Tecban - Histórias Diversas
Entrevista de Leonardo Nuñez de Miranda Reis
Entrevistado por Genivaldo Cavalcanti Filho
São Paulo/Rio de Janeiro, 12 de agosto de 2022
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PCSH_HV1267
Transcrita por Mônica Alves
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho
(00:19) P/1 - Boa tarde, Léo. Tudo bom?
R - Boa tarde, tudo bom? Tô feliz aqui, obrigado pelo convite! Agora eu vou virar uma peça de museu. (risos)
(00:33) P/1 - É isso aí, é isso mesmo! A gente vai começar com uma pergunta difícil, então. Qual é o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade em que você nasceu?
R - Vamos lá! Meu nome é Leonardo Nuñez de Miranda Reis. Nasci no Rio de Janeiro, sou carioca, na cidade e no estado. A minha data de nascimento é quatro de dezembro de 1979.
(01:02) P/1 - Te contaram como foi o dia do seu nascimento, Léo?
R - Sim, me contaram. Inclusive, não sei se pode falar, mas enfim, comecei a escrever uma autobiografia, então eu resgatei vários passados que eu vivi, mas não me lembro - obviamente, um deles foi o meu nascimento.
Eu nasci com nanismo. Meu tipo de nanismo é chamado de displasia distrófica. É um tipo de doença genética que traz mutações sobre os núcleos ósseos das articulações. Então em um dia chuvoso - segundo me contaram, obviamente - minha mãe quase não conseguiu chegar na maternidade. Quando eu nasci, a obstetra, embora soubesse, não tinha falado para minha mãe que eu nasceria com nanismo; só a obstetra sabia, nem o pediatra que a acompanhou sabia, então ao nascer foi aquele espanto, de uma certa forma, no sentido de novidade com esse tipo de nanismo. Na época, em 1979, havia pouca literatura médica a respeito da minha displasia; se eu não me engano, só havia metade de um livro em inglês, superespecializado. Hoje em dia, graças a Deus tem diversas páginas de literatura sobre.
Então foi isso, foi uma surpresa. Minha mãe, assim que me recebeu nos braços, virou uma leoa e perseguiu, até hoje, lutar pela minha vida - minha sobrevida, porque na época havia essa questão, né, se eu ia sobreviver, se eu não ia, qual seria o impacto real, se era só uma questão óssea, se tinha questões psíquicas, motoras. Aos poucos, ela foi descobrindo.
Foi um momento de chuvas e trovoadas. Nasci no dia de Santa Bárbara, quatro de dezembro, então foi quase que uma estreia cinematográfica.
(03:27) P/1 - E você sabe como ela escolheu seu nome, Léo?
R - Eu lembro que a minha mãe falou que eu ia me chamar… Cara, eu não era Leonardo. Acho que ela tinha falado, pode falhar a memória, mas eu acho que era Gabriel, se eu não me engano, porque já sabiam que era menino, e quando ela me olhou, falou que não, “é Leonardo”. E assim foi. Leonardo, acho que tem a ver com Leão, né? Com força. Eu não tenho muita certeza também.
(04:04) P/1 - E já que você estava falando da sua mãe, eu queria que você falasse um pouco sobre ela e sobre o lado materno da sua família.
R - Bom, falar da minha mãe é algo muito especial para mim e de muito valor. Meu pai biológico, que já faleceu, pouco tempo depois do meu nascimento se separou da minha mãe, segundo ele porque… Enfim, ele era militar e [tinha] aquela questão toda de ter um menino homem, macho, e aí veio uma pessoa com deficiência.
Eu sou o segundo filho. Tenho uma irmã mais velha, do mesmo pai e da mesma mãe, uma menina, Tatiana, então rolou essa questão toda.
Minha mãe é professora aposentada da Universidade Federal Fluminense - coincidência, porque eu passei por lá também - engenheira química. Ela foi uma guerreira que criou dois filhos sozinha com o salário de professor; sempre foi um milagre no Brasil você conseguir criar alguém, manter uma família com esse salário, mas nunca faltou nada, nunca passamos necessidades, graças a Deus!
Como ela mesmo diz… Eu tenho um TED falando sobre isso, que eu fiz. [Quando] eu nasci ela era muito jovem, ela tinha 22 ou 23 anos, enfim, deslumbrada com a sociedade; só pensava em qual era a roupa que ela ia vestir. Ao nascer, quando ela me teve nos braços, isso mudou bastante para ela e ela mesma relata isso. De uma hora para outra, ela deu uma guinada radical na forma de enxergar a vida e o que era de valor, na verdade, e se tornou para mim uma das maiores educadoras que eu já conheci na vida, não por ser minha mãe.
Graças a ela eu sou o que eu sou hoje. Ela me criou de uma forma realmente igualitária, realmente de… Em momento algum me tratou como uma pessoa diferente, apesar de todas as minhas limitações físicas e todo aquele atraso no tempo, muita adaptação… Quer dizer, agora até tem, mas na época não tinha. Então é isso, para escovar os dentes eu tinha que pegar uma escadinha, se eu quisesse acender a luz eu tinha que pegar algum… Tipo um pauzinho para acender, e isso não era maldade, isso aí era amor, ela me preparou para o mundo e falou assim: “Cara, você é igual a todo mundo”. Tanto é que eu não me enxergo… Às vezes eu falo que eu até esqueço que sou anão, no sentido de que eu encaro as pessoas de igual para igual - não no sentido de briga, nunca achei muito essa questão.
Foi extremamente importante essa cobrança dela, esse carinho dela, esse acompanhamento durante toda a minha infância. Eu tive muitas cirurgias por causa da questão ortopédica, passei minha infância quase toda… Fiz mais duas cirurgias ortopédicas e ela estava lá sempre do meu lado e sempre, sabe? Obviamente que o coração dela deveria estar com muitas preocupações, mas o tratamento dela sempre foi sem ter pena, apoiando tudo, sendo guerreira e falando: “Você vai conseguir, vamos embora!”
Eu me lembro, quando eu falo na época da alfabetização, na minha época tinha aqueles cadernos de letra, de fazer a ortografia certinha. Ela exigia que eu fizesse a letra correta, a letra bonita, errava e apagava. Essa forma de me tratar e me enxergar como uma pessoa de fato, não como uma pessoa com deficiência, embora a deficiência estivesse ali, foi fundamental para tudo que aconteceu na minha vida dali para frente. Ela, que está viva, espero que por muito tempo, é a pessoa chave da minha vida mesmo, [assim] como a minha avó materna, que também ainda está viva, com noventa anos atualmente. Foram essas as duas pessoas extremamente importantes no processo de formação e criação.
(08:54) P/1 - E a sua família tem origem mesmo no Rio de Janeiro? Você sabe se eles vieram de algum lugar do interior ou de alguma outra cidade?
R - Não, eles… Minha mãe e minha avó nasceram no Rio de Janeiro, porém o meu bisavô e a minha bisavó vieram de Portugal, nasceram em Portugal. O marido da minha avó - que eu não cheguei a conhecer, faleceu muito cedo, quando minha mãe ainda era criança, em um acidente - mas tem a antecedência espanhola, então é daí que veio o Nuñez. Meu bisavô, por parte do meu avô materno, tem essa ascendência espanhola, então eu tenho ascendência portuguesa e espanhola.
(09:55) P/1 - Certo. Eu queria que você falasse um pouco dessa relação com a sua família. Vocês eram uma família que se frequentava muito? Tinha alguém que você era muito próximo - primos, tios, avós ou algo assim?
R - Toda a família… Como assim?
(10:16) P/1 - Se você costumava frequentar muito a sua família, sua avó, tios, primos? Como era a relação de vocês quando você era criança?
R – Ah, tá. A família é bem grande. Da parte da minha família paterna, do meu pai biológico, eu falei [que] ele meio que sumiu do mapa, então quase não tenho nenhum contato até hoje com essa família paterna.
Do lado da família materna sempre foi um contato muito forte, desde da parte da minha avó e da parte do meu avô; mesmo falecido, a família dele continua com muito contato [conosco]. Cheguei a viajar com meus primos, por parte dele.
Da parte materna, minha avó também sempre foi muito próxima. A minha avó… São três irmãs; duas casaram e uma não, mas a que se casou teve filhos e teve neto, que é o meu primo, Daniel. A gente sempre foi criado meio que junto. Como as duas avós ajudavam muito na criação dos netos… Também tem a Lourdes, ela pegava o meu primo, levava para a casa da minha avó. Eu ficava muito na casa da minha avó; a minha mãe voltava [do trabalho] e morava em frente, a gente atravessava a rua e ia para a casa da minha mãe.
A gente cresceu meio que junto, era quase como se fossemos três irmãos mesmo - minha irmã Tatiana, esse meu primo Daniel e eu. Era uma infância muito agitada, muito divertida; fazíamos muitas bobagens (risos), coisas de criança, tipo andar de skate, quebrar a cara, essas coisas assim. A gente também tinha muito o hábito de ir para… Até hoje tem essa casa lá, que é dessa tia Lourdes, em Guapimirim, uma cidade perto de Teresópolis, no Rio de Janeiro. Tinha um lugar muito cheio de verde e cachoeira, cascata, riacho. A minha infância foi muito para lá, quase todo final de semana eu estava em Guapi com esse meu primo, enfim, nadando nas cachoeiras, nas piscinas e brincando bastante.
(12:50) P/1 - Você se lembra da casa onde você passou a sua infância? Como ela era?
R - Na minha infância eu tive umas… Ai, meu Deus! Umas quatro casas pelo menos, cinco. Mas sim, me lembro. Talvez, a que mais tempo [eu morei] é a que era em frente à minha avó. Até hoje existe essa casa. A casa da minha avó existe, a mesma desde quando ela nasceu; obviamente que construiu piscina, houve mudanças, mas é o mesmo endereço e a casa em frente também ainda existe. Não moramos lá há muito tempo.
Eu me lembro muito bem da casa. Tinha uma varandinha na frente, [um] cercadinho bonitinho, com uma sala bem grande, uma mesa de madeira. Uma coisa que marcou muito minha infância [é que] todo sábado, domingo, final de semana que a minha mãe estava em casa mais tempo… Ela às vezes trabalhava, estava concluindo o duplo mestrado nessa parte da minha infância, então sábado e domingo era o momento da família. A gente dormia em um colchonete nessa sala e ligava o ar condicionado, que era uma coisa de luxo na época - aquele antigão de madeira, marrom; não sei nem se era de madeira, mas parecia que era de madeira, na parede. A gente dormia lá e isso me marcou. E no fundo dessa casa tinha um quintal, uma espécie de quintal grande. Não me lembro se tinha árvore, acho que não, mas era um quintal razoavelmente grandezinho e dava para brincar. Tinha dois quartos, meu, da minha irmã e da minha mãe, uma cozinha e uma sala; acho que era isso, não sei dizer mais coisas. Essa casa que é da minha infância propriamente dita, da maior parte dela.
Depois a gente foi para vários lugares, foi para o apartamento que era em uma vila.
Depois a gente voltou para a mesma rua da casa da minha avó, só que morando mais acima, e futuramente foi o meu primeiro apartamento - não nesse mesmo prédio, mas nessa mesma rua; foi o meu primeiro apartamento que eu comprei quando eu me casei - antes de me casar, na verdade. Depois a gente foi para várias ruas; acho que eu tive uns quatro apartamentos.
Perto do vestibular, do pré-vestibular, minha mãe já era casada com meu padrasto Ricardo, que eu considero pai, e morava com ele. Ele já se separou da minha mãe e já está com outra família, mas continuamos com a relação paterna até hoje; ele me considera demais como filho e vice-versa.
Nessa época, estava começando a separação deles dois. Eu estava estudando para o vestibular e me refugiei na casa da minha avó, [pensando] assim: “Cara, não adianta nada. A coisa é deles dois ali e eu preciso tocar a minha vida aqui”. Foi bom, porque eu passei bastante tempo morando na casa da minha avó.
(16:28) P/1 - E o que você gostava de fazer além das brincadeiras com a sua irmã, com o seu primo? Você gostava de assistir TV, de ouvir música? O que você mais gostava de fazer quando você era criança, Léo?
R - Toda criança dos anos 79/80… Eu falo que eu sou da década de 80, nasci na prorrogação da década de 70, aos 45 do segundo tempo. Como toda criança, eu estudava, via a Turma do Balão Mágico, o Fofão, depois a Xuxa - cheguei a ir até em um programa dela uma vez. E é um pouco isso, via televisão, novela à noite, essas coisas de todo brasileiro.
Eu gostava muito de brincar com… Eu me lembro do He-Man, do Castelo de Grayskull. Um pouquinho mais tarde eu tinha os… Como é que é o nome daquilo? Eu tinha os bonequinhos do Star Wars, brincava muito com esses bonecos. Comando em Ação também.
Eu cheguei a ter Atari, foi o primeiro videogame; aliás, é muito legal porque consegui até uma parceria depois, no futuro, com a própria empresa Atari. Foi muito legal em termos de ganhar um merchandising; em termos de nostalgia foi bem bacana essa reviravolta na vida. Eu me lembro, era caro o Atari, na época eu demorei a ter.
Tive o Master System, eu também gostava de jogar. Depois eu parei, não cheguei a ter o Mega Drive; meu primo chegou para continuar na geração dos videogames mais modernos e eu ia muito para casa dele, no Rio de Janeiro também, para jogar aos sábados e às vezes aos domingos. Mas eu nunca fui viciado em videogame. Sempre gostei de jogar videogame, mas nunca fui muito bom e nunca tive muito saco para ficar ali: "Eu morri, volta de novo. Ai, eu morri!” Para mim era diversão. “Ah, morri, morri. Pronto, agora vou jogar bola e chega!” Não tenho saco para ficar ali insistindo,
quebrando recordes. Nunca tive muito essa paciência.
Até hoje eu tenho vários videogames por causa dessa parceria que eu falei. Também tenho outros e minha filha também gosta, mas nunca foi… Nunca tive essa questão de ficar… A minha esposa tem mais e minha filha mais um pouquinho [de paciência], de ficar lá, tentando zerar, passar de fase; eu até vou umas três vezes, enche o saco e vou embora. Eu gosto mais de joguinho tipo tênis, coisa assim; tu joga, perdeu, perdeu, ganhou, ganhou, aí acabou e pronto. [É] mais como diversão.
(19:39) P/1 - Léo, você tinha algum sonho de infância? Alguma coisa que você queria ser quando crescesse?
R - O que eu queria ser quando crescesse? É uma pergunta às vezes até contraditória! Eu tô brincando!
(19:56) P/1 - (risos) Não foi dessa forma que eu falei, mas desculpa!
R - (risos) Eu tô brincando. Não podia deixar de fazer uma brincadeira, mas além de querer ser grande quando crescesse… Não.
Engraçado, um dos [meus] grandes sonhos mesmo… Acho que até hoje eu ainda quero muita coisa. Eu queria estudar informática e não estudei, sempre gostei. Pensei em fazer Publicidade uma época. Sempre gostei muito de teatro, desde sempre, então
também sempre quis ser artista, ator, fazer filme, como eu alcancei. Mas eram todos sonhos. Eu tinha um desejo, um sonho, mas não era um sonho constitutivo da minha pessoa - não sei se me fiz claro - tipo: “Eu tenho que ser artista”. Tem muita gente que [pensa assim:] “Eu tenho que ser artista, senão minha vida não faz sentido! Eu tenho que ser sei lá o quê!” É bonito quem tem isso, mas eu não tinha essa questão em relação à atividade profissional. Eu queria ser várias coisas. Se desse certo, deu.
Eu lutei muito, continuo lutando, acho legal ter propósito, mas não é essa questão constitutiva, como eu falo. E em relação a uma questão mais constitutiva - embora também, se eu não conseguisse realizar, acho que eu não seria uma pessoa infeliz - uma coisa que eu tinha muito forte era constituir uma família. [Era uma coisa] muito, muito forte, desde sempre. É o pai, mãe, enfim, ou o pai, pai, nada contra, mas construir uma família, ter um filho ou uma filha, talvez para recuperar um pouco essa questão paterna. Eu sempre tive muita vontade, necessidade de ser pai.
Graças a Deus, com a minha esposa Carol, eu consegui realizar esse sonho, que é um sonho, é um pesadelo (risos) ao mesmo tempo. Tô brincando.
Todo casamento, todo relacionamento, toda criação sempre tem e terá desafios. Isso que é bom, isso é o que transforma a pessoa. Eu sou claramente uma pessoa bem diferente, antes e depois de ter sido casado e ter sido pai da Luísa.
(22:48) P/1 - A gente vai falar um pouquinho mais tarde a respeito disso. Mas, voltando um pouquinho para sua infância, eu queria que você me falasse sobre as suas primeiras lembranças de estudar, de ir para a escola. Como era? Era perto de casa? Do que você lembra?
R - Sim, sim. Na época era Jardim I, Jardim II, CA, essas coisas todas.
A primeira escola? Na verdade, vamos por etapas. Eu sempre estudei no mesmo colégio, que tinha um nome… Era Pica-pau Amarelo e da parte de base era Sociedade Educacional Fernando Alves, SEFA - S, E, F, A. Estudei nesse colégio a minha vida inteira e dali eu saí direto para o vestibular. A única coisa que eu fiz, no terceiro ano do segundo grau - não sei como é que vocês chamam hoje em dia… Fiz o pré-vestibular na parte da tarde, então eu fazia o meu colégio e o pré-vestibular, mais para ganhar experiência de como era a prova, agilidade, macete, mas não de fato mesmo.
Tem uma história interessante que contam em relação ao colégio. Na época não tinha leis de discriminação e nada disso. Infelizmente, alguns colégios negaram a minha matrícula na época, e nesse colégio, o SEFA, a diretora… Até hoje existe esse colégio, mudou o tamanho. Se você me perguntar, vou falar como ele era, o tamanho, local, endereço, tudo. Até hoje é a mesma diretora, a diretora Denise, excelente pedagoga. Segundo relatos, porque eu também não lembro - obviamente, eu era pequeno - quando minha mãe me matriculou nesse colégio, ela aceitou logo de primeira, e muitos pais marcaram a reunião com a Denise para pedir que eu saísse da escola, ou eles retirariam os filhos. O que me contam da época é que essa diretora, Denise, falou assim: “Minha escola está aqui para formar cidadãos e não para passar apenas conhecimento. Quem quiser que retire os seus filhos; ele permanece”. E realmente alguns tiraram.
Essa é uma história que me contam, que eu não presenciei, no sentido de… Obviamente, eu não tinha lembranças disso. Mas a lembrança que eu tenho do colégio é que ele era muito perto da casa onde eu morava com a minha avó e em frente à minha avó, que dava para ir a pé. [Era] bem perto, um quarteirão, embora a minha avó me levasse de carrinho. Isso eu me lembro, do carrinho de bebê, mas não… Tinha [algo] mais prático, uma cadeira de rodas muito mais completa; eu era pequeno e não era tão pesado, [então] ia no carrinho. Isso nunca foi uma questão, é só uma informação.
Como eu falei, várias vezes eu tive que me ausentar da escola para fazer cirurgia, mas isso fazia com que muitas vezes, quando tinha prova escrita… Já cheguei a fazer prova em hospital, e ter aula. Como minha mãe também fez Escola Normal, depois ela fez faculdade, então ela também auxiliava nessa educação.
Quem me levava geralmente era a minha avó, me buscava.
Os primeiros anos, até a quarta série, foram nesse prédio, que era perto da minha avó.
Depois o colégio cresceu, foi ganhando força, aumentou e aí foi comprado outro prédio enorme. Ficou quase uma universidade - tô brincando. Mas era grande, tinha corredores, sei lá, quatro andares, uma quadra enorme.
Hoje em dia é um Colégio Municipal, a prefeitura comprou esse espaço e permanece, não sei [se] eternamente, mas bem próximo do que era, obviamente com outras cores. Ali foi onde eu estudei da quinta série até o segundo grau, até eu sair para a faculdade, e aí já era reconhecido como SEFA, Sociedade Educacional Fernando Alves.
E mais uma vez: o colégio não era adaptado, embora tivessem todos os cuidados comigo, tivesse corrimão. Como eu falei, o outro, que era maior, tinha escadas e não tinha elevador; eu subia e descia escadas. Aí eu vou falar como era a relação: eu, por exemplo, para desespero dos coordenadores da época, descia as escadas… Geralmente, eu levava o casaco do colégio, colocava um dos braços no corrimão, o outro ali no meio segurava no outro braço e saia correndo assim: “Uhuuu”. Até o final, era assim que eu descia. Era uma maneira mais interessante de descer as escadas, ao invés de descer normalmente, então - disso eu me lembro bem - toda hora o supervisor, o diretor davam um esporro: “Ah, você vai quebrar, se machucar!” Mas nunca aconteceu nenhum acidente sério, graças a Deus.
Apesar da não adaptação - hoje em dia o colégio já tem até… Continua, como eu falei, mas está em outro prédio menor, mas ainda tem muita… Mudou a forma de inclusão, então ainda tem muitas pessoas nesse universo da inclusão, do colégio, tem ensino digital, tem tudo. E hoje em dia eles têm mais adaptação em termos de acessibilidade, de rampas, eu já fui lá.
Cada época tem sua realidade, mas isso não quer dizer que havia uma falta de cuidado comigo, pelo contrário. O próprio colégio tinha a mesma mentalidade da minha mãe, que era assim: eu era igual a qualquer outra pessoa. Obviamente uma ou outra pessoa ia e fazia alguma gracinha, então já respondia com outra piada e gracinha, mas as pessoas não me viam tanto, os alunos, os meus colegas, como “diferente”, “coitado”. Não tinha esse lance, até porque eu sempre fui meio CDFzinho, nerdzinho, [com] as melhores notas do colégio. Não que seja verdade, mas uma das melhores notas médias até hoje na história do colégio foram as minhas, então isso aí é historinha para contar no museu (risos). É igual quando a pessoa morre, ela vira herói, né? Não morri ainda, mas enfim…. Eu era bom aluno sim, e tinha esse respeito por ser cômodo, então eu discutia com a diretora: “Pô, esse professor não tá dando matéria direito.” Eu era desse tipo e era muito respeitado por esse lugar, de ser bom aluno, então eu nunca sofri essa questão de preconceito, ia às festas.
Tinha Educação Física lá na escola e eu fazia prova. Nunca fui reprovado, mas já tirei 7, 6.5, porque eles cobravam de acordo com a minha capacidade. Tinha uma questão… Eu nunca entendi a questão, mas tinha prova de resistência, tinha que correr tantas voltas e tantos minutos lá na quadra, senão… Enfim, cada cálculo tinha uma média. Obviamente, eu não tinha que fazer a mesma média das outras crianças, porque era impossível, mesmo que eu morresse eu não ia conseguir fazer. Mas eles sabiam da minha capacidade física de verdade e se eu desse molezinha, uns ‘miguézinhos’ lá, eu não ia conseguir fazer a meta que eles estipulavam para a minha prova, então eu tinha que me esforçar, suar igual a todo mundo, participar de olimpíadas, futebol, basquete, vôlei - tudo direitinho, como qualquer outra criança. Isso foi muito importante também.
É isso, são essas recordações que eu tenho da minha escola. Era uma escola muito querida, tenho muito carinho por ela, até hoje.
(32:16) P/1 - E tinha alguma matéria preferida, nesse período até o ensino médio, que você gostasse mais, ou algum professor que te marcou por algum motivo?
R - Sim, teve vários períodos. Até a quarta série, por aí, eu gostava muito da professora que até hoje é minha amiga, foi na minha festa de quarenta anos. [É] Fátima o nome dela. Depois virou supervisora, até hoje dá aula. Ela é professora de Matemática e Ciências, se eu não me engano; é que sempre tinha duas cadeiras, mas a formação dela é Matemática. Ela era muito brincalhona e sempre me marcou, nesse primeiro período.
Depois, já na quinta série e segundo grau, eu sempre gostei muito de muitas matérias. Eu gostava muito de Português, tinha um professor muito bom, chamado Castellani. Gostava de ciências, tinha um professor… Como é que é o nome dele? Najam, é um nome esquisito, né? Ele era todo doidão e me fez gostar de Ciências. Ele fazia aquelas experiências, pegava sapo, fazia cirurgia no sapo, essas coisas malucas na época, mas era muito interessante. Embora eu não gostasse de ciências, eu gostava dele, apenas da aula que era divertida; da matéria em si eu não gostava tanto assim.
O que eu sempre gostei bastante? Eu gosto de Matemática, todas elas: geometria, trigonometria, acima de todas… Física, já no tempo do ginásio, e Literatura, porque o professor era excelente. Ah, e eu gostava de História, mas de história do Brasil; eu gosto de História Geral e História do Brasil. Eu adorava História do Brasil, talvez pelo excelente professor, que é o Omar. O cara era fora da curva, mas eu sempre gostei muito da história do Brasil, discutia política.
Eu sempre fui muito inteirado, fui meio eclético; até hoje eu sou meio assim. Mas eu era muito bom em Inglês, Física, Matemática e exatas, embora em História eu também sempre tenha tirado notas excelentes.
(35:08) P/1 - Nesse período você já pensava no que você ia fazer de vestibular?
R - Eu sempre tive duas certezas para vestibular: uma era Informática mesmo, a área de exatas, e a outra era Publicidade. Eu sempre pensei nessas duas carreiras para seguir e acabei caindo na Informática mesmo.
Antes da faculdade eu também fiz curso de montagem e manutenção de computadores. Já montei muito computador, não profissionalmente, mas comprava peças e montava. Hoje em dia não tenho muita paciência para fazer, nem sei quais são as melhores placas etc. Eu sou agora aquele tiozão que pergunta para alguém e alguém fala qual é a melhor configuração; tenho noção de configuração, mas não… Já cheguei a comprar processadores, colocar pastilhas, montar, encaixar memória.
Fiz curso de Carta Certa, enfim… Não sei nem se as pessoas sabem, eu nem sei se tem o museu da história da informática, mas é _______ do HTML.
Sempre gostei muito disso, e quando comecei esses cursos eu fui me apaixonando cada vez mais, então falei: "Então é essa área". Foi aí que eu resolvi fazer Ciências da Computação. Eu prestei vestibular para todas as federais, porque não era… Antigamente, para cada faculdade se fazia um vestibular, então eu fiz vestibular para a UERJ, para o Estado, para UFRJ e para a UFF.
A primeira que eu passei foi a UFRJ, mas era a minha segunda opção, que era Estatística. Cheguei a me inscrever - cheguei a me inscrever, não, porque logo em seguida passei na classificação para a UFF, em Ciências da Computação. A UERJ foi um pesadelo, nunca passei, eu fiz… No segundo ano eu fiz, no terceiro ano eu também fiz e fui pior do que quando eu fiz o segundo ano. Não sei por que eu nunca passei, mas é uma excelente faculdade.
Depois eu fui reclassificado na UFRJ para Informática também, mas como eu já estava… Minha mãe dava aula na UFF, então eu pegava carona com ela de carro. era uma coisa mais fácil, embora fosse em Niterói, em outra cidade. Eu moro no Rio, tinha que atravessar a ponte, a famosa ponte Rio-Niterói, mas era melhor, então eu acabei não me inscrevendo na UFRJ e fui fazer só o mestrado depois, na Coppe da UFRJ.
(37:54) P/1 - E me conta como foi essa sua entrada na UFF. Rolou um choque do tipo: agora só tem matérias relacionadas à Informática, esse lugar é completamente diferente do que eu costumava ter no segundo grau? Teve algum período de adaptação, algum estranhamento que você sentiu?
R - Não. Na verdade, eu sempre… Desde o primeiro ano do segundo grau, eu sempre desejei muito passar direto para a faculdade. E bem ou mal eu já conhecia [a UFF] no sentido de frequentar, por causa da minha mãe, na adolescência - não para estudar, enfim, para ficar lá. Tinha umas questões: “Ninguém pode ficar com ele e com a minha irmã”, então ela levava a gente. A gente ficava na sala da professora Elisabete, minha mãe, desenhando e fazendo qualquer coisa, até ela voltar para casa, então não era um ambiente estranho. Pelo contrário, era um desejo.
Minha mãe sempre valorizou, obviamente, o estudo, a ciência, que hoje em dia é tão desvalorizada, então era quase que… Não diria que um sonho, mas era uma coisa que eu queria muito.
Em termos de convivência com as pessoas, não tive nenhum problema em relação a isso. Logo de cara eu também comecei a me destacar na UFF pelas notas, pelas… Aí isso já não é mais história, aí é comprovado, porque eu sei: eu fui o segundo maior CR da informática de 98, éramos eu e outro cara, que era chamado de doido, meu amigo Rafael, até hoje. Éramos os dois maiores CRs, com diferenças de décimos. CR é um Coeficiente de Rendimento total da Informática, tanto é que a gente ficava brincando, havia uma brincadeira de rixa entre eu e ele, quem era o melhor; se ele não sabe o outro não sabe, quem sabe mais? Essas bobagens.
Logo de cara eu me destaquei na faculdade nesse aspecto, então… Sei lá, é o que eu falei: pela maneira que eu fui criado, eu nunca encarei… É óbvio que existia o preconceito. Provavelmente eu não vi, não falo que no mundo acabou o preconceito, nada disso, mas eu encarava de outra maneira as coisas, entendeu? Eu não tinha essa questão: “Ai, estão me olhando! Será que estão me olhando porque eu sou anão?”
Sei lá, entendeu? Se alguém estivesse olhando muito eu ia olhar e falar: “Eu tô com o nariz escorrendo? Com a calça arreada? Sei lá, eu ia olhar e [dizer]: “Eu tô sujo?” Eu nunca ia ficar: "É porque eu sou anão.” Questão de namoradas também, sempre foi… Eu nunca tive essa questão, então as pessoas já… O mais legal é que de cara, sem que eu impusesse, todo mundo tinha um respeito muito grande, porque na época tinha trote - não sei se tem ainda, hoje em dia - e a turma dos veteranos - o que é uma coisa rara também, porque tem diversos casos de barbárie - sempre me respeitaram muito nessa questão. Participei de um ou dois trotes, acho que foi um só, dois, e eles falaram: “Você quer participar? Vai ser assim, assim e assado, não sei onde. Não sei se você fica tanto tempo em pé, se quiser você senta.” Então houve muito cuidado, carinho do nada, assim, espontâneo, pá! Não tinha a questão da “minha mãe que falou com não sei quem”, não! Era por questões de, sei lá, empatia, e justamente por isso eu já cheguei brincando, zoando. Todo mundo gostava de mim, eu falava com todo mundo. Então é isso, sempre fui assim. Não tive esse problema de ser rejeitado, foi sempre muito tranquilo.
(42:40) P/1 - Você estava falando sobre a sua época na faculdade, de como você se deu bem com as pessoas, que não teve problemas. Eu queria falar um pouquinho desse período fora da faculdade. O que você gostava de fazer para se divertir na sua juventude?
R - Eu gostava muito, muito de fazer teatro. Sempre fiz teatro, desde os nove anos de idade. Eu comecei na Igreja Católica, chamavam… Depois virei coordenador desse grupo de jovens, o Grupo Perseverança; [se] chamava Movimento Eucarístico Jovem. Minha mãe também pertenceu a esse grupo, [é] aquele grupo que vai de geração em geração. Tinha o grupo de teatro, que não só fazia apresentações na missa,
encenações, mas também fazia peças, muito Maria Clara Machado - Pluft, por exemplo, que agora está no cinema, eu já fiz, então eu gostava muito desse grupo, como um todo. Consequentemente, gosto até hoje. Gosto muito de assistir a peças, assistir a filmes, séries - na época, nem existia essa questão de série. Eu sempre gostei muito de ir ao cinema, de ver filmes, de teatro; gostava muito de ler, ainda gosto de ler livros. Eu me lembro que tinha Feira do Livro, o pessoal comprava uns livros lá; eu comprei a série de livros do Sherlock Holmes. O pessoal: “Ah, mas na sua idade?” “Ah, mas eu gosto.” E eu li, então era com isso que eu me divertia.
Gostava muito também de jogar bola com meu primo, ficar chutando igual a um maluco, pra lá e pra cá, aquelas regras que a gente inventa na hora. Gostava muito de jogar botão, não sei se você sabe o que é, aquele… Acho que é botão até hoje. Tem aquela bolinha, na época era dadinho, aí tinha aquela rede, tinha aqueles botões grandes de pedra - eu não sei como é aquilo, parecia mármore, mas não era mármore; eu não sei como é o nome daquele material. Mas era disso que eu gostava muito, também brincar com o meu primo, com o meu tio.
Gostava de skate, mas eu sempre andei deitado nele, porque eu achava mais legal e corria mais; em pé eu ficava meio receoso de desequilibrar. Gostava de pipa também, mas nunca fui bom de colocar uma pipa no ar, a não ser na praia, que na praia é só você largar a pipa e segurar para você não ir junto, aí qualquer pessoa [consegue] mas normalzão assim, subir no telhado, nunca consegui. Mas sempre gostei, então alguém colocava para mim no ar e eu ficava brincando.
É isso que eu me lembro da minha infância, que eu fazia para me divertir além de brincar com os bonecos, Comando em Ação, videogames e essas coisas.
(45:06) P/1 - E na sua adolescência, ou seja, na sua juventude, você manteve o teatro também?
R - Sim, mantive até hoje. Sempre mantive. Na adolescência, na juventude, já fui [me] semiprofissionalizando e aí eu tirei o DRT, que é o registro de ator. Aí veio o Risadaria, que eu ganhei o prêmio, e fui virando profissional mesmo. Embora eu gostasse, quisesse isso, nunca passei… Ainda mais depois que eu entrei na faculdade, não fazia mais parte do meu modo de seguir, era mais um hobby que virou uma profissão.
(46:51) P/1 - Eu queria falar um pouquinho agora sobre a sua vida profissional. Qual foi o primeiro emprego que você teve?
R - O primeiro emprego que eu tive? Deixe-me recapitular aqui.
Na verdade, emprego com carteira assinada, propriamente dito, foi como estagiário da Rede Globo, na área TI. Eu passei pelo programa Estagiar; antigamente não tinha cota nem nada disso, aí eu concorri. Só que antes disso… Eu tô lembrando… Não sei se é um emprego também: eu fiz Iniciação Científica na UFF, na área de Sistemas Operacionais, [foi] uma doideira lá, e também dei aula para um curso de especialização. Eu era monitor, mas recebia salário. [Era] remunerado aos sábados, na UFF também, por curso de… Acho que era para o pessoal de Publicidade, mas estavam aprendendo a programar em VBA, essas coisas assim, para fazer sites mais dinâmicos. Acho que esse foi o meu primeiro emprego; foi antes do Estagiar, com certeza.
(48:31) P/1 - E você lembra do que você fez com o seu primeiro salário? Alguma coisa que você pensou assim: “Olha eu queria… Agora que eu tenho o meu dinheiro, eu vou fazer tal coisa, comprar isso”?
R - Cara, com o primeiro salário, propriamente dito, não. Eu me lembro que juntei dinheiro dos primeiros salários, vamos falar assim, para comprar um notebook, que eu estava precisando, estava querendo. Eu tinha um computador já, obviamente; pra quem faz TI, não ter um computador dentro de casa é difícil, mas era desktop.
Eu já estava em final de curso nessa época e eu estava… Pô, cacetada às vezes é muito ruim, então eu queria estudar, programar na cama, que era mais confortável, ou em uma cadeira que tinha lá na sala, que era bem confortável - cadeira não, aquele sofazão, tipo sofá do papai. Aí eu comprei, juntei dinheiro e comprei esse notebook. Foi a primeira coisa que… Eu não tinha muita coisa do tipo: “Ah, eu vou em uma balada”. Não, o que eu queria não dava para comprar com o salário, então eu tinha que juntar.
(49:55) P/1 - Bom, então me conta um pouco, Léo, como foram essas experiências de estágio que você teve. Como você se sentiu? Te levaram a pensar em uma outra atividade? Alguma coisa que você aprendeu que você não conhecia na faculdade?
R - Sim. Como eu falei, eu fiz iniciação científica. Eu estava no meio do curso e tinha certeza - certeza que a gente acha que é certeza - que eu ia seguir carreira acadêmica. Eu ia fazer mestrado, doutorado, fazer prova para ser professor universitário, aí resolvi fazer estágio para essa área. Acho que eu tinha que passar pela experiência do mercado também, para ver se era realmente isso que eu queria, e aí eu fiz essa experiência na Globo. Aprendi muito.
Eu caí em uma área de tecnologia, mas que… A Globo tinha muito terceirizado, na época, quando eu trabalhei, e [era] a área que determinava a melhor prática das tecnologias a serem usadas, como programar, como melhorar performance, essas coisas todas. E era uma área quase que de estudos
- óbvio que não é uma área acadêmica, na Globo não existe exatamente isso, mas é uma área de estudos. Inclusive no começo, onde eu trabalhava, tinha até computador aberto; eu trocava HD, para… Enfim, [pra saber] se tinha HD mais rápido, mais devagar, fazia umas doideiras lá.
Foi uma área muito interessante, eu aprendi muito com o Diogo Castellani. Até hoje eu acho que ele está lá. O cara era completamente louco, mas gente boa. Eu sempre tive [uma] questão muito forte com religião, desde sempre, e ele era todo esotérico, chegou a fazer jejum não sei quantos dias, só vivendo de luz. Comprou um livro lá, o maluco, aí do nada às vezes acendia um defumador.
Era só eu e ele praticamente na sala; tinha uma outra pessoa, mas depois mudou. E eu era abaixo dele, na prática. Nós tínhamos um chefe, que era o Carlos Otávio, e aí ele acendia o defumador, era fumaça para tudo que é lado; ele não queria às vezes ligar o ar, porque falava que fazia mal, aí abria a janela. Era esse tipo de pessoa, completamente doida, mas do bem.
Teve um episódio que… Todos os episódios marcam, vários episódios, mas dois foram muito marcantes nesse período de estágio na Globo. Fiquei umas duas semanas lá, algo assim, aí ele virou para mim e falou assim: "Você". Enfim, não sei se era para falar com ele, mas: "Você consegue?" Era Java na época. "Você consegue fazer um pulo de conexões, BD Java, para adaptar esse código aqui?” Eu falei: “Eu consigo.” Ele: “Então, em quanto tempo?” Eu: “Sei lá, uma hora, duas, tanto faz” “Então tá, né?”
Eu fiz, ele testou, funcionou. Passou no telefone e ligou para algum chefão: “Olha, o fulano da empresa tal está falando que tem que ter cinco dias para fazer essa alteração. O meu estagiário acabou de fazer, em menos de duas horas. Não falei? Eles são uns merdas mesmo!” Pum, desligou. Falei: “Caraca, não é isso, não é assim.” Lógico, depois eu dei uma melhorada e isso acabou sendo norma de uso nos sites da Globo. Na época, estava estreando No Limite, o primeiro, lá atrás. Era uma empresa que fazia e ficava lá na Embratel, e antes de usar isso que eu fiz, [a rede] caía com dez conexões.
O outro momento que marcou lá na Globo… Eu já era contratado, tinha “mó” galerão da hora. Estavam com problema de performance. Na época, tinha muita questão de Java, de máquina virtual; os caras “bambambam” da hora, o chefe, aquela coisa toda escandalosa de TI, performance; todo mundo batendo cabeça. Eu [estava] lá com ele, acompanhando, e ele quietinho, num canto, lendo um livro esotérico, acho que na época era até negócio de corpo humano que ele estava vendo. Ele [estava] lá, quietinho, lendo o livro que não tinha nada a ver com nada, aí ele parou e falou assim: “Agora eu posso mexer? Ou ainda vai continuar isso tudo?” “Ah, pode.” Ele foi lá, resolveu, aí tudo voltou, a performance [ficou] excelente. [Ele disse:] “Eu falei desde o começo que era isso, vocês não quiseram me escutar”. E saiu da sala.
Era essa a pessoa, é louquinha, e ele sabia o que fazia. Foi com essa pessoa que eu participei desse meu estágio. Eu aprendi muito com ele, a ser maluco também. (risos) Aprendi muito, muita coisa com ele, [que] até hoje eu levo de aprendizado, não só técnico, mas de aprendizado de: “Cara, como eu trabalho essa questão? Qual é o problema? Como é que você vai atacar o problema? Não adianta ir por esse caminho, não adianta por aquele.” Eu ganhei experiência em como buscar soluções para os problemas e atacar, não tecnicamente falando, mas de buscas, solução rápida, que até hoje eu uso no meu trabalho. Foi muito importante esse período de estágio na Rede Globo.
(56:46) P/1 - E depois... em paralelo a isso você já estava começando a sua carreira como comediante? Você tinha falado da Risadaria. Queria que você falasse um pouco sobre esse período, como isso aconteceu.
R - Na verdade, [foi] no finalzinho - não do meu estágio, [mas] no fim da transição entre a Rede Globo e o Tribunal de Contas, porque eu passei no concurso. Foi um momento que meu mestrado estava chegando ao fim, na reta final e eu estava meio desesperado, porque na Globo o horário era muito bagunçado, sobretudo na área de TI. Eu estava começando a ficar um pouco para trás, com medo da questão da minha dissertação, do desenvolvimento do meu software. No meio dessa transição entre a Globo e tudo mais, eu também comecei a fazer curso de Teologia à distância, que era um belo curso. Era um curso mais resumido de Teologia, que a PUC dá até hoje, nas paróquias, para formar pessoas, não teólogos, e eu estava começando a me destacar no Risadaria, na parte artística.
Nessa confusão toda eu passei no tribunal. Concluí o meu mestrado e assim que eu o concluí eu comecei a fazer graduação em Teologia na PUC, graças a minha tutora - as pessoas que davam aulas na paróquia eram chamadas de tutoras. A tutoria me incentivou e eu acabei aceitando essa doideira.
Foi aí que começou a esquentar mais o lado artístico; fiz Risadaria, em que eu fui vice campeão nacional, ganhei o campeonato de stand-up nacional, fui campeão regional… Foi aí que eu fui no Jô Soares, fui entrevistado. Foi um momento muito mágico, importante. Aí eu conheci o pessoal do Comédia Em Pé e o Leandro Hassum, conheci depois Os Caras de Pau e as coisas começaram a se tornar profissionais mesmo, mais a sério, e aí começou a carreira com o Gigante Leo, até hoje. Surgiu um pouco desse lugar aí, é isso, foi nessa doideira toda que as coisas começaram a acontecer.
(59:39) P/1 - E me conta, o que te deu… Digamos assim, de onde veio a ideia de você começar a fazer stand-up?
R – O stand up, propriamente...
A carreira de ator, humorista, [veio] desde sempre; o humorista não, mas o ator ligado ao humor, desde sempre. Eu sempre gostei de fazer. Nunca explorei - às vezes a palavra é feia - a questão do nanismo pra isso; como eu falei, eu fazia peça, o Pluft etc. Não tem personagem com nanismo; tem personagem, posso interpretar qualquer pessoa.
O stand-up surgiu graças - aí vem a Globo, de novo - ao Henrique Fedorowicz, que é um amigão meu. Eu não sei se ele continua fazendo stand-up, mas na época ele fazia. Ele era contratado da Globo quando eu entrei como estagiário, inclusive na época a gente teve várias rixas, porque ele... [Ele] se tornou depois um grande amigo, foi padrinho de casamento meu, ainda somos amigos, óbvio, mas na época ele fazia coisas de soltar pum, tipo aquela criança, o adulto que não amadureceu. Eu ficava meio bolado com ele, mas não eram brincadeiras de anão; eu não sei por que ele achou que eu era o coleguinha de escola dele.
Esse cara me viu fazendo uma peça chamada O Avarento, que é uma peça de Molière, do século XVIII, se eu não me engano. Era semi-amador, já tinha ingresso e tal; eu fazia o Mestre Jacques. Ficou em cartaz por um tempo, ele foi me assistir, aí outras pessoas da Globo assistiram. E ainda fui gravar… Comecei a meio que profissionalizar um pouquinho, eu fui gravar algum clipe; foi o primeiro clipe que eu gravei, com a Banda Seu Cuca, era Onde você estiver, o nome da música. Foi a primeira participação remunerada - esse remunerado que eu falo é profissional; o outro era semiprofissional, a remuneração era um lanche. (risos) Não tinha lá muito dinheiro, era mais pelo prazer mesmo. Esse foi um prazer, mas [foi] profissional.
Ele se amarrou nessa parada. Foi a partir daí, eu acho, que ele começou a focar em mim. Falou: “Caraca, que maneiro!” Aí eu saí da Globo, passei no concurso público, e deixei de encontrar com algumas pessoas. Nisso ele me liga uma vez, falando: “Poxa, eu vou.... O Ian está fazendo” - o Ian SBF, do Porta dos Fundos, na época era Anões em Chamas - “um programa no Multishow. Ele quer fazer teste de ator, elenco.” Eu fiz o teste, passei no teste, mas depois o ator que ia fazer, que é o Cláudio Castro, o anão da dança do quadrado, conhecido, tinha desistido de fazer o papel, sei lá por que voltou atrás e eu perdi o programa; acabei não fazendo o Barato Flamejante do Multishow, uma série lá.
No meio dessa reaproximação com o Henrique Fedorowicz, descobri que ele estava fazendo stand-up. Até então eu já tinha ouvido falar, já tinha visto, acompanhado; achava maneirinho, mas beleza. Ele me pentelhou o juízo para eu ir lá assisti-lo, aí eu fui. A primeira vez foi no Planetário, se eu não me engano, e ele falou assim: “Você é meu convidado.” Aí eu falei: “Pô!” Eu estava no tribunal já, aí eu falei: “Ah, peraí.” De tarde eu tinha um tempinho, escrevi um texto. Foi o meu primeiro texto de stand-up, de zoeira; falei com ele assim: “Pô, toma aí para você. No final, para pagar o meu ingresso eu faço uma palinha pra tu.” Assim, mas de zoeira. Ele leu e falou: “Cara, é muito bom esse texto!” Falei: “Cara, não é, pô. Eu escrevi aqui de zoeira, não tem construção, não tem setup, sei lá.” Um texto técnico, geralmente uns tem mais, outros menos.” Peguei umas dicas lá, aí eu fiz dez minutos [de apresentação]. Ele marcou um open com o pessoal do Castros - o Marcos Castro, Castro Prado - e aí eu fui fazer Open no Comédia Carioca. A gente fez lá no Tijuca Tênis Clube - não, não minto, no Sesc da Tijuca, e eu fiz o open na época do Mais Carioca, tinha o Murilo Couto como elenco, Castro, Henrique Fedorowicz, essas e outras pessoas que eu não estou recordando. Tinha um show dele e eu fazia open; o meu open [era de] no máximo cinco minutos, demorou doze minutos, e nego rindo do começo ao fim. Murilo Couto entrou depois de mim e falou: “Porra, esse anão me fodeu. Esse anão quebrou o meu stand-up!” Na época, eu me lembro que o Murilo falou: “Eu vou depois do anão, porque ele é novinho, está começando, aí eu vou me dar bem.” Brincando assim, mas ele: “Porra, me fodeu.”
Foi assim, começou. O Murilo Couto passando Comédia Em Pé, o Marcos Castro tinha contato com o Cláudio Torres Gonzaga, e aí eu fui fazer o Comédia Em Pé, outro open, e aí, por coincidência, o [Leandro] Hassum estava em uma sala lá no Três Atores. Tem a sala vermelha, azul… O Hassum estava em outra sala, com a lente de aumento dele, aí o Cláudio ouviu. Fui assistir o Hassum, [ele] me mandou subir no palco, aí começou a me dar espaço toda vez; eu fazia parte do show dele, ele me chamava.
Aí começou essa coisa toda, aí começou surgir o stand-up. Comecei a produzir textos de verdade, open, open… Eu fui mudando, testando, até surgir material, e aí fiz o meu solo. O Risadaria veio antes do solo. Aí eu escrevi um livro, por causa do Risadaria, e as coisas aconteceram na velocidade da luz.
(01:06:36) P/1 - E me diz uma coisa, como você conseguiu dar conta de fazer a faculdade de Teologia, trabalhar no tribunal e ainda manter essa sua carreira em paralelo?
R - Na vida a gente tem que fazer escolhas, foi aí que eu… Quando as coisas começaram a dar um ‘boom’ maior, eu comecei a gravar o Porta - na verdade, Anões Em Chamas ainda, com o Porchat. Eu gravei Histórias Para Não Contar Para Crianças, em que eu era o ventrículo, e aí ele começou a fazer… Entrei em cartaz com o Henrique Fedorowicz e com o Marcos Castro, em uma peça chamada Desconcertados, que era um talk show no teatro; foi quando [o trabalho no teatro] começou a ter um volume muito grande, e aí eu parei Teologia na PUC. Eu tive que escolher parar, por que era uma questão muito mais pessoal. Obviamente, existem profissionais teólogos excelentes, mas não era a minha intenção ser profissional teólogo, a princípio. Eu até pretendo ser diácono algum dia - no caso, como eu sou casado, diácono permanente; esse é outro plano futuro, mas enfim.
Quando eu comecei a PUC, eu comecei a estudar muito, porque eu gostava. Tinha muitos professores legais, da Teologia da Libertação da Igreja Católica, que é um lado mais social. Os professores teólogos eram... O cara que escreveu o livro, um dos principais da Teologia da Libertação, o Afonso Garcia, então essa galera. Tinha o Isidoro, que era o biblista, que ajudou a uma das principais versões da Bíblia, então tinha uma galera sinistra. Eu me apaixonei por essa galera e corri atrás, então eu consegui a liberdade de assistir aulas com o França, que é outro teólogo extraordinário, Maria Clara Bingemer, uma galera. Então eu estudei muito.
Coincidiu também, com o aumento da minha carreira artística… A PUC passou na época por uma transformação razoável. Hoje muitos desses teólogos se aposentaram, pela idade, são velhinhos, óbvio, alguns faleceram, infelizmente, e ao mesmo tempo você tem uma galera de seminaristas extremamente ortodoxa e que começou a me irritar. Cara, Teologia você está ali para estudar, não está ali para fazer uma pregação - embora uma coisa tenha que ter conexão com a outra - nem muito menos fazer catequese, vamos falar assim. Parei para estudar, questionar.
Por exemplo, Maria Clara Bingemer, que é extremamente certinha, vamos dizer assim; não é nada liberal, não tem nenhum pensamento, inclusive ela foi… Como é o nome? Conselheira, acho que é esse nome que se dá, no último Concílio do Vaticano, para você ver que ela não é nada liberal. O cara falou assim: “Ah, eu não vou ler esse livro, então, porque é contra a minha religião.” E eu falei: “Gente, não faz sentido, você está aqui para estudar. Se você é contra, então lê e fala: eu li e não concordo com isso.” Então era uma galera… Aí ficava difícil. Você fazia Teologia Moral, pô, com uma galera dessa; não tem papo. Aí eu falei: “Cara, não faz mais sentido para mim.” Eu conseguiria me formar, tirar nota boa e tal, mas para mim perdeu o sentido, entendeu? Eu ia para aula e: “Ah, pô! Tenho que ouvir esses caras.” Entrou uma galera, os professores também mais fechados. Eu falei: “Cara, pra que, né? Saber rezar Ave Maria, o Pai Nosso eu sei desde criança, saber os dogmas etc, mas eu não estou aqui para isso. Eu estou aqui estudar Teologia, pra algo a mais.” Então foi aí que eu parei, mas eu aproveitei muito.
Na PUC eu cheguei a ter aulas de Umbanda com uma pessoa que era umbandista, uma das melhores aulas. Eu tinha muita aproximação com outras religiões, antes mesmo da PUC, embora sempre católico, sempre praticante. Mas eu não sou: “Ah, porque é assim e acabou.” Não, tem uma razão, tem que ter um questionamento, tem que ter um porquê, senão não faz sentido. Eu tenho certeza que Deus nos ama, independentemente do que você acredita ou do que não acredita. Eu sempre estudei isso, aí começou a perder o sentido para mim. Falei: “Aí galera, eu vou parar”, porque chegou um momento que eu fazia matéria por fazer, fazia e ia para casa, para estudar. Como eram muito limitadas as pessoas, quanto mais limitado, é só você decorar; quanto mais reflexão tem, você tem que entender mais, então eu ia lá, fazia aula, estudava um pouquinho, tirava nota boa e aí? “Cara, pra quê isso?” Aí eu parei.
Então juntou tudo, juntou o crescimento artístico com essa mudança na PUC, e aí eu parei. Talvez volte, caso eu queira ser diácono tem que concluir a formação. E algumas das minhas melhores amigas, a Bia e a Vânia… A Bia foi uma guerreira que continuou, fez até mestrado em Teologia, coitada, mas ela é desse tipo que questiona. Ela discutia, batia boca com o pessoal; ela é o maior barato, é a parte divertida. A Vânia também desistiu, acabou fazendo mestrado em Filosofia na PUC e doutorado em Filosofia na PUC. Eu que larguei tudo de vez - de vez, não, no sentido de estudo acadêmico.
(01:13:15) P/1 – E me conta uma coisa. Atualmente você já não faz mais o curso de Teologia, você comentou, mas você mantém as duas carreiras, o seu emprego concursado no Tribunal de Contas do Estado e a sua carreira de ator e comediante. Você acha que tem alguma ligação entre as duas, alguma coisa que você leva de uma para outra?
R – (risos) Olha, infelizmente o serviço público, sobretudo o Tribunal de Contas… É o órgão autônomo fiscalizador, no meu caso, no município, da Prefeitura do Rio de Janeiro, assim como tem TCU, que é da União, e assim por diante, tratando da fiscalização de políticas públicas. Olha, tem situações que eu acho que são grandes piadas de mau gosto que o pessoal faz; você olha, lê o processo ali e você fala: “Cara, só podem ser humoristas mesmo, esses administradores.” Lógico que tem muita intercessão nessa brincadeira, inclusive eu ia até… “Pô, vou contar essa piada lá no meu show.” Os meus amigos falam: “O ruim é que ninguém vai entender, tem que ser muito específico." Cada coisa que é só rindo para não chorar mesmo.
Mas é muito legal, pelo menos onde eu trabalho, no Tribunal de Contas do Município [do Rio de Janeiro]. Não querendo puxar saco nem fazer média, não é só comigo, é com todos os funcionários. Ele incentiva muito o desenvolvimento para o lado pessoal, o lado artístico; também até promove cursos, incentiva financeiramente para você que quer fazer mestrado, doutorado. Ele é um grande incentivador de todo o desenvolvimento pessoal - enfim, tem campanhas de saúde, atletismo, todo esse lado que é bacana, então há uma sinergia. Todos sabem que eu sou artista lá, não é escondido.
Eu realmente trabalho, aí o meu esquema é, já tirando um pouco a dúvida: “Como é que você trabalha? Como é que você grava um filme? Como é que você grava uma entrevista? Como é que você grava essas coisas?” Muitas das vezes, quando é gravado é fora do horário do expediente, ou quando é no horário, agora, por exemplo, de home office, se for pegar outro horário aviso a chefia e compenso o horário depois, obviamente.
A partir do momento que eu comecei a assumir o meu departamento de suporte profissional no meio, que eu gravei filme e série, eu comecei a não ter férias. As minhas férias são usadas para gravar filme, para gravar programa, para… Isso quando está no horário. Filme é um mês [de gravação] - por exemplo, o Alta expectativa. Eu fui protagonista, foi um mês, então eu perdi as minhas férias todas - perdi não, ganhei, foi maravilhoso, mas só gravando. Eu não fui viajar depois porque eu não tinha mais férias, e ainda tem questões que eu tenho licenças especiais - eu não, todo mundo tem, quem tem questões como eu tem licença especial, de tempos em tempos você tem mais um mês, então essas coisas eu vou usando para conciliar a minha carreira profissional com a minha carreira do Tribunal de Contas. Eu tenho todo esse jogo de cintura.
Eu já fiz show duas vezes lá no tribunal, duas ou três vezes. Não sei se foram três,
mas foram duas vezes, com certeza. Fiz o meu solo lá. Fiz também com os meus amigos Marcos Castro, Henrique Fedorowicz; também já levei o Benvindo Siqueira, o Felipe Absalão, do stand-up. Eu brinquei na época com o presidente do tribunal, na época era o doutor Tierre, e todo mundo até hoje brinca com isso, com a piada que eu fiz com ele. Falam: “Você é maluco”, brincando. “Vai ser exonerado.” Então dão essa liberdade e essa sinergia, que o pessoal gosta também.
Nas reuniões, eu também zoava com piadas; não é piada por fazer piada, é meu jeito de ser. Eu falo: “Humorista não é aquele cara meio tiozão do pavê, nem aquele cara que força pra ser, ele vê as coisas diferentes e naturalmente acaba…” Eu tenho problema de me controlar. Às vezes eu tenho reunião séria; meu chefe atual [estava] em uma reunião super séria do Tribunal do Estado do Rio de Janeiro em parceria com o município. Enfim, políticos importantes, pessoas importantes dos dois tribunais. Assinaram um acordo de colaboração, aí eu virei e falei: “Ah, então beleza, então a gente faz aquela brincadeira, você mostra o meu que eu mostro o seu.” E aí, caraca, você já abriu o olho e riu. Eu falei: “Ah gente, saiu tão natural…” É, o tipo de coisa que eu faço que a galera [fala]: “Ah, você é maluco!” Mas não é pensado e acaba saindo, aí eu falei: “Caraca, eu tenho que pensar antes de falar.” Por acaso, eu não falei nada de desrespeitoso.
Há uma sinergia muito grande dessas coisas, mas, obviamente, são atividades completamente diferentes - uma de analista, que tem muitas pessoas, eu fui até coordenador da Coordenadoria do Controle Externo. Então eu busco… Tem muito a questão da criatividade sim, que é buscar soluções que não existem, que não estão prontas. Eu acho que ali tem isso, e aí vem muito a carga da questão que eu falei da Globo, vem muito daí, essa experiência, então essa criatividade artística, partes de tomada [de decisões] com a parte técnica de buscar solução é o que eu mais gosto de fazer lá, e o que eu faço mais lá. É buscar arquitetura nova, modelagem, integrar solução, inventar cores diferentes, fora do padrão do sistema. Eu não tenho trabalho muito burocrático lá, do tipo chegar cedo, bater ponto; não, não é assim, é muito aberto, então eu gosto bastante.
(01:20:16) P/1 – E voltando para a sua vida pessoal, você estava comentando da sua filha, da sua esposa. Conta como vocês se conheceram.
R - Como eu conheci a Carol? Eu comecei a fazer a peça de teatro no Multishow, tênis clube, chamada Desconcertados, que era um talk show. Tinha eu, Fedorowicz e Marcos Castro; tinha convidados, Nany People, Mauricio Benetti, várias pessoas legais, o Porchat mesmo etc. Foi bem legal, foi bem bacana, lotado, aquela coisa maneira.
Eu já tinha aparecido no Risadaria, e aí a gente sorteou no Twitter de um cara relacionado com um livro… Não lembro mais o nome do cara, mas a gente sorteou um ingresso para assistir à peça e a Carol ganhou. Ela ficou de ir, não ia, quase não foi e acabou indo; foi com a minha sogra, aí a gente tirou foto e tal.
Eu sempre brinco com as pessoas… Enfim, eu não sabia que a minha sogra estava lá, senão eu não teria casado. (risos) Tô brincando, eu gosto demais da minha sogra. E aí, depois que a gente.... Ela começou a me seguir, gostou da peça, gostou da forma que eu tratei as pessoas. Começou a me seguir, primeiramente, como ela mesmo disse, sem intenção de nada.
A gente começou a trocar mensagens no MSN, e aí eu comecei a perceber que ela era diferente, no sentido de… Não era apenas interesse de fã. Com todo o carinho, eu amo, tenho contato com vários ainda hoje, mas ela era diferente; a fã vê mais o artista e não é uma questão de gostar da pessoa, do Leo. Ela começou a perguntar [coisas] mais relacionadas à pessoa, quem era o Léo. Aí eu comecei a gostar dela, rolou aquele afeto e aí a gente foi… Eu estava no Comédia Em Pé, eu era convidado da semana. No Comédia Em Pé tinha um lance assim: depois que você fazia o open já estava mais ou menos estabelecido, você era o convidado da semana, então naquele final de semana você era convidado - você e mais um, às vezes. Eu era convidado lá no shopping, na Barra, aí eu a convidei: “Pô, vamos embora, eu te levo.” Aí a minha sogra querida falou assim… Acho que foi a primeira vez que eu tive medo, medo mesmo de preconceito, que não foi nada a ver com o fato de eu ter nanismo. A minha sogra falou assim pra Carol: “Você não vai.” Aí ela: “Por quê?” “Porque artista é assim, você tem que entender. Pega garotinha, leva pros shows, dá uns beijos, outras coisas lá, depois larga. Todo artista é assim.” Pô, queria muito, sogra, que essa fosse a minha realidade, mas não é a minha realidade. Na época era um suor conseguir alguém, como qualquer pessoa. Mas, enfim, ela recusou e falou: “Te amo.”
Insisti de novo e a gente saiu. Fui num bar no dia anterior ao dia do abraço. Era semifinal, sei lá, final da Libertadores e eu não sabia. Fomos num bar muito famoso na Tijuca, em Vila Isabel, e aí nós, proseando… No meio da conversa derramei Coca-Cola nela, refrigerante nela, foi uma beleza! E assim foi o meu primeiro encontro com a Carol.
Ela me chamou para entrar no estacionamento da casa dela; foi quando a gente deu o primeiro beijo. Foi no dia 23 de maio, foi exatamente o dia que a gente começou a namorar, e o dia que a gente se casou foi 23 de maio de 2015 que a gente casou.
Antes disso, [teve] um episódio em que ela foi celebrar o meu livro; ela já estava apaixonada por mim e eu não sabia, ela levou o livro para autografar, e aí eu levei… Eu saí do show no Norte Shopping com o Felipe Absalão e o Benvindo Siqueira; eu era convidado, na verdade eu era quase do elenco nessa época. Assinei o tal do livro, e quando eu a abracei o coração dela estava disparado. Eu falei: “Eita, então tem coisa aí, hein?” (risos) Foi aí então que eu convidei, eu também estava gostando dela. E aí foi, a gente começou a namorar. Com um ano e meio a gente ficou noivo, em três anos a gente casou, e com dois anos casados nasceu a Luísa.
(01:25:40) P/1 – E aí, me conta, como foi ser pai para você?
R – Ser pai para mim foi uma das experiências mais incríveis, inovadoras e fantásticas que já aconteceram na minha vida. Como eu falei no começo, eu sou uma pessoa antes e depois da Luísa, e depois de ter construído uma família, com toda certeza, uma pessoa muito diferente, muito mais completa.
A Luísa, de uma certa forma, veio restaurar toda essa questão paterna que estava aí aberta, eu acho, antes dela - acho não, tenho certeza. Ela veio restaurar tudo isso, me permitiu ser pai dela e isso para mim tem um peso, um valor incalculável na minha vida. Mudou até o meu jeito de ser, você começa a ficar… O fato de ser hipocondríaco agora. Eu fico muito preocupado com a saúde, minha, dela e da Carol, muito preocupado em não morrer. Eu me lembro da primeira vez que eu voltei a trabalhar, depois desse negócio da licença paternidade, no tribunal. Eu morava no Méier e presenciei um assalto a mão armada bem na minha frente, de carro. Não aconteceu nada no sentido de fatalidade, nem tiro, nem nada, mas aquele negócio de pega e bota, volta pra lá, volta pra cá e depois passa a polícia. Enfim, nem sei qual foi o desfecho, mas roubaram o cara. Cheguei em casa tremendo muito; abracei a Luiza chorando e o tempo todo eu pensava: “Eu não posso morrer.” Óbvio, ninguém quer morrer, mas eu pensava na minha filha imediatamente, e é muito louca essa mudança de chave automática que acontece.
É muita coisa, até no lado artístico eu passei a revalorizar
e ponderar muitas coisas, no sentido de que… Cara, se eu vou fazer um trabalho… Eu fiz recentemente, fora do estado. Pra ficar algumas semanas fora, ou dias, tem que valer muita a pena para mim, no sentido artístico, no sentido de ser uma coisa que eu acho interessante, acrescentar para a carreira; se for por fazer, eu não faço mais, porque o tempo de estar com a minha filha é muito caro para mim. Mesmo pagando, é caro para mim, eu não me sinto tão feliz fazendo coisas longe dela, entendeu? E muitas das vezes eu tento até conciliar, levá-la junto, ficar no hotel, porque depois de… Então é isso, a Luísa mudou a minha vida. Foi a coisa mais incrível que já aconteceu e continua acontecendo. É o aprendizado, é o estresse gostoso, uma preocupação gostosa, mas é algo muito mágico.
(01:29:11) P/1 – E pegando o gancho que você tinha falado sobre essas questões de preocupações com saúde, como foi para você esse período mais duro da pandemia? Agora as coisas estão ficando um pouco mais calmas, mas como é que ficou a sua saúde mental, como você enfrentou o isolamento durante aquele período mais restrito da pandemia?
R – Acho que ainda estou enfrentando uma cura, mesmo nesse momento mais brando. Eu já estou com todas as vacinas, minha esposa, minha filha também tomaram, ela já tem idade para isso. Inclusive, as duas chegaram a pegar covid - eu não peguei. Meu grande medo era esse e acabou acontecendo, mas foi supertranquilo graças a tudo isso, isso é certo.
A pandemia foi para mim um momento muito ruim, muito impactante. Talvez pela preocupação com a saúde da minha filha, a gente ficou realmente, extremamente isolado, do tipo não ver ser humano, só ver pela televisão e pelo celular. O tribunal ficou 100% remoto, eu ainda estou 100% remoto, porque a área de movimento toda está, na verdade. A gente descobriu que é até mais produtivo [trabalhar] remoto.
Trabalhei, nossa, loucamente, porque tudo cai em cima da TI, obviamente, nesse momento, mas foi muito ruim, porque assim, além de toda essa questão de isolamento, a gente não ia em parente, nem na casa da minha mãe, da minha sogra, nada, nada. Isso já foi um impacto, porque a gente sempre foi no final de semana na casa dos parentes e parou. E como deu para perceber, a minha vida sempre foi muito agitada; eu trabalhava presencialmente e voltava, volta e meia tinha gravações, essas geralmente eram a noite, show, stand-up… Sempre tinha show, eu estava sempre saindo com a Luísa, com a Carol, meus amigos. Eu sempre fui uma pessoa muito sociável, fazia cursos de aperfeiçoamento com o Thiago Grego, de ator, e depois fazia cursos com a Fátima Toledo, enfim, sempre estava me atualizando como artista, como ator.
A minha vida sempre foi muito agitada. Inclusive, quando começou a pandemia, no dia lá, eu cancelei dois a três shows, participações, e de uma hora para outra parou, fez ‘vuuuh’: não sai, não anda, não vê ninguém. Isso foi um baque muito forte para mim.
Eu cheguei a fazer análise, depois a gente chegou a fazer terapia de casal, eu e a Carol, porque não é algo muito… Ainda é, a gente ainda tem algumas sequelas, de uma certa forma, sobre isso. Eu ainda tenho algumas inseguranças de voltar, o presencial para mim ainda não é algo confortável, mas aos poucos eu estou meio que fazendo esse movimento, que tem que ser feito, porque agora já é outra realidade, graças a Deus. Então é isso, foi muito impactante e a gente está retomando um pouco essa nova realidade.
Passei mais tempo com a minha filha; ela foi a última a voltar para a escola, presencialmente falando. Esse ano não tinha escolha, mas no ano passado ela foi a última a voltar. Isso teve consequências em questões motoras que já estão sendo recuperadas - motora, física, equilíbrio, interação social. Mas é isso, são escolhas que a gente fez.
Recusei muitos programas na época da pandemia - programas interessantíssimos, muito bem pagos, artistas… O pessoal do escritório sabe que realmente eu não saía de casa mesmo, podia falar assim: “Ah você vai ganhar dois trilhões de dólares.” Não, eu não vou gravar, justamente por causa disso tudo, para eu ver a minha filha crescer, estar com a minha filha, e a possibilidade de ter um risco e vir a falecer para mim era extremamente... Não tinha preço mesmo, quando eu falo que não tem preço é que não tem mesmo, e não tinha. Obviamente, se eu não tivesse o tribunal e estivesse passando fome, é uma questão de morrer de fome, então não tem jeito; você tem que arriscar, mas eu tive o privilégio de não precisar fazer isso. Então foi isso, foi um momento muito duro, ainda tem consequências e ainda estamos nos recuperando devagarinho, mas vai dar certo.
(01:34:53) P/1 – E falando sobre trabalho, Leo, o que você acha que o seu exemplo pode servir para pessoas que também são portadoras de deficiência no mercado de trabalho?
R - Eu acho… Eu acho, não, eu tenho plena consciência da representatividade, da importância da representatividade e por isso que a gente tanto luta cada vez mais por isso. Por exemplo: você vai fazer um filme em que o personagem tem alguma deficiência, taí O Som do Coração, não é isso? Que ganhou o Oscar. Estou dando esse exemplo. Usem atores, existem atores com aquela deficiência, ao invés de usar atores que não têm a deficiência. Não é bobagem, é justamente isso que você está falando, é a representatividade, e o maior exemplo que eu tive disso eu até aguardei o print e uso às vezes nas minhas palestras.
Eu tenho displasia distrófica, como eu falei, e tenho, enfim, eventos, eu faço parte do Instituto Nacional de Nanismo. Conheci outras pessoas, porque o nosso grupo de WhatsApp só [tem] com pessoas com displasia, então são pais e mães que têm filhos e filhas com essa displasia. Adultos, até que tem poucos, infelizmente, mas têm displasia, então a gente troca informações, ajuda, orientações.
Na época, eu estava fazendo a novela Novo Mundo. Eu era o personagem Hércules, que é um personagem que não necessariamente falava sobre o nanismo. Era o dono de uma companhia, a questão de ser anão, ou não, não fazia a menor diferença. Achei bem legal. E aí uma mãe mandou isso no WhatsApp, porque pessoas com nanismo costumam ter problemas, sobretudo crianças com problemas respiratórios; muitas vezes precisam ser entubadas com a questão da displasia, enfim, em outras questões mais. A filha dela estava na UTI, se recuperando; se recuperou, graças a Deus, ela está bem hoje em dia. Ela mandou mensagem falando assim: “Os médicos viram você na televisão e falaram para mim: “Mãe, essa sua filha vai ser igual a ele, vai conseguir fazer tudo o que ela quiser.” Nossa, na época eu chorei pra caralho quando eu li aquilo. E aí caiu um pouco mais a minha ficha, porque qual é o meu lugar na terra? Não é à toa que eu e outras pessoas com nanismo estamos nesse lugar.
E por que eu ainda continuo buscando o meu talento, fazer filme? Obviamente que o prazer pessoal… Eu adoro fazer isso, mas como eu falei, é cara a questão da minha filha, por que eu continuo? Pô, eu tenho o meu emprego, óbvio que tem uma renda extra boa, mas não é isso, é justamente essa mensagem, entendeu? Essa representatividade tem a sua importância enorme, e eu nem tinha noção disso. Quando eu vi aquilo, falei: “Caramba, eu tenho que continuar aqui mesmo.” E foi isso, eu e outras pessoas, Giovanni Venturini, Juliana Caldas e outras tantas pessoas com nanismo - nacionais, sem falar os internacionais, têm que ter esse lugar. Então é muito importante, não só como inclusão no sentido de: “Ah, que legal, estou colocando uma pessoa com nanismo aqui.” Mais do que isso, é as pessoas olharem e se identificarem, e terem esperança de algo novo. Isso é fundamental.
(01:39:05) P/1 – A gente tá indo para as últimas perguntas. Quais são as coisas mais importantes para você hoje em dia, Leo?
R - Hoje as coisas mais importantes são a minha família, que inclui Carol, minha filha; também a minha mãe, minha avó. E saúde, hoje em dia tão cara, no sentido de que toda hora é colocada à prova.
Acho que [tem] outra coisa muito difícil hoje em dia, que é a paz, não só paz em termos de guerra, a Ucrânia etc. Também é importante, óbvio, mas a paz de espírito, a paz do ser humano, sabe? De empatia com o outro, de você poder ser quem você é, o outro poder ser quem ele é e está tudo bem. Você entender que é diferente e ter essa paz, ter essa paz de ser quem você é, expressar quem você é, expressar e o outro também, e ter esse respeito. Esses três pilares para mim são extremamente cruciais hoje em dia, que são os três mais atacados.
(01:40:33) P/1 – Quais os seus sonhos para o futuro, Léo?
R - Vixe! Como eu disse, um dos maiores que a gente constrói todo dia, que é a família, a Luiza. Outras coisas? Ainda tenho alguns sonhos, talvez consiga realizá-los, além de concluir a autobiografia. Fazer ainda alguns trabalhos, ou ver pessoas importantes da arte nacional com nanismo.
Eu tenho o sonho de ter um par romântico na televisão, na melhor novela, ou na melhor série, voltada para uma pessoa que tem nanismo. Hoje, a questão do nanismo não é levada em conta, o que conta uma história das pessoas… Eu tenho certeza que a sociedade já está mais do que preparada para isso; falta coragem dos roteiristas, coragem dos diretores de querer fazer isso. E também fazer o vilão. Pessoas deficientes não são idosos, não são pessoas boas por natureza; são pessoas e, como todas as pessoas, tem mau caráter, filhas da puta e tem pessoas boas. Então também fazer um vilão maneiro, alguma coisa assim.
Eu tenho muita vontade de ver isso na televisão, nos cinemas, nas séries, mas vamos ver, e abrir portas para vários atores aí.
(01:42:27) P/1 – Falando em abrir portas, pode ser que isso se inclua na sua resposta, mas vamos lá. Qual legado você gostaria de deixar?
R- Qual legado? Não sei se é muita ousadia falar isso, prepotência, acho que não, mas eu gostaria de deixar um legado que as pessoas consigam mudar o olhar para pessoas com nanismo, do tipo: “Olha, você não está falando com o Leonardo, que é anão. Não, você está falando com o Leonardo, que tem a história assim e assado, que estudou, que fez artes, que estudou Teologia, que estudou sei lá o que, que é uma pessoa que tem essas características boas, que tem características ruins, é ou não é um bom ator, e por causa disso vai receber esse papel.” Parar de ter esse preconceito do vitimismo, de: “Ah, coitado! Tem que colocar ele como anão, vamos fazer um papel legalzinho para ele ou vamos colocar esse papel, porque precisa ter alguém com nanismo aqui.” E também o inverso: “Não, o anão só pode fazer filme da Branca de Neve e acabou.”
É isso, eu acho que o meu legado é pessoas começarem a ver pessoas com nanismo como pessoas e não com a deficiência em primeiro lugar.
(01:43:57) P/1 – Então, vamos à última pergunta, Léo. Como foi para você contar hoje um pouco da sua história para a gente?
R- Eu, verdadeiramente… Como eu falei, é muito cara a questão do meu tempo, no sentido da minha esposa e tudo mais, mas eu realmente fiquei muito feliz em participar do projeto. Quando eu recebi o projeto, falei com o meu escritório e eles comigo, eu falei: “Cara, vamos embora, eu quero muito.” Como é legal você poder, além de contar a sua história… Tenho certeza que a maioria das pessoas não sabiam da minha história, enfim, até porque não tenho biografia, não tenho nada, então ninguém sabe da minha história, a não ser quem conviveu comigo. Mais do que isso, é você deixar registrado para sempre, como um filme, como uma peça de museu que não pega fogo, né? Porque senão estraga. (risos)
É você resgatar as trajetórias das pessoas, e como são as histórias das pessoas, a minha, a sua, a de diversas pessoas, além de se entrelaçarem, elas se ajudam. Você,
com a sua história, ouvindo a minha…
A minha história se engrandece, no sentido que você começa a ter uma percepção além do que eu falei. Pra você também tem um impacto, assim como para mim. Quando ouvir outras histórias terá impactos, sejam positivos ou negativos, mas terá impactos e todo impacto leva à transformação. Toda a transformação é fundamental, importante e necessária.
Fiquei muito feliz. Foi um déjà vu, foi tentar resgatar na minha memória coisas que, cara, nem estava aí, “deixa eu lembrar”. Às vezes eu me enrolava, mas foi muito prazeroso. As horas aqui passaram voando, e quando eu vi já acabou.
(01:46:16) P/1 – Bom, então em nome do Museu da pessoa, Léo, a gente agradece muito pelo seu tempo e pela conversa que a gente teve hoje.