

P- Quais eram as atividades dos seus pais, Mariza?

R- Meu pai era motorista de táxi, minha mãe era de prendas domésticas. Minha mãe trabalhou desde pequena, acho que com 9 anos ela veio de Portugal, sabe? Eram imigrantes, ela foi trabalhar como empregada doméstica com 9 anos de idade. Ela e a irmã dela também, que é alguns anos mais nova que ela. Quando completou essa idade também foi cuidar de criança, filhos dos outros e tudo o

mais.

P- De que cidade ela veio?

R- Ela veio de Trás-os-Montes, província de Mogadouro.

P- Fale um pouco sobre a sua infância, Mariza. Como é que foi essa infância na Vila Guilherme, as brincadeiras...

R- Bom. Eu acho que bem diferente de hoje... quando eu comparo com os meus filhos, né? Porque a gente vivia em casa, e as famílias tendiam a morar juntas, perto. A gente vivia não só brincando nos quintais da casa, mas também na rua. Ali, eu me lembro que tinha um... na casa onde eu passei a maior parte da minha infância, desde que eu me entendo por gente, né? Porque tem um período que você nasce, aí você... quando você tem consciência de você, que você começa a brincar com outras crianças... Então, nessa fase, eu lembro que tinha um tipo de riozinho que passava na frente da minha casa. Nas portas tinha um tipo de uma ponte na entrada em cada portão. A gente brincava ali naquela água, fazia represa, brincava na rua, era muito divertido! Você não precisava ter maquinário pra brincar. E não tinha televisão, né? Televisão veio bem depois, pelo menos pra nós. Eu me lembro que a gente saía, já um pouquinho depois, tinha televisão em pizzaria. A gente ia comer pizza e assistir televisão, a família toda! Esse era o programa, às vezes, de sábado. Agora hoje... o que eu vejo hoje é que meus filhos brincam mais dentro de casa, com jogos eletrônicos... Era totalmente diferente. Era muito mais da gente, brincar na rua. Era muito mais gostoso!

P- Tem alguma outra lembrança marcante da sua vida, dessa infância?

R- Olha, eu ia pra escola de manhã e ia a um parquinho infantil à tarde. Não gostava porque eu era muito, muito quieta. Eu era

bem gorducha e bem branquinha, né? E usava uniforme vermelho... era um calçãozinho todo bufante, vermelho, com blusinha branca, uma camiseta. Meu número era 1.492 no parquinho e meu irmão, que é quatro anos mais novo do que eu, também ia, ele era número 1.700. Como eu era muito branquinha e usava esse calção vermelho, ficava aquela perna branca, né? E contrastando com o calção vermelho, eu era gorducha… As mulheres iam me esperar, as vizinhas, na chegada do parquinho, porque me achavam bonita. Naquela época, achavam criança gorda bonita, né? Mas eu não gostava de ir ao parquinho. Eu gostava dos dias de chuva porque nos dias de chuva a gente não ficava fora brincando nos brinquedos, íamos todos pra parte coberta e sentávamos num lugar onde ficavam os toaletes... uma entrada grande, a gente sentava no chão e as maiores contavam histórias pra gente, encenavam histórias. Eu gostava desses dias. Eu acho que isso me marcou bastante. Eu não soube aproveitar essa época que eu tava nesse parquinho. Eu ia com muito sacrifício, eu não gostava. Eu ficava rezando pra chover.

P- Em quantos irmãos vocês são em casa?

R- Nós somos em quatro. Eu tenho uma irmã dois anos e meio mais velha do que eu. Eu diria que ela é o oposto de mim. Se você fosse tirar uma fotografia. eu seria o negativo... ou ela é o negativo, porque ela é morena. Depois, abaixo de mim, com quatro anos de diferença, tenho um irmão chamado Maurício. Essa minha irmã mais velha se chama Lourdes e a gente chama ela de Nega, até pelo contraste. Até hoje é o nome que a gente sabe é Nega. Tem gente que nem sabe o nome dela, de fato. Abaixo do Maurício, com seis anos de diferença de mim e um ano e meio de diferença do Maurício, a Irene. É de pele morena e olho claro, mais parecida... um misto de mim e da minha outra irmã. Todos passaram pela Light, todos.

P- Como era o relacionamento com os seus irmãos?

R- Bom. Eu me lembro de brigar mais com a minha irmã mais velha porque eram idades mais próximas, né? Enquanto os outros eram menorzinhos, era uma relação mais de cuidado. Esses dois é que brigavam muito. Os dois se pegavam que era uma coisa! Mas a gente brincava junto, chegou um momento em que a gente brincava todos juntos. Se pensar um pouquinho mais adiante... eu não sei se pulo um espaço de tempo ou não? Depois teve um momento em que as idades não faziam muita diferença, a gente até chegou a estudar na mesma classe, eu e minha irmã mais nova. Porque a gente tinha muita dificuldade, a mulher... tinha uma coisa assim: quando a gente foi crescendo, as coisas mais diferentes ou fora de casa… porque para mulher era sempre o espaço de dentro, para o homem, o espaço de fora, mais para o meu irmão. Por exemplo: ir a um clube. Meu pai não podia pagar pra todo mundo, então, ia meu irmão. Meu irmão era sócio de um clube, ele aprendeu a nadar. Bicicleta, nunca ninguém teve. Eu não sei por que, acho que meu pai não podia comprar. Quando a gente começou a estudar, meu pai impunha um limite pra mulher. A mulher, no máximo, estudaria até o ginásio, e isso era uma coisa que meu pai fez questão.Tinha alguma dificuldade... colégios estaduais eram o oposto de hoje, né? Hoje é mais fácil entrar em colégio estadual. Naquela época, tinha poucos e era mais difícil, eram muito reconhecidos. Meu pai fazia questão de pagar um colégio do ginásio pra diante. Ginásio, a gente fez em colégio particular, mas o estudo básico todo mundo tinha, quer dizer... as condições sociais, as condições educacionais, o nível

que o Estado dava era muito melhor. Então todo mundo fazia uma escola primária estadual, né? E todo mundo fez. Depois meu pai achava que a mulher faria o ginásio e que, aí, tudo bem! Tanto é que eu ganhei anel de formatura de ginásio! Aquilo era o máximo, né? Ou então o máximo seria que a mulher fizesse a escola normal porque ela poderia ou ficar em casa e aí sair, casar com um cara que estivesse preparado para ser o marido e para arcar com a mulher ou ela poderia ser normalista e aí ela seria professora de crianças. O máximo, se você quisesse trabalhar, era ser costureira, porque você ficava dentro de casa. A gente até certo ponto correspondeu, vai? Eu tinha uma amiga que estudou comigo durante o ginásio todo e aí ela foi imediatamente fazer o normal. Eu ainda fui fazer a escola normal, mas não era uma coisa que eu queria, eu achava que não dava muito para a coisa. Mais tarde eu vim a descobrir que eu até achava que dava, foi uma pena. Eu achava, talvez para contrariar ele, achava que não dava. Aí eu comecei a fazer o normal, era muito estudiosa, daquelas de estudar, estudar... e à noite eu tinha pesadelos, ficava falando aquilo que eu tinha estudado. Eu me lembro que minha mãe ficava muito preocupada que eu fosse ter algum problema, que eu ficasse esgotada. Um dia eu levantei, essas coisas de à noite ficar com insônia, de ficar estressada e tudo mais, levantei e escutei os dois conversando. A minha mãe falando: "Olha essa menina, porque não sei o quê ..." E aí ele falou: "Também não sei pra que fazer normal, pra quê? Fazer o que, vai trabalhar depois? O que vai fazer com o diploma? Limpar a bunda com o diploma?" [risos]. Eu pensei:

"Então é assim, normal para ele não interessa, então não vou fazer normal, vou procurar emprego." Larguei o começo do normal e fui procurar emprego, né? Comecei a trabalhar. Aí não tinha condições de estudar de dia e ele não deixava estudar à noite, então, acabei parando de estudar por sete anos. Minha irmã mais velha parou por nove anos, porque ela também foi trabalhar. Ela fez inglês, eu também fiz inglês. Ela foi ser secretária e foi o maior desgosto, porque naquela época ser secretária causava aquelas piadinhas, aquelas coisas, era... ele tinha o maior desgosto de dizer que a filha dele era secretária. Ela ficou nove anos parada, sem estudar e eu, sete. Aí, a minha irmã mais nova, que é seis anos mais nova do que eu, ficou um ano parada, sem estudar. Aí uma escola mais próxima da nossa casa abriu classes de colegial à noite. Abriu o colegial, tinha aula de manhã, à tarde e à noite. Então, nós tivemos um pretexto: a minha irmã mais nova, que tava parada há um ano, ia fazer um teste para ver se ela entrava. Aí falamos: “Já que ela vai, vamos todo mundo, né?” Aí fomos as três, fizemos o teste e nós três entramos. Nós tínhamos a ideia que as três, à noite... nós íamos convencê-lo de que as três estudando à noite não tinha problema. E aí voltamos, as três, a estudar no mesmo momento. Eu, seis anos mais velha que ela e a outra oito anos mais velha que ela, todas na mesma classe. Convencemos ele que nós três poderíamos ir à noite, trabalhando e estudando. Quer dizer, eu fiz o colegial já trabalhando e a minha irmã também. Nesse meio tempo, a mais nova passou a trabalhar.

P- Nessa época você trabalhava com o quê?

R- Ah, já... quando eu entrei de volta, já trabalhava na Eletro, na Light então, né? Trabalhava no escritório da Light.

P- Como se deu essa entrada na Light?

R- Bom, a entrada na Light foi uma coisa interessante, né? Eu quando.... essa história de começar a trabalhar e largar o normal, eu tinha 16 anos. Eu fui trabalhar no escritório em frente à Light, na rua Xavier de Toledo, 44. Daquele prédio, eu enxergava o pessoal da Light nas janelas, ali, pra Xavier de Toledo. Dez, dez e meia e eles ali na janela, numa boa. Que emprego legal, não? Não que eu não gostasse de trabalhar, mas é uma das coisas... eu até me afundei no trabalho deixando até outros lados. Eu achava interessante: "Puxa vida, esse pessoal tem liberdade, né? Estão ali! Eu quero entrar nessa empresa, vou entrar nessa empresa." Eu fui lá saber como que era, e eles disseram que com 16 não entrava. “Então tá bom, eu vou fazer 17, quando tiver 17 eu venho." Bom, fiquei uns dois ou três meses nessa empresa, aí um amigo da família que trabalhava na Cibraço...não, ele trabalhava no banco, mas conhecia a família Papa que era dona da Cibraço, os donos da Cibraço. Ele se ofereceu para me arrumar um lugar na Cibraço e eu fui trabalhar lá. Eu fiquei uns dois, três meses, e a Cibraço dispensou o pessoal. Teve alguma crise lá e como eu não tinha sido registrada ainda, me dispensaram. Aí fui, faltava uns dias para eu fazer 17 anos, eu fui na Light de novo. Eles me disseram não. Eu falei: "Faltam só dois, três dias para eu fazer 17 anos, deixa eu fazer o teste, já fica aí.” Ele disse: "Não dá, tem que ser com 17 anos." Aí eu voltei e a Cibraço me chamou. Não... nesse meio tempo, antes da Cibraço me chamar outra vez, eu fiz 17 anos e fui lá fazer o teste. Vi uns caras fazendo o teste e achei que o meu teste não estava completo. Aí eu falei pro cara: "Já percebi que aqui é o seguinte, só entra quem tem conhecido. Vou arrumar um conhecido. Por que o senhor não me deu o teste inteiro como o senhor deu pra aquele lá, pensa que eu não percebi?" Sabia de alguém que trabalhava na empresa, fui, pedi o nome dele. Essa pessoa se chamava Aníbal, não sei mais... depois de um certo tempo acabei perdendo contato também. Eu achei que eu ia ter peso a minha ficha, já tinha feito o teste e tudo mais, mas aí fui chamada novamente na Cibraço. Fui trabalhar na Cibraço. Quando eles iam me registrar, me chamaram

na Light. Eu não tive dúvida, batalhei tanto, larguei a Cibraço e fui para a Light. Quer dizer que, como emprego oficial, só tenho a Light, que depois se transformou em Eletropaulo. Eu comecei como auxiliar de datilografia numa divisão, num local que hoje é a Diretoria Financeira. Chamava-se Contas de Alta Tensão, a área toda. Mas tinha a parte de datilografia e as contas de alta tensão eram datilografadas, um negócio desse tamanho, quadrado assim, a gente datilografava, era das grandes indústrias, né? Eu datilografava essas contas e depois tinha uns outros trabalhos grandalhões que a gente mudava de máquina. Tinha uma máquina minha que era para as coisas pequenas e tinha uma máquina grande onde os trabalhos eram revezados. Como eram mais chatos, cada vez

uma, né? Acho que eram semanais ou mensais. E tinha os cortes de energia elétrica, a gente batia à máquina também, ficava aquela fila de datilógrafas. E todo mundo... até às 10 horas os cortes tinham que estar na rua. Quer dizer a gente tinha que ter acabado para cortar a luz do povo. Não podia sair, e ali a gente usava um avental verde. Eu chegava, punha esse avental - não podia chegar atrasado -aí a gente ía na toalete lanchar em grupos, saía um grupo só, ficava 15 minutos. A toalete era na rua Xavier de Toledo, na ponta de cá, na Xavier. Era lá na Formosa, dando uma volta assim. A gente tinha 15 minutos, contando a ida e a volta e ficando lá. Íamos em três, só quando as três chegavam é que as outras três saíam e era tipo assim, você não podia parar, se a de trás chamasse a gente não olhava. Um dia nós chegamos e o chefe tinha mudado todas as mesas. Eu era a primeira e estava na última, a segunda tava na primeira, embaralhou todo mundo (risos). Mas não adiantou nada, porque eu fiquei mais amiga da primeira, da segunda depois da minha, da penúltima (porque eu era a última) do que antes eu era da segunda... aliás essa aí saiu há muitos anos da Light e até hoje é uma coisa... às vezes eu passo dez anos sem ver, mas quando eu a vejo é a mesma amizade, é como se trabalhássemos no dia a dia. É uma coisa muito gozada, porque você não tinha o mínimo de criatividade e liberdade, tinha que fazer exatamente como era, como o cara determinava, mesmo que você fizesse crítica, visse que era melhor. Se você fizesse, o cara te chamava lá: "Não tem mandei fazer assim?" Bom, nesse setor eu percebi que não ia aguentar muito tempo, eu não ia aguentar, se eu ficasse lá eu ia sair loguinho, porque era

uma coisa que não te dava a mínima liberdade de criar absolutamente nada. Eu tinha uma amiga que trabalhava na área de pessoal e soube que havia uma vaga na área jurídica, a outra era na área financeira. Na área jurídica eles precisavam de uma pessoa que soubesse taquigrafia, diziam que quem sabia taquigrafia não podia ser aproveitado se fosse menor, mas eu já tinha 18 anos, né? Aí eu fiz uma ficha, me candidatei à vaga. Eu estava em férias e me chamaram pra fazer o teste, eu fui fazer o teste e passei. Só que tinha um detalhe: o advogado que era chefe da Procuradoria Social Trabalhista, do jurídico, se chamava Astolfo Mauro Teixeira e ele tinha um preconceito em relação... ele não queria mulher, ele queria homem, mas o único homem que ele conseguiu, taquígrafo, era japonês. Entre mulher e japonês, ele ficou com a mulher [risos]. Quer dizer, ele também tinha preconceito com japonês, é o que contam. Não sei, mas o fato é que eu fiquei com a vaga. Mas até me liberarem pra eu ir trabalhar com ele,

precisaram arrumar uma pessoa para o meu lugar, isso levou uns três meses. Eu fui para o lugar de um homem que taquigrafava nos primórdios da Light, eram homens que eram secretários, eu ainda peguei dois secretários homens. O taquígrafo não era secretário, era uma espécie de

assessor dele, já estava cansado de ser taquígrafo. Ele tinha idade para ser meu pai, se chamava Roque Pena Júnior. Ele não queria mais ser taquígrafo, ele ia passar para outras atividades. Isso foi muito bom pra mim, foi um suporte pra mim, porque quando você começa na taquigrafia te ditam e você fica: “Puxa, o que era aqui?” Ele me ajudou muito, porque como ele tava acostumado com os textos, eu saía com aqueles negócios taquigrafados e aí eu falava assim: "Aqui, não estou entendendo..." Ele me dizia: "Lê essa, depois lê o resto." Eu lia o começo, depois aquilo que eu não entendia e depois o resto. "Isso aqui é assim." Aí eu fiquei muito prática em taquigrafia. Eu fiquei a única taquígrafa da área jurídica, fora ele, ele não queria mais pegar, e isso foi me dando chances de subir. Eu estava na Procuradoria Social Trabalhista que era uma espécie de um setor e houve uma reestruturação. Tinha uma pessoa que era chefe do Departamento Jurídico, o doutor Rui de Azevedo Sodré, professor de faculdade, escritor de livro, que era nosso chefe. Ele me requisitava pra fazer os trabalhos de taquigrafia. Acoplada a isso, tinha uma consultoria jurídica, que ainda tem na Eletropaulo, o doutor professor Miguel Reale e tinha um assessor dele que era o assessor jurídico, o professor José Frederico Marques, todos professores

acadêmicos, conhecidos do professor Frederico Marques, desembargador. E a Dolores Bugallo era a secretária do professor Frederico Marques. Eu fiquei sendo secretária de dois advogados que ficavam lá auxiliando o professor Frederico Marques, esse doutor Astolfo Mauro Teixeira que acabou indo assessorá-lo, saindo da Procuradoria e indo assessorá-lo, e o doutor Carlos Ademar de Campos, filho do Carlos de Campos. A Light realmente teve personalidades que tiveram a ver com a história. Eu trabalhava com o doutor Astolfo e o doutor Carlos de Campos e paralelamente fazia taquigrafia para o doutor Rui Sodré, que tinha um secretário homem, chamado Osvaldo. O doutor professor Miguel Reale tinha a Heleni, que também é uma ótima taquígrafa e que até hoje está com ele, se aposentou e continua contratada pela empresa trabalhando com ele. O professor Frederico Marques tinha a Dolores, que hoje deve ter 80 anos. Eu ia fazendo assim um pouquinho para cada um também, né, porque eu estava com o doutor Astolfo e doutor Ademar. Quando a Dolores... eu entrei em 1962 na empresa, então fui para o jurídico em 1965 mais ou menos, em 1968 a Dolores se aposentou e eu fiquei secretariando o professor José Frederico Marques. Aí eu fiquei uma taquígrafa exímia, de pegar a taquigrafia em apara e entender tudo, pareceres dele, sentar e fazer um discurso, sabe? O professor Frederico tinha uma postura assim - ele morreu no ano passado -ele sentava e ta, ta...ele não esquecia o fio do pensamento dele do começo ao fim, aqueles baitas pareceres. E paralelamente eu substituía a Heleni com o professor Frede... com o professor Miguel Reale quando ela saía de férias. Esses dois nomes eram dois nomes muito importantes para a Light, ela chamava quando era de peso uma decisão jurídica, um parecer importante, mas não eram de muita atuação no nível executivo do dia a dia. Então eu fui sendo importante profissionalmente pra Light, sendo importante porque eles eram importantes, não porque eu era importante. E sempre que eles solicitavam promoção pra mim... a essa altura eu já era correspondente e passei, acho, a ser secretária. Não, eu não tinha o título de secretária quando trabalhava com eles. Quando eles pediam uma promoção, um aumento pra mim, eles diziam:

"A função dela não é tão ativa dentro da empresa, de ter rotina." Porque, na verdade, eu fazia os pareceres deles. Eles faziam os pareceres porque eles eram como uma reserva dentro da empresa, uma reserva muito importante. No dia a dia com eles, eu tinha muito trabalho do professor Frederico, que tinha muito trabalho fora. Em 1972 veio pra empresa, numa tentativa de modernização, eles contrataram executivos de fora. Nessa altura éramos Light Rio e São Paulo. Aí houve uma reestruturação, trouxeram um executivo da Mercedes Benz que se chamava José Marcondes Benjamim. Esses

diretores, que passaram a ser diretores adjuntos da empresa, eram diretores Rio e São Paulo. Então, quem ficava sediado em São Paulo tinham escritório aqui e tinha um escritório no Rio. E quem ficava no Rio também tinha escritório aqui. Só que quem ficava sediado no Rio, aqui tinha uma secretária que tinha menos atividade, e quem ficava em São Paulo, tinha uma secretária com mais atividade que a do Rio. Ele tava procurando uma secretária. O professor Reale, como era chefe da consultoria jurídica, e o Professor Frederico, que era assessor dele, praticamente, era o responsável, e eu fui falar com ele que eu queria me candidatar a essa vaga. Ele falou: "Bom, já que eu acho que aqui não dão reconhecimento a ponto de você ser promovida, eu acho que você tem que ir." Aí eu fui fazer um teste com o doutor Benjamim, em taquigrafia e tudo mais. E nos afinamos muito bem, eu fui muito bem. Ele me escolheu e eu fui, fui promovida, tive um bom aumento e tudo mais. Ser secretária de diretor naquela época era uma coisa muito reconhecida na empresa. Embora eu ache que até há algum tempo a função de secretária não era muito valorizada, até porque por um tempo se usava mais como uma pessoa… sabe, a cuidadora da casa? A responsável pela casa, serve cafezinho, pega a correspondência e põe na mesa do chefe, tira correspondência da mesa do chefe, mas não se aprofunda nas coisas, não entra... Então, era uma coisa mais ou menos assim. Alguns foram requisitando mais, eu sinto que esse executivo que veio da Mercedes Benz, da iniciativa privada, me usou de uma forma muito adequada... chegou a um ponto de eu participar tanto das coisas que ele fazia, acho que eu ajudava tanto a decidir, que eu tinha uma auxiliar secretária e tinha um boy. Ele me levou pra dentro da sala dele, eu trabalhava junto com ele na sala dele, e acredito que se eu não fosse uma mulher, eu seria uma assessora dele, como outras também que se destacaram. Eu acho até hoje que tem algumas daquela época que não fizeram juz… mas não só eu, acho teve algumas que fizeram juz. E o fato de eu estar na sala dele, o pessoal falava, né? Essa história de falar, ainda mais uma mulher dentro da sala do chefe. "Mas que tanta..." Quando ele saía de férias o pessoal falava: "E aí, como é que tá? Viúva agora?" Eu acho que havia algumas insinuações, nunca a gente deixou ir além disso, né, de alguém comentar e ficar uma coisa... porque por mais que as pessoas brincassem, eu acho que conheciam a gente bastante e não faziam suposições reais, eu acredito. Mas que havia algumas insinuações, havia. Ele ficou de 1972 a 1975 na empresa, ele montou toda uma estrutura muito moderna, áreas de RH [Recursos Humanos] descentralizadas que vieram a ser feitas só mais agora, na década de 80, final dos 80, e que ele tentou já em 70, na década de 70, implantar, mas eu acho que as mentalidades não estavam preparadas. Aí foram desmontando toda a estrutura dele, quando chegou em 1975 ele achou que -não sei se o contrato dele terminava ou o quê- ele acabou saindo e as coisas continuaram como estavam. A essa altura, eu fui convidada a trabalhar, e aí me acenaram com uma promoção, dizendo que eu ia ser assistente de um superintendente abaixo dele: superintendente de serviços médicos, que abrangia Rio e São Paulo, a área de medicina abrangia Rio e São Paulo, e eu fui de secretária pra assistente administrativa. Ele tinha uma assistente administrativa no Rio e ficou com uma em São Paulo, porque tinha um escritório. Mas aí eu fui levada no bico, sabe? Todo mundo me chamava de secretária dele, eu tinha sido secretária de diretor, baixei na estrutura pra ser assistente dele, eu realmente atuava como assistente dele, os homens que trabalhavam com ele abaixo como assessores de chefes de departamento que eram abaixo dele sabem disso, só que nunca a empresa reconheceu. Nessa época, ao nível de trabalho de fato, tive responsabilidades na mão e não fui reconhecida de direito, embora meu chefe tivesse batalhado muito pra isso. O pessoal dizia “não”, porque na verdade o que eu fazia era de secretaria e fiquei com o título de assistente administrativo, que na verdade era um cargo que nem de nível superior era, isso depois eu vim a saber. E isso perdurou até 1981, de 1975 a 1981. Bom, houve... em 1979, o controle acionário da Light passou pra Eletrobrás e em 81 passou para o estado de São Paulo, o maior acionista, o acionista majoritário passou a ser o estado de São Paulo. Então houve uma separação Light Rio e Light São Paulo e a Superintendência de Serviços Médicos não tinha mais sentido.

P- Qual foi a principal mudança, nesse período, que você sentiu dentro da empresa?

R- Dentro da empresa? Então, justamente isso. Em 1979, 1979 a 1981 se desfez a superintendência, separou Rio e São Paulo, por exemplo, uma superintendência médica que abrangia Departamento Médico Rio e Departamento Médico São Paulo passou a ser só Departamento Médico. Não tinha mais sentido ter uma superintendência, e aí ela foi esvaziada, fora as brigas internas que tinha. Eu fiquei por dois anos com uma indefinição porque o superintendente acabou saindo e eu acabei indo trabalhar na área de recursos humanos, não lembro exatamente o título, se era Superintendência de Recursos Humanos… Eu estava grávida, nessa época, em 81, quando eu fui pra lá foi mais ou menos em novembro de 1981. Ele falava assim:

"Deixa esperar a senhora ter o nenê pra depois a gente definir como é que a senhora fica." Eu falava assim pra ele: "Bom, eu não vejo nenhuma incapacidade. Em todo o caso, se o senhor acha que sim, eu acho que se for pelo fato de que vou ficar mais quatro ou cinco meses aqui, tenho o meu filho e depois eu volto a trabalhar, então tá certo, não compensa definir a situação agora pra daqui a quatro meses interromper e depois eu volto, né, fico de licença quatro, três, depois eu volto. Sob esse aspecto eu concordo com o senhor, quanto ao resto, por eu estar grávida, eu não concordo." Mas foi o que foi feito, assim que eu tive a minha filha, em abril de 1982, voltei lá... abril, maio, junho, julho, agosto. Voltei, eu acho, em uns quatro meses, lá pro início de agosto, e aí ficaram tentando definir para onde é que eu iria de fato, se eu ficaria na superintendência, onde eu acabaria fazendo serviço de secretaria… Aí eu pedi pra ir para o Treinamento, para eu trabalhar no Treinamento. Comecei a trabalhar no Treinamento, mas em dezembro de 1982 houve uma outra reestruturação, veio um outro superintendente, eu ainda não tinha sido oficializada, a papelada da minha transferência pro Treinamento tava sendo feita. O superintendente chegou pra mim e disse assim:

Interessa pra vocês nomes? Bom, o superintendente me viu, foi fazer uma visita, ele tava assumindo, era outro superintendente. Ele falou assim: "Mariza, você não vai ficar aqui. Eu estou criando uma divisão onde eu quero... um dos objetivos é a gente ter a vida da pessoa, a evolução funcional da pessoa, a tua formação é exatamente para isso e eu quero você nessa área." Porque com a minha formação em Sociologia, seria adequada para a área. "Nós estamos compondo o quadro dessa área, é uma área nova". Começou como Divisão de Acompanhamento Funcional mesmo, começou em dezembro de 1982, ela foi criada em dezembro de 1982. Eu fui para essa divisão e aí, de fato, me localizei. Foi só nessa época que eu passei realmente a ser Analista de Recursos Humanos, um cargo que requer curso superior. Eu tinha me formado em 1973. O que de fato eu acho, desde que eu estive com aquele diretor e que depois eu estive acompanhando esse superintendente de Serviços Médicos, eu tive funções e responsabilidades que requeriam, sei lá, um título mais adequado. Mas só quando fui para essa Divisão de Acompanhamento Funcional é que eu passei a ser Analista de Recursos Humanos Júnior. Em novembro de 1984, houve uma nova reestruturação, foram criados outros departamentos. A Divisão de Acompanhamento Funcional passou a ser Divisão de Acompanhamento Sócio Empresarial e aí eu passei a ser gerente dessa divisão. Essa divisão foi criada em 1982 para fazer a integração dos novos empregados, fazer a análise das causas de evasão de mão-de-obra, promover transferências simples de funcionários que não tivessem promoções, transferência para um local mais adequado, de acordo com a formação do funcionário, com o interesse do funcionário e da empresa. Fazer avaliação de desempenho e fazer readaptação de funcionários que estivessem desadaptados. Ela foi criada para isso. Nós começamos com as readaptações funcionais, as transferências eram muito.... depois implantamos a integração de novos empregados, fizemos um manual de integração. Depois as entrevistas de saída para fazer análise das causas da evasão e por fim, quando eu já tava - eu fui de 1984 a 1989 gerente dessa divisão -já estávamos com os estudos, fizemos o treinamento de 3 mil pessoas em... final de 1988, pra iniciar a avaliação de desempenho. Só que eu fui exonerada em 1989, em fevereiro de 1989, e a avaliação foi suspensa e passou a ser feita um novo... uma forma mais moderna de avaliação de desempenho que hoje está implantada na empresa. Eu passei de 1989 a 1991 na área de Serviço Social, chamava-se Serviço Social, na época. Tinha uma área de lazer, auxiliando, assessorando a gerente da divisão de Serviço Social. Em 1991 ela foi promovida para uma área na Fundação CESP, passou a ser um departamento lá na Fundação CESP e eu passei a ser a gerente da divisão que passou a ser Desenvolvimento Social, porque passou a abranger o desenvolvimento do indivíduo que ela já vinha fazendo, mas estava com o nome só de Serviço Social, porque já tinha profissionais de lazer e programas de desenvolvimento do indivíduo: trabalhos com gestantes, com adolescentes, com aposentados, pré-aposentáveis, trabalhos de desenvolvimento com família, né? E a área de lazer fazia acampamentos pra crianças, tínhamos um espaço na hora do almoço... preciso ver se eu trouxe... chamava-se “intervalo no cotidiano”, isso mais recentemente, era pras pessoas poderem ter vivências, para que elas pudessem descobrir alguma coisa dentro delas que pudesse desenvolvê-las. Era um espaço pra que elas pudessem ver caminhos, pudessem por elas próprias se desenvolverem. Era um trabalho muito bonito, onde eu me aposentei. Na verdade, eu não tinha feito planos pra me aposentar, eu me aposentei porque eu tinha um problema pessoal, houve uma perspectiva de ser resolvido. Eu tenho uma casa na justiça há nove anos, ela está quitada, e não tinha uma casa. Ela está há nove anos na justiça. Quando chegou essa campanha pra aposentadoria, o pessoal brincava comigo: "Ah, agora vai, né?" Quando eu fiz 30 anos, eu cheguei pra pedir abono permanência no setor de benefícios da empresa, o pessoal falou: "Você sabe que você pode se aposentar e continuar trabalhando?" Eu falei: "Não, eu sou 8 ou 80, eu vou ficar, não vou me aposentar e continuar trabalhando, eu vou ficar." Então, tá bom. Mas quando eu fiz 31 anos, tava com 31 e uns quebrados, veio esse incentivo à aposentadoria da empresa, a gente receberia uma indenização e teria uma suplementação da Fundação CESP. O pessoal começou a brincar comigo: "Como é, agora você se aposenta?" Eu falei: "Olha, só me aposento se eu sair com uma casa nas costas, não com dinheiro, tem que ser uma casa nas costas, é a única coisa que me faz sair daqui, caso contrário não saio". Antes da empresa divulgar a campanha de incentivo, porque só saiu no jornal, eu fui lá conversar na área, eu já tava vendo casa, já tava fazendo proposta e tudo mais, sozinha, sem o meu marido... não, não tinha marido na parada pra decidir comigo. Eu cheguei e comecei a negociar o quanto ia pagar, como a empresa ia me pagar, quanto eu podia propor, em quantas vezes eu podia propor e aí casou: as datas que a empresa me pagaria, o montante que a empresa me pagaria, com eu poder pagar este apartamento na Vila Mariana, com três dormitórios, suíte, lavabo e tudo mais. Então, eu mudei meus planos. No dia 24 de junho, eu fiz a... eu encontrei com o dono do apartamento,ele tava morando no Canadá, um brasileiro morando no Canadá, ele veio aqui, eu fiz a proposta, fechei, cheguei na empresa e falei: "Olha pode fazer, pode andar." Dia 24 de junho. Mas para eu cumprir o primeiro pagamento, eu dava uma entrada, e para o primeiro pagamento eu teria que sair no dia 30 de junho, eu tive que sair em seis dias. Em seis dias eu saí da empresa. Vou te dizer o seguinte: nos primeiros quatro meses, eu tive que receber, converter em dólar, porque eu tinha que pagar em dólar pro cara... eu estava com a minha cabeça muito ocupada. Eu tava muito ocupada... não ocupada, preocupada, mas consegui pagar. Depois que eu consegui pagar, em novembro de 1993 eu mudei. Eu falei: “Bom, agora esta calmaria…” Aí eu dei uma piradinha, comecei a sentir muita falta da empresa, porque a empresa tinha sido toda a minha vida, né? Por uns três meses, precisei me colocar de novo no eixo. Agora tudo bem, eu acho que foi uma opção de desenvolvimento pessoal como ser humano, foi um baita desafio. Eu tenho que enfrentar, largar essa empresa, porque é uma coisa que permeia toda a minha vida. Hoje eu acho que eu fiz a coisa correta, né? Eu me vejo com 50 anos e de repente... embora muita gente me diga assim, quando eu chego no INSS, me falam: "Você é aposentada, tá brincando?" “Eu quero a senha pra aquele lá mesmo.” "Você é aposentada?" “Sou.” Na verdade eu tenho 50 anos e tá na hora de viver alguma coisa fora de empresa. Mas eu sinto muita falta.

P- Mariza, vamos falar um pouco sobre a questão do lazer. Você tava falando da questão do lazer. Você participou de algum grêmio que fundou a Acel [Associação dos Consumidores de Energia Elétrica]?

R- Então, em 1972, quando estava aquele diretor que veio da Mercedes, ele era muito entusiasmado, e o Takeo Shimabokuru mobilizou... a gente trabalhava no segundo andar, o segundo andar era da diretoria desse prédio Alexandre Mackenzie, essa jóia que nós temos ali [risos]. O segundo andar era o andar da diretoria e tinha o escritório da administração, onde ficavam todos os serviços de suporte de todos os diretores. O Takeo trabalhava lá, e o Takeo começou a mobilizar, ele sempre foi um cara mais voltado para essa área política. Querendo montar, criar esse grêmio e ao mesmo tempo com ideias de isso aqui crescer, né? Com esse diretor... esse diretor já estava pleiteando a área que hoje se chama Praia do Sol, ele já tava batalhando por ela, e eu participando ativamente junto com ele em todos os trabalhos, fazendo estudos, justificando. O Takeo estava sempre lá, a gente era da administração. Eu fui sócia desde que foi criado o grêmio Recreativo da Administração, o GRA, desde essa época eu fui sócia desse grêmio. Mas as atividades se resumiam mais a ter coisas mais internas, fazia bailes, fazia churrascos na Usina Piratininga, coisas pra você ir crescendo aos poucos, né. Isso, começou em torno ... eu não tenho certeza se foi 1972 ou 1973. Esse diretor era tão entusiasmado, ele falava: "Aquela área lá parece uma praia, a gente vai chamar Clube Náutico." Ele tinha ideias assim, sabe? A gente vibrava com aquilo, participava realmente. Uma das primeiras coisas que foi feita foi eleger a rainha do grêmio. Minha irmã trabalhava numa área de recursos humanos também, a minha irmã era 6 anos mais nova do que eu, na época eu tinha 30, 29 anos, minha irmã tinha 23. A minha irmã tem um rosto muito bonito, ela é gorduchinha, mas tem um rosto muito bonito. Todo mundo falava: "Irene é candidata, Irene vai ser candidata, Irene vai ser candidata." E ela foi. O concurso foi na Usina Piratininga, com comissão julgadora, com platéia que também decidia. Ela foi eleita a rainha do GRA em 1973. Em 1974 teve outra, ela passou a faixa... mas aí eu não sei, não acompanhei tão de perto, mas eu sempre fui sócia do GRA, depois da ACEL e depois da ADC [Associação Desportiva Cultural]... Você viu que eu tenho carteirinhas aí? Depois, quando teve o com o Sesc [Serviço Social do Comércio]... Ah, tem um detalhe muito interessante do lazer da Light que eu acho que é uma coisa pioneira mesmo. Não sei se alguém já falou disso. Quando a gente entrava menor na empresa, eu entrei menor, você já recebia um título da ACM [Associação Cristã de Moços]. Eu recebi um título da ACM quando eu entrei na empresa. Eu fiquei muito tempo vinculada à ACM, sabe a Associação Cristã de Moços? Eu fiquei muito tempo vinculada, depois acabei saindo, depois voltei. Enquanto a empresa não tinha alguma coisa nesse sentido, ela já pensava em a gente fazer alguma coisa, nessa parte de lazer. Depois, por umas dessas coincidências, eu vim a trabalhar na área de Desenvolvimento Social, onde eu me aposentei, e que tinha a área de lazer da empresa, tem a área de lazer ainda hoje. A área de lazer fazia trabalhos com os filhos, com as famílias dos empregados, fazia acampamentos pras crianças, fazia uma coisa chamada “semana passeio”, levava as crianças por uma semana nas férias. As mães ou os pais traziam para a empresa, a nossa equipe de lazer saía com essas crianças, passava um dia, tinha toda uma programação, passava o dia todo fora e na hora da saída trazia, entregava as crianças pros pais. O que mais? Ginástica, que a gente tá batalhando, porque sabe que é uma coisa que tem que ter... bater em ferro frio, né? Até acostumar as pessoas que são sedentárias a valorizar a ginástica, especialmente aquela ginástica matutina, que era mais pra aquecimento, pra você se sentir mais disposto, pra integrar as pessoas. A gente começou a implantar dez, cinco a dez minutos de ginástica matinal e existem ainda alguns locais na empresa que fazem. Nossa idéia era aplicar primeiro nos operacionais, depois no administrativo, mas acabamos indo onde abriram mais espaço. A nossa divisão era uma divisão que, até o momento em que eu me aposentei, fazia toda manhã, toda manhã fazia cinco minutos de ginástica. A gente chegava nos setores pra implantar e:

"Ah, é muito difícil, o pessoal não vem". Já que é assim, vamos sentir a dificuldade nós mesmos, nós não podemos pregar se nós não praticamos, então vamos começar a fazer aqui. E realmente é uma coisa difícil, porque as pessoas acham que coisas que são dadas muito de mão beijada são coisas que... uma prática esportiva, o trabalho não é esportivo, uma prática pra você se movimentar, de exercícios, é uma coisa muito difícil na cabeça das pessoas. Você não pode obrigar. Ali mesmo na nossa área, quem se dispunha, fazia, quem não se dispunha, não fazia. Então tinha gente que tava ali até essa hora, ficava até arrumar, ia tirar o xerox ou então ficava sentado e não fazia, mas isso deve acontecer na empresa. Outro espaço no lazer, era esse intervalo no cotidiano todas as quintas feiras, do meio dia e 15 até uma e meia, a gente tinha vivências na área de psicodrama ou então palestras que tinham a ver com coisas do ser humano, um momento pras pessoas poderem parar essa loucura que a gente vive na cidade, especialmente em São Paulo, né, que você corre de um lado para o outro e não pensa em você. Ali as pessoas tinham um momento de parar, de pensar, de fazer vivência, de refletir e procurar o seu caminho e isso foi interrompido pouco antes de eu me aposentar, até por questão de economia. Era um espaço que o pessoal já tava, muita gente vinha, gostava, encontrava respostas pra algumas coisas, caminhos para alguns problemas. E ikebana também, eles faziam.

P- Só voltando um pouco para a sua vida pessoal. Eu gostaria que você falasse como você conheceu seu marido, como foi seu casamento.

R- Ah, bom, meu marido eu conheci fora da empresa. Foi numa atividade social de um grupinho que a gente montou num clubinho chamado Palmeirinha lá na Vila Guilherme. Meu irmão e uns amigos dele... nós queríamos montar, criar um grupo pra fazer bailinho, pra nos divertir. Então, alugamos um local e começamos a fazer baile. Precisava de som e a gente não tinha dinheiro pra comprar de imediato... recolhia algum dinheiro, mas não tinha... Meu marido estudava com meu irmão na FEI [Faculdade de Engenharia Industrial]. O meu marido, enquanto tava na faculdade, fazia a iluminação e som de baile pra poder sobreviver, tinha a faculdade paga pelos pais mas queria ter o dinheirinho dele. Contrataram o meu marido pra fazer o som e a música, o som e a iluminação. Aí eu conheci meu marido. Ficamos amigos, um tempo depois acabamos namorando. Depois nós compramos equipamento e ele não precisou fazer mais essa parte profissional. Nós continuamos namorando, namoramos seis anos e meio ainda. Quando ele se formou em 1973, ele fez estágio na empresa na área de engenharia, mas não ficou lá e foi trabalhar de início na Lanofix. Depois da Lanofix, ele foi trabalhar na Confab, depois da Confab ele foi pro Metrô [Companhia do Metropolitano de São Paulo], depois do Metrô ele saiu e foi trabalhar na Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo], na CET [Companhia de Engenharia de Tráfego] e hoje ele está na Hidrobrasileira. Toda a minha família também participou da Eletropaulo, da Light, na época. Eu fui a primeira entrar, em 1962, essa minha irmã que foi rainha do GRA entrou em... deixa ver, 1968, e trabalhou até 1974. Depois a minha outra irmã que é dois anos mais velha que eu, trabalhou em 1970, mas seis meses só e acabou saindo, não quis ficar, foi trabalhar no Citibank. Meu irmão fez estágio junto com o meu marido em 1973. Mas meu irmão também não ficou trabalhando lá, foi pra Ericson trabalhar em treinamento e trabalha na Ericson até hoje. Quer dizer, eu e ele somos o que criamos mais raízes, porque eu continuei na Light e Eletropaulo até hoje e ele entrou na Ericson e tá até hoje lá. As minhas irmãs não, esta que foi rainha do GRA, fica cinco anos, dois, três anos numa empresa e vai em frente. Hoje ela é gerente da parte de recursos humanos e de toda a parte de administração de uma empresa chamada Ensec, que cuida de sistemas de segurança. É isso.

P- Você casou quando, Mariza?

R- Eu casei em 1977, aos 33 anos de idade, 32 anos e meio, e meio porque nessa altura da idade meio ano faz diferença [risos]. Tive o meu primeiro filho aos 35, o Felipe, um menino que tá com 15 anos hoje, e tive minha segunda filha aos 38, a Talita, que tá com 12 anos hoje. Quando eu me aposentei, na verdade, eu tinha um filho de 14 anos e uma filha de 11, eu sou uma aposentada atípica, porque eu tenho um dinheiro pra gastar, um investimento pra fazer ainda ao nível humano incrível.

P- Seus filhos frequentavam com você a Praia do Sol, a ADC?

R- Olha, isso é uma coisa que não aconteceu, viu? Meus filhos... você vê que eu fiz carteirinhas pra eles, tudo, mas não aconteceu da gente frequentar, eles iam na “semana passeio” promovida pela divisão que eu trabalhava, Desenvolvimento Social, no acampamento, mas nunca chegamos a ir, frequentar mesmo a ADC. Eu já expliquei, a gente era sócio do Clube Atlético Ipiranga também e a gente ia, mas eu acho assim, que nós... a gente critica os outros mas a gente também é sedentário, a gente leva... A minha jornada de trabalho, quem vê de fora diz: "Muito funcionário, não sei quê." Mas eu sou de uma leva da Eletropaulo... eu tive 19 anos de Light e eu tenho uma formação que eu ia... agora mesmo sendo gerente, eu chegava... não chegava às oito horas porque eu saía de casa, deixava meus filhos na escola e ia para empresa, agora na Granja, né? Nesse escritório na Granja, eu chegava em torno de oito e 20, oito e 30 e eu saía às oito da noite, 20 horas, 21 horas... era a hora que eu estava saindo da empresa, eu era a última a sair, todos os seguranças lá me conheciam. Eu era uma pessoa... acho que por ter me aposentado cedo, permitiu que refletisse sobre como eu dividia meu tempo, né, porque eu priorizava muito o meu trabalho, a ponto de priorizar em relação aos meus filhos, em relação a outras coisas, né? Eu acho que... hoje, eu acho que é uma atitude certa, os trabalhadores estão cada vez mais dividindo o seu tempo entre empresa... embora sejam dedicados ao trabalho... não, essa é a hora do trabalho, eu tenho essas outras tantas coisas, porque tem tudo aquilo que a sociedade chama a gente, tem muitas alternativas, né? Mas eu fui educada... embora hoje eu criticamente acho que é errado, eu dediquei a maior parte da minha vida ao trabalho, eu tinha que dar uma desvinculada pra poder me vincular a outras coisas, embora eu saísse de lá… Engraçado, eu saí mas fiz curso de ikebana, e fazia curso, eu fiz curso de psicodrama recentemente, dois anos, à noite, eu sempre fiz algum curso à noite, mesmo trabalhando e tendo filhos, mesmo tendo idade, nada me impedia, porque eu sou uma estudante inveterada, além de uma trabalhadora, eu sou uma estudante pro resto da vida.

P- Em relação a sua história de vida na ADC, quais são as suas lembranças mais marcantes?

R- Você diz na ADC? Que tem a ver com a ADC?

P- É. Isso.

R- Foi muito gostosa essa convivência que a gente teve, tipo com o Albertinho, que é o Takeo Shimabukuro. A gente foi muito amigo, essas coisas que a gente promovia pra o GRA decolar...

P- Que tipo de coisas?

R- Da gente tentar mesmo, fazer esse concurso que a minha irmã participou, promover coisas pras pessoas se juntarem até formar uma coisa grande, não ficarem coisas dispersas, porque eu acho que quanto mais se divide... isso não sou eu que digo, qualquer livro, qualquer livro de política, de sociologia, diz que quanto mais você divide, mais fraco você fica. Eu sou contra a gente ter tantas associações: Apel [Associação dos Aposentados Participantes da Eletros], Atel [Associação dos Técnicos de Nível Médio da Eletropaulo], Associação dos Técnicos, Associação dos Profissionais de Nível Superior, Associação dos Engenheiros da Eletropaulo, temos muitas associações que dividem a categoria. Eu sou a favor da gente ter um grupo mais homogêneo e único. Até ao nível de associações profissionais dentro da empresa, eu acho que as associações também...

existiam muitos grêmios mas todos pequenininhos. À medida que você faz uma associação maior você tem mais força. Na verdade, eu não destacaria um momento... mas eu destacaria um momento, mas não uma coisa, o momento da gente juntar, o momento da gente batalhar pra ter essa área que é a Praia do Sol. Esses momentos foram momentos muito importantes, eu acho.

P- Mariza, só pra gente ir já encerrando a entrevista eu gostaria que você falasse de um grande sonho de sua vida.

R- Um grande sonho? Olha, eu acho que eu tive sempre pequenos sonhos que eu acho que foram sonhos que foram sendo realizados, sabe? Agora, o meu sonho é ver meus filhos encaminhados, porque eu acho que nessa sociedade a gente tem que se preocupar, e muito, né? Eu quero ver a causa da minha casa ganha. Você vê que são sonhos pequenos. Eu quero ver que meus filhos vivam, que eu viva, que minha família viva, o mundo viva momentos bons, momentos de menos violência, momentos de mais realização, que essa sociedade evolua para o povo ter mais educação. Porque, de fato, a gente tá numa fase meio eufórica de realidade, de coisas assim.... Que de fato a gente sabe que não vai ser assim, mas que pelo menos seja 50% disso, pelo menos, que isso não seja só balela, né? Então meu sonho é de que realmente esse país comece a andar de novo pra frente, porque eu acho que ele andou muito pra trás.























































































































P- Você teria algum sonho para a ADC?

R- Eu acho que eu tô vendo que ela está indo pra frente, tudo acompanha, de acordo como a sociedade vai... se a sociedade evoluir, ela evolui também. Eu acho que a nossa empresa é um paraíso, é um paraíso de prosperidade, sabe? E de capacidade de evolução e de realização, não tem como, não tem como isso não crescer, se realizar e se firmar cada vez mais. Não tem volta, né?

P- Mariza, nós gostaríamos de agradecer a você pela entrevista pra registrar nesse depoimento da memória da ADC. Muito obrigada.

R- De nada, às ordens.

---FIM DA ENTREVISTA--