Sou a Carolina e esta é a minha história. Do que a memória me permite lembrar, vivenciei dos momentos que recordo com maior otimismo e, em simultâneo, com alguma tristeza, numa fase de crise nacional em que vi, não só na minha família, mas também nos relatos de amigos meus, as dificuldades q...Continuar leitura
Sou a Carolina e esta é a minha história. Do que a memória me permite lembrar, vivenciei dos momentos que recordo com maior otimismo e, em simultâneo, com alguma tristeza, numa fase de crise nacional em que vi, não só na minha família, mas também nos relatos de amigos meus, as dificuldades que todos ultrapassávamos – a minha história é sobre a manifestação contra a troika, a primeira manifestação em que participei com o meu pai e o meu tio, quando tinha 10 anos.
Sempre fui uma criança muito “crescida”, que gostava de lidar com os problemas dos adultos e ver notícias à hora de jantar. Recordo-me, também, quando o meu tio casou, tinha eu 4 anos, de liderar o grupo de crianças que brincava no casamento, dizer-lhes que não podiam falar alto e tinham de ir atrás de mim – foram sempre traços de personalidade meus. Para mim, era natural já em pequena ver as notícias e querer saber mais sobre os assuntos, até porque os assuntos “sérios” e “dos adultos” nunca foram escondidos de mim em casa – sabia perfeitamente a situação nacional, na altura, e, acima de tudo, as dificuldades no trabalho do meu pai e outros familiares. Aliás, o meu pai nunca foi muito politicamente desperto, até essa altura. Nunca o tinha visto manifestar uma opinião vincada e, até hoje, surpreende-me a atitude dele na altura, e lembro-me da preocupação dele e de todos com as contas que tinham de ser pagas, a incerteza do emprego e, como ele dizia muitas vezes, o meu futuro e as minhas aulas de música, que eram pagas, mas nunca os meus pais me fizeram abdicar delas, nem nessa altura difícil.
Na manifestação, em que me lembro perfeitamente de ir de mão dada com o meu pai, sob o aviso de “não me perder”, toda a confusão dos gritos, dos apitos e tambores foi algo de novo e marcante para mim. Lembro-me do grito principal, que era algo como “Fora daqui, a troika, o governo e o FMI”, mas também me lembro do maior cartaz da manifestação que dizia “Que se lixe a troika, queremos as nossas vidas”. Não me lembro ao pormenor de todo o momento, mas lembro-me de me sentir “importante” e de pensar, à luz do pensamento de uma criança, obviamente, que era tanta gente que provavelmente toda a gente do país estava lá e que as coisas iam mudar. Não partilhei este pensamento com ninguém até o escrever agora, porque foi rápido perceber que era impossível 10 milhões de pessoas estarem ali. E também percebi que não tinha mudado muita coisa quando acabou a manifestação e voltei para casa, até porque me lembro do meu pai dizer algo como “já sabemos que não vai dar em nada, mas fizemos o que tínhamos de fazer”.
Apesar disso, não deixa de ser das memórias mais marcantes que tenho, de me sentir tão grande no meio de tanta gente e de me sentir pela primeira vez como “adulta”. E continua a ser dos maiores contributos que tive para formar quem sou hoje e a forma como penso sobre muitas coisas, daí ter escolhido partilhar esta memória, porque mais de 10 anos depois, continua a ter muita influência em quem sou e sobretudo quem quero vir a ser.Recolher