Nome do projeto: Museu do Santos Futebol Clube
Depoimento de: Augusto Vieira de Oliveira - Tite
Entrevistado por: José Santos Matos e Valéria Barbosa
Santos, 08 de janeiro de 1999
Realização: Museu da Pessoa
Código do Depoente: 003
Transcrito por: Juliana Motta e Elisabete Barguth
P/1 - Tite, ...Continuar leitura
Nome do projeto: Museu do Santos Futebol Clube
Depoimento de: Augusto Vieira de Oliveira - Tite
Entrevistado por: José Santos Matos e Valéria Barbosa
Santos, 08 de janeiro de 1999
Realização: Museu da Pessoa
Código do Depoente: 003
Transcrito por: Juliana Motta e Elisabete Barguth
P/1 - Tite, boa tarde. Para começarmos a nossa entrevista, eu queria que você se apresentasse dizendo o seu nome e a sua cidade natal.
R - Eu sou de Campos dos Goitacazes, Estado do Rio de Janeiro.
P/1 - E você nasceu quando?
R - Eu nasci no dia 4 de junho de 1930.
P/1 - Você podia falar um pouquinho sobre os seus pais?
R - O meu pai jogou futebol. Era jogador de futebol na época do profissionalismo, que eles chamam de profissionalismo marrom. Se usa essa expressão. Se usava, não sei se ainda usa hoje. Então, meu pai foi um exímio jogador de futebol e ele, para jogar nos times, o contrato dele era, vamos supor assim: montava um bar para ele. Para ele tomar conta do bar, para trabalhar, sustentar a família e ele jogava no clube. O sistema era mais ou menos assim. Então, se um outro jogador fosse alfaiate, montariam uma alfaiataria para ele. Craque, se fosse um craque, e ele exerceria a sua profissão e jogaria naquele clube. E assim foi com papai muitos anos. Aqui mesmo, tem uma fotografia, ali, aquela que nós estávamos vendo que está o Athié Jorge Coury. Essa aí foi em 1926 ou 27, por aí. Athié Jorge Coury, ali está o jogador, meia esquerda, que jogou com esse Logú, que você comentou que já conversou com Logú, não é? E Mário Seixas jogou com meu pai. E o pai do Amarildo, esse Amarildo que está na Itália, que foi campeão do mundo em 62, que entrou no lugar do Pelé, está na Itália. O pai do Amarildo, Amário Silveira, ele jogou também no Goitacazes com o meu pai e com esse Mário Seixas. O Amarildo é Campista também.
P/1- Ah, o Amarildo é de Campos.
R - Eu vi o Amarildo pequenininho. Pequenininho, pegando bola atrás do gol para a gente, quando a gente estava batendo bola.
P/1 - Você não falou o nome do seu pai.
R - Albino Rios de Oliveira.
P/1 - Ele tinha apelido no futebol?
R - Era Bibino, jogando. Como futebol era Bibino.
P/1 - E ele jogava de quê?
R - Ele jogava de centroavante. Naquela época, o sistema, embora ele não fosse muito alto, mas o centroavante jogava recuado. Porque teve uma época, logo no início do futebol, nos primórdios tempos do futebol, eram os dois pontas avançados, bem abertos. Porque hoje acabaram com os pontas, mas naquela época eram os pontas bem abertos, ponta esquerda e ponta direita, os dois meias fazendo um movimento, ao atacar subia todo mundo. Quando era atacado, geralmente os dois meias desciam para ajudar na marcação e o centroavante também, e os dois pontas permaneciam bem abertos. Esse era o sistema da época de meu pai. Já não foi a minha. A minha época, por exemplo, eu peguei já na época dos pontas de lança. Que era um meia ou do lado direito ou do lado esquerdo, dependendo da formação tática da equipe. Então jogava um meia na frente e o outro recuado, que era para guarnecer o meio de campo. E os dois pontas continuavam com o mesmo sistema, bem aberto. E o centroavante também lá mais na frente. Esse é o sistema que eu peguei até eu encerrar minha carreira. Porque eu encerrei em 64. E esse sistema que eles estão usando agora, isso começou agora há pouco tempo. Acho que não faz tanto tempo, né? Faz o quê? Uns 10 anos, 15 por aí?
P/1 - No máximo.
R - Eu imagino. Esse sistema agora, que eu sou totalmente contra, né? Eu acho que não há necessidade de você ter os laterais fazendo a vez do ponta toda hora, subindo e descendo. Se você tem o ponta, ele vai fazer o quê? Vai para o meio, embola. Se vai abrir, sai de campo. Então joga com nove. Nove contra nove fica melhor, né?(risos)
P/1 - Tem mais espaço.
R - Tem mais espaço. Ou então aumenta o campo, né? (risos) Eu não sei se essa conversa cabe aí, dentro da entrevista, né?
P/1 - Cabe tudo, porque a gente quer pegar um pouco da...
R - A gente vai falando e depois vocês vão cortando aí o que tiver que cortar.
P/1 - Da sua história. Eu queria voltar ainda lá na sua infância, né? Você falou do seu pai. E a sua mãe, como era?
R - A minha mãe. O pai da minha mãe, ele foi delegado de polícia, Seu João Augusto Cândido Vieira, que era o pai da minha mãe, meu avô. E mamãe foi criada em sítio, em fazenda, essas coisas. Mas minha mãe era poetisa, minha mãe tocava flauta. Então, talvez por eu ser do signo de gêmeos, né, eu herdei, o meu lado musical é mais para o lado da minha mãe. Embora papai também gostasse de cantar. Papai gostava de cantar, mas o veio poético mesmo era mais da minha mãe, porque os tios tinham folia de reis. Meus tios por parte da minha mãe, os irmãos da minha mãe. Então, minha mãe foi criada praticamente na roça, ali em Bom Jesus, fazenda. Depois ela foi para Campos, conheceu papai, casaram-se em Campos.
P/1 - Então você sofreu essas duas influências. O futebol, que foi trazido aí um pouco pelo seu pai. Ele que o iniciou no futebol.
R - É. E também tem outra coisa, também, que aconteceu comigo. Mamãe e os meus irmãos ainda se lembram e contam, né? Que quando eu nasci... Porque tinha a sede do Goitacazes. E papai morava na parte de cima. Era um sobrado. Papai morava num sobrado, na parte que era do centro. Naquela época, as coisas eram tudo no centro, né? Aqui eles falam cidade, centro da cidade. Aqui, era tudo no centro. Eu nasci na rua 24 de maio, na sede do Goitacazes, no sobrado. Então, no meu berço foi colocado um violãozinho de madeira e uma bola. E eu sou do signo de gêmeos. Aí, adivinha se eu não puxei. Já virei logo cantor e jogador. Viajei o mundo inteiro com minha viola debaixo do braço, jogando bola. No Santos viajamos bastante, fiz uma viagem também... Viajei também com a seleção brasileira. Fomos para o Uruguai, essas coisas, mas eu sempre levava a minha mala e o meu violão.
P/2 - Sr. Tite, voltando um pouquinho na infância do senhor, o senhor lembra de assistir jogos do seu pai? Como é que o senhor foi gostar de futebol, começar a gostar?
R - Bom, isso, papai, né? A gente, quando era pequeno... Mas quando eu comecei a entender assim um pouquinho de futebol, papai já era veterano. Papai já não jogava, quase. Mas eu vi. Papai foi treinador do Goitacazes e eu vi um jogador de futebol que me impressionou muito. Aliás, dois. Um era ponta esquerda e o outro era meia. O ponta esquerda chamava-se, já faleceu, Cliveraldo. Um nome estranho, né? Cliveraldo. E o outro era um meia, que era até aqui de uma família tradicional de São Paulo, família Magela. Essa família de italianos, deve ter ainda alguém dessa família aí em São Paulo. Ele era descendente dessa família aí. Ele foi jogar lá em Campos, um meia direita muito bom, chamado Geraldo. Depois do Geraldo veio o César, que também foi outro craque. Então, a minha vida inteira foi vendo grandes jogadores. Naquela época não era como hoje, que desponta um jogador numa cidadezinha pequena, aí ele já vai para a cidade grande. Assim como aconteceu comigo, aconteceu com o Didi que é meu conterrâneo. O Didi, o “Folha Seca.” Didi jogava no infantil do Industrial e eu jogava no infantil do Goitacazes. O Amarildo veio depois, bem depois. O Amarildo é bem mais novo do que nós, né? Então, são umas coisas assim no futebol que a gente fica lembrando, coisas da infância. Esse caso, por exemplo, do Geraldo, coisas que acontecem. Eu, fã incondicional do Geraldo. Ele um dia aparece aqui na minha casa, aqui onde era casa,
agora é apartamento. Nesse que eu te dei o endereço. Era casa e depois virou apartamento, que nós fizemos uma permuta, trocamos. Então, esse Geraldo apareceu um dia no portão da minha casa, num estado assim lastimável. Negócio de fazer chorar. Do jeito que eu vi o Geraldo convivendo com aqueles usineiros da minha terra, só aqueles bacanas... Porque os ricos na minha terra, naquela época eram tudo dono de usina de açúcar, aquelas coisas, né? E ele só vivia com aquela gente, freqüentando aquelas altas rodas, só no meio de bacana. E se vestia, só usava, naquela época, no verão, principalmente, ele só usava um linho que a gente chamava Linho Taylor S 120.
P/1 – Cento e vinte.
R – Cento e vinte, famoso. E esse Geraldo só andava na estica, na última moda, e um dia veio bater na minha casa aqui. Isso foi na década de 50. Ele veio, ele virou andarilho. Já deve ter morrido por aí. Ele chegou na minha porta, bateu e eu fui atender. Eu não estava conhecendo direito, mas conheci pelos olhos, porque ele tinha os olhos azuis, descendente de italiano, os olhos azuis muito grandes, muito bonitos. Aí, ele estava todo barbudo, com os pés todo inchados. Aí ele ainda disse assim: “Você não está me conhecendo, Tite?” Eu falei... Aí, pelos olhos, eu disse: “É o Geraldo?” Ele disse: “É, sou o Geraldo.” Eu disse assim: “O que é que houve, Geraldo?“ “Não, eu não vim te pedir dinheiro. Eu não quero dinheiro. Você não precisa me dar dinheiro. Eu estou com fome. Quero comer”. Aí, mandei ele entrar, ele não quis entrar de jeito nenhum, ficou na varanda. Eu fiquei na varanda com ele, mandei dar um “pratarraz” de comida, um prato mesmo, bem reforçado, com ovos, com bife, com arroz e feijão, porque tem que comer arroz e feijão. Não adianta dar essas coisinhas finas, levezinhas, para eles não, que isso aí não resolve. Mandei fazer um prato, daquele prato de pedreiro mesmo. Arroz, feijão, ovo, bife à cavalo, né? Aí, ele comeu, aí eu tinha umas roupas lá que estavam meio largas em mim, ele era maior do que eu, mais alto. Aí, eu tinha umas roupas lá que eu não gostava, umas calças, umas camisas, mandei minha mulher embrulhar. Aí, na calça lá, dentro do embrulho eu botei uma notazinha lá para ele, para não humilhar, né? Para ele não perceber, eu botei uma notinha lá de 200. Naquela época era uma graninha que ajudava para caramba (risos). Duzentos
cruzeiros, naquela época, ajudava. Era cruzeiro, era época do cruzeiro. Aí, botei lá sem ele perceber. Eu sei que ele foi embora, foi andando, agradeceu muito, foi andando e dizendo assim: “Pois é, você vê como é que eu fiquei.” Eu digo: “É rapaz.” Foi um negócio, assim, chocante. Nunca mais esqueci desse caso do Geraldo, que foi um dos ídolos meus. Aí, depois, quando eu fui para o Fluminense, na época a gente já admirava o mestre Ziza, o Zizinho. Mas aí eu já estava quase jogando, porque o Zizinho, eu já estava saindo do infantil para o juvenil, quando o Zizinho já começou a ficar famoso. Porque o Zizinho é mais velho que nós. Que também foi ídolo do Pelé, meu e, enfim, daquele pessoal da década de 50. Até o Zizinho encerrar a carreira, todo mundo foi fã do mestre Ziza, porque ele realmente foi fora de série. Zizinho, vocês sabem, conhecem de nome, né, mestre Ziza. E assim foi a minha carreira. Eu fui para o Fluminense, recebi uma carta. Duas cartas. Eu recebi duas cartas. Uma do Fluminense e uma do Botafogo. Isso é, dos olheiros. Hoje é empresário, né, tem negócio de empresário, procurador. Naquela época não era empresário, nem procurador. Era um olheiro que fazia aquilo graciosamente para o clube que ele gostava, que ele admirava.
P/1 - Por amor ao clube, né?
R - Por amor ao clube. Eles viajavam. Às vezes, aquele que não tinha um recurso assim maior, quando era um conhecedor mesmo do futebol, então o clube pagava a passagem dele, quando muito, para ele ir num determinado lugar ver um jogador que estava despontando, né, um garoto. Que era assim. E foi um olheiro do Botafogo lá em Campos e um olheiro do Fluminense. Foram os dois me ver jogar. Não sei se foram na mesma época ou se foram alternadamente. Um foi uma semana, o outro foi uma mês depois, uma determinada semana, bem depois, não sei. Aí eu não sei. Eu sei que eu recebi duas cartas, uma do Botafogo e outra do Fluminense, para ir fazer teste. Então, o que aconteceu?
O meu irmão, que era torcedor do Fluminense, meu irmão mais velho, o Rubens, aí ele disse “Ah, não vai para o Botafogo, não. Vai para o Fluminense, que é o meu time.” E eu: bom, então eu vou fazer um teste do Fluminense. De repente eu passo. Aí fui fazer o teste do Fluminense. Cheguei lá, estava o Castilho, que foi nosso treinador aqui, campeão em 1984, que eu fui auxiliar do Castilho em 84. Nós fomos campeões juntos, trabalhamos juntos aqui. Estava Castilho, estava Píndaro, Haroldo, o central. Era Haroldo, era Pé de Valsa, era Índio, era Bigode. Esse era o time principal do Fluminense e na frente jogava...
A linha era... A linha era Telê, Telê estava nessa linha do Fluminense. Telê também era garotinho, era novo, mas já estava nesse time de cima aí, do Fluminense. Era Telê, o meia, se não me falha a memória era... Telê, Carlyle, Silas, Orlando, que eles chamavam Orlando Pingo de Ouro e Rodrigues. Esse foi o time que eu treinei contra eles. E eu na meia. Na época eu era meia. Eu saí como meia. Fiz o teste lá. Você, quando era jogador de outra cidade, quando ia fazer um teste num time grande, você tinha que mostrar que você era melhor do que o que eles tinham na cidade. E para você provar que você era melhor do que os jogadores que tinham na cidade, no caso, no Rio de Janeiro, você tinha que fazer o teste contra o time principal, os profissionais principais do time titular. E você tinha que agradar o treinador do principal para o treinador passar você para o treinador do juvenil, para você começar a carreira. E assim aconteceu com Pelé aqui. A mesma coisa. Foi assim com Pelé, aqui.
P/1 - Então era uma prova de fogo. E como é que você se saiu?
R - Ah, me saí bem. O problema maior que eu senti foi na hora do pênalti. Porque teve um pênalti a nosso favor, a favor dos reservas, e o Ondino Vieira, o treinador, me mandou bater o pênalti. (risos) Ali o gol ficou pequenininho e o Castilho, que era o goleiro, na época ele estava muito famoso no Rio, ele era cognominado o São Castilho. Eu digo: “Caramba, eu vou bater um pênalti...” Eu ainda olhei para ele “Mas sou eu?” “É você mesmo, garoto”. “Ih, que fria, seja o que Deus quiser.”
Aí ele apitou, eu corri, bati, joguei ela lá no canto, no cantinho. Ela subiu um pouquinho, rapaz. Se ela sobe mais um pouco ela ia fora. (risos) Mas foi lá onde a gente diz “A coruja faz o ninho”. Foi lá na gaveta, né? Os termos que nós usamos. E o Castilho, não deu para pegar, sabe? Não deu para pegar.
P/1 - Ele pulou do lado certo?
R - Pulou, mas não deu para pegar, porque ela foi em cima. Porque o pênalti, é o seguinte: se for meia altura e o goleiro pular na hora que você bater, ele pega, dá tempo. Agora, se ela for lá em cima ou rasteira, não dá tempo. Só se ele sair antes. Mas se ele sair na hora que você bater na bola, o tempo e a distância da bola e do goleiro à bola, a bola mesmo que seja lá no cantinho, meia altura ele alcança. Mas se for rasteira não alcança e se for em cima não alcança. Chega depois. Isso já foi mais do que provado, né?
P/2 - E nessa época, Sr. Tite, o senhor estava com quantos anos?
R - Nessa época eu estava com 17 para 18. Já fui para o juvenil.
P/1 - Aí depois, bateu o pênalti, já aprovou.
R - Aí, já aprovei e já fui para o juvenil, né? Aí, esse ano nós fomos tri-campeões do juvenil, pelo Fluminense. Aí fomos campeões brasileiros pela Seleção Carioca, porque eu fui convocado para a Seleção Carioca e depois, em 1949, nós fomos campeões sul americanos. Aí, foram quase que oito jogadores do Fluminense convocados para a Seleção Brasileira de amadores. Como essas que tem hoje em dia aí, como está uma agora aí, a seleção brasileira, jogando aí. Nós fomos campeões sul americanos.
P/1 - E alguém sobressaiu aí, desse time?
R - Ali, olha, eu cheguei à Seleção Brasileira, o Pinheiro chegou à Seleção Brasileira. Quem mais chegou? Aí tinha Robson, que chegou à Seleção Brasileira. Isso, o time do Fluminense. Não, O Robson não chegou à Brasileira. Eu acho que o Robson chegou só à Carioca, Seleção Carioca. João Carlos chegou à Carioca, Gerônimo, que era o centroavante, chegou à Gaúcha, que ele foi para o sul, para o Rio Grande do Sul, chegou à Seleção Gaúcha. O Veludo chegou à Seleção Brasileira. Daquele time, todo mundo virou craque. Uns, a estrela brilhou mais, né? Foi o meu caso, que eu tive sorte, a minha estrela brilhou, porque não basta apenas jogar, ser craque. A estrela tem que brilhar. Se não brilhar, não adianta. Tem alguma coisa que ajuda a gente, alguma força divina, alguma coisa que ajuda. Porque você vai aí na várzea, vai na praia, no início você tem uma porção de molequinho, tudo bom de bola. Você faz um infantil e um juvenil, eles são todos parecidos. São todos. Agora, à medida que vai para o profissional, uns vão ficando mais para trás e outros vão evoluindo. Tem alguma coisa, não sei se é próprio da personalidade da pessoa, não é? Alguns são mais introvertidos, outros são mais extrovertidos e sei lá, tem uma série de coisas que envolve aí no futebol, porque às vezes tem cara que chega, tem jogador... Desculpe a expressão “cara”, mas tem jogador que ele chega a ser craque, Seleção Brasileira, e não chega aos pés daquele que jogava com ele quando eram juvenis. É incrível! Existem milhares de casos assim. Então é por isso que a gente diz que a estrela tem que brilhar.
P/1 - Em 50, então, você já estava no profissional do Fluminense?
R - É, em 50.
P/1 - E você conquistou algum título nesse ano?
R - Não, não. O Fluminense nessa época não tinha ganhado... Não. Uma das grandes recordações que eu tenho de 50, desse time do Fluminense, foi que o Rodrigues, que era o ponta esquerda titular na época, quando eu subi, eu era aspirante ainda, estava subindo. Aí, quando eu passei a ser titular desse time de 50, foi porque o Rodrigues foi convocado para a Seleção Brasileira da Copa do Mundo de 50. Aquela fatídica, que nós perdemos no Maracanã, que até hoje a gente não esquece. A gente vai morrer com isso atravessado na garganta a não ser que tivesse outra Copa do Mundo e pegasse o Uruguai, aqui, para a gente ir à forra. Aquele negócio de ganhar deles lá fora não... A gente queria ganhar deles aqui, ter aquele prazer, que fosse a mesma coisa, do mesmo jeito, a mesma quantidade de gente, né? Todo mundo ali, jogar contra eles de novo. Se pudesse, ressuscitar os mesmos caras, né?
P/1 - Você estava no Rio, você assistiu ao jogo da Copa?
R - Não, eu assisti. Mas então, o Rodrigues foi convocado para a Copa do Mundo. Então tem os preparativos. E eu fui chamado para substituir o Rodrigues lá no Peru. Em Lima, Peru. O Rodrigues veio para participar da Seleção Brasileira, né, e eu fui substitui-lo. E lá me tornei artilheiro. O Fluminense continuou jogando, Equador, Peru, onde cheguei, quando cheguei, Peru, Equador, Costa Rica, fomos às cidades todas aí da América do Sul, América Central, por aí. Foi mais América do Sul. Aí, então, quando nós, a última partida que nós fizemos, foi contra a seleção uruguaia, que já estava nos últimos preparativos para vir para o Brasil disputar a Copa do Mundo. E nós empatamos duas vezes com eles e as duas vezes que nós empatamos quem fez o gol fui eu.
P/1 - É mesmo?
R - É. Me tornei artilheiro.
P/1 - Com aquele time lá, o Obdulio Varela...
R - Todos eles. O Fluminense em final de excursão. Estávamos já praticamente cansados de tanto jogar por essa América do Sul toda. América Central acho que nós não fomos, não.
Foi toda a América do Sul mesmo. Colômbia, esses países por aí, da América do Sul. Argentina jogamos também. E no Uruguai. a última partida foi no Uruguai, contra a Seleção Uruguaia. Empatamos duas vezes. A primeira vez, empatamos, eles não se conformaram, pediram revanche. Nós fomos para a revanche, empatamos de novo. E em todas as duas partidas, eu fiz os gols. Fiz gol. Na primeira e na segunda partida. Na primeira não lembro se foi um a um que nós perdemos...
P/1 - Você estava jogando de meia?
R - Um que nós perdemos... Não, era ponta. Aí já era ponta. Aí, já estava na ponta. Eu já era ponta esquerda, né? Porque esse teste que eu fiz no Fluminense contra os profissionais, na meia, aí quando eu fui para o juvenil, eu fui para a ponta, para a ponta esquerda. Mas então, empatamos. E quando nós chegamos da excursão, chegamos cobertos de glória, né: “Pôxa, o Fluminense, em final de excursão, empatou com a Seleção Uruguaia, que vai disputar a Copa do Mundo. E o Tite foi um espetáculo.” Os jornais da época fizeram um escarcéu danado. Só falavam em Tite. Aí o Fluminense vendeu, achou que não precisava mais do Rodrigues. Aí, vendeu o Rodrigues para o Palmeiras. O Rodrigues era daqui, era daqui do Palmeiras. Ele era... Não era do Palmeiras. Na época, quando ele saiu de São Paulo, ele jogava no Ipiranga e foi para o Fluminense, jogar no Fluminense. Aí, depois,
eu passei para o time principal, o Rodrigues veio para o Palmeiras, mas aí ele ficou lá na Copa do Mundo que nós perdemos, aí o Palmeiras comprou o passe dele e eu fiquei de titular. Aí, eu acabei vindo para cá em 1951, porque o treinador do Fluminense, você vê a ironia do destino, chamado Zezé Moreira, eu não me dei bem com a maneira dele. O que ele queria fazer comigo, eu não gostei, não me agradou. Ele queria mudar a minha característica e eu achei que não estava certo, porque eu era um jogador, eu tinha muita facilidade de driblar e fazer lançamentos. Eu não podia ser um ponta daqueles pontas que pegava a bola e ia correndo até a linha de fundo para cruzar. E ele queria que eu fizesse só isso. E eu achava muito pouco para eu fazer. Então, eu acabei um dia dizendo a ele: “Olha, seu Zezé.” A gente chamava seu Zezé, né, aquele humildade de jogador de bola, garoto que está começando. Seu Zezé. E hoje estão chamando de professor. Mas essa de professor, vocês não sabem que quem lançou isso. Fui eu.
P/1 - Ah, é?
R - É.
P/1 - Porque todo mundo agora é o “professor” Zagallo.
R - É, mas foi eu quem lançou isso no futebol. Pouca gente sabe. O Brasil não sabe. Os meninos hoje chamam todo mundo de professor. Porque isso vem da minha terra. Quando a gente via uma pessoa, por exemplo, que era craque, um jogador mais velho que a gente, que era habilidoso, muito habilidoso, ou então o próprio treinador da gente, a gente chamava na intimidade de professor. Mania de campista: “Oh professor, professor” quando a gente admirava uma pessoa. E eu botei esse apelido aqui, no Lula, o treinador. E eu chamava o Lula de professor, na nossa época, na intimidade. O Lula não queria que chamasse de senhor e a gente ficava meio sem graça: “Seu Lula, seu Lula”; “Que seu Lula o quê”; eu digo: “então é professor. Vai ser professor”. E pegou. Agora todo mundo chama todo treinador de professor.
P/1 - E pegou mesmo.
R - E o Brasil não sabe. Vai saber disso...
P/1 - Vai saber agora, né?
R - É. Agora vai saber. (risos) Precisou vocês virem me entrevistar, né?
P/1 - E como é que foi, você com 21 anos, chegando a Santos. Como era aqui?
P/2 - O senhor foi convidado?
R - Não. Eu havia jogado aqui com o juvenil do Fluminense, em 1948. Nós jogamos contra um time aqui, o Grêmio São Luiz, que era de um colégio aqui, parece que era de um colégio de padre, um negócio assim. Era um Grêmio deles, Grêmio São Luiz, que jogava o Gilmar, o Gilmar dos Santos Neves. O Gilmar, que acabamos jogando juntos aqui no Santos e Seleção Brasileira. O Gilmar jogava nesse Grêmio São Luiz. E tinha um outro jogador também que jogava com o Gilmar, chamado Pierre. Esse juvenil do Fluminense, que jogamos aqui em 48, empatamos aqui na Vila Belmiro, de quatro a quatro. E só os centroavantes fizeram gol. O nosso centroavante fez quatro e o do Grêmio São Luiz fez quatro. Nosso centroavante, Gerônimo. E eu gostei muito da cidade. Nós ficamos hospedados no Hotel Internacional, que tinha ringue de patinação, de patins de rodinhas, aquele patins de rodinhas. E eu achei muito interessante, gostei da cidade, esse mar maravilhoso aí, mar bonito, né? A água mansa, porque é baía. A gente está acostumado lá no Rio com aquele mar feroz, com aquelas ondas maiores que um edifício, aquelas ondas imensas e aquela água puxando a gente. Tem que ter um cuidado danado. Chegar aqui, pegar um marzinho desse aí, ou um marzão, como se diz, mansinho, né? As ondas aqui, não tem onda forte. Então, aqui, criança pode ir com água até a cintura, desde que o papai e a mamãe esteja perto não tem problema nenhum. Agora, aquelas ondas que tem lá naquelas praias nossas lá do Rio, do Estado do Rio, ali é perigoso. E eu disse: “Olha, gostei da cidade. Quem sabe um dia eu venha para cá.” E acabei vindo jogar aqui, né? Porque houve esse problema meu lá com o Zezé Moreira. Eu não me adaptei ao sistema dele, pedi para sair e ele comunicou à diretoria. O presidente veio falar comigo, disse: “Tite, mas você tem que se adaptar ao sistema do treinador.” Ah, eu digo: “Não, mas eu não estou conseguindo, não estou conseguindo.” E eu fiquei sabendo que um ponta-esquerda aqui do Santos, o Pinhegas, que tinha jogado no Fluminense, já estava praticamente encerrando a carreira. O Pinhegas. E através do Jorge Chamas, que foi depois radialista aqui, trabalhava no banco, se não me falha a memória era Banco Cruzeiro do Sul, não sei... Era um banco ali na Avenida Rio Branco. Não sei se era Estado de São Paulo, sei lá! Era um banco. E o Jorge Chamas era sócio do Fluminense. Um dia eu encontrei com o Jorge Chamas lá no Fluminense: “Ah, Tite, você não está satisfeito aqui, você quer ir embora.” Eu falei: “Pois é, seu Jorge, não estou satisfeito aqui. O senhor é lá de Santos, arruma para mim para ir lá para o Santos, porque o Fluminense não quer me vender, nem para Flamengo, nem Vasco, nem Botafogo”, que eram os três clubes grandes que me queriam. Porque eu já tinha sido campeão sul-americano, já estava com um nomezinho já no futebol, no cenário futebolístico. E o Jorge Chamas: “Não, mas você é muito novo. Geralmente nós mandamos jogador para lá”, porque vinha muita gente do Fluminense para cá, aqui era considerado a filial do Fluminense. Vinha muito jogador do Fluminense. Aí o Jorge Chamas: “Ah, mas quando nós mandamos para lá é jogador que já está assim com 30 anos, 30 e poucos anos, já em final de carreira. Você está começando. Você vai para lá fazer o quê? O Santos não é, lá tem São Paulo, tem Palmeiras, tem Corinthians”, que era o trio de ferro que falava na época. “Você vai jogar no Santos, o Santos é um time praticamente intermediário.” Primeiro é São Paulo, Palmeiras, Corinthians, aí depois vinha Portuguesa e Santos, ou Santos e Portuguesa. Eu falei: “Mas não tem problema, é para isso mesmo que eu vou. Eu vou para lá porque lá...”; “Mas lá, como é que você vai fazer para chegar a uma seleção?”; “Não tem problema, eu chego uai! E daí, eles vão me ver jogar. Eu vou jogar no Santos, vou jogar contra os outros times. A imprensa de lá não vai me ver jogar? As rádios de lá não vão me ver jogar? Então...” No ano seguinte, eu vim, joguei o campeonato de 51 e no ano de 52 fui para a Seleção Paulista. Já fui para a Seleção Paulista em 52 e só não joguei porque jogou o Rodrigues e jogou o Julinho, do lado direito, na ponta direita, o Júlio Botelho. Era a linha da Seleção Paulista essa época de 52 que eu fui convocado. Só não joguei, mas sou campeão porque fui convocado. Então, foi Julinho, Antônio, Antoninho Fernandes que foi treinador aqui, Antônio Fernandes, que faleceu, né, tem aí a sala, sala vip Antônio Fernandes. Joguei com Antoninho, final de carreira, mas joguei. Julinho, Antoninho, Baltazar, Pinda e Rodrigues. Aí, já no ano seguinte, já dois anos depois porque era de dois em dois anos, se não me falha a memória, dois anos depois nós fomos bicampeões lá no Rio. Aí, a linha foi: Julinho, Humberto Tozzi, que faleceu, Baltazar, Jair e Tite. Aí eu fui subindo, fui subindo, fui subindo. Fui indo, aí já fui para a Seleção Brasileira, campeão da Copa Roca. O Primeiro título que o Pelé tirou, a primeira vez que o Pelé vestiu a camisa da Seleção Brasileira disputando um campeonato, foi a ala esquerda, foi Pelé e Tite. Pouca gente se lembra, mas a história está aí, as coisas estão aí, gravadas, escritas.
P/1 - A Copa Roca era super importante.
R - Copa Roca era muito importante. Em 57 eu joguei no Rio, nós não fomos felizes, perdemos. Mas o gol que o Pelé fez, quem deu o passe para o Pelé fui eu. Eu que fiz a jogada toda e dei para o Pelé, mas não ganhamos no Rio, fomos infelizes. Chegou aqui em São Paulo, quem jogou não fui eu. Quem jogou foi o Pepe, que eu me machuquei. Essas coisas. Futebol tem disso.
P/1 - Então, olha, vamos falar do seu primeiro título no Santos. Foi em 55?
R – Cinquenta e cinco, 55 era assim: a gente jogava. Por exemplo, começava o campeonato, o time era a linha, principalmente a linha, Alfredinho, Álvaro, Del Vecchio, Vasconcelos e Tite. Cinquenta e cinco, essa linha foi jogando, jogando, jogando, jogando, jogou quase o campeonato inteiro. Poucas vezes jogava outro. Quando um machucava, entrava outro. Mas as decisões, principalmente, começaram aí nessa decisão de 55. Eu, por ser um jogador que sabia fazer lançamentos e era habilidoso e, sem falsa modéstia, usava a cabeça, não era burro, eu pensava para jogar, antes da bola chegar eu pensava antes o que ia fazer dela, com ela. Então eu tinha facilidade de jogar no meio de campo porque eu lançava. E tinha muita vitalidade na marcação, para atrapalhar, procurar tomar a bola do adversário. Meio de campo precisa isso. Tem que dar combate toda hora. Aí, nas decisões, que está a fotografia do campeonato de 55 eu estou na ponta direita, justamente por isso. Mas o ano inteiro de 55, o primeiro título de 55 era, a ala esquerda, era Vasconcelos e Tite. Cinquenta e seis: Vasconcelos e Tite. Só que nas decisões, Vasconcelos, por ironia do destino, nos dois anos machucou-se na decisão, não pôde jogar. Nem de 55 nem 56. Entrou Del Vecchio. Que essa linha que tem aí de 55, que eu estou na ponta direita, está o Negri. Esse Negri veio do São Paulo, já estava encerrando a carreira, ele veio. Porque nós vendemos o Walter Marciano de Queiróz para o Vasco, que era o nosso meia de 54 e ficamos desfalcados de um meia habilidoso ali, um jogador, já que o Antoninho já havia encerrado a carreira. Porque o Antoninho encerrou em 53, em 54 nós trouxemos o Walter do Ipiranga, que foi fora de série. Depois foi para a Espanha, para o Valência, e morreu lá na Espanha.
P/1 - Tite, então, a formação desse time campeão de 55, quando você chegou, tinham poucos remanescentes desses que chegaram até 55?
R - É. Tinha de 55... Não, tinha bastante. Quando eu cheguei, tinha o Ivan. O Ivan continuou. Tinha o Élvio. O Élvio continuou até 55. Tinha quem mais? Aí, mudou. Aí ficou Sarno, lateral direito, ficou Ramiro, Formiga. O Sarno chegou mais ou menos nessa época também, o Formiga, Zito, Urubatão. Todos da mesma época. Esse time de 55 foi a base que iniciou em 52, 53. Então, quando nós chegamos em 55, estava com o time prontinho, todo mundo se entendendo, tinha muito conjunto. Mas o problema era o meia, que o Walter... O Antoninho parou e entrou o Walter Marciano. Aí vendemos, o Santos vendeu o Walter para o Vasco e comprou o Negri. Foi a nossa sorte, que o Negri, embora em final de carreira, mas para tirar aquele campeonato ele foi muito útil. Porque ele era um jogador muito experiente e ele nos orientava, né? Porque a gente, sabe, jogador novo corre mais que a bola, né? À medida que ele vai ficando mais maduro, ele vai correndo menos e produzindo mais. E o Negri já tinha chegado nesse ápice, daí para encerrar. E foi muito bom ter jogado com ele esse campeonato de 55. Pela experiência dele, ele nos ajudou bastante. Mas muito mesmo.
P/1 - Então foi um time assim, sem grandes contratações. Foi ...
R - Não. Nunca tivemos. Nunca tivemos. Só agora, em 84, o Santos contratou o Zé Sérgio do São Paulo. Lembra, em 84? Contratou o Zé Sérgio, Serginho Chulapa, Paulo Isidoro. Esse é um único título que nós temos que praticamente a maioria não era prata da casa. A maioria não era prata da casa. Esse de 84. Mas os outros todos, 78, todos: Juari, Pitta, João Paulo, a não ser o Lira que veio de Poços de Caldas, que já estava também mais maduro, né? O resto, tudo prata da casa. O Gilberto “Sorriso” do São Paulo e o Nelsinho de São Paulo. Mas a maioria era nossa. Então, o Santos nunca precisou de medalhão para tirar campeonato. Sempre foi, a base sempre foi gente daqui. Criada aqui, nascida na Vila Belmiro.
P/1 - É, isso é importante, né?
R - Isso eu acho importantíssimo, eu acho muito importante isso. Demais. É o que eu falo para o presidente, para o Samir: “Não precisa ficar comprando, contratando medalhão. Nós temos condições de ter jogadores novos e craques. E preparar e disputar com qualquer time desse aí, à altura deles. Com qualquer time desses”.
P/1 - O Santos está há 20 anos sem ganhar título. Como é que foi? Você podia contar um pouquinho umas histórias do campeonato de 55.
R - Não. Eu, de 55, eu não posso contar muito porque eu não estou muito “enfronhado” na história desse pessoal de 55.
P/1 - Não, não, estou dizendo dos jogos.
R - Não, jogos também não posso, não tenho nada assim para falar, porque a história mesmo do clube, que era o nosso álbum de ouro, né, tem. Aí, é preciso pegar. E eu não estou com ele aqui. Se eu estivesse com ele aqui na sala agora... Mas eu não estou. Eu tenho o álbum na minha casa. Aí a gente poderia recordar alguma coisa, mas assim de cabeça...
P/1 - Mas assim, você não se lembra da decisão, da comemoração, da festa na cidade?
R - Olha, comemoração de 55, eles comentam muito. Aliás, de 35, né? Trinta e cinco não tinha nem carro aí, era tudo de bonde, né? De trem, eles vinham de trem. Aí não tinha. Agora, a comemoração de 55 foi muito bonita. Que foi a nossa de 20 anos depois. Foi a que eu participei.
P/1 - E vocês ganharam do Taubaté, né?
R - Que foi a que eu bati pênalti. É, ganhamos do Taubaté aqui na Vila. Foi muito bonita a de 55. A praça, era mais na praça Mauá, praça Rui Barbosa. Era por ali. Agora é que vieram para o Gonzaga, mas naquela época, não. Naquela época a gente era carregado em triunfo, mas naquelas praças lá do centro. (risos) Praça Rui Barbosa, Mauá, dos Andradas.
P/1 - Carregado nos ombros, é?
R - Carregado. Eu tenho fotos carregado. Eles carregavam a gente em triunfo. Campeonato de 56, eu tenho uma fotografia, está lá em casa, que eu estou nos braços da galera. Lá no alto, assim. (risos)
P/1 - Não é difícil. Numa cidade de estivadores, né?
R - É, pessoal forte mesmo. Uns caras acostumados a pegar no pesado. Mas tinha muita gente também da alta sociedade que tirava a camisa e ia junto. O pessoal do café, o auge do café, né? Eles punham faixas parabenizando o Santos, com nome dos jogadores, na Rua Quinze. A cidade inteira ficava festiva.
P/1 - Porque em 56 você fez até um gol na final, né?
R - É, fiz um gol de cabeça em 56. Cinquenta e seis, o pênalti que o Feijó... Quem bateu foi o Feijó, quem fez a jogada fui eu. Eu vi o Bonelli, eu recebi a bola no meio do campo e vi o Bonelli fora do gol. Ele estava perto da meia lua. Aquilo, ninguém usava fazer nada disso, atrevia fazer esse tipo de jogada. Hoje eles estão usando muito. Hoje eles fazem. Porque hoje, os goleiros estão saindo mesmo. Estão toda hora fora, né? Se eu estou jogando bola hoje, eu ia fazer toda hora gol assim. Não só eu, como meus companheiros todos. Ah. Quando eu vi esse Bonelli fora do gol, ele estava perto da meia lua, joguei por cima dele. Joguei por cima e aí o Mauro, Mauro Ramos de Oliveira, que jogou com a gente aqui, jogava no São Paulo, o Mauro pegou. Naquela época, não era expulso. Ele segurou a bola. Não deixou entrar. O juiz marcou pênalti, mas não expulsou. Hoje, se fizer isso, é expulso.
P/1 - É expulso. Pô, mas seria um gol de placa ...
R - É. Seria. Naquela época, um gol histórico, se o Mauro não pegasse. Mas, depois, eu fiz um aqui na Vila, né? Mas já foi em 57, que isso também é importante contar, né? As coisas vão assim, chegando, vão fluindo, né? Em 57, uma das primeiras partidas, se não me falha a memória, acho que foi a primeira partida do Pelé no campeonato. Aqui, contra a Portuguesa de Desporto, em 57, o Pelé estava chegando. Vasconcelos quebrou a perna e o Pelé entrou no time. E o Pagão recebeu uma bola, o Zito passou para o Pagão no meio, no grande círculo. O Pagão era muito habilidoso, pegou a bola e foi driblando a defesa da Portuguesa. Vinha um ele driblava, vinha outro ele driblava, vinha outro ele driblava. Mas ele deu azar que depois que ele passou pelo último homem, ele adiantou um pouquinho a bola. Ele perdeu o domínio e aí a bola adiantou um pouco. Aí, o Cabeção saiu do gol, não podia pegar com a mão, porque estava fora da área, aí ele driblou o Pagão e passou a bola para o Ipojucan. Passou a bola para o Ipojucan e voltou para o gol. Mas voltou andando. Aí o Pelé roubou a bola do Ipojucan e eu gritei para o Pelé: “Chuta, que o Cabeção está fora. Chuta!” E o Pelé, ao invés de chutar, passou para mim. Aí eu peguei e joguei por cima dele. Aí ela viajou, viajou, viajou, morreu lá no fundo da rede. Aí ficou embolado dentro o Djalma Santos. Djalma Santos até hoje conta isso. Ele morre de rir. Diz que o gol que ele nunca mais esqueceu na vida dele foi esse gol. Aí, foi Djalma Santos, Cabeção, todo mundo naquela aflição, querendo pegar a bola e a torcida foi levantando aos pouquinhos, assim. A bola acabou de entrar e a torcida ficou de pé, aplaudindo. Estádio inteirinho, em peso. Esse é um dos gols que eu nunca mais vou esquecer na minha vida. Mesmo porque aqueles que são os meus amigos estão toda hora comentando: “Você lembra daquele gol, lembra daquele gol?” Então não dá para esquecer, porque eles mesmos lembram a gente, né?
P/1 - Mas é emocionante, hein?
R - É. Foi aqui na Vila. E não me deram placa não. (risos) Naquela época não dava não.
P/1 - Quem inventou esse negócio da placa foi o Pelé, né, que ganhou a primeira placa, né? Não foi, no Maracanã?
R - É. Esse gol de placa. Na nossa época não.... Quantos gols de bela feitura aconteceram no futebol brasileiro? Quanta coisa... O Rivelino fez um gol...
P/1 - Vamos dar só uma paradinha para esse carro de som passar.
P/1 - Então, Sr. Tite, eu interrompi o senhor na hora em que o senhor estava falando da história do Rivelino.
R - Ah, nós estávamos falando a respeito de gols assim, né?
P/1 - É. De gols de placa.
R - De placa, essas coisas, né? O Rivelino fez um gol, não sei, me parece que foi lá no Parque São Jorge mesmo, num jogo, no meio do campo, saída de bola. O goleiro, esses goleiros que têm mania de ir num canto e se benzer, num pau, numa trave, se benzer e depois vai no outro canto se benzer. E nessa que ele foi se benzer (risos) o juiz deu a saída, o Rivelino lá do meio do campo chutou no cantinho, quando o goleiro voltou, correu, não deu mais tempo. Foi um gol curioso, né? Não sei se ele recebeu placa. Nós estávamos falando a respeito de placa, né? Existem muitos gols assim, curiosos.
P/1 - Tem outro gol que o senhor se lembra, que o senhor marcou aí, antológico?
R - Não. Eu tenho um outro gol também que ficou na memória. Foi um contra o Grêmio de Porto Alegre. Também em 57, início do Pelé. Primeira excursão que o Pelé fez fora de São Paulo, né? O Dorval recebeu. Nós estávamos jogando contra o Grêmio, o Dorval recebeu a bola no meio do campo, saiu correndo, eu saí da ponta e pedi para ele cruzar para mim, né? Fui em direção a ele. Aquela história: “Dá, dá! Passa aí”. Ele chutou ela rasteira e ela veio forte. Veio forte e eu, ao invés de tentar dominar, eu abri as pernas e, de calcanhar, eu toquei no gol. Ela entrou no cantinho. Volto a repetir: onde a coruja faz o ninho.
P/1 - É mesmo?
R - Fui aplaudido de pé. E o Grêmio do sul é um time que eu tenho simpatia por ele, por causa do Lupicínio Rodrigues.
P/1 - Ah, do Lupicínio, que fez o hino, né?
R - Autor do hino do Grêmio é o Lupicínio. E nesse dia foi uma coisa curiosa. E nós íamos jogar à noite contra o Grêmio e nós estávamos num hotel. O nome do hotel eu não me lembro mais. Porto Alegre. E até chegar a hora do jogo, a gente à tarde, né, para não ficar jogando carta e passar assim aquela tarde assim, sem nada para fazer e naquela expectativa do jogo, estava passando um filme muito famoso na época. Se não me falha a memória era “Ben Hur”. “Ben Hur “que estava passando. E nós fomos assistir “Ben Hur” à tarde. Pedimos permissão ao treinador. “Vocês podem”; “Ah, nós vamos ficar aqui a tarde inteira, o jogo vai ser só 9 horas da noite, né, ficar aqui... Professor, não dá para a gente ir ao cinema?” “Dá, mas olha lá, terminou o cinema volta rápido porque o jogo...” “Está bom.” Nós fomos para o cinema. E nesse ínterim, o Lupicínio Rodrigues foi ao hotel para me conhecer.
Por que é que o Lupicínio foi ao hotel para me conhecer? Queria me conhecer pessoalmente. Me conhecia vendo jogar. Como eu conhecia Lupicínio Rodrigues pelas músicas. E eu era muito amigo de Agostinho dos Santos, Roberto Luna, Mauricinho Moura, que era nosso aqui de Santos, mas é um cantor que na época estava muito famoso, com muita fama. Cantavam muito Lupicínio. E eu tinha que cantar música do Lupicínio. Porque realmente até hoje são muito bonitas. Até hoje eu canto música do Lupicínio Rodrigues. Como nunca...
P/1 - Esses moços.
R - Não. Aquela música dele, como é o nome? Maria Rosa! “Vocês estão vendo aquela mulher de cabelos brancos, vestindo farrapo, calçando tamancos, pedindo nas portas pedaços de pão. A conheci quando moça, era um anjo de formosa, seu nome era Maria. Seu nome é Maria Rosa, seu sobrenome, paixão.” O Lupicínio, a gente cantava muito. “Meu barraco, eu vou mudar o meu barraco mais para baixo, as minhas pernas já não podem mais subir. Alto do morro era bom na mocidade, na minha idade, a gente tem que desistir. Subir o morro antes era brincadeira. Até carreira eu apostava e não perdia. Quando eu subia, todo mundo me aclamava. E reclamava toda vez que eu descia.” Essas coisas maravilhosas de Lupicínio Rodrigues. “Esses moços, pobres moços, ah, se soubessem o que eu sei. Não amavam, não passavam aquilo que eu já passei. Por meus olhos, por meu sangue, por minha vida, tudo enfim, é que eu peço a esses moços que acreditem em mim.” Aí o Lupicínio Rodrigues foi lá para me conhecer. Ele chegou lá, eu não estava, nós tínhamos ido ao cinema. E estava o Lula, o treinador. Assim no hall do hotel, né? Na sala de estar ali do hotel. Lupicínio chegou, pequenininho, mas o Lula conheceu. Quem é que não conhecia o Lupicínio naquela época? Com aquela perinha aqui, baixinho, meio careca, né? Aí, o Lupicínio chegou: “Eu queria falar com um jogador aí do Santos, queria conhecer um jogador aí do Santos.” Aí o porteiro lá falou: “Oh, ali está o treinador.” Aí veio o Lula: “Pois não, oh Lupicínio. Qual é o jogador?” Aí o Lupicínio disse assim: “Não, é um jogador aí que é um cantor que joga aí no Santos.”; “Mas que cantor que joga aqui?” (risos) Aí, o Lula falou: “Bom, que eu saiba, nós temos aqui um jogador que gosta de cantar, que é o Tite. Agora, um cantor que joga bola, no meu time...” (risos). São passagens inesquecíveis. Esse foi o dia do gol.
P/1 - Mas você acabou não conseguindo conhecê-lo?
R - Pessoalmente, não.
P/1 - Que pena, né?
R - O Lupicínio morreu e eu não tive oportunidade. E o Lupicínio sabia da minha existência, que eu cantava as coisas dele. O Lupicínio ia aos jogos, quando a gente ia jogar no sul, ou mesmo em São Paulo. O Lupicínio cansou de me ver jogar e não cruzei com o Lupicínio. Rapaz, que coisa. Como eu gostaria de ter cruzado com Lupicínio! Eu tenho tanta coisa dele. Canto tanta música dele e gosto do Lupicínio. Lupicínio foi convidado por um amigo dele lá em Porto Alegre, um fazendeiro, e esse fazendeiro adorava boate, era boêmio. Fazendeiro boêmio, amigo do Lupicínio, não saía daquelas noites lá de Porto Alegre, aqueles cabarés, aqueles bares de Porto Alegre, aquelas boates. Uma época, hoje em dia não sei como que está, naquela época como era aqui em Santos, era em São Paulo, era no Rio de Janeiro. Então uma época romântica da música popular, universal. Não era só brasileira, era tudo. Aí esse amigo dele: “Ô Lupicínio, vamos passar uns dias comigo lá na minha fazenda”, Lupicínio não tinha tempo, ia dormir 6 horas, 5 horas da manhã todo dia, pra fazenda fazer o quê? Aí ele queria dormir pra no dia seguinte, pra de noite estar preparado pra enfrentar as noites, porque o Lupicínio ficava a noite inteira nas boates, nos cabarés. Um belo dia lá ele resolveu: “Está bom, eu vou com você”, “Ah, vamos lá”. Aí foram lá pra fazenda. E quando chegou lá na fazenda o Lupicínio caminhando com ele: “Ah, Lupicínio, ali é meu haras, ali não sei o que, os cavalos e ali estão meus bois. Olha lá meus carneiros, olha lá”. O Lupicínio estava andando com ele pelo pasto, andando com ele, de repente ele estava andando, falando, quando ele viu estava falando sozinho. Está lá o Lupicínio parado, o Lupicínio ficou parado, ficou atrás e parado olhando assim pra uma caveira, caveira de um animal não sei se era de burro, de boi que morreu no pasto. Aí, através do globo ocular da caveira nasceu uma florzinha, dessas florzinhas silvestres. Uma florzinha branca. Aí o Lupicínio está lá, aí vem o amigo andando, vendo o Lupicínio lá, parado lá, conversando com a florzinha: “Eras tão branca, tão bonita, tão formosa mas que malfadada sorte, ainda nem bem nasceste já encontraste a morte”. (risos) É coisa de Lupicínio. Aí já não é futebol, já é outra parte.
P/1 – Mas eu estou vendo que a sua conversa é meio música, meio futebol, né?
R – Pelo jeito a gente está caminhando. É pena que meu violão não está aqui. Se tivesse o violão... (risos)
P/1 – Me contaram que aí nas viagens, nas excursões, você que animava a coisa aí, com violão.
R – Ah sim, sim. Aquele time do Santos a gente vivia cantando, era um time feliz, um time alegre. Antes de entrar em campo a gente ficava no vestiário batucando, cantando. Aí precisava, o treinador: “Ei, como que é, vamos parar com som, vamos entrar em campo, rapaz” e a gente lá cantando. Era assim: ia no ônibus cantando, chegava no estádio a gente chegava cantando o time inteiro. Todo mundo cantava, participava.
P/1 – Quem mais tocava algum instrumento ali entre vocês?
R – Gostava... Violão não tinha ninguém, violão eu era o único, mas tinha os que gostavam da percussão: era tamborim, pandeiro, surdo, repenique. Nós tínhamos tudo isso.
P/1 – Quem tocava? Você se lembra?
R – Ah, o Zito tocava, o Urubatão tocava também, o Pelé tocava, o Dorval tocava, Coutinho... Era um time de batuqueiro. O time chegava... Nós, as viagens que a gente fazia por aí, por esse mundo à fora, a gente, principalmente quando ia na Europa, tinha aquele negócio daquelas escalas, sair de um país pro outro e esperar reabastecer, avião, essas coisas. A gente ficava no aeroporto horas e horas. Duas, três, quatro, às vezes cinco horas no aeroporto esperando arrumar um avião pra gente poder sair, continuar a viagem pra outro país. Aí tirava a viola do saco, o pandeiro, surdo, tamborim, no aeroporto mesmo. Aí os gringos não sabiam se a gente era músico ou se era jogador de bola: “Que orquestra é essa? Vocês vão jogar em que orquestra?”(risos). Era um time feliz. Então, era por isso que ganhava, porque jogador de bola tem que ser cabeça fresca. Jogador de bola preocupado, ele carrega tudo pra dentro do campo. Nós aqui no Santos, naquela época, todo mundo... O diretor era psicólogo, o jogador era psicólogo, todo mundo. Não tinha esse negócio de contratar psicólogo, éramos nós mesmos. A psicologia era nós que fazíamos. (risos) Então cantava. Nós tínhamos uma mania, uma forma de nos expressarmos. Quando vinha um companheiro triste, acabrunhado ou alguma coisa que ele tivesse meio diferente, aí já chegava o diretor ou a gente mesmo, um de nós: “O que está havendo? Tudo bem em casa?” se era casado: “Brigou com a mulher? Se brigou com a mulher vai ficar de bem, trata de ficar de bem, porque se não você vai levar esse problema pra dentro do campo”. Namorado: “Brigou com a namorada? Fica de bem, porque se não você leva pro campo”. “Brigou com amigo? Está devendo alguma coisa?” Jogador de bola não pode, se brigar com um grande amigo ele leva o problema pro campo, se brigar com a namorada leva pro campo, se tiver com problema financeiro leva pro... Leva tudo pro campo. Aí os caras não sabem porque o jogador não está produzindo. Vai ver você consegue descobrir isso. E ninguém estudou psicologia não, nossa psicologia era nata, natural.(risos)
P/1 – Era nata, né?
R – Era nata.
P/1 – E Tite, antes de prosseguir então na história dos campeonatos que a gente estava falando aí de 56, você podia contar a origem do seu apelido?
R – A origem do meu apelido ela vem de um palhaço de circo aqui de São Paulo, chamado Tiririca. E esse palhaço viajava, esse circo viajou o Brasil inteiro, não me lembro mais o nome do circo, me lembro que esse palhaço era daqui de São Paulo. E eles foram, nós estávamos morando em Bom Jesus, eu era pequenininho, eu devia estar... Papai estava jogando lá num time chamado Ordem e Progresso que tem até hoje em Bom Jesus. Eu devia estar com meus 3 anos, 4 anos. E nós fomos no circo, papai nos levou, eu e meu irmão e a minha irmã mais velha, os três, nós fomos... Não. Eu acho que não tinha não. Fui eu e o Rubens, a Júnia ainda não tinha nascido não. Fui eu e o Rubens. Papai nos levou e eu vi aquele palhaço e quando eu voltei, quando voltamos do circo, eu comecei a imitar o palhaço. Aí alguém de casa que eu não me lembro se foi papai, se foi mamãe ou se foi minha tia que falou: “Olha aí ó, ele está imitando o Tiririca, está imitando o palhaço”. E a minha irmã, a Júnia, que não tinha ido, devia estar com seus... começando a falar. Dois, três anos, por aí. Aí a Júnia, ao invés de falar Tiririca, queria falar Tiririca, mas não falava. Falou: “Tite, Tite, Tite” Aí pegou. Aí ficou Tite.
P/1 – Pro resto da vida.
R – É, inclusive até a gente tem essa mania de falar Tite, porque o carioca tem essa mania. Eu não sou carioca, mas sou fluminense, sou do Estado do Rio. E nós temos os mesmos hábitos, os mesmo costumes porque somos do mesmo Estado. Então a gente olha o Paulista, a maioria fala “Tite”, né? Tite, porque escreve Tite, mas a gente não fala... Aí a pessoa me pergunta: “Qual é seu nome?” Meu nome, eu nunca falo meu nome “Qual é seu nome?”, “Eu sou o Titi, eu não sou o Tite”, eu não sei falar, não dá “Eu sou o Tite”. Às vezes as pessoas confundem, escrevem Titi: T, I, T, I, às vezes. Já aconteceu de sair até em jornal assim, quando o pessoal não sabe, não conhece.
P/1 – Aí vira Titi.
R – É, vira Didi, Titi. No caso de Didi... Já o Didi já tem alguma razão dele ter esse apelido, porque o nome dele é Waldir, né? Waldir Pereira parece o nome do Didi, Waldir Pereira.
P/1 – É, isso tem mais uma relação direta com o nome, né?
R – É uma relação, mas o meu Augusto, foi por causa desse palhaço, desse Tiririca. (risos) Acabou ficando Tite.
P/1 – Bem, mas então voltando aqui um pouquinho ao Santos, você pegou então o início, as primeiras excursões do Santos, não existia isso?
R – Olha, a primeira excursão do Santos ao exterior foi em 1954. Nós fomos à Argentina e fui, participei... Nessa época eu já estava, já era Seleção.
P/1 – Cinquenta e quatro?
R – É, ao exterior. Nessa época eu era seleção paulista, brasileira, já tinha jogado na seleção em 54.
P/1 – Aí o Santos foi fazer uma série de jogos só na Argentina?
R – Só na Argentina.
P/1 – E vocês enfrentaram quem, você se lembra?
R – Ah, nós jogamos contra o San Lorenzo de Almagro, jogamos contra quem mais? São Lourenço, River Plate. Jogamos também naquelas cidades províncias já da Argentina, em Córdoba, Tucuman, San Juan e jogamos na Argentina quase toda. Viajamos Argentina toda de trem.
P/1 – De trem, daqui pra lá de avião?
R – Agora lá nós viajamos, jogamos naquelas cidadezinhas, chamam de província, da Argentina. Tudo de trem leito, trem leito, trem confortável.
P/1 – E foi uma excursão vitoriosa?
R – Foi, ganhamos quase todas as partidas. Perdemos a última para o River Plate, mas foi a última que nós perdemos, o resto nós ganhamos tudo. Aquele time era difícil perder, era difícil. Começou em 54. Cinquenta e quatro começou a fase do Santos e aí fomos campeão em 55, depois 56... Cinquenta e sete foi o São Paulo, 58 foi o Santos, 59 foi o Palmeiras, 60, 61, 62 aí só foi dando Santos, Santos, Santos.
P/1 – E em 57 que seria o Tri, hoje, na entrevista da manhã, o senhor Mário disse que os juizes sempre gostavam muito de garfar o Santos, que teve um erro aí de arbitragem que impediu o Santos conseguir...
R – Foi um árbitro inglês, se não me engano, que prejudicou o Santos naquele 57. Aí o São Paulo foi campeão. Aí o São Paulo trouxe o Zizinho, né, o Mestre Ziza.
P/1 – É, exatamente. O São Paulo sempre pegava um jogador veterano do Rio e fazia que ele gastasse aí...
R – É, depois ele pegou o Gerson.
P/1 – O próprio Leônidas.
R – Bom, mas Leônidas acho que não era tão veterano quando ele veio, não. Não sei porque Leônidas veio em 40, não.
P/1 – O Leônidas é de 1913, ele veio em 42, tinha 29 anos.
R – Já não era tão veterano, mas já estava caminhando. É por aí, Diamante Negro. Que é esse chocolate que a gente come até hoje, é por causa dele.
P/1 – Exatamente. Foi um dos primeiros jogadores a associar nome de produtos.
R – De produtos. Leônidas da Silva, o homem borracha.
P/1 – Quer dizer, em 57 foi... O Pelé veio pro Santos em 56 ou 57?
R – Não, ele veio em 56, jogou no juvenil, fez o teste que era de praxe, era hábito na época, se fazia isso. Vinha jogador de fora, do interior, que não era da cidade, ele tinha que fazer, ser testado contra o time principal. Aí, se passasse, ele descia pra jogar no juvenil. Porque aí é que ele teria provado que o índice técnico estava acima dos da cidade, aí ficava. Se fosse igual, dispensava, dizia: “Pra ter igual, nós temos aqui”. Então, você tinha que ser fora de série. E pro treinador analisar você como um fora de série você tinha que pegar gente que tivesse mais, muito mais na sua frente.
P/1 – Mas quando ele veio, ele já era esse fenômeno ou não, ele era...
R – Não, ele foi assimilando. Mas ele já mostrou, já mostrou... Porque é essa história que dizem que não se ensina a jogar futebol, não é por aí. Tem que se analisar a coisa friamente, porque você pega uma criança: se você não ensinar a escrever, não ensinar a ler, ela não vai ler nem escrever nunca. Agora, ela tem a vocação. Vocação é uma coisa, agora, dizer que já nasceu sabendo, não. Ninguém nasce sabendo, nasce com a vocação. Aí você vai aprendendo, os seus mestres é que vão te orientando e assim é a vida, tudo na vida é assim. Negócio de dizer que já nasceu sabendo eu não acredito nisso. O Pelé não foi assim, ninguém foi assim, ninguém na história futebolística, não. Agora, um pintor, um pintor de parede, um pintor seja lá do que for, esse aí ele não precisa saber ler nem escrever, porque ele olha pra você e faz você. Olha pra você aqui, faz sua caricatura ou faz a sua fotografia, seu retrato. Mas só que depois ele tem que ir pra aprimorar, ele tem que ir pra escola de Belas Artes, tem que fazer uma porção de coisas. Aí ele vai aprender a ler, vai aprender escrever. Porque isso é a vocação, mas tem as outras coisas que depois vai aprimorando e aí são os mestres que ensinam, são os mestres.
P/1 – Mas, a gente estava falando isso por causa da chegada do Pelé. Você acompanhou isso?
R – Acompanhei. O Pelé, quando ele chegou, o Waldemar de Brito, que era meu amigo... A história do Pelé é que o Athié Jorge Coury, ele nessa época era deputado estadual. Não, ele saiu do estadual e foi pro federal, acho que era federal, deputado federal. E era muito amigo do Waldemar de Brito. O Waldemar de Brito, ele era funcionário público, trabalhava numa repartição, coisas do Estado em São Paulo. E ele foi transferido pra Bauru, mas o Waldemar era muito boêmio, ele gostava muito das noites, o Waldemar. Em Bauru não tinha vida noturna. O Waldemar ficou lá um ano, lá em Bauru. Ficou lá com BAC, que esse time do Pelé, o Waldemar era amigo do Dondinho, do pai do Pelé. Dondinho, nessa época, parece que ainda jogava, ou estava encerrando. Regulava mais ou menos a mesma idade. Então o Waldemar começou a dirigir esses garotinhos lá desse BAC - Bauru Atlético Clube. O time que jogava o Pelé, no infantil. Um belo dia, o Waldemar encontra com Athié lá em São Paulo e pediu ao Athié pra arrumar pra ele voltar pra São Paulo: “Athié, não está dando pra viver lá. Poxa, lá não tem vida noturna, não tem nada! Chega oito horas da noite eu sou obrigado a ir dormir. Aí não tem condição! Vê se você dá um jeito de eu voltar pra São Paulo”. E o Athié, através da filha do Jânio Quadros, conseguiu com que o Waldemar voltasse pra São Paulo. E em agradecimento ao Athié, o Waldemar disse: “Ó Athié, eu vou levar lá pro seu time, pro Santos, um garoto que vai ser o Rei do futebol” . Aí o Athié “Não é possível, você está... É verdade ou não?”; “Vou levar pra você em agradecimento ao que você fez por mim, me trazer de volta pra São Paulo”. Aí chegou dia de treino aqui, o Waldemar aqui com o Pelé e nos apresentou. Nós estávamos trocando de roupa pra treinar e chegou com o Pelé. O Lula chegou, disse: “Olha, o Waldemar trouxe um menino aqui, quer apresentar pra vocês”. Waldemar: “Ó Tite, esse garoto aqui é o Pelé”. Eu disse: “E daí? O que é que tem? O que é que tem?” Aí ele disse: “Esse vai ser o Rei do futebol” assim, pra nós. Bom, aí passou o Waldemar, apresentou, “muito prazer”, o jogador olhava pro Pelé assim, aquele neguinho franzino, aquela roupinha simples: “Será que esse cara vai ser o Rei do futebol mesmo?” Pagão, um olhando pro outro, Pagão olhava pro Zito, o Zito olhava pro Élvio, o Élvio olhava pra mim, eu olhava pra ele. Aí ele vem, sai do vestiário e vem assistir o treino, vem assistir o treino. E aí começou o comentário no vestiário: “Poxa o Waldemar...” Waldemar foi um
dos maiores craques do futebol brasileiro, foi tri-campeão pelo Flamengo, jogou no San Lorenzo de Almagro, da Argentina. Waldemar era fera, era do São Paulo, jogador do São Paulo. Waldemar de Brito. Era ele e Petronilho de Brito, que era o irmão dele. Waldemar de Brito andava com um escudo do Flamengo de ouro na lapela, que ele ganhou de tri-campeão. Cantava tango bem! Cantador de tango, Waldemar de Brito.(riso)
P/1 – Aprendeu lá na Argentina?
R – Aprendeu na Argentina. Jogou tanto tempo lá... Quanto tempo ele jogou na Argentina! Aí o Waldemar veio pra cá, sobe assim pra assistir o treino, aí aquele comentário no vestiário: “Ah, será que ele quer isso mesmo? Será que o Waldemar não está exagerando?” Aí o Lula falou: “Bom, vamos fazer o seguinte” o Lula tinha um repente assim: “Vamos fazer o seguinte, vamos botar ele pra treinar agora. Vamos ver se realmente ele vai ser o rei. Já que o Waldemar falou isso, vamos ver esse cara, se deve ser um negócio assim, um fenômeno”. Pegar Pelé com 16 anos, Pelé é de 40...
“Tite vai lá você que é amigo do Waldemar de Brito, chama o Waldemar lá, manda o garoto vim trocar de roupa. Vamos ver essa fera aí”. Aí eu vou pelo túnel, chego no gramado, vejo aqui na social o Waldemar com o neguinho, aí eu de lá: “Waldemar, ô Waldemar!”; “O que foi? Fala.”; “Olha, desce, trás o garoto que o Lula quer ver ele treinar agora”. Aí o Waldemar na mesma hora... Era isso que o Waldemar queria. O Waldemar na mesma hora desceu, aí botaram lá uma chuteira nele, escolheram uma chuteira pra ele lá, o senhor Rochinha que era o nosso roupeiro, o nosso mordomo, deu a chuteira lá, escolheu a chuteira lá pra ele, deu pra ele, trocou de roupa e entrou em campo. Entrou em campo e nós estamos observando. A primeira bola que eu dei pra ele, ele pegou dominou tudo direitinho, aí já driblou. Veio o Formiga, ele tentou dá um chapéu no Formiga, já cobriu o Formiga, mas o Formiga, esperto, foi lá, tomou, não deixou, aquelas coisas. Mas ele mostrou uma personalidade de rapazinho assim de 20 anos, já com 16. Então ele estava na frente, porque o Waldemar passou tudo pra ele. Então quando o Pelé chegou no time principal do Santos, com 17 anos, ele já estava jogando como um cara de 23, 24 anos de idade. Ele estava na frente, adiantou, por isso que ele chegou onde chegou. E muito observador, esperto, tudo que fazia, tudo que a gente fazia aqui ele não tinha feito ainda, ele assimilava. Ele pegou muita coisa, pegou muita coisa de um, de outro, de outro, de outro, foi pegando, foi puxando tudo pra ele. Inteligente, habilidoso, aí virou rei. Não tinha que virar rei? Pegou um pouco do Zizinho, pegou um pouco de não sei quem, pegou um pouco mais de não sei quem, pegou um pouco... Virou rei, assimilou tudo.
P/1 – Então quer dizer que nesse treino ele foi igual você no seu primeiro treino, já segurou a onda?
R – Mesma coisa. Ah é, aí já foi jogar no infantil, no juvenil do Santos. Aí no dia que ele perdeu o pênalti aqui, na decisão contra o Jabaquara do juvenil, aí ele saiu do campo chorando, queria ir embora. Aí saiu. À noite, se não é o ajudante do nosso mordomo, do senhor Rocha, o Sabu, Sabuzinho... Se não fosse ele, que morava na concentração com os meninos, que não deixou ele, já faleceu esse Sabuzinho, que não deixou o Pelé ir embora... Queria ir embora, queria fugir porque tinha perdido um pênalti. E nós ainda tentamos aconselhar, ele saiu chorando do campo: “Garoto, isso é bobagem, todo mundo perde pênalti rapaz”; “Ah, eu quero ir embora, vou embora pra minha casa não vou ficar aqui mais não, quero minha mãe, quero meu pai”; “Que isso garoto, fica aí!”. Chorava, garoto ainda. Acabou ficando e olha o que aconteceu.
P/1 – E você quando chegou aqui o técnico ainda não era o Lula?
R – Não, eu peguei um treinador aqui chamado Giuseppe Utina. Era um italiano, ficou pouco tempo, que fez essa excursão conosco na Argentina. Aí, depois ele saiu, nós ficamos com treinadores, assim, perenes. Vinha um, ficava um pouquinho; um que tinha jogado bola, tinha parado, vinha, como veio Artigas e como veio um outro também chamado Gradinha. Ficou um pouquinho. Mas ficavam pouco, não sei o que acontecia. Aí veio acertar com Aymoré Moreira, que foi em 52, foi em 53. Aymoré foi 52, acertou de 52 pra 53. Foi isso mesmo, pra meados de 52 por aí veio o Aymoré. Aí Aymoré que deu o padrão, que o Santos não tinha quase padrão de jogo nenhum. Que o Lula pegou, veio como auxiliar do Aymoré e assimilou muita coisa dele. O Aymoré, que foi campeão Mundial em 62 no México e tetra campeão brasileiro. Ele como treinador e eu como jogador nós somos os únicos tetra campeões brasileiros, campeonato de seleções. Está lá na Federação Paulista lá, o meu nome e o dele lá, em quatro placas de bronze.
P/1 – Na Federação lá na Brigadeiro?
R – Tá na Federação. Na entrada você vai lá, você lê: Augusto Vieira de Oliveira, está lá “Tite”, as quatro.
P/1 – E o Lula foi um treinador aqui que marcou história, né?
R – Marcou, marcou bastante. Lula marcou, porque o Lula era muito vivo, Lula era muito sagaz, muito esperto demais, às vezes. Mas sabia como conduzir a coisa, deixava a
gente a vontade. No campo, quem resolvia éramos nós, ele pouco resolvia, ele deixava por nossa conta. E nós tínhamos tudo, a maioria eram jogadores mais ou menos já tarimbados e outros que estavam começando iam pegando. Então, a gente mesmo... A gente ouvia aquela preleção dele, trocava idéia com ele. Chegava no campo, se tivesse que mudar não esperava treinador não, a gente mudava. Não estava dando de um jeito, era de outro. O treinador é o seguinte, ele faz a preleção aqui: “Olha, nós vamos jogar assim, assim, assim”. Entra em campo. Chega lá, o adversário que estava jogando daquele jeito que vinha jogando, que ele assistiu uma partida daquele time anterior e preparou o time dele pra jogar contra aquele time, do jeito que ele viu o time jogar na partida anterior... Mas só que com cinco, dez minutos, o time mudava. E aí? Aí ou o treinador muda, ou se não mudar o treinador o jogador lá dentro tem que mudar o esquema. Que os esquemas táticos ele são variáveis, ele não são fixos, certo? Então é por isso que eu condeno esse negócio de lateral aí pegar a bola e ir lá pra cruzar. Eu sou contra. Por que que não pega a bola e não dá pro companheiro lá na frente e não vai sem a bola? É muito mais fácil. Por que que tem ele... Pra ele correr pra lá, pra cá, pra lá e pra cá, por quê? Eu estou falando, porque eu sou treinador profissional. Não treino clube nenhum no Brasil porque não quero. Posso treinar o Brasil inteiro, porque eu sou treinador de carteira e converso com eles e eles sabem tanto quanto eu. E essas táticas que eles usam tem coisas que não... Eu não vou falar nome de nenhum deles porque é falta de ética, mas que não me agrada. Eu acho que isso aí é um negócio pra inglês “vê”. A mim não me engana. Eu vivi a vida inteira nisso.
P/1 – Então, quer dizer, vocês no campo já percebiam: “Ah, vamos mudar o esquema tático”.
R – A gente fazia e depois ele concordava, ele mesmo concordava: ”Não, realmente”. Teve um jogo contra o Palmeiras, Djalma Santos já estava no Palmeiras e na meia esquerda quem jogou foi um jogador chamado Aírton. Eu era o ponta esquerda. Eu sei que o negócio estava difícil, estava muito difícil o jogo e eu, pra eu ficar lá na ponta parado lá, com o Djalma Santos lá em cima de mim, eu estava sentindo dificuldade, não estava produzindo nada. Aí eu combinei com Aírton, eu digo: “Olha, Aírton, você fica aí nesse espaço que eu vou voltar, vou tentar puxar o Djalma Santos, vê se ele vem comigo. Se ele não vier comigo ele vai ficar com você, aí vai ter que trocar, vai ter que botar alguém que estava te marcando pra me marcar. O cara vai ter que andar atrás de mim”. E nessa mudança que eu fiz com Aírton, o negócio foi certo. Nós ganhamos do Palmeiras, lá no Parque Antártica, se não me engano parece que foi de dois a zero, dois a um. Estava até o Jair ainda. Não, eu acho que o Jair já estava aqui. Olha, eu sei que nós acabamos ganhando o jogo por causa de uma mudança. Aí o repórter foi entrevistar o Lula: “Ô Lula, você fez uma tática aí que o time mudou”. E o Lula: “Não, não foi só eu não, foi o Tite lá. Foram eles lá no campo que resolveram”. Depois ele mesmo falou: “Comigo não tem esse negócio não, deixo eles lá à vontade”. E nesse ponto ele era humilde, não era orgulhoso.
P/1 – Ele tinha um temperamento assim mais aberto, admitia então o diálogo.
R – Tinha. Não existia isso que existe hoje. Hoje eu acho que existe muito, sabe? O treinador ele não pode ser muito paternalista, como também não pode dar muita distância. Eu acho que treinador de futebol ele tem que ser um pai, um pai que saiba educar e, na hora certa, chamar atenção, entendeu? Sem mágoas e sem rancor. Você tem que criar um clima dentro do futebol que você discuta com a pessoa, que não venha chegar às vias de fato. Porque aí, vias de fato é o caos. Mas sem chegar às vias de fato, discutiu, aí depois está tudo legal, tudo de bem, tudo se abraçando, tudo se beijando, tudo bem. Esse é o clima que tem, o segredo está aí. Eu sei que o treinador que souber fazer isso, o resto o jogador faz lá dentro do campo. Porque o treinador não joga, treinador orienta e fica vendo as coisas, onde estão as falhas, procura corrigir as falhas e depois puxa um, puxa outro. Às vezes o banco dele não oferece, ele não confia. A pior coisa que tem no futebol é o treinador não confiar no reserva dele. Aconteceu na França. Perdemos a Copa do Mundo porque o senhor Zagalo não confiou nos homens que tinha no banco e ele levou os caras e não confiava nos caras. O que é isso? Que me desculpe o Zagalo, que me desculpe, mas ele não confiava. E se eu conversar com ele... Zagalo é da minha época quando eu jogava no Fluminense ele jogava no Flamengo. Eu não tive oportunidade de conversar com Zagalo, mas o dia que eu tiver, eu falo: “Zagalo, como é que você leva uns cara que você não confia nos caras, rapaz!”. Se não mexeu no time é porque não confiou “Porque você não levou o Jardel, rapaz? Jardel lá em Portugal... É porque joga em Portugal. Se jogasse na Itália você levaria, se jogasse na Espanha, você levaria”. Então, porque joga em Portugal não era craque, não era bom. Se eu sou treinador, o time que eu tenho, Jardel... Rapaz, vai ser difícil de perder, viu? Vai ser difícil, porque se não der no chão, é o segundo Baltazar, rapaz! Depois do Cabecinha do Ouro é esse menino aí, e nós perdemos a Copa porque ele não levou o menino.
P/1 – É verdade.
R – Não levou o menino, não levou Oséas. Eu não sei como que estava o Viola na época, porque também podia ser convocado se tivesse bem. Não sei do estado do Viola na época, que ele teve problema de vista, não sei.
P/1 – Ele estava com uma coisa na vista, não era isso?
R – O Viola teve um problema de vista sim, ele bateu. Aquele jogador do Vasco deu uma cotovelada, acho que não foi por maldade, não foi por mal, na vista, quase que deslocou a retina. Foi um problema.
P/1 – Tite, a nossa conversa está muito boa, mas a nossa fita está no fim. Então, pra terminar essa nossa primeira conversa, que temos muita coisa aí pra conversar na outra oportunidade, eu queria que você contasse pra gente que outros veteranos do Santos são, assim, bons contadores de história assim como você e que a gente poderia ouvir?
R – Você pode conversar com Urubatão, Urubatão conversa. Pepe é muito bom. Tem muita gente boa, muita gente boa pra conversar. Tem história pra contar que não acaba mais: Urubatão, Pepe, Formiga, enfim, uma infinidade. Está cheio.
P/1 – Eles estão por aqui?
R – Estão, a hora que você quiser você fala pra mim, telefona pra mim, eu te dou o telefone e você conversa com Urubatão ou com Formiga, com Pepe, com qualquer um deles. Todos eles são bons pra conversar. Coutinho também tem muita história. Coutinho, Dorval... Dorval está em São Paulo.
P/2 – O Coutinho teve aí hoje, ele falou comigo rapidinho e foi embora.
R – É, o Coutinho tem muita história, Coutinho.
P/2 – Esses que o senhor mencionou moram todos em Santos?
R – Moram: o Coutinho, Urubatão, Formiga, Pepe, Mengálvio, quem mais? Joel Camargo, Geraldino, Negreiros. Negreiros é daquela época de Ramos Delgado, de Manoel Maria, desses pessoal. Está até aí na foto. Edu, Jonas Eduardo, Américo.
P/1 – O Edu está por aqui?
R – Jonas Eduardo Américo - o Edu, está por aí sim. João Paulo tem história também. Já vem vindo mais pra cá, Serginho Chulapa tem. Serginho Chulapa deve ter muita coisa.
P/1 – Curioso, o pessoal gostou mesmo de Santos. Ficaram depois que acabou a carreira. Qual que é o mistério aqui?
R – É porque o santista é dócil, é meigo o santista. Ele aproxima, sabe? Ele chega na gente, faz amizade. Você chegou de fora em Santos, o santista já procura acolher. Por isso que aqui é terra da liberdade e da caridade, santista.
P/2 – Eu obtive informações que ocorriam reuniões periódicas dos veteranos. Isso não acontece mais?
R – As nossas reuniões aqui...
P/2 – Que o senhor é uma espécie de patrono aqui dessa sala?
R – É aqui. Aqui geralmente a gente se encontra. Agora eles não tem vindo ultimamente pra jogar aqui snooker, divertir, bater um papo, trocar idéia. Mas, normalmente, todo ano nós festejamos o nosso aniversário. Que agora em abril nós já vamos pro décimo. Foi em 85, décimo quarto. E eu faço questão que o décimo quarto seja em algarismo romano, (riso) De acordo com os velhinhos, em algarismo romano.
P/1 – Então, Tite, a gente agradece essa tarde gostosa que você nos proporcionou e vamos ficar aí na sua cola pra pegar mais...
R – Mas vocês podem contar comigo sim, se tratando das coisas do Santos, da vida do Santos Futebol Clube. Da cidade eu conheço pouca coisa, pouca coisa entre aspas. É Vicente de Carvalho, Martins Fontes, Derócenes José de Oliveira, que foi um grande poeta pra cá, bem pra cá, faleceu agora há pouco tempo. Muita coisa. Essa cidade é maravilhosa, essa cidade aqui é muito boa.
P/2 – Nós estamos aprendendo isso.
R – Pois é, Antônio Carlos, a conversa foi muito boa, mas a gente fica. A próxima nós estamos aí, não é José? Não é Walmir, Márcia? A próxima vez estaremos todos aí batendo um papo e recordando, porque recordar é viver. Muito obrigado, boa tarde pra vocês.
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Foto Making Off de Augusto Vieira de Oliveira
Foto digitalizada de Augusto Vieira de Oliveira (Tite), do acervo do Museu da Pessoa.
imagem de:
Augusto Vieira de Oliveira
história:
Tite do Santos
tipo:
Fotografia
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