Escrevi esta história sobre minha Mãe de Santo como agradecimento por tudo que ela faz por nós e também como um convite à fé, ao amor e à espiritualidade.
A história de Neusa é rica, especial e bela. Sua força, coragem, dedicação e doação são inspiradoras. Ela sempre nos ensina, no...Continuar leitura
Escrevi esta história sobre minha Mãe de Santo como agradecimento por tudo que ela faz por nós e também como um convite à fé, ao amor e à espiritualidade.
A história de Neusa é rica, especial e bela. Sua força, coragem, dedicação e doação são inspiradoras. Ela sempre nos ensina, nos protege e, também, nos possibilita o imenso privilégio de nos comunicarmos com suas entidades, seres de luz, que nos ensinam e guiam.
Neusa Banti, a Mãe de Santo Yalorixá Adetoun, vem há mais de 60 anos desenvolvendo e refinando sua espiritualidade.
A intenção é de sua história se perpetuar por várias gerações, e inspirá-los a acreditarem cada vez mais na espiritualidade, a sempre terem fé e a praticarem o amor:
DESCOBERTA DA MEDIUNIDADE
Certo dia, em 1960, na cidade de São Paulo, aos seus 13 anos de idade, Neusa sentia-se triste e foi chorar em frente ao altar de sua mãe, Dona Maria, que era católica e mantinha um altar dentro de casa.
Enquanto chorava, Neusa incorporou pela primeira vez na vida. Nesta experiência, ela recebeu o espírito de Seu Pena Branca, entidade que recebe até hoje. Naquela época, Seu Pena Branca só fazia gestos e ainda não falava. Esta faculdade foi se desenvolvendo entre ele e sua médium, a Neusa, por décadas. Hoje, ele fala. A comunicação entre a Neusa e as entidades que recebe foi progredindo e se desenvolvendo ao longo dos anos.
A babá de Neusa presenciou esta primeira incorporação e, como ela frequentava um centro de Umbanda, logo reconheceu tal fenômeno. Porém, nada foi feito de imediato.
A partir daí, Neusa começou a incorporar no meio da rua, em vários lugares diferentes, sem entender o que lhe estava acontecendo e sem ter controle sobre isso.
Sua mãe, Dona Maria, resolveu levá-la ao pediatra da família, o Dr. Wandic de Freitas. Ele, após examiná-la, afirmou que não havia nada de errado com sua saúde e que isso “parecia ser coisa do além”.
Foi então que a babá da família apresentou o Pai de Santo Jamil, da Umbanda, para Dona Maria, Neusa e sua irmã Leila.
Neusa e Leila foram então à casa de Pai Jamil num dia de toque. Elas ficaram sentadas e de mãos dadas o tempo todo, tremendo, de tanto medo. Quando viram outros incorporando, se assustaram.
Neusa agarrou a mão da irmã e saíram correndo pela rua.
Mesmo após este episódio, Dona Maria retornou com as filhas ao Pai Jamil, pois Neusa continuava incorporando. Assim, deu-se início ao desenvolvimento de sua mediunidade, de toda sua trajetória na Umbanda e, depois, no Candomblé.
PASSAGEM PELA UMBANDA
Quando tinha ainda 13 anos, começou então a frequentar a casa de Pai Jamil, desenvolver sua mediunidade e se envolver com a Umbanda.
Já Leila fez seu santo no Ibá (só na louça) com o Pai Jamil, tornando-se ekédi. Ela é filha de Oxalá com Oxum.
Nesta época, Neusa recebia o espírito da Cabocla Bartira, filha de Seu Pena Branca. Também recebia o espírito de Lili, uma erê (criança) de dois aninhos, que gostava de dançar balé sempre na pontinha dos pés.
Porém, Neusa não se encontrava totalmente na Umbanda, pois lá ela não recebia nenhum santo, enquanto outras pessoas recebiam.
Foi quando um dia, sem planejar, conheceu o Pai de Santo Artur Jerônimo do Candomblé. Encantado com ela, que na época usava tranças no cabelo, olhou-a e disse: “Essas marias-chiquinhas são minhas!” em tom de brincadeira, mas com certo fundo de verdade.
É importante mencionar aqui que Neusa sempre foi e é uma médium inconsciente e que este tipo de manifestação mediúnica também chamou a atenção de Pai Jerônimo. O médium inconsciente não se lembra de nada que aconteceu durante a incorporação.
Continuou com o Pai Jamil na Umbanda e, após alguns anos, foi pedida em casamento pelo Mané.
Pai Jamil não reagiu bem a este casamento e decidiu não abençoá-lo.
Isso fez com que Neusa não fosse mais lá e em decorrência disso ficaram um tempo sem se falar.
INICIAÇÃO NO CANDOMBLÉ
Em 1964, Mané e Neusa, esta com 17 anos, tiveram a Laila, sua filha mais velha.
Depois de algum tempo, Neusa e Pai Jamil fizeram as pazes e voltaram a se falar. São muito amigos até hoje.
Em 1972, Mané faleceu. Foi feita uma homenagem a ele no Estádio do Ibirapuera, porque ele havia sido o elaborador da Festa de Ogum naquele local. Neusa era ainda muito jovem e recebeu bastante apoio de sua família. Sua irmã Leila a ajudou na criação de suas filhas Laila e Adriana, assim como sempre a acompanhou tanto na Umbanda quanto no Candomblé.
Neusa já havia conhecido o Pai Jerônimo, do Candomblé, e este queria fazer o santo dela. Numa conversa com ele, ela mencionou que Laila - agora com 15 anos – estava se comportando de forma estranha. O terreiro de Pai Jerônimo era no Embu. Um dia, Neusa levou Laila até lá e uma filha de santo dele, que estava em transe, viu que Laila estava com 15 Eguns (mais conhecidos na linguagem popular como espíritos obsessores), sendo um deles a avó de Neusa.
Após este episódio, Laila fez o santo dela no Candomblé, com o Pai Jerônimo, e se tornou ekédi. Na saída da Laila, quando Neusa foi parabenizá-la e cumprimentá-la, o santo da Neusa “bolou” (incorporou o santo Oxóssi pela primeira vez). Assim, recolheram o santo da Neusa e combinaram que em breve ela ficaria de obrigação ali, na casa de Pai Jerônimo.
Neusa, então, foi para a casa de Pai Jerônimo, e lá foi raspada no santo certo, Oxóssi, do Queto (Ketu) e também Oxum. Ela tinha 30 e poucos anos. A mãe dela, Dona Maria, foi junto para ver e ficou para ajudar.
Ficou lá 100 dias de Kelê, deitada na esteira, comendo de colher e tomando banho de Abô às 4h da manhã. Praticamente comia de tudo, com exceção de carne vermelha. E diariamente fazia rezas às 4h e às 6h da manhã, e também às 6h da tarde.
Este, descrito acima, é o ritual para virar Mãe de Santo no Candomblé.
IDA À ÁFRICA E O ANO EM QUE PASSOU LÁ
Emmanuel, um amigo próximo da Neusa e também morador de São Paulo, era Ogã no Candomblé (aqui e na Nigéria) e sua família trabalhava no governo da Nigéria.
Quando Neusa virou Mãe de Santo, Emmanuel trouxe onze pais de santo da África para presenciarem, junto com Pai Jerônimo, sua saída da obrigação.
Isso fez com que ela sentisse vontade de aprender mais sobre o Candomblé e se aprimorar. Ela ainda não estava completamente satisfeita com o que tinha aprendido, mesmo já sabendo bastante.
Já tinha aberto seu Ilê (Ilê Orixá Okinarê) na Rua João Moura, em São Paulo, mas percebeu que precisava se preparar mais para raspar as pessoas.
Como Emmanuel sabia da vontade dela de aprender mais, decidiu dar-lhe de presente uma passagem para Nigéria. No início dos anos 80, foram juntos para lá, onde a família dele morava.
Antes da partida, Emmanuel providenciara uma reforma na casa de sua família, para deixá-la confortável ao gosto de Neusa. Pedira para mobiliar todo um quarto para ela, com móveis novos. Também já lhe havia contratado um motorista particular e um guarda-costas, pois a cidade tinha seus perigos.
Ela passou um ano na África, onde estudou e aprendeu muito. Emmanuel tinha um tio professor na Universidade de Lagos e, com isso, Neusa também teve acesso a aulas e professores de lá.
Dentre muitos dos ensinamentos e das conquistas durante este ano no continente africano, a mais importante foi ela receber lá o seu Deká, o qual, no Candomblé, pode ser comparado a um Doutorado em certa área.
Feito o Deká, agora Neusa estava habilitada e mais preparada e, após retornar ao Brasil, passou a preparar outros filhos de santo com mais confiança e sabedoria.
RETORNO AO BRASIL E OS ANOS SEGUINTES
Desde seu retorno da África, Neusa iniciou e raspou muitos filhos de santo.
Pai Jamil aceitou toda sua trajetória e são muito amigos até hoje.
Como o Ilê de Neusa, chamado Ilê Orixá Okinarê, cresceu bastante, saíram da Rua João Moura e foram para uma casa de três andares na Rua Judite (Vila Beatriz, em São Paulo). Ficaram lá por 22 anos. A casa tinha muitos frequentadores e desenvolvia muitas atividades.
Leila também sempre acompanhou sua irmã, e quando migraram da Umbanda para o Candomblé, Neusa despachou o Ibá da Umbanda de Leila e lhe fez um novo no Candomblé. Por serem irmãs e pelo fato de Leila ter virado ekédi com o Pai Jamil, Neusa não pôde por a mão nela, fazendo então o ritual apenas em cima da louça.
Uns 15 anos atrás, Neusa saiu da casa da Rua Judite, mas sempre continuou com seu Ilê e sua vida de santo.
Após deixar a casa da Rua Judite, Neusa levou todos os seus Ibás para os Estados Unidos, onde suas filhas moram. Sua filha Adriana cuida dos santos dela, tarefa que exige certo esforço físico. Com idade avançada e limitações físicas, Neusa já não consegue mais cuidar de seus Ibás. Pai Jerônimo fez a Adriana de ekédi. Ela é ekédi feita (filha de Oxum e Oxalá).
AS ENTIDADES DA MÃE YALORIXÁ ADETOUN
Os bons espíritos nos guiam e nos ensinam.
Sem eles, não existiriam os médiuns.
As entidades (espíritos) também evoluem com a evolução espiritual da Neusa. Ela os recebe há mais de 60 anos. Esta longa relação entre eles, combinada a anos de dedicação e estudos, fez com que a comunicação dela com eles também se aperfeiçoasse.
Neusa os incorpora, mas também os tem como mentores, pois os ouve, os sente e os vê. Comunicam-lhe se alguém com más intenções queira fazer o santo com ela. Neste caso, não aceita fazer o santo. Quando a Mãe joga os búzios, todas as suas entidades falam com ela.
As entidades da Mãe Yalorixá Adetoun:
- Santo Oxóssi
- Flechina (Erê): Desencarnado aos 3 anos de idade, Neusa começou a recebê-lo há muito tempo atrás. Brincalhão e peralta. Neusa tem um genro que gosta de esportes, o Flechinha o adora e sempre está com ele.
- Seu Marabô (Exu): Quando começou a recebê-lo, ele se apresentava como “Come Fogo”. Após Neusa fazer o santo, ele revelou o nome Marabô. Era escravo. Foi comprado e levado para França. Negro, africano, 1,85m de altura, cabelo bem alto, com uma cicatriz no rosto por causa de uma chicotada. Morreu aos 30 e poucos anos.
Homem de bem, sofreu muito. Perdeu os pais; não pôde formar família porque era escravo procriador. De todas estas entidades, ele foi quem teve a vida mais sofrida.
- Oxum: francesa, por volta de 25 anos de idade.
- Dona Padilha: foi uma condessa francesa.
- Seu Pena Branca: caboclo. Índio, brasileiro, da tribo Tupi-Guarani. Tinha uns 45 anos, era cacique e seu nome, Tibiriçá. Viveu no século 18. Mexia com ervas e passava muitos ensinamentos aos pajés curandeiros. *Seu Pena Branca é a entidade mais evoluída/iluminada entre as que Neusa recebe. Numa \\\\\\\\\\\\\\\"hierarquia espiritual\\\\\\\\\\\\\\\", ele está acima.
ORAÇÃO DE FECHAMENTO
Fechamento: Oração para Oxalá
Esta oração é cantada no Ilê ao final de todos os encontros de toque, como benção aos frequentadores e seus entes queridos.
Para Oxalá
Oxalá, abençoe as ondas
Oxalá, abençoe o mar
Oxalá, abençoe seus filhos
Na terra de Juremá
Tranco e retranco vem fechar
Vem fechar o meu congá
Tranco e retranco vem trancar
Com as pembas de Oxalá.Recolher