Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Catarina Delfina dos Santos
Entrevistado por Tiago Nhandewa
Entrevista concedida via Zoom (Itanhaém/Curitiba), 07/02/2023
Entrevista n.º: ARMIND_HV010
Realizada por Museu da Pessoa
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 – Ary porã Catarina,...Continuar leitura
Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Catarina Delfina dos Santos
Entrevistado por Tiago Nhandewa
Entrevista concedida via Zoom (Itanhaém/Curitiba), 07/02/2023
Entrevista n.º: ARMIND_HV010
Realizada por Museu da Pessoa
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 – Ary porã Catarina, eu quero te agradecer por ter o seu tempo para poder nos conceder essa entrevista, a luta dos indígenas pela terra e pela vida, e agora a senhora vai fazer parte desse acervo do Museu da Pessoa. Eu quero começar pelas tuas origens, perguntando qual é o seu nome em português, o nome indígena, e se tem um significado o nome indígena. Então eu gostaria que a senhora se apresentasse nesse início.
R –
Eu estou feliz por você ter me convidado, muito obrigada, eu te agradeço, Tiago. E o meu nome é Catarina Delfina dos Santos, em Tupi-guarani, Nimbopuruá.
Nimbopuruá, porque nós Tupi, recebemos um nome, os Pajés dizem que quando a gente recebe um nome é o que a gente vai ser no futuro. Então, eu venho comparando todas essas coisas, desde quando eu comecei a perceber que meu nome era Nimbopuruá e, hoje, eu vejo que Nimbopuruá, é aquele que jamais ia deixar alguém descalço, é como se fosse uma assistência social. Eu nasci na Aldeia do Bananal em 1950, e hoje eu moro na Aldeia Tapirema porque, em 2000, eu vim resgatar essas terras e hoje eu moro aqui, e é isso.
P/1 – Catarina, ainda sobre suas origens, você falou dos seus pais, eu gostaria que você pudesse contar um pouco sobre a história da sua mãe, dessa parte da família, da origem dela, quem era ela? Se você pudesse falar um pouco sobre ela.
R – Então, a minha mãe, ela é filha da dona Júlia, foi criada lá por Itaporanga, ela nasceu em Itaporanga, os pais dela vieram do Mato Grosso, em um lugar que ela falava que eles pegavam sal, eu não lembro agora o nome, eles pegavam sal e muita miçanga, que vinha do mar. Até hoje eu não acredito que a miçanga vinha do mar, mas ela contava essa história. Ela veio de lá e depois ela morou na [Aldeia] Nimuendaju durante muitos anos, ela era da família do Leocádio, e a minha avó foi casada, era uma pessoa muito sofrida. É a história da minha avó que veio do Nimuendaju. Ela dizia que o pai dela fazia ervas medicinais, para a cura não só dos parentes, mas fazia também para fora, para os não indígenas, fazia muitas curas com ervas. E foi onde ele foi assassinado pelos próprios sobrinhos, dentro da aldeia, e ela tinha apenas nove anos. Ela tinha um irmão mais velho, que eu não sei o nome, e depois tinha ela e mais um irmãozinho pequeno. Eu não sei se foi no Nimuendaju ou em Itaporanga, que os tios dela a pegaram para criar, porque a mãe dela também morreu logo depois que o pai faleceu, e eles ficaram sem ninguém, sem os pais. Ela foi morar com o tio e a tia dela judiava muito deles. Eles faziam mundéuzinho para pegar ratinho para comer, passarinho… E de tanto sofrimento, de fome, o irmãozinho menor morreu também. Aí o outro, que tinha doze anos, fugiu, então ela nunca soube para onde ele foi. E aí só sobreviveu ela. Quando ela tinha dez anos, deram ela para um senhor de idade, para se casar com ele, como eu disse, a gente se casava cedo, já tinham as pessoas marcadas para se casar. E ela foi uma dessas, se casou, teve gêmeos, aí mandaram matar porque eram gêmeos e, naquela época, não era permitido ter, se tinha gêmeos era porque não era de Deus, então mandavam matar os filhos. Depois, esse marido dela faleceu, e na época, o [Curt] Nimuendaju veio buscar o pessoal aqui no Bananal, foi muita gente para lá, quer dizer, muita gente não, foi todo mundo. Ele colocou no caminhão todos os indígenas do Bananal e levou a força para o Nimuendaju, porque eles achavam que lá era melhor, porque aqui era só mato e lá tinha trabalho, tinha como sustentar as pessoas, então eles levaram para lá, todo mundo. E foi lá que minha avó conheceu meu avô, meu pai conheceu a mãe do meu outro irmão, que morou comigo até esses dias, e muita gente se casou para lá. Minha tia, por parte de pai, também se casou com o tio João Pedro, que era de lá, e aí minha avó se casou com meu avô, e depois a minha mãe nasceu… Aí vieram embora para o Bananal, alguns vieram a pé, porque não tinham dinheiro, mas eles não queriam ficar lá, então voltaram a pé do Nimuendaju pro Bananal. E meu pai ficou um tempo trabalhando lá, como ele dizia, era folguista lá, não sei nem o que é isso. Mas, ele me dizia que ele ficou lá como folguista por um tempo, e depois ele voltou para o Bananal, ele e a família, e meu avô também voltou, aí tiveram a minha mãe, e a minha mãe sofreu muito, porque meu avô bebia muito também. Aí foram morar no Rio Branco, depois foram morar em Itariri, depois vieram morar no Bananal, foi quando meu pai se casou com a minha mãe. Meu pai já tinha mais de quarenta anos, e minha mãe só tinha dezesseis anos, o nome dela era Delfina Julia dos Santos, ____________ em Tupi-guarani, daí ela teve nós, doze filhos, morreram três e ficaram nove, e ela morreu com 64 anos, e meu pai morreu com 95 anos. E era uma pessoa muito boa a minha mãe, o meu pai também, meu pai, depois, virou Pajé também, porque os pais dele eram todos Pajé, da parte da minha mãe também. E a avó da minha mãe era Guarani Mbyá lá de Santa Catarina, e a mãe do meu avô era Guarani de Santa Catarina, então eu venho já de várias misturas, eu tenho Kaiowá, tenho ___________ , tenho Tupinambá, tenho negro na família, então eu sou uma mistura de tudo isso. Eu acho que por isso que eu falo muito, assim, e é isso.
P/1 – É, muito bem. Catarina você falou sobre o seu pai algumas vezes aí, eu gostaria que você pudesse falar o nome dele, um pouco mais dele, como ele era? Essa parte da família.
R – Bom, meu pai também era filho de pessoas que vieram em 1800 e pouco, lá do Mato Grosso do Sul, mas ele já nasceu aqui mesmo no Bananal. A minha avó era Tupinambá dessa região, no entanto, o meu tataravô era negro, era fugido, que era escravo, fugiu e ficou no meio dos indígenas, então a minha tataravó se casou com ele, porque na época que os não-indígenas estavam por aqui, que era a chegada dos espanhóis, tudo mais, dos portugueses, eles carregaram todos os meninos, então não tinham muitas pessoas para elas casarem, então ela acabou casando com um negro, e eu me sinto muito orgulhosa disso, porque aí, depois, ele ficou na aldeia e virou um Pajé muito forte, falava língua e tudo, virou Pajé também esse negro, e o nome dele, não sei em português, mas o nome dele em Tupi-Guaraní era Nimbu, tanto que o meu filho, em homenagem a ele, chama Nimbu Mirim. Ele era um Pajé muito procurado, fazia cura e tudo. Aí foram morar lá em Mongaguá e ele morreu lá, foi enterrado embaixo de uma pedra e, até pouco tempo, quando meu pai estava vivo, eles me convidaram para ir lá, conhecer essa pedra, porque sempre quando ia fazer temporal, da trovoada, raio, ele rezava lá embaixo da pedra. Assim disse o senhorzinho que morava lá, que era não-indígena, ele contou isso para mim e pro meu pai. Aí depois de muitos anos, eles falavam “volta para cá, seu João, que essa terra é de vocês porque seu avô (pro meu pai), seu avô foi enterrado aqui, tudo”. A gente nunca voltou, mas depois vieram os Guarani, mas eles nem conhecem a história, eles vieram e tomaram conta de lá, do Aguapeú. E agora eles moram lá, e eu acho até bom, porque a gente não ia tomar conta de tantas terras, então a gente tinha que dividir, o pouco que tem, tem que dividir com os irmãos. E o meu pai nasceu no Bananal, como eu falei, era muito sofrido, da época do SPI, o padrinho dele era o Marechal Rondon, que ele falava muito bem, mas eu não, porque eu conheço a história. E foi através dele que ele ficou trabalhando um tempo no Nimuendaju, porque o Marechal Rondon era padrinho dele, ele o conheceu. E depois de muitos anos, meu pai não ia muito na casa de reza, mas depois de algum tempo, eu já me conhecia como gente, no caso, estava com uns dez, onze anos, ou mais. Aí ele começou a frequentar mais a casa de reza, e acabou virando Pajé, foi um dos últimos pajés mais fortes dos Tupi-Guarani, que aprendeu pela própria natureza dele, não foi aprendido, ninguém ensinou ele. E até, no entanto, que algumas pessoas falam que aprenderam com ele, hoje, os conhecimentos que ele tinha, então ele foi, não só ele, mas por parte da minha mãe, a mesma coisa, a gente aprendeu muitas coisas da espiritualidade, porque eles eram pajés, faziam batismo das crianças, tanto meu pai, como por parte de pai, meu avô, por parte de mãe também, e assim por diante. Então, eu tenho uma história assim, eu sou filha de grandes Pajés dos Tupi, não só dos Tupis, mas como essa mistura toda, que eu falei.
P/1 – É, muita energia, Catarina. Eu acho que todos esses povos, que a gente carrega, eu acho que nos dão muita força, por isso que você é essa guerreira. E Catarina, para completar a família, essa parte que você falou de você, dos seus pais, você também citou seus irmãos, gostaria que você falasse um pouco sobre seus irmãos. Quem são eles? Quantos irmãos você tem?
R – Então, por parte do meu pai eu tinha um irmão, tinha não, tenho ele ainda. Ele viveu bastante tempo com a gente, até esses dias, agora ele já completou 87 anos no dia 06/01, estava aqui com a gente, mas as filhas o levaram embora para a cidade, eu estava até muito triste por conta disso, porque ele quer voltar, mas as filhas não querem deixar. Então, ele foi uma pessoa que, até dezoito anos, morou na aldeia, depois ele foi para a cidade, virou garçom, depois artesão, depois virou cineasta, então ele fez muitas coisas boas na vida, e assim, muito bom pra mim, porque eu aprendi muitas coisas com ele, não só da vida, mas também espiritualmente. Aprendi muito, muito mesmo com ele, e agradeço por ele ter ficado um tempo com a gente, porque até então ele não ficava muito e, hoje, eu agradeço por ele ter ficado, eu aprendi muito mesmo com ele, não só eu, mas muitas pessoas que moram aqui no Piaçaguera, o Luan, por exemplo, o Ferrari, uma porção de gente aprendeu muito com ele. E depois, como meu pai e minha mãe, aí a minha mãe teve doze filhos, esse que eu falei agora era filho da Persindina, que ele também conheceu lá no Nimuendaju, eu não sei quem era a família dela, mas ele conheceu no Nimuendaju, se casou lá e ela morou dezoito anos com meu pai, não tinha filhos, e meu avô que, espiritualmente, trouxe esse filho para eles. Aí logo depois, como ela bebia muito, meu pai separou, se casou com a minha mãe, a minha mãe tinha dezesseis anos e meu irmão tinha quinze anos, esse outro, que era filho dele. E aí a minha mãe teve doze filhos, eu sou a mais velha, teve mais o Raimundo, que foi depois o primeiro conselheiro da SESAI, depois teve o Sebastião Salgado Santos que era __________ Awá , que foi morto lá em São Paulo a tiros. Teve o Renato Samuel dos Santos que morreu já também, teve o Reinaldo Samuel dos Santos, (todos eles tem nome indígena, mas estou falando só em português), também já morreu. Então, hoje só resta eu, sou a mais velha, que é Catarina Delfina dos Santos, tem o Amâncio Samuel dos Santos, a Cristina Samuel dos Santos que mora aqui do lado no Tekoá Paraíso. E depois tem o Marcos Paulo dos Santos, que parece que agora mora lá em Curitiba, ele é pastor evangélico, um outro irmão que mora lá que chama João Carlos Samuel dos Santos, que mora em Curitiba, na Aldeia Kakané Porã, que você tá pertinho aí, se você quiser visitar ele, você vai. E é isso, meus irmãos são essas pessoas, o Raimundo foi uma pessoa que lutou muito pela saúde dos indígenas. Eles não foram, a maioria dos meus irmãos, não foram de muita luta, porque… ah não sei, eles não tinham essas, a mais que tinha essa jeito de luta a favor dos povos era eu mesma, quantas vezes eu quis levar eles junto comigo, eles não gostavam, eles não se entrosavam muito com os outros indígenas.
Então, sempre fui eu que fiquei na luta, no entanto, quando meu pai faleceu em 2000, um pouco antes de eu vir para cá ele faleceu, fazia um mês que ele tinha falecido quando eu vim fazer a retomada da Piaçaguera, meu pai pediu perdão para mim, do jeito que ele me tratou porque eu era mulher, e ele disse “Eu sei que você vai ser sempre alguém a favor do nosso povo, então eu agradeço por isso”. Aí contou a história do Petynguá para mim, como que eu tinha que usar, ele achava que eu ia fazer tudo que ele tinha vontade e não fez, eu faria mesmo sendo mulher, então ele me abençoou muito, e pediu perdão para mim, por ele ter feito tudo aquilo que ele fez quando eu era menina, moça e tudo mais. Então, eu agradeço ao Nhanderu por tudo isso, porque para mim, como eu disse, é muito gratificante. E os meus irmãos, o único que esteve na luta mesmo, pelo nosso povo foi o Raimundo, o resto morreu muito cedo, então não tiveram tantas lutas a favor do nosso povo. E o Amâncio hoje, que me dá também muitos conselhos, muitas coisas, mas ele não gosta muito também de ir à luta, vai quando tem perto assim, mas de ir para longe, ele não vai não. E os meus filhos puxaram a mim, todos eles são de luta, então eu fico muito orgulhosa por isso.
P/1 – Catarina, que bom que você falou dos seus filhos, e para a família ficar completa, eu quero também que você fale sobre seus filhos. Quem são eles? Quantos são? Se você pudesse contar um pouco sobre eles.
R – Então, eu tenho a Fabíola, que foi uma filha que eu tive fora do casamento, porque assim, a família dele era descendente Tupinambá, mas ele morava na cidade e, por isso, meus pais não me autorizaram a casar com ele, então fiquei com a Fabíola. Ela é muito inteligente, é vice-diretora lá no Bananal, ela também é de luta. Aí depois eu me casei com o João, que era meu primo de terceiro grau, acabei me casando com ele, porque meus pais não queriam que eu me casasse com um não-indígena. No entanto, eu trabalhava na União das Nações Indígenas, como eu disse, e ele me proibiu, olha, quando os homens são machistas, me proibiu de participar das reuniões, de ir e tudo mais, eu até desobedeci um pouco, mas depois acabei ficando durante dez anos morando com ele. Por outro lado, agradeço também, porque aprendi tudo de novo, tirar palmito, caçar, fiz tudo isso novamente. E depois de dez anos eu acabei me separando dele, aí fui fazer, aí fui escolhida para fazer a faculdade, em 2000, porque era a única dentro da aldeia que tinha o ensino médio completo e falava a língua materna. Então, eu fui escolhida pela comunidade para fazer o magistério indígena, depois para fazer a faculdade de Pedagogia. E eu fui uma das primeiras a entrar na sala de aula já em 2000. Depois de casada com o João, tive a Tainá, a Tainá é meio devagar, mas ela também agora já está aprendendo, já está indo para a luta indígena. Aí veio Tenon, o Tenon já foi cacique com dezenove anos, ele enfrentou uma luta grande aqui no Piaçaguera, que até então teve um problema na SESAI, de saneamento básico e tudo, e ele foi para Santos, fechou toda aquela rua principal com o pessoal da aldeia lá e o pai dele veio reclamar para mim, dizendo que era pra eu falar pra ele vir embora, não fazer aquilo que estava fazendo por lá, porque era perigoso ele ir preso ou alguém matar ele. Aí eu disse para ele “se ele puxou a mim, ele não vai correr. Ele vai ficar lá nem que alguém mate ele, mas ele vai ficar, não vai sair. Agora, se puxar a você, ele vai correr “. Mas não, isso não aconteceu, ele conseguiu aquilo que ele queria lá em Santos, depois ele ficou durante um ou dois anos como cacique, saiu, foi embora para Ubatuba, lá ele colocou saneamento básico. Acho que em 2020, ele voltou para cá para o Piaçaguera, morou no Porungawa, aí depois eu tive problemas na Piaçaguera também, queimaram minha casa de reza, meu próprio parente, eu fiquei muito triste com isso, aí ele veio, e a gente então reabriu a Aldeia Tapirema na aldeia Piaçaguera. Aí tem o Nimbu, que também já é da luta também, ele já é mais quietinho, mas agora também já está. Ele é vice cacique aqui, o Tenon hoje é cacique aqui, o Nimbu já foi professor dos Guarani lá em Iguape durante dois anos, hoje ele está aqui com a gente, ele é vice cacique. E a gente está trabalhando duro aqui, não só para reforçar a nossa cultura, mas para que a gente possa mostrar, a nossa capacidade, não só do indígena, mas também do não-indígena, limpando tudo, fazendo as coisas, conservando as nossas florestas, tomando conta das coisas, porque tinha a mineradora, que destruiu tudo, por aqui. Então, temos uma lagoa grande aqui atrás, foi a mineradora que fez, mas é muito gostosa a lagoa que tem hoje. E a mineração só parou mesmo em 2000, quando a gente veio para cá, porque até 2002, 2003 ainda continuava fazendo os estragos aqui nas terras. E é muito complicado para gente plantar as coisas, porque tem que fazer muito tratamento na terra por causa da areia e, também, o solo que era mais produtivo foi retirado. Então é isso. E agora eu tenho os meus netos, que estão aí. Eu estou tentando ensinar para eles a nossa cultura, o nosso modo de viver. E a minha neta que está lá em Campinas, fazendo faculdade, ela sempre que pode, está vindo para cá, participa da nossa dança, participa dos nossos rituais. Então, essa é a minha felicidade, são coisas que eu me orgulho, hoje, de dizer, todos os meus netos dão valor a aquilo que eu sempre dei valor, então essa é a minha recompensa, eu acho eu tenho, da minha luta de todos os tempos. E, também, agradecer todos meus parentes, não só os Tupi, como os outros, como os Guaranis e outros parentes que eu conheço, que me consideram, e isso para mim é um orgulho. De saber que todas essas pessoas me cumprimentam, me elogiam, de ter sido essa mulher que fui. Não só porque eu queria, mas alguma coisa dizia dentro de mim que eu tinha que ir à luta e, também, defender as mulheres, indígenas e não-indígenas. Porque, até então, foi uma luta grande para eu conquistar o meu espaço dentro das lideranças indígenas.
P/1 – Com certeza, Catarina. Catarina, a curiosidade que não sai da cabeça, e eu gostaria que você retornasse a essa história, sobre a sua vida escolar, que você disse que foi estudar numa escola católica, um convento. E você fala o que te motivou a ir para lá, mas gostaria também que você pudesse passar por esses momentos da sua formação, da formação no ensino básico, até você chegou no ensino superior, e já emendando também, você foi professora. Gostaria que você falasse dessa experiência sua no mundo da educação, escolar. Pudesse ficar registrado para nós.
R – Então, como eu falei, fiz todo esse esforço, eu fui cacique da Piaçaguera, mas depois fui escolhida pela comunidade para eu fazer o magistério, e depois, para ter a formação na faculdade, a diferenciada, da qual você participou. Em 2000, eu já fui para sala de aula. Para mim foi muito gratificante, mas eu nunca quis ser educadora, quer dizer, eu só educadora assim, porque todo mundo fala: “você é educadora”, mas eu não queria nunca estar em sala de aula. Mas fui para sala de aula, inclusive dei aula para os meus filhos, e tudo em sala de aula, e isso para mim também foi gratificante, de ter os meus filhos, os meus parentes, dentro da sala de aula comigo, mas o que eu não gostei, foi que eu participei desde a primeira reunião com seu pai lá, da época de criação, do Vladimir, como ele queria a educação, e outros que participaram junto com ele. Era pra ser da maneira que eles queriam que fosse, e eu queria fazer do jeito que eles queriam que fosse, então eu comecei assim, dentro da minha sala de aula, mas o meu supervisor, a delegacia de ensino, não aceitavam esse tipo de coisa. Até fiz um calendário diferenciado, tudo diferente eu fiz, vi aquela cartilha do Estado, que não era adequada para as crianças, fui modificando tudo, e tinham coisas que eles não aceitavam, eu tinha que mudar tudo. Eu levava para eles, mas tinha que mudar tudo e aquilo foi me estressando. Para mim foi gratificante, porque eu saía com os alunos, andava todas essas lagoas explicando, andava na natureza com as crianças, e era muito bom. Ia na praia ensinar matemática com eles, isso para mim era muito bom, porque eu aprendi dentro de quatro paredes, e para mim, foi muito ruim, aquilo de ter estudado dentro de quatro paredes, então para os meus alunos eu não queria isso, eu queria que eles fossem livres. Mas também, como era para os indígenas diferenciados, eles teriam que estar aprendendo, como eu sempre digo, a nossa gramática, o nosso vocabulário. Difícil era para estar dentro da casa de reza, porque lá que nós falamos as palavras difíceis, para o Português tem o dicionário, você fala as palavras do dia a dia, mas tem as palavras difíceis que você vai procurar dentro do dicionário. Nós, indígenas não, aprendemos desde criança dentro da casa de reza. A educação vem de dentro da casa de reza, e todas as palavras difíceis que a gente tem que falar, que são diferentes, a gente aprende ali. Agora, no dia a dia, você fala qualquer coisa, mas as palavras indígenas diferentes, ligadas espiritualmente, às vezes mais… Como eu posso falar? Mais chiques, as palavras, você aprende dentro da casa de reza. E para mim foi bom, porque teve muitas crianças que saíram da minha sala de aula, foram para fora estudar, aqui só tem até a nona série, eu dei aula do primeiro ano a quarta série, depois eu dei da quarta série ao nono ano, então fiquei durante três anos, não, quatro anos, dentro da sala de aula, depois fui vice-diretora dentro das escolas. Fiquei aqui durante um tempo, depois fiquei como vice-diretora durante um tempo no Rio Branco, com os Guarani, e foi muito bom para mim. Fiquei durante doze anos trabalhando para o Estado, mas quando eu vi que não era aquilo que eu queria, que não dava certo com o que eu queria, com o que os pajés, com o que as lideranças queriam, com o que os caciques queriam, dentro da sala de aula, isso não acontecia, eu saí. Porque, também, eles falavam que a gente não podia falar contra eles, porque a gente era empregado, mas eu nunca me segurei por isso, para mim, se eles me mandassem embora, eu não estava nem aí, não estava me importando pelo salário, eu queria era saber do bem-estar das crianças. Para que um dia eles crescessem como os guerreiros da natureza, e, também, não esquecendo daquilo que eles aprendiam fora da aldeia. Então, para mim, isso era gratificante, porque você respeitar outras pessoas, outras etnias, de outro país, ou do mesmo país, de outros estados é muito gratificante, então você tem que saber estar no seu lugar, mas também sabendo como é a sua tradição, como é o seu modo de viver, e respeitando todos os outros. E aprendi muitas coisas com os mais velhos, aprendi com os jovens, aprendi com os mais novos e aprendi com as crianças. E continuo aprendendo com os mais velhos, com os jovens, e com as crianças. Isso para mim é muito gratificante, tudo que a gente faz aqui na terra é como o meu irmão, esse de 87 anos, diz, tudo está escrito, então tudo que está escrito, você vai passar por aquilo, que está escrito, então eu não reclamo, de tudo que eu passei, estava escrito, tudo que ainda vou passar eu tenho certeza de que está escrito, e é isso.
P/1 – É uma trajetória na educação muito importante, eu acho que você ajudou a construir tudo que tem hoje no estado de São Paulo, em termos de educação. Voltando na questão da luta pelo território, Catarina, eu lembro de algumas vezes que você contava, que vocês saíram do Bananal, uma das aldeias mais antigas aí litoral, e eu gostaria que você falasse como foi essa saída, o primeiro dia que vocês saíram do Bananal e voltaram aí para retomada no Piaçaguera. Contasse um pouquinho dessa história de saída de vocês, você falou como vocês estão hoje, e você pudesse voltar um pouquinho nesse momento que vocês saem de lá, como foi?
R – Então, eu nasci no Bananal, meu pai nasceu no Bananal, a maioria nasceu no Bananal, mas como você sabe, você deve entender, que teve conflito na aldeia do Bananal, eu não vou falar, como que fala? Eu não quero falar sobre isso, mas teve um conflito na aldeia do Bananal.
Tiago, eu sei que você sabe como é que são os conflitos dentro das áreas, e aí isso não deixou a gente permanecer. Eu já estava, eu ia sempre pro Bananal, meu pai tinha a casinha dele lá, tinha a casa de reza e tudo.
Tinha também a igreja evangélica, eu acho que o conflito aconteceu por causa dela, e a gente saiu de lá, porque a gente não queria mesmo uma guerra, porque ia acontecer uma guerra lá, porque chegaram a colocar prego embaixo do colchão do meu pai, para ele se deitar em cima do prego. Depois colocaram fogo na casa do meu pai, e eu fiquei muito triste com isso, meus irmãos arrumaram outros indígenas para ir lá, para guerrear mesmo lá, e a minha mãe não deixou, porque a gente não saiu de lá porque estava com medo dos outros parentes, a gente saiu de lá para evitar confusão, porque Nhanderu não gosta disso. E aí ficaram muitos dias num lugar aí, que é aqui em Peruíbe mesmo, que era do pessoal da agrícola, técnica, e aí um pessoal ficou um tempo lá, porque não tinha lugar para ir e foi onde a FUNAI comprou as terras no Paraíso. Mas aí, tinham pessoas que não queriam ir para muito lá porque tinha muito pernilongo, era muito longe e tudo mais, aí algumas foram para lá e a gente resolveu então retomar essa terra da qual a gente já sabia a história. Veio eu e o Pitotó, dentro do carro da FUNAI para dar uma olhada aqui. Aí como tinha uma senhora que morava aqui há 50 anos, ela não saiu daqui, era de um pessoal que é até parente, lá do Nimuendaju, ficou morando por aqui, veio do Laranjinha, e aí ela morava aqui há muitos anos e então, a gente veio então armar nossa oca, nosso barracão no quintal dela para a gente retomar as terras. A gente veio e foi onde a gente conseguiu. E aqueles que foram para o Paraíso não queriam vir para cá por medo do pessoal daqui que era cangaceiro e do pessoal que fazia “correr” as pessoas, e tudo mais. Aí foram para o Paraíso, mas depois, esse pessoal que foi para o Paraíso resolveu vir para cá, porque lá era muito longe, então eles vieram para Aldeia Piaçaguera. E hoje nós estamos aí, acho que a história é essa, eu não vou contar com detalhes, porque não seria ético.
P/1 – Hoje Piaçaguera é todo o território, e eu gostaria que a senhora explicasse que agora tem outras comunidades também, e a que a senhora mora se chama Tapirema. Se a senhora pudesse falar um pouco dessa organização interna, quantas aldeias são, e contar um pouco da história do Tapirema também, como foi fundar Tapirema?
R – Então, na retomada de 2000 até, tinha sessenta famílias, depois que veio o pessoal da periferia, e outros, aí foram vindo os indígenas, tinha sessenta famílias na Piaçaguera. Depois da demarcação, por causa da invasão também do não indígena, o pessoal foi se retirando, já estava uma confusão também, foram se retirando e fazendo suas aldeias dentro da própria área, porque aqui são 2700 e poucos hectares, isso eu acho que é até bom, porque vão tomando conta do território mesmo, porque se não os não indígenas acabam tomando conta, porque tem várias casas ainda que tem que ser retiradas de Piaçaguera, porque eles vieram depois que a gente veio, depois que outros já estavam aqui. Então, a gente resolveu em 2020, porque o Tenon já estava aí, a gente resolveu vir para Tapirema, porque até então a história da Tapirema era…Não, antes de contar a história da Tapirema, eu vou contar um pouco também o porquê da vinda nossa da Piaçaguera. A Piaçaguera era um lugar onde, quando eu nasci no Bananal, a gente vinha de madrugada, pegar o trem da madrugada para ir para Santos, para vários lugares, porque até então, não tinha, os indígenas mais da época mais antiga, eles passavam a nado pelo rio Itanhaém, para eles fazerem as compras, para ir para Itanhaém, para ir para Santos, para ir para São Vicente. Então, morreu muita gente nesse rio Itanhaém, porque eles atravessavam a nado, e, quando eu nasci, já tinha o trem. Mas a gente vinha andando 18 km a pé até a [estação] Taningua para pegar o trem da madrugada, nós dormíamos aqui na estrada, no Piaçaguera. E aqui morava a família do meu ex-marido, ele já faleceu há um tempo, mas a família dele também morava por aqui, e ele cresceu aqui. Ele nasceu no Bananal, mas a vida dele quase toda foi aqui na Piaçaguera, e essa Tapirema é um lugar onde ele ficou muitos anos, ele cresceu aqui, vendia caju por aqui. Então, foi um lugar em que ele veio, contou a história para o meu filho, o Tenon, e aí meu filho ficou assim, muito emocionado com a história, então resolveu abrir a aldeia aqui dentro da Tapirema, que é a história mais antiga do pai dele, tanto que hoje ele fica muito triste, porque há quatro meses o pai faleceu e ele veio também abrir esse lugar, e relembrar tudo da infância dele. Em que ele contava umas histórias muito bonitas desse lugar, não só daqui, mas também da Piaçaguera toda, porque o pai também trabalhou na mineradora, e tudo mais. Então essa é a história, quer dizer, não é detalhadamente, são muitas coisas, mas é resumindo
P/1 – Muito bem. Catarina, você falou também que aí tinha uma exploração de uma mineradora, e hoje vocês trabalham na revitalização, no plantio de árvores, na recuperação. Eu gostaria de fazer uma pergunta, qual a importância do meio ambiente, da floresta, dos rios, dos animais, para vocês, para os indígenas? Qual a importância, o significado?
R – Então, a importância para todos nós é o ar, que é o mais importante na nossa vida, nossa respiração. Então, a gente está revitalizando, plantando árvores, conservando árvores que já tinham aqui e parando com essa mineradora que estava destruindo tudo,
porque é mais saúde para nós, se a gente conservar a floresta. Nós não podemos mais voltar como antigamente, eu gostaria muito de não ter conhecido não indígena, eu queria estar na floresta, como antigamente, comendo caça, peixe, vivendo das frutas, da natureza. Mas, não sei se, felizmente ou infelizmente, eu não pude ficar lá atrás, então hoje eu dou muito valor à floresta. Uma porque Deus fez a floresta para o nosso remédio, para nosso alimento, para alimento dos animais, então Deus fez tudo isso, a terra é a nossa mãe, se não tivesse a terra, nós não existíamos, se não tivesse a terra, não tinha floresta, não tinha água, não tinha animais, então Deus fez a terra, não para ser vendida, não para ser negociada, ela foi feita para nós sobrevivermos. Então, ela é como a nossa mãe e, em cima dessa mãe, que nós temos que dar muito valor a ela, tem floresta, tem água limpa e ar limpo, onde tem floresta, os animais são saudáveis. E onde tem animais saudáveis, em que a gente possa se alimentar deles, somos saudáveis. Então por isso, eu dou muito valor à conservação do nosso ambiente. Nós indígenas, mais que tudo, devemos conservar. Eu vou contar aqui, uma pequena história, que eu ouvi da minha avó e do meu avô: Quando Deus fez a Terra, nosso Pai ________
veio esticar a terra, depois que ele esticou uma parte da terra, então ele levou para dentro da terra três coisas, levou o ouro, a prata e o arco e flecha, depois chamou os não indígenas espanhol, português, tudo quanto é tipo de nação, e, também, levou os indígenas.
Aí ele mostrando o ouro, a prata e o arco e flecha, todos não indígenas escolheram o ouro e a prata. E, por último, foi chamado o indígena que estava lá, aí ele não escolheu o ouro e a prata, ele escolheu o arco e flecha, todos os não indígenas, ficaram olhando e observando: “Por que ele escolheu arco e flecha que não tem valor de nada? Nós não, escolhemos o ouro, que vai dar muito dinheiro para nós, escolhemos a prata que vai dar muito dinheiro para nós, para nossa sobrevivência e tudo mais”. Aí eles falaram: “Quem escolheu o arco e flecha, como ele vai sobreviver? “. Aí o que Nhanderu falou, Deus, de todos nós, falou: “Agora pede para ele explicar porquê que ele escolheu o arco e flecha”. Ele levantou e disse: “Eu escolhi o arco e flecha, porque eu vou cuidar da natureza que você fez, que nosso Pai fez”. Aí os não indígenas perguntaram para ele: “Mas como você vai defender a natureza?”. Aí ele falou assim: “A terra foi feita para nós sobrevivermos, a natureza também, o arco e flecha vai ser para minha sobrevivência como arma, eu vou poder matar uma caça, pegar um peixe com arco e flecha, e fazer a minha própria arma com a natureza, mas respeitando ela, então isso eu quero sobreviver dentro da natureza, para que eu possa conservar a natureza, para que possamos ter saúde, uma água limpa, uma floresta fluida para ter os frutos e os animais para gente se alimentar”. Então, explicou isso para os outros, e eles ficaram rindo ainda dele, porque eles iriam ter muito ouro, muita prata, como até hoje, vou até fazer um comentário, estão brigando lá nos Yanomami por causa do ouro. Então acho que é isso, não sei se você matou a charada do arco e flecha, também espiritualmente, você sabe que o arco e a flecha tem muito valor espiritual para nós, que é a nossa força, da sabedoria.
P/1 – Bela história você trouxe, Catarina. Emendando a questão ambiental também, essa narrativa, do conceito, da cosmologia indígena, da forma de ver o mundo.
E tem muito a ver com a vida, a natureza, a formas que a gente se comporta, cuida dela. E, falando de vida, eu quero voltar para um tema atual, que é Covid-19, eu gostaria de perguntar como que vocês fizeram para se proteger? Como vocês se cuidaram? Se tiveram alguma perda na comunidade? Como vocês lidaram com essa pandemia da Covid-19?
R – Então, nós aqui, nós ficamos mais dentro da aldeia, os mais velhos ficaram aí na aldeia, aí eu não sei se ia valer ou não, mas eu fiz um chá para todo mundo, que eu sabia, eu tive um sonho para proteger. Graças a Deus, só quem teve Covid aqui foi o Tenon, que veio de Brasília e ficou com Covid, mas não foi tão grave. Por aqui, que eu saiba, perdemos só um em Itariri, que eu acho que foi uma pessoa que perdemos em Cariri, um senhor de idade já, lá em Itariri, mas aqui em Piaçaguera mesmo, graças a Deus, a Covid não levou ninguém. Mas, minha avó e meu avô já falavam dessas doenças que poderiam aparecer lá pro final, ele falava, pro final dos tempos, eles falavam então eu já espero. E não é só esse, vão ter outros ainda, a gente tem que estar preparados para isso, então eu fiz uns remédios aqui. O Tenon, quando eu fiquei sabendo que estava com Covid, eu fiz o chá de goiaba, que não tem nenhuma importância, mas eu recebi uma mensagem lá dos ________
que a melhor coisa para preservação, para imunizar o nosso corpo contra A Covid era o chá de goiaba, das folhas da goiaba, e eu fiz e para o Tenon. Eu acho que o fortaleceu bastante, ele logo ficou curado, e é isso, foi só ele que teve a Covid, mas eu mesma já espero várias doenças que ainda vão aparecer piores do que a Covid, então vão se preparando para isso.
P/1 – É verdade, a gente sempre ouve dos mais velhos que já aconteceu antes, está acontecendo e vai acontecer de novo.
E a gente vem enfrentando tudo isso, mas pensando, Catarina, que a gente ainda vai viver por muito tempo, eu gostaria de te perguntar, hoje quais são as coisas mais importantes para você? Também quero perguntar quais são seus sonhos? E o que você gostaria de deixar para o seu legado? Para sua família, para comunidade, para o povo indígena. Então o repetindo: Quais são as coisas mais importantes para você hoje? Quais os seus sonhos? E o legado que você quer deixar?
R – Então, hoje a coisa mais importante para mim é a espiritualidade, porque se você não está bem de espírito, você também não vai estar bem de saúde. Você tem que estar sempre, pelo menos, dando três ou quatro minutinhos da sua atenção para o Nhanderu, para Deus, para se fortalecer espiritualmente, porque você estando com o espírito forte, você é mais imune e saudável as doenças, você está imunizado as doenças que estão aparecendo. Então para mim a coisa mais importante, hoje, é a espiritualidade, que eu nunca esqueço de estar na casa de reza de pedir não só pelos meus netos, pelos meus filhos, mas por todos nós, por todos nós povos indígenas e não indígenas, que estão na terra, porque todos que moram, todos os seres humanos que são nossos irmãos. Tudo que vive na terra, ele tem uma vida, os animais, as formigas, tudo, a floresta, tudo ele tem vida. Então eu rezo para que Nhanderu dê força para todos esses seres vivos da terra, não só do ser humano, mas também todos os seres vivos da terra, essa é a coisa mais importante no momento. E, também, pedir para Nhanderu para que me dê forças para eu ter muito amor ao próximo, porque isso a gente tem que estar pedindo todo dia. Nós somos seres humanos, temos um corpo, então nós somos errantes, então pedir para que ele nos proteja da maldade de dentro do nosso coração, para que a gente possa ser melhor cada dia mais. E o meu sonho é que todos os indígenas Tupi Guarani, aqueles que perderam a sua língua, que voltem a se preocupar com isso, porque nunca é tarde para aprender novamente, reforçar a nossa fala, a nossa espiritualidade o nosso modo de viver. Se a gente está vivendo ainda até hoje, não é porque nós temos bomba atômica, bombas, armas nucleares, tudo isso, é porque nós temos Deus, nós temos Nhanderu dentro de nós, ele nos protege, tanto que, quando a gente vai à luta, a gente não fica lá com arma nenhuma, a gente pode até estar com arma, mas é com arco e flecha, uma lança que hoje nem pode mais ser usada, então a gente usa a nossa arma da espiritualidade, Deus proteja nós, e a gente vence a luta através de Nhanderu, que nos dá força para vencer a nossas lutas, estamos vencendo hoje, acho que esse ano é um dos melhores. Não é tanto quanto a gente queria, mas acho que é uma dos melhores anos da vida presenciada, que é a minha, a sua, de todos. Fora aqueles que se foram que gostariam de estar vendo isso, e fico muito feliz de ver que os nossos, as nossas mulheres estão tomando lugares lá no ministério, na presidência da FUNAI, não só as mulheres, mas também os jovens, os indígenas que estão tomando seu lugar. O único recado que eu tenho para deixar, o meu legado, para o meu legado é que tenha fé em Nhanderu, que faça tudo certinho, não seja aquele ganancioso, igual alguns, não vou dizer os não indígenas, porque não são todos, porque tem muita gente não indígena que são da luta, não só pelos indígenas, mas pelos pobres, pelos negros, pelas outras pessoas menos poderosas que tem na face da terra. Então, a gente deve estar sempre preparado para estar ajudando um ao outro, para que não falte nada para nós e nem para eles, e que Deus sempre olha por aqueles que menos ganham dinheiro, para que eles possam sobreviver na terra, não passando fome e nem necessidade, mas com aquilo que eles merecem, aqui na terra, e que os guerreiros da nossa aldeia, os guerreiros nossos, que seja
fortes, peço a Nhanderu para que sejam fortes, enfrentem toda essa luta que temos ainda pela frente, que não vão ser poucas ainda, tenho certeza que ainda muita luta vai vir, mas que Nhanderu dê muita forças para os jovens, para que possamos ultrapassar todas essas coisas ruins que estamos passando nesse momento, sempre vamos continuar lutando até a gente sair dessa. E é isso que eu tenho para dizer para você. Nhanderu abençoe todos nós que estamos aqui na terra, que nos dê inteligência, sabedoria para que a gente possa lutar a favor dos nossos filhos, dos nossos netos, dos nossos parentes, de todo o ser vivente dessa terra, de todo o universo.
P/1 – ___________, Catarina, eu fiz algumas perguntas para você, que eu segui aqui um roteiro, mas também deixo esse espaço aqui, caso não tenha feito alguma pergunta que você gostaria de ter respondido. Se você quiser acrescentar mais alguma coisa, alguma coisa que talvez tenha vindo agora “ah, eu gostaria de ter falado sobre isso”. Ou se não tiver também, se você falou tudo por enquanto, fica esse espaço, para caso de você querer acrescentar.
R – A única coisa que eu tenho para falar é que no momento, que os indígenas tenham coragem, e tomem os espaços concedidos pelo homem branco, mas também ele tem que estar trabalhando a favor do nosso povo, das pessoas mais necessitadas da terra, é isso que eu tenho para dizer. Para aqueles que estão tomando posse, cada um nos seus lugares, que foram chamados, de onde está escrito, de onde ele vai ser chamado, espero que eles cumpram aquilo que eles devem cumprir, que não sejam iguais aos outros que ficam trapaceado e deixando os nossos parentes sofrendo, sabendo que tem verba aí para suprir algumas comunidades, não só indígenas, mas também além dos indígenas tem outros, que são mais pobres, que precisam dessa ajuda. Espero que todas essas pessoas que estão tomando os seus lugares, onde são chamados, que orem para todos nós, para todas as pessoas que estão necessitando nesse momento, e que Nhanderu abra, esses que estão lá, abra a mente dessas pessoas que estão, que abra o coração deles, para que eles possam fazer um bom trabalho para todos nós. Todos nós merecemos aquilo que Nhanderu quer que a gente mereça e quer que a gente viva nessa terra, e vamos valorizar a mãe terra. Acho que é isso que eu tenho para dizer, no momento, eu não lembro de mais nada E muito obrigada, Tiago, por você ter me convidado, espero muito sucesso na sua vida, dos seus filhos, da sua esposa e tudo mais. E é isso que eu desejo para você
P/1 – Catarina, muito obrigada, e a última perguntinha só para encerrar essa. E como foi contar sua história, Catarina, no dia de hoje?
R – Não entendi.
P/1 – Como foi contar sua história?
R – Como foi contada a minha história? É isso?
P/1 – É, não. Como foi contar sua história hoje?
R – Ah, como foi contar a minha história hoje? Olha, para mim foi muito bom, mas eu já estou acostumada a contar minha história. Você sabe que nós temos aqui a "vivência na aldeia “, então estou sempre contando a minha história, nem tudo, mas sempre estou contando uma parte da minha história, então tem até gente querendo fazer livro, mas ainda não escrevi o meu livro, e é isso, para mim é orgulho tá contando essa história, sabe? Como diz o Tenon: “a Senhora foi secretária do Padre Anchieta”. Já pensou se fosse mesmo? Já estava, não existia mais, claro. Mas eu me sinto muito orgulhosa de saber que as pessoas querem saber a minha história, para mim é um orgulho. E agora, sabendo também, sabendo de você me entrevistando, para mim você é uma pessoa muito especial, sabia Tiago? Eu acho você uma pessoa muito importante, sempre eu falo bem de você, porque eu te conheci desde menino, então isso, para mim, é um orgulho. E é isso, que Nhanderu te dê muita força pela frente.
[Fim da Entrevista]Recolher