Imigrantes – Memórias do Cotidiano
Depoimento de Vera Regina Silva Bouhadoun
Local – cabine shopping West Plaza
Data – 23/06/2001
Entrevista IMG_CB013
Entrevistado por André Goldman
Transcrito por Marina D’Andréa
Revisado por Ana Calderaro
P – Diga seu nome completo, local e data de ...Continuar leitura
Imigrantes – Memórias do Cotidiano
Depoimento de Vera Regina Silva Bouhadoun
Local – cabine shopping West Plaza
Data – 23/06/2001
Entrevista IMG_CB013
Entrevistado por André Goldman
Transcrito por Marina D’Andréa
Revisado por Ana Calderaro
P – Diga seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Vera Regina Silva Bouhadoun, nasci em São Paulo, em 23 de janeiro de 1949.
P – Em que bairro você nasceu?
R – Eu nasci… De não me engano minha mãe morava na... Meus pais moravam na Praça Marechal Deodoro. (riso) Logo depois eu vim para Perdizes. Um ano, acho.
P - Você não tem lembrança desse tempo da Praça Marechal Deodoro?
R – Não. Logo depois viemos para Perdizes, e nessa casa que eu moro, moro há 46 anos.
P – Conta um pouco da sua infância. Como era no bairro, o que você mais guardou?
R – Ah, era ótimo. Aqui, onde é o West Plaza, tinha a Loja Sears (riso), não sei se você conhece.
P – Eu lembro, sim.
P – Lembra? E eu me lembro que a gente andava de bicicleta nos estacionamentos, pela Avenida Antártica. A gente andava de bicicleta porque não tinha quase carro. Onde é a Avenida Sumaré tinha um riozinho que passava e uma ponte, a gente passava por cima de uma ponte (risos), era assim, a gente brincava muito mesmo na rua. Tinha uma turma grande, a gente andava de bicicleta por todo o lugar, não tinha perigo nenhum e não tinha trânsito também.
P – Você tem imigrantes na sua família?
R – Tenho, mas muito distante. Eu não conheci, acho que nem minha mãe lembra. (riso)
P – E o seu marido?
R – Meu marido é argelino, chegou no Brasil há 20 anos, porque nós nos conhecemos na França. Eu morei em Paris dois anos e meio, ele morou cinco, nós nos conhecemos lá, então ele veio comigo e a gente casou aqui. (risos)
P – O que você poderia contar da vida do seu marido na Argélia.
R – Quando ele nasceu ainda era possessão francesa. E quando ele tinha seis anos começou a guerra da Argélia. Ele viveu na guerra alguns anos, foi separado da mãe quando era pequeno porque ele teve que ir para a escola com o irmão e a mãe teve que se esconder. Eles moravam em uma pequena cidade a beira-mar. Então, a infância foi meio terrível.
P – Por que a mãe teve que se esconder?
R – Era uma cidade pequena e os franceses estavam invadindo. Vinham, atacavam as pessoas, os dois irmãos mais velhos e o pai foram pra guerra. A mãe ficou escondida numa casa com o irmão mais novo, e ele foi com o irmão viver em uma escola em uma outra cidadezinha até acabar a guerra.
P – E o pai e esse irmão mais velho?
R – Quando a guerra acabou eles voltaram, então voltaram todos para a casa. Ele foi para a França só. Ele fez graduação na Argélia e depois foi fazer pós-graduação na França, bem mais tarde.
P – E por que vocês decidiram vir para o Brasil?
R – Bom, eu não pretendia mesmo viver na França. Eu gostava muito da França, mas viver, não tinha muita vontade. Então eu queria vir para cá, ele também queria, para conhecer, tinha curiosidade, acabou gostando. O Brasil é um país fácil para estrangeiros, eu acho. Te acolhe bem. Hoje em dia ele é um brasileiro, fala sem sotaque nenhum.
P – Bom, na Argélia ele falava francês, né?
R – Falava francês, berbere... Ele é de origem berbere, que eram os habitantes que viviam no norte da África antes da invasão árabe. É um povo bem antigo.
P – Você conhece essa cultura berbere? Você sabe diferenciar, o que ele trouxe da cultura berbere ou da cultura argelina para o Brasil, para sua casa?
R – É meio difícil, porque chega aqui e acaba sumindo. O Brasil é um país que acaba misturando de um tal jeito que some um pouco a cultura.
P – A parte de culinária...
R – Bom, culinária, sim. É o cuscuz. Cuscuz argelino. Que é completamente diferente do cuscuz daqui.
P – O que é?
R – É uma massa de sêmola de trigo, são uns grânulos assim de trigo, que coloca uma sopa de legumes e carne em cima. Hoje está bem conhecida. Na época que ele veio, não.
P – E da parte religiosa, o que ele trouxe?
R – Ele é muçulmano, mas não segue a religião. Nós até casamos na igreja católica. (risos)
P – O quê mais? De cultura basicamente foi isso que ele trouxe?
R - As roupas, a língua.
P – Quando acabou a guerra civil, quantos anos ele tinha?
R – É disso que eu estava tentando me lembrar. Ele teria uns 12 anos.
P – Em que ano ele nasceu?
R – Nasceu em 1953, a guerra acabou em 1962 né?
P – Acho que um pouco depois, não tenho certeza. Acho que por volta de 1968.
R – Não lembro direito. (risos)
P – E então vocês moraram sempre em Perdizes.
R – Sempre. Viemos para esta casa e ficamos. Que era a casa em que eu vivia desde os seis anos de idade.
P – Você está no bairro há muito tempo, quais são as principais transformações, o que mais lhe chama a atenção?
R - Até os anos 1970 ainda não tinha a avenida Sumaré, ou tinha um pedaço, não me lembro. Desse tempo para cá é que mudou totalmente.
P – Como é isso na prática? Como você compara a sua infância com a dos seus filhos?
R – Ah, totalmente diferente. Eles não saem, só saem acompanhados. Até para ir até o Palmeiras a gente acaba indo junto.
P – E você saía sozinha?
R – Ah, a gente brincava. Um grupo de crianças, assim, pequenos. A gente brincava pela rua, não tinha perigo nenhum.
P – Tem alguma história legal para contar?
R – De criança? (risos) Não sei se me lembro alguma coisa.
P – Bom, alguma coisa que você queira contar mais, que você queira falar?
R – Não sei, acho que ele hoje está bem integrado, a gente até esquece. Mas no começo foi interessante porque as pessoas, os brasileiros se interessam muito por estrangeiros, todo o mundo quer conversar, se aproximar.
P – Vocês foram pra Argélia depois disso?
R – Não, infelizmente. Porque a Argélia agora ficou com uns problemas religiosos.
P – E a família dele?
R – Então, ele tem um irmão na França. A gente foi para a França algumas vezes. Ele convive mais com esse irmão, que tem família lá na França. Mas os da Argélia é mais por carta mesmo. A gente acabou não vendo mais. Pretendo voltar assim que der.
P – Tá bom, então, Vera. Obrigado.Recolher