[Gravação começa quando os mineiros estavam a conversar sobre vários trabalhadores que morreram na mina]
Sandra Pinheiro: Pronto, meus senhores, vamos começar então? Vai começar o Senhor Lúcio e eu vou só explicar um bocadinho o que é que vieram aqui fazer, não é? Isto é uma iniciativa ...Continuar leitura
[Gravação começa quando os mineiros estavam a conversar sobre vários trabalhadores que morreram na mina]
Sandra Pinheiro: Pronto, meus senhores, vamos começar então? Vai começar o Senhor Lúcio e eu vou só explicar um bocadinho o que é que vieram aqui fazer, não é? Isto é uma iniciativa do Museu da Pessoa, lá da Universidade do Porto. É um museu que nós temos na Universidade que recolhe e que fala da vida das pessoas, que quer dar visibilidade às histórias de vida das pessoas, para conhecer, enfim, como é que eram as vossas vidas, o que é que se fazia enquanto mineiro, como é que se trabalhava e por aí for. Então o que é que nós queríamos fazer nesta roda de histórias? Falar sobre a vossa experiência, sobre as vossas memórias, as vossas histórias que têm enquanto trabalhadores das minas, quando no tempo em que trabalharam nas minas, o que é que se lembram, qual é que era a vossa relação com as minas do Pejão. Pronto, então o que é que nós vamos fazer? Cada pessoa tem no máximo 15 minutos para falar da sua história de vida e vamos um a um, pode ser? No final… no final depois falamos todos uns com os outros, pode ser? Então vamos começar com o Senhor Lúcio, pode ser? No início, eu gostava que dissesse: o meu nome é “não sei quê”, tenho “não sei quantos” anos e sou de “não sei onde”. E depois pode iniciar a história, pode ser? Obrigada.
Lúcio Moreira Silva: Eu sou o Lúcio Moreira da Silva, tenho 80 anos, nascido no lugar de Folgoso, natural daqui das proximidades das minas. Comecei a trabalhar com 19 anos aqui na galeria do zero, depois vim para canalizador, depois passei para o Posto 3, o chamado Posto 3, e depois do Posto 3 fui para o [imperceptível], fui trabalhar lá com o meu pai para perto do encarregado e eu trabalhei lá com ele até à morte dele, ao falecimento dele. Depois vim para baixo, trabalhei aqui na galeria do zero, na constituição da galeria do Zé e depois daqui… fui trabalhar para o Violas, despedi-me da empresa e fui para o Violas. E pronto… trabalhei em diversas coisas… em diversos sistemas aqui, como mineiro, como praticante, como tubista, como… não sei como é que se dizia, era manobrador de jaulas, estava em baixo no fundo da jaula a dar sinal para a extração…
Manuel Rosas: Varredor estaleiro.
Lúcio Moreira Silva: É, é.
Era o falecido Barão, Alfredo Barão, que estava nas máquinas e eu estava em baixo na extração, pronto. E havia uma coisa curiosa, que ainda agora estava a contar ao Zé, que a gente… só estava a tirar extração, só se dava extração para pessoal que fosse doente ou ferido. E uma vez chegou lá o Engenheiro Marradas e o fiscal, com o segurança, e queria que eu mudasse – eu estava na extração – e queria que eu mudasse para [imperceptível] para eu subir. E eu disse não, porque não é as ordens que eu tenho. E eles aguentaram ali e depois o Engenheiro chegou-me aqui e disse – você cumpriu com aquilo que… que tinha, pronto, que tinha de ser. É, não os assobiei. A partir daí fui perseguido por um fiscal da segurança. Eu tive um acidente e o chapéu, o capacete que era de alumínio fazia-me doer a cabeça. E eu, às vezes [risos]… eu era obrigado a trabalhar com ele, mas eu às vezes, tirava e punha-o de lado. E ele andava sempre em cima de mim, sempre que me apanhava sem capacete, acusava-me ao Engenheiro [risos]. Mas o Senhor Engenheiro já sabia, o Senhor Engenheiro Marradas já sabia, e ia tolerando assim a coisa. Pronto, passei assim uns bons bocados. Depois, pronto… mas o melhor, quando eu trabalhei em canalizador vim para aqui para… havia aqui uma… uma… aqui em baixo uma coisa da água quente… como é que se chamava aquilo?
Serafim Silva: Caldeira.
Lúcio Moreira Silva: Aqui fora… e que de vez em quando eram limpas. E eu vinha para aqui a mais o Carlos Amaral limpá-las [imperceptível], limpá-las. Havia um tanque de água quente e outro de água fria e a gente fazia limpeza àquilo. E eu no outro dia, na segunda-feira – era a um sábado – no outro dia, na segunda-feira, estava doente, não vim trabalhar para tubista. E então fui punido pelo Senhor Amaral. Não apareci a tubista, fui para a exploração. E depois da exploração é que eu me chateei, fiquei assim um bocado meio chateado, fui ao Violas, pedi trabalho ao Violas e o Violas depois… pronto, e o Engenheiro Marradas ainda me deu 3 meses de licença, se eu não me sentisse bem para eu vir para ali, para voltar outra vez. Mas eu senti-me bem, deixei-me… lá fiquei, pronto. Dali desapareci. Pronto, e isso é um pouco da minha história aqui pela mina, pronto. A coisa mais desagradável que eu tive aqui foi a morte do meu falecido pai. Trabalhava lá em cima no [imperceptível] e eu lá, pronto, eu não trabalhava dentro da mina, trabalhava cá fora, mas… eu ia buscar a sopa ao Senhor Pedro e ia buscar o tal pipo da água e eu é que levava uma vagonetazinha que transportava aquilo lá dentro. O pessoal comia e eu vinha para fora, para empurrar o entulho para baixo. E nessa altura, estava lá dentro com o pipo da água, é que o meu falecido pai passou por mim, mandou-me arrumar lá umas tabuitas e tal, chegou mais à frente caiu, faleceu lá. 25 metros de fundo, de profundidade [imperceptível] da mina. E até veio às costas por dois indivíduos, um ainda é vivo, é o [imperceptível] e o Pica, trouxeram-no às costas cá para cima para onde eu [imperceptível], pronto. E acabou, a minha história da mina [risos].
Sandra Pinheiro: Lá fora estava-me a falar desta história dos sinais que se fazia…
Lúcio Moreira Silva: Ah os sinais… pronto, isso é os tais sinais que eu digo, quando o Engenheiro chegou lá queria subir e o fiscal disse… para virar para pessoal tinha que dar 3… tinha um arame… que eu não ouvia, mas cá em cima na casa das máquinas… eu não ouvia aquele sinal. Um gajo puxava 3 vezes e aquilo tocava uma campainha cá em cima e ele já sabia que era para mudar pessoal. Quer dizer, já tinha que fazer a manobra mais lenta, já não era com aquela rapidez… não era extração, pronto. E aquilo era assim: acabava e a gente penicava outra vez, virava outra vez, extração. Pronto, não podíamos chegar ali de repente e… não tinha outra alternativa, só por ali é que podia sair, não é? E então se tivesse a tirar a extração que era as vagonetas, o carvão, eu para mudar tinha que dar aquele sinal para ele saber que era gente que ia lá, que não era… vagoneta, que era uma pessoa aleijada. Mas se tivesse a tirar extração não podia virar o pessoal, a não ser que fosse doente ou ferido. Se não, só ao fim de… de acabar a extração… era sempre pouca coisa, era um trator que trazia 10, ou 15, ou 20 vagonetas e daqui a pouco tempo a gente punha tudo cá em cima. Mas podia, naquele momento, aparecer um aleijado, um ferido. Então a gente penicava 3 vezes e o que estava lá em cima na máquina já sabia: alto que há algo que se está a passar. Pronto, virava para pessoal, o pessoal lá vinha, pronto. Era assim aquele controle que a gente tinha dentro da jaula.
Sandra Pinheiro: E o Senhor Lúcio trabalhou até ao encerramento das minas, até ao fim das minas?
Lúcio Moreira Silva: Não, não.
Sandra Pinheiro: Até quando é que trabalhou?
Lúcio Moreira Silva: Eu trabalhei aqui 7 anos, uns 7 ou 8 anos. Depois fui para lá, fui para o Violas, e as minas ainda ficaram a funcionar, pronto.
Sandra Pinheiro: Tem mais alguma história que quer partilhar?
Lúcio Moreira Silva: Não, assim de momento…
Sandra Pinheiro: Lembra-se de mais alguma coisa?
Lúcio Moreira Silva: Assim de momento não… Também antes… até antes de entrar na mina, o carvão não tinha saída – e ainda agora estava a falar a mais aqui o Zé – criou-se aqui um… sei lá, milhares de toneladas de carvão, que foi acumulado aqui na praia. Depois com o tempo, eles começaram a dar trabalho… eu ainda não andava na mina, mas alguns rapazes que andavam por aí… à boa vida [risos] começaram a dar esse trabalho para encher… bagões. Era a 20 escudos cada bagão, mas o bagão… [risos] o bagão levava umas toneladas boas de carvão. A gente escouçava e depois vinha a máquina de baixo para cima com os bagões vazios, a gente encostava lá o bagão e depois cada um escouçava e enchia… e era a 20 escudos. Antes de entrar na mina, pelo menos eu fui antes de entrar na mina. E assim começamos a esgravatar [risos], a cheirar o… [risos] carvão da empresa.
José Andrade: O carvão que nós enchíamos ali era o [imperceptível] que vinha para lá.
Lúcio Moreira Silva: Pois, mas depois aquilo foi acumulando, acumulando, acumulando…
José Andrade: Era um em cima do outro.
Lúcio Moreira Silva: Era um em cima do outro. E era aí milhares de toneladas de carvão. Era isto, mais ou menos, a… essa passagem.
Serafim Silva: E o mesmo que ele está a dizer, vamos nós dizer a mesma coisa. Ao fim ao cabo, é o mesmo.
Sandra Pinheiro: De uma perspetiva diferente, de outra pessoa, não é?
Lúcio Moreira Silva: Só tive, só tive… pronto também trabalhei ali na grandeira, ali, mas trabalhei pouco tempo…
Serafim Silva: Trabalhar na grandeira ou trabalhar ali ou trabalhar acolá… é tudo empresa.
Lúcio Moreira Silva: E nunca cheguei a mineiro. Eu fiz trabalho para a mina, andava a praticante há muito tempo e… e o capataz não me deixava passar… [risos] ele não me deixava passar para mineiro a pedido do meu falecido pai. O meu falecido pai… o capataz… abaixo do engenheiro tinha o capataz, pronto… e nós éramos lá vizinhos e o meu pai disse: nunca deixes lá o moço trepar muito, porque ele não pode… eu era magrito, era miudito… [risos] e então o capataz… eu ia para lá [imperceptível] e lá para a lavoura e ele nunca me deixava… era praticante, ganhava só 25 tostões, só dava 25 escudos. Havia diferenças de salários. Era sempre safreiro, era mesmo praticante. E eu queria passar, mas ele não me deixava [risos].
Serafim Silva:
Eu ainda vim para aí encher carvão para os bagões…
Lúcio Moreira Silva: Pronto, mas o encher carvão foi antes de chegar à mina.
Serafim Silva: Era 25 tostões cada bagão…
Lúcio Moreira Silva: Não, era 20 escudos cada bagão na altura… era.
E fui punido uma vez que eu andava aí à pancada e o [imperceptível] cortou-me um bagão… era 20 escudos e de castigo… e depois ficou com o dinheiro [risos]. Pronto, era assim a história.
José Andrade: Depois ele… recebeu o dinheiro na mesma…?
Lúcio Moreira Silva: Recebeu na mesma.
José Andrade: Mas não eram 25, não eram 20… eram mais.
Lúcio Moreira Silva: Não, parece-me que era 25…
José Andrade: Ele também ganhava [risos].
Lúcio Moreira Silva: Ah sim, sim, sim, mas pagavam-nos a nós 25 escudos por cada bagão. Eu como me chateei ali com um colega, porque tínhamos que esperar lá em baixo [imperceptível] a máquina para apanhar o bagão, para encher, não é? Porque os bagões não chegavam. E eu cheguei ali com o bagão e… um de Oliveira queria encher metade e eu disse: não, não foste destacado não enches. Pegamo-nos por ali. O [imperceptível] estava lá, viu, foi lá abaixo – pumba, cortou-me um bagão [risos]. É isto um pouco assim da história… da mina.
Sandra Pinheiro: Senhor Zé, se calhar pode… quem é que gostava de ser o seguinte… a contar um bocadinho da sua história…?
Serafim Silva: Qualquer um.
Sandra Pinheiro: Senhor Zé, pode ser o próximo?
José Andrade: Pode, pode.
[Algumas vozes falam ao mesmo tempo]
Sandra Pinheiro: Senhor Zé, ia-lhe só pedir que no início dissesse o meu nome é… o seu nome, a sua idade… de onde é que é…
Lúcio Moreira Silva: Posso, posso… não se importa que eu vá agora embora?
Sandra Pinheiro: Se tiver muito que ir sim, mas nós gostávamos muito que ficasse mais um bocadinho. Mas pronto se tiver de ir.
[Algumas vozes falam ao mesmo tempo, e entra um novo mineiro para a roda]
Sandra Pinheiro: Outro mineiro que se vai agora juntar à roda.
José Andrade: Este não foi mineiro, este não foi mineiro, que eu conheça.
Sandra Pinheiro: Trabalhou nas minas. É trabalhador das minas.
José Andrade: Mas era cá fora.
Sandra Pinheiro: É isso. É um trabalhador exterior [risos].
Manuel Rosas: Mas foi sempre um bom colega.
José Andrade: Mineiros, mineiros éramos uma família e ele não era da família, não trabalhava dentro da mina.
Lúcio Moreira Silva: A gente não o deixava entrar [risos].
Fernando Gomes: O carvão alguém tinha de o despachar.
Sandra Pinheiro: Sim é isso, ou seja, era trabalhador das minas.
José Andrade: Mas isso era cá fora, não era lá dentro, é o que eu quero dizer.
Fernando Gomes: Exatamente, exatamente. Lá dentro só de visita.
José Andrade: E já chegava [risos].
Sandra Pinheiro: Pronto, então se calhar agora passamos para o Senhor Zé.
José Andrade: José Jesus Ferreira de Andrade. 84 anos, em breve vou fazer 85, mas ainda não os fiz, não sei se chego lá [risos]. Vim aqui para a mina em 60… em 60 que eu vim para aqui, para aqui para esta mina, mas fui lá para dentro, não fiquei cá fora. E… e depois… meu amigo, havia encarregados aqui que julgavam que a mina que era deles. Era piorio aqui, de encarregados era o piorio aqui… aqui no Fojo. Pa vimos pelos de lá de baixo, quando fomos lá para baixo era outra, outra… outra vida, pronto. Fui para a camada, pois, a garvilhar carvão como os outros. E ali andei… andei, andei, andei… depois foram-me lá buscar à… à… o Senhor Bento, não sei se… ainda há bocado falaram no Bento…
Lúcio Moreira Silva: Eu trabalhei com ele…
José Andrade: Foste tu que falaste? Foram-me buscar à camada para vir para tubista. Pronto, eu… andava mandado, eu ia para onde eles iam, mandavam. Ainda andei lá bastante tempo a tubista aqui. Depois… andava… era ajudante de outro tubista. E depois andemos muito tempo. Depois foram-me buscar ali, ali… que as oficinas eram ali, foram-me buscar para trazer aqui para a receita. Estas marcas aqui na receita, eu trabalhei nelas todas…
Lúcio Moreira Silva: Receita era o nome que se dava…
José Andrade: Trabalhei nelas todas… depois tinha aqui… já eram engenheiros novos, o Engenheiro Marranas já tinha ido lá para baixo e outros assim. O Engenheiro Santos Paula – não sei se ele ainda é vivo…
Manuel Alves Silva: Não, acho que ele morreu. Acho que já morreu.
José Andrade: Ele, ele era gago…
Manuel Rosas: Já morreu.
Manuel Alves Silva: Ele vivia em Nazaré, acho que já morreu.
José Andrade: Encarou comigo, pronto, não sei porquê, encarou comigo. Não me deixou sair daqui mais, daqui para fora. Depois… eu ganhava mais do que os outros que eram arreadores… era, era o salário de safreiro, mas eles ainda ganhavam menos do que eu… pronto. Mas ele não ligou a nada disso e eu também não ligava. Eu dizia: olha se ele vos der mais, ide lá ter com eles, quem manda. Pronto e aqui andei, aqui andei muito tempo. Estas marcas aqui corri-as todas. Depois o Senhor Engenheiro Santos Paula precisava de um indivíduo para ao domingo vir fazer o esgoto, pôs-me a aprender na máquina a arrear o pessoal. Quem foi o meu professor foi o Senhor Raul, que vós conheceis de Pejão.
Manuel Rosas: O Senhor Duarte.
José Andrade: Andei 11 dias com ele a… ali a aprender a arrear. Eu, mas eu em 3 dias aprendi a arrear pessoal para o esgoto… que era só um que vinha… para as bombas, para ir botar a água para fora, pronto. Depois o Senhor Raul disse ao Senhor Engenheiro que eu que estava apto para arrear o pessoal para… para o esgoto. E ele disse: e ele aprendeu assim tão depressa? E ele: ó Senhor Engenheiro, é o que eu digo. Vai ele assim: Atão, chame o Senhor António Amaral para fazer uma viagem na jaula sozinho e ele a arreá-lo. Pronto, o Senhor António Amaral foi ali ter comigo, que daqueles dois postigos a gente via para aqui, agora estão tapados… era onde passavam os canos que iam lá para cima as andorinhas. E depois o Senhor Amaral esteve lá a falar para mim e tal e disse: ó Zé, vais-me fazer uma viagem ao 150, paras lá. E pronto, eu por acaso já sabia, aquilo correu-me bem. Chegou lá, parei. E ele saiu, foi dar uma volta às bombas quando tal vem… mas era tudo, era tudo por sinais e por telefone ali na casa da máquina… era tudo por sinais e por telefone… ele telefonou para mim: ó Zé, dá-me tempo de entrar – que já eu sabia que tinha que dar tempo, por exemplo, das bombas para dentro da jaula, não podia arrancar logo se não [risos] o homem ia junto também [risos] – pronto, pronto, telefonou-se: olha arreia-me ao piso de baixo, que era aos 150 metros, entrou para dentro lá foi ele… por lá baixo… aguarda um bocadinho que eu vou dar aqui uma volta [risos] a gente até se assentou, mas ele não via, estava longe [risos] pronto, quanto tal ele: ó Zé, puxa-me direto lá acima, que era aqui. Então foi ter com o Senhor Engenheiro dizer que, de facto, o que o Raul estava a dizer que era verdade, pronto. O Senhor Engenheiro mandou o Senhor António dizer ao Senhor Raul para me pôr a aprender tudo o que a máquina fizesse, tudo o que a máquina fizesse. E eu ali andei mais… ora eu andei 8 dias, não, 11 dias ao tudo… andei 3… andei o resto. E pronto aprendi de tudo… o que entrava para dentro, saía tudo para fora também e era aqui por este poço, era por este poço. Antes havia acolá o São Jorge, que a gente descia a pé, tinha um poço para aí de 20 metros de fundura e depois tinha…
Lúcio Moreira Silva: Escadaria.
Manuel Alves Silva: Um inclinado.
José Andrade: Era assim, virava assim e ia assim… saia ao pé da capelinha que tinha lá de baixo, ao de Santa Bárbara. Pronto, depois passou a arrear aqui o pessoal todo. A jaula para cima trazia duas, mas iam duas para baixo… e iam 24 dentro da jaula, dentro da jaula não, dentro do poço. E o… e o… iam duas a pegar e duas a sair com o [imperceptível] e pronto assim andei ali. Depois é… quando faltava um maquinista, que os maquinistas aqui tinham 3: era o Alfredo da Lomba, o Joaquim Lage e o Tio Raul. E eu passei a fazer as folgas deles todos e férias e tudo… e aqui andei, pronto, pronto. E depois quando era preciso andar aqui na receita, tanto ia ali para o [imperceptível] do entulho, que o [imperceptível] do entulho era ali para o catrapelo… o… o coiso do carvão era aqui lá para baixo. Era preciso um andar ali à frente da jaula, quando faltava o que anda à frente, lá ia eu… quer dizer, eu corri muitas marcas, mas não era por ser malandro, às vezes corre-se muitas marcas por se ser malandro, mas eu não era por ser malandro pronto [risos]. Encararam comigo e eu levava a minha vidinha assim. Ali na máquina eu podia vir com o meu fato melhor que tivesse, que eu não me sujava, tava assentadinho, trabalhava com a mão e ia estando atento aos sinais, porque não se podia falhar na jaula. Se fosse carvão, eram vagonetas, mas quando levavam 24 pessoas, duas para cima e duas para baixo, era preciso muito cuidado. E para a jaula apoiava devagarinho e aqui em cima na mesma. E andei aí a minha vida, pronto, foi aqui a minha vida. Depois… depois quando começou a vir o pessoal para baixo, quando houve a enchente de água ali… andava lá dentro. Eu pedi ao Senhor Engenheiro uns dias para ir para dentro da mina e então eu andei lá e foi quando… eu também fui caçado. Eu fui caçado, porque… correu tudo bem, na camada podia ter morrido lá para aí 30 pessoas que trabalhavam lá e, graças a deus, não morreu ninguém. Só eu, foi assim. É a gasómetro, quando a água veio pelo inclinado abaixo, os caleiros estavam cheios de carvão, aquilo tapou tudo. O meu gasómetro desapareceu logo. E o Matos passou por mim e podia-me ter avisado, podia dizer assim: ó Zé fuja. Mas ele vinha correr e quando ele disse fuja ele vinha a correr por lá abaixo, ela vinha atrás dele… julguei que era para eu me arrumar para eu passar. Quando tal, eu fiquei logo invadido, pronto. Depois andavam uns colegas, mineiros, a trabalhar num desmonto e depois esses andavam… o mineiro tinha direito a pilha, pronto, e eles andavam com a pilha e eu via os focos da pilha e fui engatando por lá por cima, porque o meu medo era que o inclinado tapasse e a água começasse a ajuntar, porque era muita força de água. Cheguei ao pé do inclinado e entrei para dentro, assim para onde eles andavam a trabalhar, e eu disse: ó Silva, eles chamavam o Silva Tripeiro, não sei se alguém conhecia o Silva Tripeiro? Era da foz. Então aqui está isto assim e assim e vocês andam a trabalhar? Não me digas! E ele veio ver… e eu vim atrás dele, eu fui às escuras até pé deles… e ele vai assim: ai… e eu queria, em cima era de piso a piso, em cima havia uma saída para a travessa de cima, do 1º piso… e eu queria que ele viesse até lá, que eu de lá safava-me, que a água… que o inclinado ainda passava para cima, ele… ele… dizem que ele vem buscar a água aqui ao ribeiro, mas não vão buscar a água ao ribeiro, eles vão buscar água no pinhal ali numas bolsas que tinha, pronto, porque o ribeiro não arreou. E pronto e assim foi a vida. E o Silva veio com a pilha, fomos até lá acima… quando encarei com a saída atirei-me como um peixe… já não contavam comigo. Tava o… já morreu… o… aquele encarregado de Paiva… chamavam-lhe o… sardinheiro, que era o Lino, parece que era Lino, Adelino! E estava um que era mineiro que era o Melo e estava o Tino Lúcio… e um deles virou-se: ei que atirou-se acolá um.
Lúcio Moreira Neves: Esse era tubista, era canalizador.
José Andrade: Era, era, era. E então foram lá e tiraram-me – ninguém me conhecia. A roupa era só lama, lama… carvão! A gente, nós chamávamos lama, mas era grole. Trouxeram-me numa vagoneta até aqui ao fundo do poço, meti-me dentro da jaula, sai… foi nesta ainda me lembra, foi nesta jaula… sai, sai por ali por aquela porta fora, eu moro, morava logo ali nas primeiras casas do bairro – tinha a casa 1, tinha a casa 2 aqui deste lado –, agora moro daquele lado. Ninguém me conheceu aqui a sair da receita. E depois eu tinha umas… com a água eu trazia aquelas pedras do carvão e fez-me umas riscadelas nas pernas e tal e eu vim ali ao enfermeiro que era o Senhor Reboeira, mas já lavadinho e tudo e outra roupa. Depois chega lá um indivíduo ao pé de mim: ó Zé, tu estás aqui? Pois estou. Porquê? Eles andavam à tua procura dentro da mina. Atão mas eu estou cá fora [risos] eu assim para mim, pronto. O Senhor Reboeira curou-me e depois chega lá o… o… Matos, o Manel Matos, que já morreu, que era chefe: ó Zé, olha que o capataz quer que vás trabalhar o resto do dia. E eu disse: por acaso, ele vai ter sorte. E vai assim o Matos: e tu não vais? Não vou! Eu já ganhei o meu dia. E o Matos chegou ao pé do capataz e disse… – o Matos disse-me a mim, porque eu não ouvi – disse ao capataz: ó Senhor Ferreira, este foi dos que passou… das mais ruins… e pronto. E foi assim. Depois andei aqui sempre, continuei a andar aqui, pronto, até acabar. Acabou e eu… o último dia que eu fui reformado… no dia em que fui reformado trabalhei aqui. Vim ali à mina do zero montar uma bomba, montar uma bomba… vim eu, o Carlitos e mais dois… montar uma bomba à porta da mina do zero para mandar a água para aquele… para onde andavam a tirar o carvão do solo. Ainda me lembro, um que andava lá era o… o… Manel Henrique. E depois lá embaixo. O meu trabalho aqui já tinha acabado há muito ano, não é? Que eu depois daqui, fui lá para baixo. Então lá em baixo andei sempre a tubista, andei sempre a tubista, pronto. E… e foi até ser reformado. Fui reformado em… 89, porque veio uma lei 30 de mina e 50 de idade e eu já me tinha reformado, mas eu… aos 30 ainda não tinha, faltava um ano e eu andei até aos 51. E já estou reformado para aí… que? Eu fui em 89… para aí a 30, 33 anos, não é? Porque eu dei mais um ano… 50… 33 anos…
Fernando Gomes: Olhe, desculpe lá, o que era um tubista?
José Andrade: O que era um tubista?
Fernando Gomes: Sim.
Lúcio Moreira Silva: O tubista era o canalizador.
José Andrade: O tubista tinha trabalhos difíceis. O tubista tinha de andar na camada a pôr o ar para os mineiros trabalhar, tinha de pôr a água para trabalhar e tinha de pôr o ar comprimido para eles trabalhar para os picadores e martelos.
Serafim Silva: Era tudo tubos, tubos de plástico…
José Andrade: Era, era tudo tubos, era tudo tubos. Mas era o primeiro a entrar uma marca, praticamente.
Serafim Silva – Era sempre, era sempre o primeiro.
José Andrade: E na traçagem ainda era pior. Na traçagem vinha o cheiro do… do… fogo e o cheiro do… do pó, pronto.
Fernando Gomes: Eu digo isto porque… porque estamos aqui a falar em tubistas e assim… e era para a malta que depois ouvir a entrevista…
Lúcio Moreira Silva: Saber o que é.
Fernando Gomes: Saber o que é.
José Andrade: E depois o tubista… o tubista também tinha as avarias dentro do poço para compor. Aos fins de semana, vinha de sexta para sábado, que era para o poço não estar parado, e vínhamos trabalhar… por exemplo, o poço de [imperceptível] tinha 500 metros e não havia segurança nenhuma, não havia segurança nenhuma. A segurança era a gente se vigiar, que a gente, eu pronto, fui ajudante do Zeca Teixeira, conheci o Zeca Teixeira? Fui ajudante dele muito tempo, lá no poço, no poço… aos fins de semana. E depois ele veio reformado… eu se tinha a mesma idade vinha aquando ele, assim acantei fiquei no lugar dele e fui para [imperceptível]. Um de Pejão, chamavam-lhe o Manel Pica, qualquer um conhecia. O que tínhamos de beber era em cima da jaula uma garrafinha de bagaço ou uma garrafinha de vinho do Porto, tínhamos de beber [risos]. Mas acho… a água era quase como botassem um caneco por nós abaixo e nós quanto mais depressa arranjássemos o trabalho, mais depressa saíamos do poço para fora. Porque a gente ali não podia falhar nada. Nem podia escorregar em cima da jaula… era em cima da jaula, não era dentro da jaula, precisamos de ver… as jaulas de Germunde eram diferentes destas, pronto. E a gente andava ali. E não tinha um cinto para pôr de segurança, não tinha nada, não tinha nada. Se uma chave a apertar um parafuso falhasse, um homem ia logo pelo poço abaixo, porque estava a trabalhar em cima da jaula. E não havia segurança nenhuma.
Fernando Gomes: E você ainda chegou a trabalhar na nova?
José Andrade: O quê?
Fernando Gomes: Na jaula nova. Nas novas.
José Andrade: Então era um poço de 500 metros que eu estou a dizer.
Manuel Alves Silva: Era, era no antigo poço. Era no PG2.
José Andrade: E também andei lá nos últimos… nos últimos 5 anos que eu trabalhei na mina andei lá nas bombas. Andei eu e um Manel… aquele de Rio [imperceptível], o que morreu ali… o que era manco de uma perna. Andei eu e ele lá até vir embora.
Fernando Gomes: Elas trabalhavam 24 horas por dia para tirar a água cá para fora.
José Andrade: Trabalhavam. Elas trabalhavam… quando era, quando era inverno, elas trabalhavam todo o dia e toda a noite, seguidas. O que tinha era um suplente, quando uma avariasse tinha a outra para ligar. Porque se não ó… era poço abaixo. E foi assim a minha vida. Sou de Castelo de Paiva, natural de Castelo de Paiva, nasci na vila, nasci na vila de Castelo de Paiva, mas não foi ao pé do lombo, foi numa casa [risos]. E… e… hoje estou aqui a morar em Folgoso. Vim para a mina, trabalhei aqui, depois arranjei namoro, depois… depois casei, a empresa deu-me uma casa para eu viver, que era no bairro velho. Do bairro velho vim para aqui, também era da empresa, mas são umas casas melhores. Depois faleceu o meu sogro, a minha sogra tinha saído de casa… porque dantes era meio ano depois de morrer, ou reformado ou morrer, a casa tinha de ser vazia. E então eu troquei com a empresa, falei para o administrador da empresa e ele concordou. Eu vim para onde estava o meu sogro, onde estava a minha sogra daquele lado e… e entreguei a casa como estava. E depois comprei a casa. A empresa acabou vendeu as casas, pronto, foi quando comprei a minha. E cá estou. Até quando Deus quiser.
Sandra Pinheiro: E esteve na Casa da Malta, também?
José Andrade: Também estive aqui em cima na Casa da Malta, nesta, não foi na de Germunde, foi aqui nesta.
Sandra Pinheiro: E como é que era a vida na Casa da Malta?
José Andrade: A Casa da Malta era… era bom, era bom. Nós ali era tudo nosso, e dávamo-nos… era uma família, pronto, dávamo-nos todos bem. Uns iam acolá à cozinha, como eu também ia, à sopa e outros cozinhavam lá. Tinham um fogãozinho daquelas… daquelas máquinas que injetavam petróleo e faziam lá o almocinho deles e quem queria vinha ali. Só que ali tinha de pagar, mas também o que eles faziam também tinham que pagar, não é? É a mesma coisa. Vida boa, vida boa e uma vida amiga. E, além de andar no perigo, eu sou franco, os outros não sei, eu falo por mim, era uma família, não me lembrava do perigo que andava.
Manuel Alves Silva: Nem ninguém se lembrava.
Serafim Silva: Ninguém se lembrava.
Manuel Alves Silva: Quem é que se lembrava?
José Andrade: Eu estou a falar por mim. Os outros também era na mesma. Era uma família. Chamavam a família Pejão.
Manuel Alves Silva: Então quando morreram aquelas 3… lá em baixo na 10…
José Andrade: Olha eu tinha sido reformado nessa maré.
Manuel Alves Silva: Eu também andei lá a ajudar a desenterrá-los. E depois… tiraram-nos… e depois, precisamente na 10, passado para aí 8 dias… eu andava no zero horas… eu é que era o encarregado do zero horas… depois a malta, ninguém queria ir para encarregado…
Fernando Gomes: Exatamente.
Manuel Alves Silva: Aquele Freitas lá de [imperceptível]... Depois é que foi. Aquilo éramos uns poucos de encarregados, éramos para aí meia dúzia deles, não sei ao certo agora quantos eram, era o [imperceptível], era eu… era uma série deles. E eles não queriam ir para o zero horas, porque… tinham medo, se calhar, do morto que ia aparecer lá dentro. Eles foram 3 e eu disse: ah eu não tenho medo nenhum, posso ir para o zero horas. Fui logo o primeiro e era eu que andava quase sempre no zero horas como encarregado. E, precisamente, na outra semana a seguir, lá na 10, andava lá um… andava lá uma brigada a trabalhar e eu tinha que ir visitá-los todos, durante a noite. E eu… um que até me foi chamar era o… que me foi chamar à 26, que eu andava lá, era o… aquele o… o Fernando, o irmão do Quim do Patrão – o Fernando do Patrão, que me foi lá chamar à 26, que estava lá uma brigada que estava tapada na entrada. E eu fui lá ver e até o que andava lá era o meu primo Tone consumido também. E eu fui lá ver e disse: opa vós estais aqui a trabalhar num sítio destes e com isto assim aqui? Toca mas é daí para fora, vós ides morrer aqui dentro. Toca a ter eu que trabalhar até ao fim, pronto, para deixar o trabalho guiado para o outro turno. Mas é verdade. E ninguém tinha medo. Deixava-o lá, então o homem morreu lá. O meu cunhado, o Rodolfo, escapou porque veio à madeira à [imperceptível], porque se não também ficava lá.
Fernando Gomes: Também tinha ficado, também tinha ficado.
Manuel Alves Silva: E aqueles dois que morreram – o… o filho do… chamavam-no o “Paga-marca” e o Barbosa – eram meus operários na 26, foram pedidos para ir para lá. E eles… e eles foram de vela, esses dois morreram.
José Andrade: E o Ferreira também.
Manuel Alves Silva: E o Ferreira da Póvoa, pois é. Quer dizer, diz que era uma escola, que era uma escola, que eles entravam numa escola era na 10 e só num dia foram 3. Pois foi.
Sandra Pinheiro: Senhor Manuel, se calhar, passávamos agora a si, não?
Manuel Alves Silva: Por mim.
Sandra Pinheiro: E falava-nos um bocadinho da sua história. Pedia-lhe que começasse por dizer o seu nome, a sua idade, de onde é que é.
Manuel Alves Silva: Sou o Manuel Alves Silva. Nasci cá, cá neste lugar, tenho 72 anos e… e pronto iniciei a minha vida na mina… fui lá para baixo para Germunde, porque aqui precisamente, este também já só trabalhou aqui 6 meses, somos da mesma idade, e eles já não metiam aqui ninguém. Já fui para Germunde. Fui trabalhar para os 100 metros, fui para a 28, para os 100 metros. Depois dali comecei a andar, de 100 a 150… a 200… pronto.
José Andrade: 28 ou 8, 6, 8 as travessas eram lá para cima.
Manuel Alves Silva: Sim era… as travessas era de 6, 8, 10, 12, 14, 16, 19, 21, 24, 26, 32…
José Andrade: As melhores camadas era a 6 e a 8.
Manuel Alves Silva: E ia até à 42 ou 43, que era…
[Várias pessoas a falar ao mesmo tempo]
Manuel Alves Silva: Pois e então eu fui para lá, fui trabalhar, fui logo para a camada, que naquele tempo era duro. Era caleiros e chapa, aquilo era muito… na 28 aquilo era muito calor lá, a camada, era muito quente… o encarregado também era daqueles de… de cascar… que era o falecido José Bairrada, que tinha ido daqui de… daqui de… do Fojo para baixo. Aquilo… aquilo era mesmo… ele fazia enervar a gente… era trabalho duro. Depois até pensei em ir para a traçagem, o meu pai ia pedir para eu ir para a traçagem. Depois eles tiraram-me dos caleiros e puseram-me à beira de um mineiro a trabalhar, faleceu há pouco… para aí há 1 ano, que era o Constantino Miséria, de Carcavelos. Um homem também muito trabalhador. Puseram-me à beira desse homem a trabalhar, comecei, tau, tau, depois passei a praticante, de praticante a mineiro de 2ª, a mineiro de 1ª… a encarregado. Passei lá. Andei lá até… até 1987. Em 87 pediram-me para vir para aqui para os céus abertos, andei aqui… andei aqui 8 anos, até ela fechar. Entre aqui e lá embaixo em Germunde, na serrinha. Andei nesses céus abertos, andemos aqui a tirar e… e pronto, passei aqui uma vida. Ora bem, é como digo, apanhei lá sustos muito grandes também na mina, como trabalhador, apanhei, não digo que não. Mas no outro dia ia trabalhar na mesma… a gente às vezes havia uma laçada e a gente ia tentar salvar aquela marca, para depois poder explorar o carvão, e temia-se um bocado, mas no outro dia já lá estava outra vez, nunca ninguém se lembrava. Quando morreram aqueles na 24, que foi com o grole, eu andava lá também, e eu andava no zero horas, e então o grole era muito e… eram 4 da manhã ou 4 e pouco e eu disse… e aquilo a gente tinha que pôr… o funcionamento era uma gaita para tapar, para ninguém botar o grole para baixo, para encher as vagonetas, acabava de encher as vagonetas que tivesse… estava a acabar, abria o ar, a gaita cantava lá em cima e tudo parava. Até tinha umas portas para tapar o caleiro lá a entrada, como tinha nas tolas, e então… pronto, e eu disse: eu vou lá acima falar com a rapaziada e, já que não há, dois vão descer para baixo nas marcas e disse: olha vós agora não vão botar mais nada, andai para baixo, descansais agora. Viemos para baixo. De manhã, quando o outro turno chegou, o… o… inclinado onde a gente passava, aquele que tinha um secundário comprido tava… arrasou… de um deles andava a trabalhar para cima, tapou tudo até à porta, mas foi tudo impacto. Tudo, tudo, tudo. Ficou… a madeira veio, atravessou-se à entrada do primário no secundário, aquilo eram para aí 40 metros que tinha de comprimento, ficou tudo compacto. Se ficasse lá alguém, ficava como uma tábua. Não havia hipótese. Depois teve de se tirar tudo, picar tudo a pico, com água e a tirar aquilo tudo, para ir lá acima tirar as ferramentas, que tinha guinchos, que tinha martelos, tinha aquilo tudo, para se voltar a fazer a exploração de novo. Porquê? Por causa da água no carvão, no grole. Porque a água juntou em cima, passou-se aos trabalhos velhos, depois criou-se ali uma base de água muito grande, que a água a subir entrava lá pelo terreno dentro e aquilo quando descarregou aquilo levou tudo abaixo. E, às vezes, quando era até cá em baixo? Quando se tirou a água da 6, andava o falecido Alfredo Melro, andava… quem era mais? Andavam 3 ou 4 quando é nas chaminés para tirar a água da 6 e da 8. E então a gente… aquilo vazou… e depois a malta… aquilo foi um inclinado assim, foi um poço assim a subir, assim aligeirado para a gente ir assim à outra travessa… e aquilo depois o poço encravou, o poço encravou e o chefe lá era o Senhor Armando, que já faleceu agora à pouco tempo, de Sequeirô, e… e eu era assim… o outro andava lá a trabalhar, andava lá a fazer um coiso a tentar bater debaixo da água… a pôr lá uns quadros e eu disse: eu vou lá para cima, vou ali e desencravo o poço, meto-lhe com o cabo, engato num pau que estava lá ao dependuro e… e vou lá em baixo e puxo e… e ela sai e a água corre pela travessa fora. E eu disse: não, vai te embora, que estás molhado, vai embora. Já tinha feito o trabalho e vim-me embora. Passado um bocado ainda não era antes do meio-dia… antes do almoço, o poço abriu por ele, eles foram todos juntos pela água fora. Andavam a encher o grole que tinha caído quando se bazou o poço, ficou o grole, aquilo era carvão, mas ficava mole e eles enchiam aquilo lá para as vagonetas. E eles tiveram o seguro por muito tempo até. O falecido Alfredo… eles eram 3… e não morreram por sorte, porque a descarga foi tão grande, que faziam um realço grande da travessa para descer para o inclinado para baixo, para o primário, e a água saltou assim e abriu um rego por lá baixo até ao fundo. Tudo que foi carvão abriu um rego que parecia um rego de um arado de um trator, a própria água. Depois a malta assustou-se toda, que estava lá embaixo na tola. Foi terrível. Por acaso, foi. Tive essas recordações, infelizmente, mas nunca no outro dia a gente tinha medo, vinha na mesma. Era igual. A gente estava tão habituado naquilo, a gente nem imaginava, muitas vezes, o perigo que a gente andava. E quando a gente tinha de andar 50 metros, 40, de gatas e com um pau às costas, às vezes, nem se podia mexer? Eu ia a botar um pau ao chão, a machada chegou-me aqui, eu ia a botar e machada aqui pum foi logo. E aquilo era baixinho. A gente andava de gatas e depois reformava-se novamente… andava-se outra vez a cortar o terreno uh aquilo era… tinha lá dias que aquilo… depois era o pó e o calor.
José Andrade: E quando os pés faziam isto? E a gente tinha de furar por baixo.
Manuel Alves Silva: Era, aquilo era… lá dentro? Aquilo era terrível. E, muitas das vezes, passava-se lá muitos sacrifícios.
José Andrade: Os pés partiam, encostavam um no outro… e depois iam até à capa.
Manuel Alves Silva: Agora aquilo… andávamos lá pelo meio, andávamos como os ratos, os ratos também andavam lá e a gente andava com eles, no meio do carvão fora. É verdade.
Sandra Pinheiro: E era muito quente dentro da mina?
Manuel Alves Silva: Ui, tinha zonas que era muito quente. Além do ar que era produzido artificial, que era ali dos tubistas que nos punham lá o ar, em telas, aquilo era muito calor, aquilo era… e depois havia camadas que dava aqueles estoiros, que era o carvão que era o grisu – isso é que metia medo, caraças. E aquilo abanava por todo o lado. Um gajo nem via nada, nem via ninguém. Na 14 na primeira camada nos 300 metros era uma camada que dava muito isso.
Fernando Gomes: Eu não sei, não sei em que camada foi… houve lá um… moço que até ficou todo queimado a acender um cigarro… agora não sei quem é, já me contaram essa história… que eu até fiquei admirado de ver assim aqueles gases assim no… aqueles gases ali no… no Pejão.
Manuel Alves Silva: Tem, tem. Aquilo tem. O… o… um que era filho do… era sobrinho do capataz Ferreira, o que está casado com a de ali de Oliveira, das burras… o… como é que ele se chamava? Ele está lá embaixo, ele veio rapaz novo lá para a mina e depois veio trabalhar para o pé de mim. E eu pus a vagoneira a encher, andávamos a abrir a primeira camada e eu pus lá a vagoneira e a ajudar a abrigar lá em cima, que aquilo foi a montar 4 metálicos em ferro, mas era tipo carris, não era dos redondos, era dos quadrados, foi a primeira experiência que eles fizeram lá. E começou a dar os tiros e aquilo o moço, andava lá em cima na camada, pá eu não sei como é que ele não se matou, a descer… só parou no poço cá embaixo. E eu fui a correr atrás dele: não te vás embora, não te vás embora, que isso é natural da mina. É? É. E depois ficou e só veio, só veio quando acabou.
Fernando Gomes: Exatamente. Foi-se habituando.
Manuel Alves Silva: Pronto, e é assim. Infelizmente, recordações tenho más que o meu pai levou com um tiro aqui no… no 5º piso, no santana, que era lá, lá dentro, a afundar o poço. Foi 26… olhe faz agora anos, foi a 26 de fevereiro de 67 ou 68 que ele levou com o tiro. Foi ele e o Tio Batista, que também faleceu. Já faleceram os dois. Porque se ele fosse vivo tinha agora 99 anos. Mas pronto.
José Andrade: O Batista… o Batista que era da cachina.
Manuel Alves Silva: Não, o Batista que morava… o sogro do padre, que morava lá adiante, o sogro do padre Pífaro, o sogro Tavares, o Tio António Batista. O outro era o Francisco, é que era o apontador. Mas o outro era marteleiro. Mas esse era marteleiro, o Tio António Batista era marteleiro. Era ele e o meu pai, que andavam a furar no poço.
José Andrade: Depois ainda chegou a trabalhar com a máquina do Poço 3, do Poço 3.
Manuel Alves Silva: Foi o Tio Batista. Depois o meu pai veio…
José Andrade: E o Tio Teixeira também.
Manuel Alves Silva: Pois, o Tio Jaquim Teixeira também andou.
José Andrade: Aquele o Horácio de [imperceptível], eram os 3 maquinistas de lá…
Serafim Silva: O Horácio trabalhou com o Santana.
Manuel Alves Silva: Por isso é que eu digo, memórias más, assim das minas, se for a ver, foi o meu pai naquela altura teve aquele acidente grave, de resto.
José Andrade: E isto acabou e… e… e o que eu vou falar já morreu, antes ele fosse vivo, a idade dele podia ser vivo, que era o Almerindo Cuco. Cortava cabelos lá na casa da máquina, à mão [risos].
Fernando Gomes: Eles aí diziam, falava-se que as minas do Pejão eram as mais seguras da Lomba.
Manuel Alves Silva: Nós aqui passámos… infelizmente, de acidentes morreram 3 daquela vez, morreu o falecido Pinhal à beira do meu pai, a furar na travessa na… na… 19 dos 300 metros. O meu pai a furar de um lado, ele do outro e o Tio – até já se matou – o Tio Domingos da raiva, que era o emboquilhador. E ele morreu logo. O Domingos ficou bastante ferido, o meu pai carregou-o às costas e veio trazê-lo ao… cá baixo à… à jaula. E o falecido Pinhal, que parecia que não estava, que tinha pouco… ao chegar à beira dele ia a botar a mão a pegar nele e ele abraçou os braços dele no pescoço do meu pai e ficou. E ele foi a ver e ele tinha, depois isto aqui estava tudo fora, que o martelo ao… caçou o tiro que ficou, porque ele não se apercebeu que tinha ficado o tiro por rebentar lá dentro, ficou lá alguma pólvora e a cápsula, não é? E foi fulminante. E ele tava a furar e quando aquilo bateu o martelo fez isto e aquilo explodiu. E o meu pai andava do outro lado e não sofreu nada, pronto, umas esmurradelas… o Tio Domingos também só se aleijou um bocadito, era mais, mais… mais na pele, na superfície. E o outro ficou.
Fernando Gomes: E o outro estava com o martelo e apanhou o maior impacto.
Manuel Alves Silva: De resto, olha. É isto que a gente tem.
José Andrade: Foi como o Meio Tostão que também morreu no poço.
Manuel Alves Silva: Foi.
Fernando Gomes: Também parecia que era o que vinha mais…
Manuel Alves Silva: E foi o que morreu.
Fernando Gomes: Até parecia que era o que vinha melhor e foi o que morreu.
José Andrade: Também ficou o Neca…
Manuel Alves Silva: Era o Neves.
José Andrade: Era o Neves, que era o que estava mais coisa e ficou o outro…
Serafim Silva: Um morreu para fora, o outro arrebentou por dentro. O Quim arrebentou por dentro, e o Neves arrebentou para fora. O Neves sangrou e ficou com o sangue lá dentro.
Sandra Pinheiro: Obrigada Senhor Manuel por nos contar a sua história.
Manuel Rosas: Então eu vou iniciar. Boa tarde. Eu chamo-me Manuel Rosas da Rocha. Sou conhecido como Rosas. Eu nasci numa aldeia chamada o “Pejão” que fica acima deste lugar aqui. Onde foi iniciada quase a exploração do carvão. Quer dizer que a exploração do carvão tem um sentido assim… desde S.Pedro da Cova a S.Pedro do Sul é o filão do carvão. Quando, como lhe posso… os empresários que eram belgas, chamado ??? Foi o que veio iniciar esta exploração de carvão, aqui em Portugal e achou por bem, provavelmente com conhecimentos de outros lados, ou pela topografia, achou por bem que a exploração seria feita para norte do rio Douro e assim aqui neste meio assim. Então, iniciaram desde Germunde até Pejão onde tem… a exploração é conhecida como Santa Bárbara. Eu nasci lá e vivi lá e comecei a ter conhecimento do que era a exploração do carvão lá. Era feito só por galerias, não havia poços. O primeiro poço que foi para fazer mais aprofundado, para fazer a exploração mais funda, foi só aqui em Germunde… aqui no Fojo e em Germunde é que havia poços. Havia a exploração feita no Pejão feita através de galerias na Santa Bárbara e depois mais tarde vieram também mais para baixo num local chamado Ervedal, fizeram uma galeria e havia uma grande exploração feita por galerias. As galerias eram feitas, digamos que o jazigo do carvão está entre muro e terra. O muro está na parte sul e eles faziam a galeria entre o muro, porque seria a parte firme e depois abriam umas travessas para encontrar os filões de carvão. O carvão era chamado um antracite e eu nasci lá naquele lugar e admirava muito porque razão é que as pedras ardiam. Quer dizer, a nossa ignorância e a pobreza espiritual, vivíamos num tempo muito pobre, que era o tempo de Salazar, digamos que a nossa cultura era fraca demais e a gente sentia-se… não conseguíamos compreender o que é que fazia as pedras arder. Então tivemos muitas mais valias por terem feito lá aquela exploração. Porquê? Porque nós éramos um lugar muito pobre. Pejão era meia dúzia de casas, onde reinavam meia dúzia de alguns agricultores que viviam bem e o resto era a pobreza miserável, porque o tempo assim o permitia, que era o tempo da Ditadura, o tempo de Salazar. Então, começaram a aparecer mais valias, porquê? Porque a exploração do carvão trouxe para aquele lugar de Pejão coisas maravilhosas. Primeiro, a cultura: engenheiros que iam para lá viver e os filhos que iam estudar, onde a gente se sentia humilhado perante aquelas crianças; porquê? Porque os filhos dos engenheiros tinham de ser tratados por “Luizinho”, “Manuelzinho”, “Joãozinho”, “Cristininha” e “Isabelinha” e, por exemplo, eu tinha uma irmã que se chamava Isabel e era chamada “Abelita” (?) e a filha do senhor
engenheiro era “Isabelinha”. Quer dizer, nós começávamos a não compreender muito bem … também éramos pobres de ignorância. Mas pronto, quer dizer que no fundo, no fundo, trouxeram muitas mais valias para lá, porque a gente usufruía de coisas maravilhosas, como por exemplo: o lugar de Pejão, naquele tempo, há muitos anos atrás, isto em 1960, tinha já um parque infantil perto da escola que era das coisas mais maravilhosas que havia. Tínhamos roda de cavalinhos, coisas que ninguém via por lado nenhum, tínhamos baloiços; tínhamos coisas maravilhosas! Depois outra coisa que nós tínhamos lá de muito importante que foram as minas que trouxeram ou melhor dizendo foi a exploração do carvão, era … tínhamos uma cantina onde se fazia comida e davam aos pobres. Comida que nós consulavamos, nós íamos lá pedir sopa, faziam uma sopa que era uma coisa louca, que nos saciava a fome, porque nós vivíamos mesmo com dificuldades. Primeiro, porque, por exemplo, falando dos meus pais, nós éramos uma família muito carenciada, éramos muitos, éramos 11 irmãos fora o pai e a mãe. Então éramos muitos e vivíamos com muitas dificuldades, tínhamos essa mais valia que nessa cozinha a gente ia lá pedir sopa e eles davam sopa com abundância, a gente comia. Outras coisas que faziam lá, por exemplo, faziam a festa de Santa Bárbara ponham coisas tão maravilhosas, tão encantadoras que a gente até ficava - como é que podia existir coisas tão bonitas assim?! Pronto. Não tínhamos outros conhecimentos, não saímos dali para fora, não fazíamos como hoje, não havia carros, não havia nada! Outra coisa muito importante que eu tenho como recordação das minas, por exemplo, a eletricidade. Nós não sabíamos o que era a eletricidade! Nós vivíamos numa casa pequenina coberta por chapas
de zinco, era onde nós vivíamos. O meu pai tinha um gasômetro, que era uma coisa que dava luz, que era carregado com carbureto e o carbureto fazia a explosão de uma substância qualquer que fazia lume e dependuravamos esse gasômetro numa porta, dava para os meus irmãos mais velhos fazer os deveres, estudar, fazer as cópias, tudo o que de fazer dos trabalhos da escola e dava para tudo! Só essa parte dava. Depois como nós éramos uma família muito grande, fomos pedir aos engenheiros clemência e eles conceberam-nos uma casa que era das minas do Pejão. Que as minas do Pejão, outra mais valia que trouxeram para lá, para o lugar do Pejão, construíram lá casas grandes para oferecer gratuitamente aos funcionários das minas. O meu pai trabalhava nas minas, era um funcionário, teve direito a uma casa dessas. Tinha eletricidade e a gente não sabia o que era eletricidade e víamos aquilo e achávamos graça. O que é que eu tenho como uma recordação engraçada? é que a gente fazia com o gasômetro que estava na casa, víamos bem para fazer tudo e depois com as lâmpadas não conseguíamos fazer os deveres! Chorávamos, mais os meus irmãos que eram mais velhos que eu, porque via-se mal! Quer-se dizer, era engraçado como é que a gente com eletricidade conseguia ver mal, porque estávamos tão habituados, nós até nos considerávamos como os ratos. Porque, prontos, estávamos habituados à escuridão e a escuridão para nós era uma coisa…. Mas à frente, havia aquela exploração lá por galerias, o carvão era trazido para aqui, para Germunde, para o Fojo. Vinha através de umas pequenas máquinas que queimavam o carvão e eram puxadas a vapor e havia uma linha feita em carnixe, que trazia para um canal que havia aqui acima desta parte onde nós estávamos. Aqui acima praí a 2km ou nem tanto e vinha por lá baixo, passava por aquele abaixo e vinha fazer a descarga do carvão ali a uma canalzito que havia aqui acima. Então, era feito assim, pronto. Essa parte que começou assim, depois foi crescendo, crescendo, crescendo, o meu pai e os meus irmãos; começou-se a fazer aqui a aprofundar a exploração feita aqui no Fojo. Dois irmãos meus vieram trabalhar para aqui juntamente com o meu pai também e eu fui crescendo, crescendo, crescendo . Então, quando chegou ao ponto de eu já estar capaz de trabalhar nas minas, já comecei a trabalhar em ‘76, já não aceitavam aqui, porque aqui estava para terminar, terminar aqui o trabalho aqui neste lugar do Fojo. Eu fui trabalhar, mas já fui trabalhar para Germunde, para a exploração que havia em Germunde que era muito mais sofisticada. Fui trabalhar para lá em ‘76 e fui trabalhar para exploração do carvão, isto é, havia a exploração que era feita por um método que era a traçagem. O que era a traçagem? Eram homens que faziam a exploração na pedra dura, tudo à base do fogo, de rebentamento com fogo e com máquinas próprias para fazer a exploração da pedra dura para fora. depois abriam umas travessas para a parte do filão do carvão e depois a partir daí iniciava e é os posseiros, iam iniciar os poços para se puder fazer a entrada para o filão do carvão e depois então ia o povo que os mineiros que faziam a exploração do carvão para fim de queimar. Havia uma central que queimava o carvão, que era chamada Tapada do Outeiro, onde era queimado o carvão que era explorado para fabricar eletricidade. Eu fui, então, começar a trabalhar na exploração do carvão e trabalhei apenas 4 anos. Porquê? Porque eu não não me sentia bem na exploração do carvão. Era um método duro, pobre! A gente… O calor era inadmissível lá dentro, a gente transpirava, mesmo com pouca roupa a gente ficava ensopados de água. Não sei se era o stress da exploração ser tão… metia medo! A verdade é que a gente lá dentro tinha medo! Porque via aquilo, por exemplo, nos abatimentos.
Os abatimentos o que era? Quando se fazia um inclinado, que era feito assim ao subir para depois que o carvo tivesse a possibilidade de descer gratuitamente dentro dos escaleiros até cá em baixo para os tratores que o transportavam cá para fora. Quer-se dizer, aquilo era tão acidentado, metia medo! E eu não me sentia bem lá dentro, estressar facilmente. Quer-se dizer, o que é que eu fiz? Tentei por habilidades sair de lá para fora, da exploração, porque eu não me dava naquilo, não me sentia bem naquilo. Qual foi o seguimento do meu trabalho? Foi as receitas! O que é as receitas? Isto que está aqui assim [gestão com as mãos], isto que está aqui assim é um poço que vai até ao fundo. Eu aqui nunca trabalhei, trabalhei em Germunde. Havia um método que era…
[Vozes misturadas de outros participantes]
Manuel Rosas: Havia um método que era de.. vinham as vagonetas que era os veículos que transportavam o carvão, vinham, a gente metia aquilo dentro da jaula; a jaula trazia aquilo cá para cima e então qual era o meu trabalho? meter as vagonetas dentro da jaula e tirar vagonetas de dentro da jaula; ajudar a meter pessoal lá dentro, fechar cancelas… andei, andei, andei, até que acabei por com outras habilidades também passei para maquinista. Lá embaixo em Germunde era um método antigo como este aqui assim, mas depois foi muito sifisticado. Criaram um método melhor de por uma máquina de fabrico alemão, toda computadorizada em que ela já transportava… fazia, por exemplo, a viagem que fazia de 400 metros mais ou menos, fazia aquilo em 2 minutos, a uma velocidade já luca e trazia já 8 vagonetas de cada vez que levava e transportava, quando era para transportava pessoal, transportava 80 homens de cada vez! Descia 80 homens e quando subia tarzia 80 homena cá para cima, Quer dizer que depois eu ultimamente já estava a maquinoisa, já era maquinista dessa mauqina sofotsicada que trabaçhava tudo automatica, so estavamos ali para quando houvesse qualquer coisa, um disparo, ou falha-se alguma coisa e a máquina parava tinha-se de preparar a máquina para ela voltar a trabalhar. Então quando se fazia descer homens ou subir homes tinha de ser manual
já não podia ser automático, tinha de ser manual. então, era o meu trabalho, porque
a experiências assim de, por exemplo, de peripécias, nunca tinha qualquer tipo de peripécias, porque nunca gostei das peripécias que se usava nas minas, não era o meu método e das situações mais tristes que eu tenho das minas foi - ajudei a tirar homens mortos, pelo menos de uma vez, ajudei a tirar 3 homens que morreram. Ajudei a metê-los dentro da jaula para tirá-los para fora e doutra vez, depois, continuava as minas lá embaixo na exploração subterrânea, mas depois a empresa já nos fins da sua atividade, a empresa resolveu começar a fazer uma exploração em céus abertos. Quer dizer que pouco já se explorava lá por baixo, porque já não era muito rentável, porque o carvão já começou a deixar de ter grande valor, isto é, não sei porque, mas o carvão já não era…já não tinha o valor que eles diziam que tinham, era uma mistura de entulho com carvão, já se misturava muito, já parecia tudo muito ralado… as pedras da tracite já não eram tão perfeitas e já não era… Então, eles resolveram por bem ou por fins monetários, não sei, talvez fosse uma exploração mais rentável, começaram a fazer a exploração a céus abertos. Nesse tempo, uma das partes tristes que eu tenho é que o meu pai ainda trabalhava nas minas de Pejão, os meus irmãos já não trabalhavam, mas o meu pai ainda trabalhava. E havia uma exploração acima de Pejão num pequenino que se chama Paraduça e
começaram a fazer a exploração a fazer aproveitamentos de todo o carvão que estava à superfície, provavelmente porque fosse mais rentável. Sei é que o meu pai trabalhava lá e cheguei a GERMUNDE e disseram-me assim “vens trabalhar?” e eu disse “venho”... “O teu pai morreu nas minas lá em cima em Paraduça” e eu comecei a chorar chorar, porque era o meu pai e eu eu gostava muito do meu pai. Então, acontece que fui ao escritório e fui perguntar se era verdade o meu pai morrer e disseram “Não! Quem morreu foi o Senhor Artur”, que era dois homens que estavam lá a fazer a exploração do carvão, a fazer tipo manutenção e aquilo era carregado à pá. O carvão era explorado com uma picareta e carregado à pá para dentro de umas vagonetas era assim, não havia outro método lá, mas isto já nos fins! Havia métodos muito bons de se explorar o carvão lá embaixo no fundo, mas na superfície eram pobres. Então disseram, “Não, não foi o teu pai que morreu, foi o senhor Artur”. E pronto, foi assim a parte mais difícil da minha vida na parte da exploração do carvão. Por isso quero dizer, para mim, para o povo que vivia nestas aldeias, na classe dos lavradores, principalmente na classe dos lavradores, foi mau a exploração do carvão. Porquê? Porque as minas destruíram as águas, mas para nós, para a classe pobre foi uma mais-valia as minas de Pejão, foi uma mais-valia e é essa o que eu tenho para dizer sobre o carvão, os meus conhecimentos sobre o carvão e foi esta a vida que eu vivi e hoje estou contente por ter sido mineiro!
Sandra Pinheiro: Obrigada Sr. Manuel por partilhar a sua história. Se calhar agora passamos para o Sr. Serafim..
Serafim Silva: Quase no fim
Sandra Pinheiro: E começava por dizer
Serafim Silva: Está a chegar ao fim!
[risos]
Sandra Pinheiro: Está
chegar ao fim… É o melhor fica para o fim [risos]. Começar por dizer o seu nome, a sua idade e depois contar aquilo que… quer que nós saibamos, as suas histórias.
Serafim Silva: Serafim Silva, natural cá do Lugar, nascido… tenho uma má recordação que foi não chegar a ver o meu pai, que eu tinha 3 anos quando ele morreu. Morreu aqui nesta mina.
José Andrade: Neste poço!
Serafim Silva: Morreu aqui nesta mina…
X: Neste poço.
Serafim Silva: Agora, não sei se foi em Santana, não sei onde é que foi.
X: Dizem que foi neste…
Serafim Silva: Eu entrei para aqui em abril de ‘68 e fui trabalhar para o posto 13, lá para cima. Só lá trabalhei um dia, chegou lá o encarregado Matos “anda para a minha beira, vais para o posto Santana, para a traçagem”. E eu daí trabalhei três meses na traçagem e de carvão, não percebo nada! Eu do carvão não percebo nada…
X: Mas percebes de pedra!
Serafim Silva: Eu só percebo é de pedra, porque eu andei sempre na traçagem! O teu irmão [aponta para outro ex-mineiro] foi meu encarregado. Eu na traçagem fiz de tudo o que havia de fazer: fui ?? do aço, fui tubista, fui marteleiro, fui carregador de ??, fiz de tudo. Tudo o que havia na traçagem eu fiz. Trabalhava com os arcos metálicos. O meu trabalho era só esse. Andei nos poços até aos 500 metros, que eu fui até aos 500 metros. Andei em Germunde dos 200 aos 300. Todas as chaminés que há em todos os pisos desde o troceto para baixo, que a gente fazia as chaminés, andei em todas. E a bem dizer, não sei.. o trabalho correu-me sempre uma maravilha! Eu podia estar duas/três horas sem material para trabalhar, quando chegasse às 14h30 tinha o meu trabalho feito. O material chegava tarde, mas eu tinha… estava descansado, fazia o meu trabalho à vontadinha. Não tenho mais que dizer, porque não trabalhei em mais nada, foi só na traçagem. Tubista, eletricista…quando os eletricista vinham pôr a luz, os cabos pelo poço abaixo, andava com eles. Porque era preciso um marteleiro para pôr os furos para segurar os cabos. Eu era sempre. Andei a maior parte do tempo no ??, eu e dois safreiros. Pediram-me para fazer folhas, não faço folhas nenhumas, o trabalho está feito, se quiser que faça folhas, faço folhas, se não quiser, o trabalho está feito. Só tenho uma coisa a lamentar: entrei para aquela empresa enganado e saí enganado. É só isso que tenho a dizer.
E sabe porquê? Porque eu entrei no dia 1 de abril e saí no dia 1 de abril!
[risos]
Fernando Gomes: Essa está boa! [risos]
Serafim Silva: É isso.
Sandra Pinheiro: E em relação ao trabalho, Senhor Serafim? Era duro também?
Serafim Silva: O trabalho sempre duro, seja onde for! Encheia o entulho com a máquina e depois furava com um martelo, carregava o fogo, arrebentava o fogo e estava feito. Todos os dias a mesma coisa. Todos os dias a mesma coisa. Fazia, escangalhava; fazia, escangalhava. E passei assim lá 27 anos.
Sandra Pinheiro: E como é que era a relação com os outros colegas de trabalho?
Serafim Silva: Os colegas de trabalho era nós os três e com o resto era o máximo da confiança, com todos! Tudo junto! Quem precisava de ajuda, a pessoa ia ajudar; outro precisava de ajuda, ia-se ajudar.
José Andrade: Jogar a bola também não ajudavas?
Serafim Silva: Ahn?
José Andrade: A jogar a bola…
[risos]
Serafim Silva: [risos] Aí não! Isso era sempre! Isso era sempre certo.
José Andrade: Também tem que… [imperceptível]
Fernando Gomes: A [imperceptível] era um jogo que havia com três pedrinhas ou três moedas ou canetas e a gente “pede duas” e juntava ao fim e quem tivesse certo era o que ganhava.
Sandra Pinheiro: Ok. E ficou até ao final das minas até 94? Até fechar?
Serafim Silva: Eu fiquei até 95! Fiquei mais três meses.
Sandra Pinheiro: Porquê?
Serafim Silva: Os três meses que me deu a sorte, sabe? Porque se eu viesse em 74 não era reformado, vim em 75 fui reformado. Porque completei os 45 anos.
Manuel Rosas: Porque a exploração terminou em 94, depois houve o desmantelamento de toda a rede que havia das minas. Desmontar os carris, lá embaixo, nos caminhos de ferro… fazer toda a transferência do que havia lá embaixo cá para fora - tratores, elétricos, todo o material que havia. Portanto houve pessoas que foram escolhidas, muitas vezes para ajuda, que é o caso aqui do Sr. Serafim, que ficou mais para quando terminasse aquele tempo o desmantelamento de toda a matéria prima que havia, teve direito a ser reformado.
Serafim Silva: Foi…por três meses.
Manuel Rosas:
Então muita gente ficou assim.
Serafim Silva: Por esses três meses…
Manuel Rosas: Outros ficaram porque tinham que ficar, não é? Nem todos foram escolhidos para ficar. Houveram pessoas que foram escolhidas para ficar, outros não. Foi o caso dele, mas
‘94 foi o fim da exploração, terminou em ‘94 e o resto foi desmantelado.
Sandra Pinheiro: Lembra-se de mais alguma coisa, Sr.?
Serafim Silva: Não…
Sandra Pinheiro: Algumas histórias… Algumas histórias que se lembre daquela altura.
Serafim Silva: Não me lembra de nada. Eu não sei de respeito à mina… o meu trabalho era esse e não tenho zangas com ninguém e o trabalho correu-me sempre bem.. o que hei de dizer mais? Não vou agora inventar aqui coisas que não sei.
Sandra Pinheiro: Já é muito bom! É o que se lembra. Então, se calhar… o Fernando tem uma perspetiva diferente porque trabalhou no exterior, se calhar falar um bocadinho sobre o seu trabalho no exterior.
Serafim Silva: O Fernando…
Sandra Pinheiro: Pronto, começas por te apresentar, Fernando…
Fernando Gomes: Sou o Fernando Gomes, mais conhecido como Fernando Padeiro. Sou natural de Pedorido, concelho de Castelo de Paiva. Entrei para a empresa, para as minas de Pejão a 1 de maio de 1973. Entrei com 14 anos, porque naquele tempo recebíamos uma carta para os nossos pais para que se quisessem pôr os filhos nas minas, os nossos pais não tinham muitas possibilidades, lá fui eu para as minas. Para as “minas”, fui para as escribas, que era onde se ia, porque para as minas só se podia ir aos 18 anos e andávamos ali com as escribas, a ?? carvão e aos 18 anos passei para o teleférico, ou seja para as cestas, onde permaneci até ela fechar, ou seja, trabalhei lá 21 ano até ao fecho das minas. A nível de trabalho, pronto o trabalho tínhamos que o fazer, camaradagem fiz, tudo de bom também. Trabalhávamos nas cestas, as cestas era que levavam o carvão para a termoelétrica da Tapada do Monteiro onde era queimado e cada cesta levava uma média entre 600 a 900 quilos. O que fosse a mais ela não pesava a balança, se fosse a menos não pesava também, havia uma tabela. Porque do início o teleférico não tinha tabela, quanto mais carregavam, mais carvão levávamos até o cabo chegou a arrebentar duas vezes, o teleférico chegou a arrebentar duas vezes. Eles então puseram uma tabela, puseram uma balança com uma tabela para segurança do cabo. Foram lá 21 anos … bem passados, tenho saudades daquele tempo, pois tenho. Era uma camaradagem grande. Trabalhava-se, que aquilo também era…parecia um serviço, parecia uma brincadeira, quando ia levar o almoço ao meu pai e ao meu irmão e olhávamos para aquelas cestas parecia um carrossel! Mal sabia eu que o meu destino estava traçado! Mal sabia eu que passado uns anos ia lá para aquela máquina trabalhar! Aquilo era…entrava… era de 30 em 30 segundos e entrava as cestas cheias, tinha de sair uma vazia, era sempre a andar! E levava uma média de 37 minutos ir e vir… uma ida, dava uma 1h15 a ir e vir a cesta. Depois também cheguei a trabalhar nos tapetes rolantes, também, onde era despachado o carvão para… Não só para a central termoelétrica, mas para as centrais de cimento para o Cabo Mondego, para a Figueira da Foz. E prontos, olha. Fiz uma vida passada ali…21 anos. Tudo uma família. Era uma brincadeira praticamente, os nossos turnos… não andei na mina, não andei lá dentro, andei cá fora, mas era… andávamos
numa brincadeira. Era um trabalho que fazíamos a brincar! E assim sucessivamente, foi isto mais ou menos, dentro da minha fase da vida. Até que em ‘94 encerraram as minas do Pejão, cada um seguiu a sua viagem, pronto. Hoje, estou reformado, andei por vários sítios e pronto vou gozando a vida o melhor que posso.
Sandra Pinheiro: Pronto, o que é que eu ia pedir agora? No final de ouvirmos estas histórias de todos, não sei se vocês têm alguma história que ouviram e ainda não sabiam… Alguma história que não conheciam. Alguma coisa que vos chamou à atenção e ouviram pela primeira vez? Não houve nada assim que vos chamou à atenção? Nas histórias das outras pessoas?
José Andrade: O resto do tempo que eu trabalhei na mina, os 5 últimos anos, posso dizer que tive um engenheiro que foi meu amigo aqui e lá em baixo. Eu vinha com ele à “mess“, vinha comer à “mess” todos os dias. Tinha de pagar, era uma senha e vinha ali a comer todos os dias e começavam alguns “ah! mas tu és algum doutor ou o que és?”, “não, não sou doutor, vou com ordem!” [risos] Era isso que eu queria dizer. E vinha comer à “mess” nos últimos 5 anos que trabalhei na mina. Trabalhava meio dia dentro da mina, nas bombas, botava água cá para fora; eu e outro, que era o Manuel Gigante e depois empravamos cá para fora nas oficinas dos ferreiros, “tem de vir para Santos” e vigiar o inimigo também
Fernando Gomes: Exato! Exato!
José Andrade: Esse é que o número 1! [riso] Foi bom pronto! Foram os melhores 5 anos.
Fernando Gomes: Lembro-me que a minha secção, as escribas onde eu trabalhava tinha falta de pessoal e chamavam mineiros de lá de dentro para vir trabalhar para as escribas e lembro de eles dizerem alguns “oh isto agora, a malta nova não vai querer as minas!” Desde que entrei para as minas se falou que elas iam fechar: “as minas vão fechar! As minas vão fechar!”, mas elas fechavam, mas rolavam sempre né e os mineiros “Agora sempre bom! Que esta malta nova não quer ir para a mina”, mas nunca faltou malta nova na mina e andavam todos contentes, todos porreiros. Ganhavam mais, trabalhava… as horas do turno eram menos e andavam consolados. Os cafés em Pedorido, por exemplo, a mina funcionava em três turnos; era os cafés abertos toda a noite, jogar à sueca - a malta entretinha-se ali na sueca, nos comes e bebes e era uma borga! Era uma vida porreira! Prontos. Vida de mineiro… Embora não fosse mineiro, sinto cá dentro que sou mineiro. Estava agregado à mina.
Manuel Rosas: Eu lembro-me de uma peripécia já, eu estava a trabalhar em Germunde em que nós tínhamos um ordenado muito muito baixo. Era um tempo ainda… Foi após o 25 de abril, depois começou…houveram diversos governos e no tempo do Vasco Gonçalves, que foi um governo que era comunista que tentou tirar as terras aos alentejanos, que dizia que as terras eram de quem as cultivava e assim sucessivamente. E um dia veio a Germunde, o Vasco Gonçalves, e uma das coisas que tenho mais… como mais recordação que me fez chamar à atenção da pobreza espiritual que nós grupo de mineiros eramos é que ele estava lá no planeraio e disse assim “Então e vós mineiros, o que é que vós quereis?” e os mineiros disseram “Nós queremos um aumento de tanto” e era assim uma coisa mesmo baixa! E ele disse assim: "Desgraçados!"
[alguém imperceptível]:Até no pedir sois pobres…
Manuel Rosas: Ele usou assim mesmo a expressão: “Desgraçados! Até no pedir sois pobres!” [risos] “Pedei tanto que eu vou-vos dar!” e o povo “Tá bem! Tá bem! Tá bem! Tá bem!” e veio aquele aumento todo! O meu ordenado era 6 contos e 400 e passamos logo para 12 contos e qualquer coisa. Foi uma coisa tão engraçada! Tão importante! Que nós apartir daí começamos a ver que estávamos a ser pobres espiritualmente
Serafim Silva: E… e.. continua…
[várias vozes em simultâneo]
Manuel Rosas: Mesmo mineiros! Éramos chamados de toupeiras! O mineiro era chamado de toupeira.
Serafim Silva:
E outra coisa. No fim foram na mesma. Porque apareceu lá um que disse “aos 42 para dentro da mina e aos 47 cá para fora. Vocês querendes?”, “Não! Só se for de 200 para cá! Não, não queremos! Só se for de 200 para cá”. Que é para quê? Para os grandes! Alguns que tinham vindo embora, tinham-se despedido, iam buscar…
Fernando Gomes: Exato! Exato!
Serafim Silva: … o dinheiro da reforma. E foram reformados como eu fui. Foram três meses e não quiseram, centenas deles, que fosse aos 42 anos!
Fernando Gomes: Porque houve ali uma mistura de classes.
Serafim Silva: Houve!
Fernando Gomes: Uma mistura que não se entenderam…
Serafim Silva: Pois!
Fernando Gomes: Não se entenderam…
Serafim Silva: Não se entenderam os mineiros! Não se entenderam uns com os outros!
Fernando Gomes: Havia o UGT e a CGTP, a CGTP reivindicava coisas, o UGT reivindicava outras… E não se chegou a um acordo.
Serafim Silva: Não chegou!
Fernando Gomes: Não se chegou a um acordo…
Serafim Silva: [imperceptível] foi só aos 45-50!
Fernando Gomes: Exatamente, exatamente! Tivemos ali grandes lutas nos plenários, que já falamos disso.
Serafim Silva: No meu turno, era o único que… eu era o único da UGT…
Fernando Gomes: Exato, exato.
Serafim Silva: Era o único! Vinha o plenário, eu ficava sozinho, mas tinha que ir para dentro da mina, não podia estar… Quando era
a UGT, eu ficava cá fora e os mineiros iam trabalhar. E eu depois chegava lá dentro já com… mais de hora e meio atrasado e ainda fazia o serviço.
Fernando Gomes: Os mineiros antes do 25 de Abril, sabe-se que eram super explorados, era uma escravatura! Escravatura! E digam o que disserem, foi a seguir ao 25 de abril que os mineiros ganharam um pouco de dignidade em tudo: no trabalho, no ordenado, em tudo! Porque antes do 25 de abril… nem sei como é que... O meu pai morreu com 54 anos, 100% de silicose. Quantas centenas deles morreram? E não podiam lutar, porque naquele tempo não havia… O regime não dava para isso. Já havia quem reunia e… nos cafés até se falava de política, já se levantavam algumas vozes, mas
nunca foram para a frente. A seguir ao 25 de abril sim! Deram-se ali grandes lutas, onde foram conquistadas o sábado, trabalhávamos ao sábado, não havia fim de semana prolongado, não havia nada! Aumento de salários, tínhamos anuidades, subsídios de renda de casa, subsídios do leite - o mineiro antigamente não tinha direito a nada e depois teve direito a 1 litro de leite, por causa da silicose, que era o leite… dizia-se que o leite pronto fazia bem à silicose.., atenuava! Não fazia bem, atenuava! E davam o leite. Os solteiros tinham um x de renda de casa, os casados como eram casados tinham mais, tinham mais percentagem e em regalias e ordenado estávamos bem. Porque deu-se aqui um caso, até que eles conhecem tão bem como eu, quando o Violas abriu as primeiras fábricas de [imperceptível] em Espinho e Grijó, pagava muito melhor do que aqui nas minas e houve muita malta…
[alguém imperceptível]: Que foi para lá!
Fernando Gomes: Que fugiu para Grijó e para Espinho e a chegar aos 25 de abril, deu-se quase.. Muitos já não vieram, alguns já não vieram porque tinham a
vida organizada, mas como os ordenados já começaram a bater… começaram a ser superior aos que lá tinham nas fábricas regressaram outra vez ao Pejão. E vieram outra vez ao pra cima. E prontos, até que ‘94 ela foi dada com a sentença. Trocou o carvão pelo gás natural, foi quando foi feita ao lado da termoeléctrica da Tapada do Outeiro. Fizeram a turbogás de ciclo combinado, chamavam de ciclo combinado porque o gás entrava, fazia energia e ao sair queimado fazia energia na mesma. E foi aí que fecharam as minas do Pejão.
Sandra Pinheiro: Não sei se vocês têm mais alguma coisa a dizer…
Manuel Rosas: Não.
Sandra Pinheiro: Assim uma história que se lembrem…
José Andrade: Eu lembro-me do pó que tenho aqui dentro. Poeira. Mas não sou só eu, já morreram muitos que podiam andar aqui.
Fernando Gomes: Exatamente, exatamente.
José Andrade: Depois era assim, o mineiro… eu falo pelos mineiros, que eu também fui mineiro. O mineiro tinha 50% de poeiras, davam só metade. Aqueles que tivessem 100, eles davam 50 e eles atacadinhos de pó! Eu tive um sogro que trabalhou aqui, estava atacado de pó e nunca lhe deram nada. Ele para vir dali daquelas primeiras casas, que se passa quando se vai daqui, parava três vezes pelo caminho para vir aqui para a mina. Tínhamos uns médicos é que eram garotos…não eram médicos.
Fernando Gomes:
O meu pai para fazer, morava lá na costa, o meu pai para fazer 200 metros para vir ao café demorava praí 3 horas…
José Andrade: E aquele lá de Pedorido, que era motorista dentro da mina; na mina nunca lhe deram 100% e depois de reformado deram?
[debate no fundo]
Fernando Gomes:
Exato. Havia essas trafulhices.. Havia..
José Andrade: E foi o pó que o levou! Eram essas coisas assim… trafulhices.
Serafim Silva: Fui ao Porto fazer um exame e nada…nunca me deram pó nenhum!
Fernando Gomes: As companhias de seguros também estavam interessadas, não queriam pagar não é? Tentavam fazer tudo o mais que possível… Só aqueles mineiros que eles viam que não tinham hipótese, davam os 100%, a outros…
Sandra Pinheiro: Então não identificavam o pó de propósito?
Fernando Gomes: Quer-se dizer, não posso garantir isso…
Sandra Pinheiro: Claro, claro.
Fernando Gomes: Não posso, mas via-se casos que era flagrante - pessoas que não podiam mesmo e tinham pouca percentagem…
Serafim Silva: Tinha pouca percentagem para eles pagar.
José Andrade:
E cheio dele!
[vozes de concordância]
Sandra Pinheiro: Não sei se há mais alguma história que queiram partilhar… Não têm mais nada a dizer?
Fernando Gomes: Quer-se dizer, a dizer tínhamos praí até… Deus me livre.
[várias vozes]
Sandra Pinheiro: Ainda têm tempo! Ainda podem dizer.
Fernando Gomes: Sabe como é que… isto está quase tudo dito.
José Andrade: O dia está ganho!
[risos e conversa simultânea]
Manuel Rosas: Bem, eu da minha parte não vou dizer mais nada, o pouco que disse foi o que me lembrava e não vou dizer mais nada. Agora…
[conversa simultânea]
Sandra Pinheiro: Agradecemos a toda a gente por ter vindo aqui falar um bocadinho connosco. Depois estas entrevistas que andamos a fazer, elas são para o Museu da Pessoa, que é um museu que estamos abrir agora no Porto e depois este video vai ficar disponível no site e também estamos a fazer um filme que vai ficar disponível… entrevistamos várias pessoas, para além de vocês, o Carlos Martins e o Neca Rodrigues, que devem conhecer e o Sr.Faria também já entrevistamos e vamos juntar estes testemunhos todos e vamos fazer um filme, onde contamos a história das pessoas que trabalharam aqui nas minas.
[despedida]Recolher