Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Marcos dos Santos Tupã
Entrevistado por Tiago Nhandeva
Entrevista concedida via Zoom (Curitiba / Ubatuba), 16/11/2022
Entrevista n.º: ARMIND_HV023
Realizada por Museu da Pessoa
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 − Parente Marcos Tupã, seja ...Continuar leitura
Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Marcos dos Santos Tupã
Entrevistado por Tiago Nhandeva
Entrevista concedida via Zoom (Curitiba / Ubatuba), 16/11/2022
Entrevista n.º: ARMIND_HV023
Realizada por Museu da Pessoa
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 − Parente Marcos Tupã, seja bem-vindo! Nessa entrevista, Indígenas Pela Terra Pela Vida, você vai poder contar um pouco da sua história de vida, da sua luta, das suas origens. Para nós, é um prazer tê-lo aqui conosco. Então eu já quero começar perguntando sobre suas origens, então qual é o seu nome Juruá e seu nome em Guarani, se você pudesse nos contar sobre seus nomes?
R – Olá, eu sou Marcos dos Santos, é meu nome português e meu nome em Guarani é Tupã. Tupã quer dizer Trovão na etnia Guarani. Nós somos Mbya Guarani, dialeto Mbya Guarani, do tronco, família, tronco tupi-guarani. Então, pertenço a esses lindos guerreiros do povo, que resistiu e ainda está resistindo, um povo também de contato desde 1500, estamos aí a 522 anos. Nós estamos aqui no litoral norte, no município de Ubatuba, São Paulo, mas somos uma família grande de Mbya Guaranis. Estamos, historicamente, aqui na grande faixa litorânea, onde nossos parentes habitavam, nossos ancestrais, os Tupinambá e os Tamoios. Teve um tratado da Paz, o de Iperoig e esse tratado foi feito para dizimar os povos daqui. Hoje, ainda temos remanescentes dos Tupinambás lá no Norte e Nordeste, mas aqui, na nossa região, eles foram basicamente extintos, vamos dizer assim. E a família Guarani também, segundo a história conta, é remanescente da família Carijós, os Carijós se estabeleciam, na época, no grande Planalto, acima do Rio Tietê. E então, quando houve essa colonização, essa invasão aqui na faixa litorânea, os Guaranis adentraram para o interior, seguindo ali para a região do interior do Rio Paraná. Nós tivemos aqui, o primeiro tratado dos portugueses, com a França, esse primeiro tratado de divisão de terra aqui na America do Sul. E aí quando a maioria dos Guarani se retirou daqui, dessa ocupação, dessa invasão, encontraram as instalações, aqui na América do Sul, mais no centro da terra, dos Jesuítas, as 7 missões Jesuítas aqui na América do Sul. Os Guarani também eram um povo muito grande e, teve essa passagem com os Jesuítas, dos Jesuítas de acordo com o Portugueses, tiveram as sete missões, onde os Guarani se concentraram mais na de São Miguel das Missões. Foi quando houve, então, o segundo tratado, entre Portugal e Espanha, nesse período entre 1780 a 1800, que expandiu o território do Brasil. Nessa época, também teve aquelas caçadas dos Bandeirantes, em que eles caçavam os indígenas do interior, traziam para a escravização. Muitos dos Guarani também passaram por esse processo, muitos não aceitavam. E aí teve, então, um acordo com os Jesuítas, para que os Guarani ficassem com os Jesuítas, mas não porque eles queriam, mas porque o Guarani é muito espiritualizado, não é muito de confronto com a terra, desse confronto direto. Então os Guarani ficaram mais com os Jesuítas. E houve esse segundo tratado de expansão do território do Brasil, que se estendeu lá para o lado do Rio Paraná, e todos esses tratados de divisão de território aqui na América do Sul, que distribuíam a terra entre Espanha, Portugal e França, no caso. A Espanha se expandiu para o lado Leste, houve essas divisões de terra, no caso, Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, aqui na América do Sul. Só que nesse segundo tratado, muitos Guarani se estabeleceram, mas muitos já sabiam que ia ter a guerra Guaranítica, então muitas famílias, religiosos, começaram, antes da guerra, a sair desse lugar, desse espaço dos Jesuítas e adentraram, vieram descendo e estabeleceram as Tekoás aqui na grande faixa litorânea, que se estende pela Mata Atlântica, desde Rio Grande do Sul ao Espírito Santo. Tiveram outras famílias que foram mais para o Norte, onde, ainda hoje, temos as famílias Guarani também, na região do Pará, que são as mesmas famílias de quando houve esse tratado e de quando teve a Guerra Guaranítica, em que eles conseguiram sair, conseguiram fugir dessa guerra e ainda, os que ficaram no confronto, a gente tem história do Sepé Tiaraju, que organizou todo esse confronto, pra dizer assim: “essa terra tem dono”. E então, quando houve toda essa questão, pós-guerra Guaranítica, muitas famílias que ainda sobreviveram da Guerra, começaram a descer, se instalando nessa região da Mata Atlântica, nessa faixa litorânea e assim se estabeleceram, então, várias aldeias, vários Tekoás aqui na faixa litorânea, conforme eu falei, até Espírito Santo. Hoje temos bastante aldeias, bastante Tekoás do povo Guarani Mbya, nesse contexto aqui da Mata Atlântica. Então para mim, eu tenho muito orgulho de pertencer a essa família Guarani Mbya e eu aprendi lutar, ser militante da causa do movimento Guarani, dos Mbya, quando acompanhei a luta do meu pai na década de 1970 a 1980. Esse período, foi quando comecei a entender o porquê das viagens dele, o porquê ele se organizava com os demais caciques daqui do litoral de São Paulo, Krukutu, Barragem, Jaraguá. Eu era ainda criança, adolescente, não entendia muito o porquê dessas viagens, até que um dia, teve uma grande reunião lá em São Paulo, com a secretaria, que eu acompanhei, e aí nessa grande reunião, na época, a Companhia de Desenvolvimento do Litoral Paulista, que se chamava Sudelpa, fez um convênio com a FUNAI de Brasília, para que se fizesse os levantamentos do territórios Guarani, aqui de São Paulo. Então, nessa época, comecei a entender, nessa reunião onde eu estava lá no cantinho, ouvi os txeramõi, os grandes caciques, vi que tinha sido uma grande reunião, de um lado da mesa, o pessoal da FUNAI, o pessoal da secretaria, tudo engravatado e, do nosso lado, os grandes caciques, que era o meu pai, o José Fernandes, o __________ (00:10:44) do Sudeste, Samuel Bento e outros caciques. E ali, como eles não escreviam, não liam, nós tínhamos duas lideranças jovens na época, que é o meu tio Manoel e o Valdelino, que eram duas pessoas jovens que falavam Guarani, que escreviam e compreendiam um pouco mais as falas do Juruá e aí, os Guarani, as lideranças falavam em Guarani, discutiam em Guarani, combinavam os acordos em Guarani, e depois eles, esses dois rapazes, que faziam a tradução para as autoridades, na época. E eu presenciei isso. E aí então, eles fizeram uma ata e nessa ata, eu vi que os engravatados pegavam a caneta, assinavam, depois passavam para os caciques assinarem essa ata e eu observei que eles assinavam com o polegar, essa grande ata sobre a demarcação das terras, esses combinados, ata da reunião, entre a Funai, Sudelpa e os caciques. Isso me chamou muito atenção, foi ali que caiu a ficha, porque, até então, quando meu pai ia, quando ele viajava, ele me levava algumas vezes na reunião, mas eu ia para ver os amigos da minha idade, a gente só ia para brincar, na verdade. Aí depois, quando eu presenciei isso, voltei para aldeia, eu pensei comigo, poxa, preciso estudar um pouco, preciso estudar para ajudar eles no futuro, porque ali que eu compreendi que eles estavam lutando e aquela reunião era para acertar uns acordos lá com a FUNAI, um convênio, e que era para fazer o estudo de identificação das terras guarani aqui de São Paulo. Nesse contexto também, entraram duas aldeias do Rio de Janeiro, que era o Bracuí e Araponga, e aí lá para 1987, mais ou menos, eles conseguiram a homologação dessas nove Tekoás aqui no litoral, abrangendo ali Krukutu, Barragem, Jaraguá e a Aldeia Araponga de Paraty e de Bracuí em Angra. E foi uma luta que marcou para mim, a partir daí, comecei a desenvolver trabalhos aqui com jovens, com jovens aqui da minha aldeia, jovens com as aldeias do estado, e acabei, também, tomando frente do movimento jovem da época. E assim foi indo a minha luta e acompanhando. Depois, eles formaram também uma Associação chamada Aguaí, Aguaí é Ação Guarani Indígena, na época, no estado, aqui em São Paulo. E eu fui acompanhando essa luta. Internamente, comecei a desenvolver atividades com os jovens, na área do plantio, das roças. E acabei me tornando também, depois, já mais para frente, mais adulto, presidente da associação, criamos uma associação local aqui da Aldeia, que se chama ________ (00:14:18), que temos até hoje. E acompanhei também, nesse processo todo, a Constituição de 1988, tive o prazer de estar lá junto com as lideranças, com os txeramõi, com as demais lideranças Guaranis de São Paulo, os Tupi Guarani também, os parentes lá do Oeste também, fomos uma criação só, dos Guarani, o pessoal do Oeste. E aí, lá tivemos a oportunidade de estar a todo momento, na época, era a União dos Povos Indígenas, que fazia esse movimento com o Cimi, junto com os demais apoiadores, entidades, então, nós participamos da Constituição de 1988. Foi quando a gente viu aqueles artigos de representação dos direitos indígenas na Constituição. Tive o prazer de colocar o meu cocar que eu estava usando, na cabeça do então senador, o saudoso Mário Covas. E fui trazendo essa minha luta junto com os jovens, junto com as lideranças, tive também a oportunidade de dirigir uma representação nossa, dos Guaranis, mais recentemente, que era a Comissão Guarani Yvyrupa, eu fui coordenador em dois momentos, dois mandatos, dessa representação. Atualmente, agora, estou mais na aldeia. Sou Cacique também, mas eu tenho muitos compromissos aqui, vira e mexe eu não paro aqui na aldeia, nem em casa, estou sempre em articulação, em movimento, estou aí na luta. Estou acompanhando também a luta dos professores indígenas, que é a nossa manifestação junto à Secretaria do Estado, sobre os nossos currículos na escola. Tiago, você sabe qual o projeto que eu estou falando, que a gente apresentou na Secretaria Estadual da Educação, via Ministério Público, então a gente está acompanhando esses processos aqui na aldeia também.
P/1 − Esse panorama histórico do povo Guarani, também da sua luta e chegando até os dias de hoje. E você citou seu pai, mas eu gostaria também de te perguntar a respeito da sua mãe, dessa parte da família. Qual o nome dela? Se você pudesse contar um pouco da história dela também?
R − Então, a minha mãe biológica é falecida já, mas a segunda mãe que eu tenho, ela é da família, a avó dela é mboraí, é rezadora e foi ela que conduziu as famílias para Boa Vista, saindo do Rio Silveira para cá, para Ubatuba, onde teve esse contato espiritual. Desse contato espiritual, veio a revelação que aqui, na região, teria um lugar para estabelecer uma Tekoá. E essa família é remanescente e fundadora da Aldeia, agora, no caso, são famílias de cinco, seis famílias. Essas famílias, no qual meu pai teve a segunda família, são fundadoras aqui da nossa aldeia Tekoá Boa Vista do Sertão do Prumirim, em Ubatuba
P/1 − Bom, para a sua família ficar completa eu gostaria que você falasse dos seus irmãos, quantos vocês irmãos você tem? Quem são eles? Se você pudesse contar um pouco sobre eles?
R – Então, eu tinha um irmão, por parte de mãe, mas, infelizmente, ele teve uma situação, inclusive uma situação triste, acabamos o perdendo para a questão da bebida alcoólica, com o envolvimento numa situação que eu não vou citar aqui. E aí, eu tenho três irmãs por parte de mãe e tenho três irmãs aqui por parte de pai. Por parte de pai, eu sou filho único na família.
P/1 − Ainda voltando na sua família, eu fiquei muito curioso, gostaria que você falasse um pouco mais sobre o seu pai, que até um tempo atrás era o Cacique, até você assumir. Se você pudesse falar um pouco da história dele também, da família da parte dele?
R − Então, o meu pai e a família do meu pai, eles são, hoje, em três irmãos. São dois irmãos, têm o meu tio, que é o irmão mais velho do meu pai, mora aqui na Boa Vista também e eles tem uma irmã que morou por aqui, mas atualmente está morando no Krukutu. E eles são de famílias que nasceram na aldeia do Rio Branco, no Itanhaém, nessa caminhada, eles já são da família que veio, na década de 1940, 1930, mais ou menos, nesse período, e se estabeleceu vindo do Rio Grande do Sul, no pós-guerra, toda aquela questão que eu falei, vieram e se estabeleceram em São Paulo, depois foram lá para Aldeia do Itanhaém, ali no Rio Branco. E a família deles, os txeramõi, meu tataravô e outros, são já dá aldeia do Rio Branco, nascidos na aldeia. Primeiro vieram para se estabelecer, moraram um tempo no Jaraguá, um tempo na Barragem, um tempo lá no Rio Silveira, a partir daí, ele veio morar para cá, na aldeia Boa Vista, onde ele foi Cacique por todo esse tempo, esse período aí. Eu tive uma passagem, morei também na aldeia do Krukutu, fiz um trabalho lá com a comunidade, de conseguir o Ceci, Centro de Educação Infantil. Teve um processo nosso da revisão do limite, nesse processo da Aldeia Boa Vista, da Tenondé Porã e do Jaraguá, do Rio Silveira também, em frente à Comissão Guarani Yvyrupa. Essas terras, hoje, no caso, a Jaraguá e a Tenondé Porã, já tem o reconhecimento do Ministério da Justiça, a declaração reconhecendo como território. E aqui na Boa Vista, ainda estamos nesse processo de revisão de limite, os estudos foram identificados e publicados no Diário Oficial, porém ainda tem o reconhecimento para ser dado pelo Ministério da Justiça e, posteriormente, homologado. Então, nós estamos nesse processo aqui na Aldeia Boa Vista.
P/1 − Uma questão que eu gostaria também de perguntar, a respeito da sua formação tradicional Guarani, que conhecimentos foram passados para você? Você aprendeu muito sobre lideranças, mas que outros conhecimentos também você adquiriu através do teu pai, da tua mãe, ou dos txeramõi?
R − Foram muitos conhecimentos, pra mim, para a minha vida, foram conhecimentos valiosos, porque eu tive uma passagem, a adolescência aqui na aldeia, tinha um txeramõi, um ancião, que reunia todos os jovens para fazer vivências do dia a dia, do cotidiano. Nós tivemos uma passagem, em que não tinha escola na comunidade, então, nosso dia a dia era plantar, era caçar, era pescar. Assim, a gente tem a nossa fase lunar do plantio da roça e período do plantio, período do pescar, caçar. Então, todas as atividades aqui organizadas por esse ancião, nós vivemos, o __________ (00:24:02) até hoje, o nosso costume, nosso modo de ser, em que vivemos o nosso ciclo da natureza. Então, para nós, temos o ára pyau (00:24:12) e ára yma (00:24:16), esse período é, mais ou menos, assim: período de primavera e verão é ára pyau, tempo novo e período de outono, inverno, esse período mais frio, para nós, é tempo velho, então nós temos essa passagem de ciclo. Tem o ritual, tem a cerimônia de passagem, tem um ritual de passagem dos jovens. E aí eu aprendi a fazer roça, aprendi a plantar, aprendi fazer casas, casa de pau a pique, como é que se constrói, como é que se faz, tem a questão da casa de pau-a-pique e de taipa, que é com barro. Então todo esse processo, eu aprendi na aldeia. Hoje, se tiver um lugar onde eu possa construir a minha casinha, eu tenho essa condição de construir tranquilamente, fazer a minha roça. Só que eu me envolvi muito cedo na questão política, desde pequeno, comecei com a associação local, comecei com as grandes lideranças e os caciques, nesse contato com a política a nível de Brasília, na época do presidente Lula, também tive oportunidade de representar a nossa região na Comissão Nacional de Políticas Indigenistas, conheci outras lideranças, do Norte, do Nordeste, da Amazônia e foi uma aprendizagem muito linda porque, hoje, esses aprendizados, eu consigo aplicar diante de uma conversa com Juruá, com essas opressões que nós passamos no dia a dia. Aqui na nossa região, temos a BR [via federal] e agora ela vai ser duplicada, temos o Pré-sal aqui na região. Toda a questão, a sinergia dos empreendimentos, que nós passamos aqui, a pressão da especulação imobiliária, que adentra os nossos territórios, todos esses aprendizados que eu tive em Brasília, com grandes mestres, lideranças, caciques, lideranças políticas, toda essa questão eu consegui absorver e, hoje, eu consigo aplicar esses conhecimentos, esse aprendizado que eu consegui desenvolver durante todo esse processo da minha vida, da minha luta.
P/1 − Eu quero insistir um pouco mais nessa questão da formação, agora perguntando como que foi o Marcos Tupã com a escola? Na sua formação com a escola, acredito que você aprendeu a ler, a escrever. Se você pudesse contar um pouco desse seu momento na escola?
R – Eu, na verdade, não tenho formação acadêmica, eu tenho aprendizado na faculdade da vida. Eu aprendi a ler e escrever, primeiro na escolinha que nós tivemos aqui na aldeia, foi de um projeto da CTI, que contratou um professor indígena e, com eles, eu aprendi a escrever e ler, aprendi a fase de alfabetização. Depois, tive uma passagem na escola municipal também, eu fiz até a quarta série, depois, em outros momentos eu tentei estudar, continuando meu estudo, na CEEJA também, mas sempre não conclui meus estudos. Mas eu estou aí! Agora mesmo, estou pensando em me matricular de novo, para eu concluir, eu parei na sexta série na verdade, mas aí não continuei, agora vou me matricular de novo, vou ver se concluo o ensino fundamental e partir para o ensino médio, essa é a minha esperança.
P/1 – Marcos, você falou que você teve essa participação muito grande como liderança, é um trabalho também. Eu gostaria de te perguntar se você teve outros trabalhos, que não fosse só essa função de liderança e tudo mais?
R − Então, eu tive uma passagem bem rápida como professor, também aqui na aldeia, tentei ser professor, não consegui. E aí, depois, eu tive uma passagem como agente de saneamento, e, atualmente, eu tenho um trabalho de motorista, junto com equipe de saúde do Polo Base de Ubatuba, mas eu faço plantão à noite, eu faço 12 por 36, então uma noite sim, uma noite não, ontem eu fiz plantão e hoje estou de folga, estou aqui na aldeia, eu faço plantão à noite.
P/1 − Bom, você falou da sua família, falou da sua luta, do teu papel de liderança, agora sobre o seu trabalho, a escola também. E gostaria que você falasse também do seu casamento. Você teve filhos? Como que é essa parte do Marcos aí?
R − Então, eu tive, na verdade, agora estou no terceiro casamento. Eu tive o primeiro casamento, me separei, do primeiro casamento eu tive três filhos, dois faleceram. Depois, eu tive um segundo casamento e nesse eu tive seis filhos. E, agora, estou no terceiro casamento, eu estou agora com uma menina que eu estou criando. E eu estou com essa gata aqui também, não sei se é gato ou gata.
P/1 − ______(00:31:20), Marcos, você falou da luta, que segue um caminho bem longo de aprendizado, com muita gente, muitos lugares e é uma luta pelo território também. Você falou da questão territorial Guarani, aqui na América do Sul, é a luta pelo território, pela terra. E gostaria de te perguntar da luta também pela vida, o território também não deixa de ser uma luta pela vida. Nós tivemos, estamos ainda numa pandemia, eu gostaria de te perguntar, como que vocês fizeram para se proteger contra o COVID e se alguém chegou a falecer na comunidade ou na família? Se você pudesse nos contar?
R − Foi uma situação bastante complicada, em termos da pandemia, tanto na cidade, tanto nas aldeias. Aqui na aldeia não foi diferente, nós tivemos um tempo de fechamento das Aldeias inclusive, porque aqui na região, como é uma cidade turística, nós trabalhamos muito com visitação de grupos que fazem vivências aqui na aldeia, nós temos o roteiro de turismo aqui, de turismo de base comunitária, então recebemos escolas, grupos, fazemos esse roteiro de pintura corporal, fazemos rodas de conversa, falamos sobre a nossa espiritualidade, sobre a luta do território, a questão política.
Dependendo dos alunos que vem visitar Aldeia, aí temos a dança do grupo de canto e dança, que é participação interativa, oferecemos também gastronomia na culinária Guarani, para os grupos que combinarem se alimentar aqui na aldeia, temos a artilharia de arco e flecha, aqui nós temos a cachoeira. Então nós temos esse trabalho e quando houve essa questão da pandemia, tivemos que fechar nossa aldeia, tivemos que suspender essas atividades. E, aqui, vivemos, aproximadamente, vinte casos na aldeia Boa Vista, mas felizmente nenhuma delas foram foi grave, não precisou internar, só tivemos que fazer um trabalho com as famílias, com a equipe da saúde, para que essas pessoas contaminadas ficassem em casa, não saíssem para outras atividades. E, assim, conseguimos conter aqui a nossa aldeia, sem maiores problemas, em relação à pandemia.
P/1 − Bom, estamos chegando na reta final. Eu gostaria também de te perguntar, hoje, quais são as coisas mais importantes para você? Seu sonhos? E o que você gostaria de deixar para futuras gerações?
R − Olha, eu ainda, eu estou aqui, eu tenho um projeto em mente, não está nada escrito, não está ainda no papel, ainda precisa elaborar isso melhor e colocar no papel, mas uma das lutas que eu tenho aqui, primeiro questão é reconhecimento do território, a demarcação oficial nessa expansão que estamos propondo agora, dessa revisão de limites. Quando ela foi demarcada em 1987, foi demarcada uma área de 920 hectares, então nós estamos nesse processo de revisão de limites, com propósito de 5600 hectares, hoje, nós temos três Tekoás aqui dentro do território. Uma das questões é que essa terra seja de fato reconhecida, que seja homologada com essa expansão maior agora. E dentro desse propósito, a gente trabalhar a questão do turismo, e nessa questão do Turismo, que a gente tenha também apoio do município, do estado, através da internet, de ter um espaço temático aqui na aldeia. Então, nós temos aqui a questão da estrutura, de estruturar uma oca, estrutura do Carumbé, porque Carumbé tem muitos sentidos na nossa vida, além de ser nossa medicina, na cultura Guarani, o Carumbé, o coraçãozinho, se a gente achar no Rio, a gente traz e tem como medicinal. O mais velho, o txeramõi ,tem que bater na cabeça da criança, não da criança, do rapaz, do menino, três vezes e se tiver um, ou dois, ou cinco meninos, tem que que cortar o coração do Carumbé, dividir, ela tem que engolir, que é uma forma de resistência, porque o Carumbése você tira a casca, enquanto não tira o coração ela não morre fácil, então simboliza muito a nossa resistência. Então é como medicina para nós, então a gente quer fazer, eu tenho esse projeto em mente, de construir um espaço temático na aldeia, com estrutura do casco do Carumbé, em volta outros animais, para ser uma cobertura, para pôr o artesanato. E esse espaço do Carumbé para fazer palestra, roda de conversa e apresentação do grupo de canto e dança, fortalecer na área de turismo, de visitação na aldeia. Esse é um projeto meu, projeto que está na minha mente, não está nada no papel, mas quero achar parceiro para desenvolver esse projeto no papel e apresentar para secretaria, para ter uma fonte de apoio financeiramente, para construir esse espaço. Esse é meu sonho. E outro sonho é preservar o nosso meio ambiente, nossa Floresta, nós estamos na Mata Atlântica aqui, uma biodiversidade riquíssimo, de ervas medicinais, dos nossos saberes, conhecimentos. E de que a pressão do Juruá, a parte da especulação imobiliária também, a questão do território de ter limites de área de amortecimento para que possa impedir os avanços de ocupação aqui regular para o nosso território. Esses são os meus sonhos. Tem outros sonhos mais específicos, que é a luta local aqui da Aldeia, nós estamos aí nessa questão. E agora com certeza novas esperanças, novas estrelas, estão vindo, tenho certeza de que nossos representantes que estão mais próximos do governo agora, no governo de transição, possa lembrar também dos nossos tekoas. Então isso que estamos buscando, estamos muito atentos para essa situação.
P/1 − De tudo que eu te perguntei, talvez eu não tenha perguntado, feito alguma pergunta que você gostaria de responder. Então deixo aberto, se você se sentir à vontade, de querer acrescentar mais alguma coisa, alguma pergunta que eu não fiz, alguma coisa que você gostaria de contar, está aberto esse espaço.
R − Não, então, quero lembrar, lembrar não, agradecer também vocês da equipe do Museu. Gostaria muito de conhecer o Museu, assim que tiver oportunidade de uma conversa, quero estar lá também no Museu. Essa questão da nossa luta, da nossa representação, enquanto Guarani Mbya, nós lideranças de base também temos o acesso para poder dialogar. Nós estamos aí diante do governo, de governo de transição, em que a nossa representação pode ter espaço também. Mas aí, também, a gente está sempre com as lideranças, apoiando, uma causa daqui é uma causa de todos, então a gente está sempre junto, apoiando. E que o Museu também possa abarcar todas as etnias do Estado de São Paulo e os outros parentes que não estão na aldeia, mas estão no contexto urbano, que todos tenha espaço. Esse trabalho de vocês, de conversar com as lideranças de base, é muito importante, porque enriquece o trabalho de vocês e fortalece a nossa luta.
P/1 − Que bom, muito contente, com certeza vai conhecer esse museu. Eu também quero conhecer, porque eu estou aqui no virtual e não conheço presencialmente. Marcos, gostaria de te perguntar também, como foi contar a sua história?
R − Na verdade assim, contar a minha história, já contei algumas vezes, mas a minha história pessoal, poucas vezes eu conto, para as pessoas mais próximas, pessoas que eu confio. Mas foi uma novidade para mim.
[Fim da Entrevista]Recolher