Entrevista de Mariana Rodrigues Cerbelheira
Entrevistada por Luiza Gallo
São Paulo, 13/06/2022
Projeto: Inclusão e Diversidade - Ernst & Young
Entrevista número: PCSH_HV1217
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Mariana, pra começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R – Meu nome é Mariana, minha data de nascimento é dia treze de março de 1984 e eu nasci aqui em São Paulo. E faz 38 anos que eu moro nesse mesmo lugar, onde eu moro agora, hoje.
P/1 – Você nunca mudou de casa?
R – Nunca.
P/1 – E, Mari, te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R – Sim, a minha própria mãe.
P/1 – E como que foi?
R – No começo, quando ela descobriu que eu tinha a Síndrome de Down, foi meio complicado pra ela, no começo, que ela não conhecia direito essa deficiência e ela precisou pedir ajuda, algum conselho, da parte da turma de Conselhos de Pais e Amigos de lá da Apae [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais]. Daí teve uma moça que me aceitou lá na Apae e que ajudou a minha mãe, pra fazê-la entender, ter o conhecimento. E também por causa da minha própria deficiência o meu pai nunca me aceitou do jeito que eu sou e por causa disso eu sou filha de pais separados. Eu comecei a trabalhar cedo, com vinte anos de idade.
P/1 – E, Mari, a sua mãe ficou sabendo da síndrome de Down antes do seu nascimento ou no dia do nascimento?
R – Não, depois que eu nasci. A primeira pessoa que ficou sabendo foi a minha tia, a irmã mais velha da minha mãe.
P/1 – E você se dá bem com sua tia?
R – Sim. A minha tia é como se fosse minha segunda mãe também.
P/1 – E você sabe como o seu nome foi escolhido?
R – Sim. É por causa da nossa religião, da nossa família, que Maria é filha de Ana, na parte da nossa religião. Daí misturaram Maria com Ana, Mariana.
P/1 – E qual é o nome da sua mãe?
R – É Leonice.
P/1 – E como você a descreveria pra gente?
R – Minha mãe? O que eu posso te dizer é que ela é boa mãe pra mim, eu admiro muito a minha mãe, ela é tudo na minha vida. Ela não é só mais do que uma mãe, pra mim. Ela é minha mãe, minha parceira, minha companheira, minha psicóloga da vida e minha melhor amiga, de todas as horas, sempre nas horas que eu mais preciso.
P/1 – E você chegou a conhecer seu pai?
R – Sim.
P/1 – Qual é o nome dele?
R – Sim, mas foi no momento mais difícil da minha vida, que eu até cheguei a ter depressão profunda logo depois da separação, por causa de bebida que eles se separaram.
P/1 – Quantos anos você tinha, quando eles se separaram?
R – Eu tinha nove anos.
P/1 – E você lembra bastante coisa dessa época?
R – Sim, eu lembro.
P/1 – Como era? O que você se recorda desse período?
R – Era quando o meu pai chegava bêbado em casa e foi daí que a minha mãe descobriu que ele traía a minha mãe com outra.
P/1 – E você sabe como eles se conheceram?
R – Não, não sei. Essa parte quem sabe mais é a Carol, a minha irmã.
P/1 – E com o que eles trabalham?
R – Na verdade, a minha mãe trabalha numa escola, na parte de educação infantil e é com ela que eu aprendo como trabalhar com Recursos Humanos, que ela trabalha em Recursos Humanos também. E ela também é aposentada, ao mesmo tempo.
P/1 – E, Mari, a sua família tem costume, o hábito de comemorar alguma data específica, ou fazer sempre a mesma comida?
R – Não. Sempre é bem diferente, quando é época de aniversário, quando é época de Natal e quando é época de virada de ano.
P/1 – Vocês sempre comemoram juntos?
R – Sim. É mais o Natal que a gente passa juntos e quando é época de aniversário, porque logo depois que eu comecei a namorar, eu sempre passo mais com meu namorado a virada do ano.
P/1 – E como são esses aniversários e o Natal?
R – A gente comemorava mais o Natal na praia, lá na casa da minha outra tia, que é a irmã mais nova da minha mãe, e aniversário depende do aniversário da pessoa. Agora foi aniversário do João Pedro, o meu sobrinho mais velho. Ele está virando um mocinho agora, acabou de completar sete anos de idade, que foi feito lá na casa nova da minha irmã, que agora, hoje, ela é vizinha do meu namorado, lá na Granja Viana.
P/1 – E o que você sabe sobre a origem da sua família?
R – Eu só sei da parte do meu sobrenome Rodrigues, que é italiano e da parte de Cerbelheira tem uma parte que é da família do meu pai, que são portugueses e também da parte da família da minha mãe, que são espanhóis.
P/1 – E você sabe um pouquinho mais como eles vieram pro Brasil, ou não?
R – Não, não sei.
P/1 – E você conhece a história dos seus avós?
R – Não, não conheço. Inclusive faz muitos anos que eu perdi meu avô, que era meu padrinho de crisma.
P/1 – Era o seu avô materno?
R – Materno.
P/1 – E você se lembra de alguma história com ele?
R – Sim, no dia do meu aniversário.
P/1 – De quantos anos?
R – No dia do meu aniversário eu acho que era perto de... eu estava quase saindo dos vinte e entrando nos trinta, por aí. Acho que é por aí. Que eu fui dar o meu primeiro pedaço do meu bolo pra ele.
P/1 – E ele gostou?
R – Sim.
P/1 – E da sua vó, você lembra de alguma história com ela, algum momento que vocês ficam juntas?
R – Eu tinha duas avós: a mãe do meu pai, que morreu e também agora eu tenho a minha outra vó, a mãe da minha mãe.
P/1 – E vocês se veem bastante?
R – Sim, a minha vó sempre vem, todos os domingos. A gente sempre faz um almoço diferente. Sempre, todos os domingos. E agora que comecei a trabalhar como híbrido, a minha tia que faz a comida de domingo e fica pra semana inteira, pra eu poder almoçar, por causa do meu trabalho, eu comecei a trabalhar híbrido. Eu não tenho dia certo pra trabalhar, ou no escritório, ou em casa.
P/1 – Que delícia! E sua tia cozinha bem?
R – Sim.
P/1 – Que comida você mais gosta que ela faça?
R – Strogonoff de frango. Adoro!
P/1 – E, Mari, você contou que tem uma irmã.
R – Tenho uma irmã mais velha, que agora, hoje, ela me deu o meu melhor presente da minha vida: meus dois sobrinhos, por eu ser tia de dois meninos. Era uma coisa que eu sempre quis: ser tia de dois meninos.
P/1 – E você lembra quando ela te contou que estava grávida?
R – Lembro. Eu participei em tudo do nascimento do João Vitor, meu sobrinho mais velho.
P/1 – Conta pra gente como foi essa sua participação.
R – Ah, eu fiquei mais perto do vidro, vendo-o saindo da barriga da minha irmã, depois eu o vi no colo do meu cunhado. Depois, quando chamaram minha mãe e eu, a gente ia entrar no quarto, eu fui a primeira pessoa a pegá-lo no colo. Agora, hoje, eu tenho uma foto minha com ele no colo, no [dia do] nascimento dele.
P/1 – E como você se sentiu?
R - Ah, eu não sei como explicar. Eu só sei que eu me senti muito mais do que uma tia pra ele, sabe? Como se fosse uma mãe pra ele, uma segunda mãe.
P/1 – Quantos anos ele tem?
R – Ele acabou de fazer sete anos, agora em maio.
P/1 – E tem alguma coisa que vocês gostam de fazer juntos?
R – Sim.
P/1 – O que é?
R – Assistir o desenho da Família Madrigal, que ele gosta muito. E também ele gosta muito do seriado dos Detetives do Prédio Azul.
P/1 – E o seu sobrinho mais novo?
R – Eu não participei do nascimento dele. Eu só o conheci depois.
P/1 – Mas vocês também se dão bem?
R – Sim. O João Pedro tem primeiro nascimento do que o Miguel e toda vez, quando eu peço um beijo do João ele demora pra me dar, daí eu peço pro Miguel e vem os dois (risos) pra cima de mim.
P/1 – E a sua relação com a sua irmã?
R – É boa, muito boa. Só agora que a gente está meio distante, logo depois que ela casou. Eu ainda choro um pouquinho. Eu ainda sinto falta dela.
P/1 – É de saudade?
R – Não, de tudo. Eu sinto falta de tudo, da nossa convivência, porque foi com ela que eu aprendi a viver a vida, a amar a minha vida e a me aceitar mais quem eu sou de verdade.
P/1 – Você lembra de alguma conversa marcante que vocês tiveram?
R – Foi num dia quando parou a ‘força’ aqui na minha casa, que ela me ensinou que um dia, quando parar a ‘força’ aqui em casa e eu estiver sozinha, eu sempre fico mais quieta no meu canto, aqui no meu quarto, de eu não fazer nada de barulho e de eu sempre ficar mais perto do meu próprio celular, pra quando eu precisar, eu posso contar com ela.
P/1 – E na infância, que recordações você tem dessa convivência com a sua irmã?
R – Quando ela era bailarina, ela dançava balé clássico e foi através dessa dança que ela dançava que eu comecei a ter uma vida também como bailarina de lá da Apae, que agora, hoje, eu sou... como fala? Bailarina profissional de balé clássico da Apae São Paulo.
P/1 – Com quantos anos você começou a dançar?
R – E eu já ganhei um troféu de melhor dança de balé clássico, lá no Teatro Sérgio Cardoso.
P/1 – Com quantos anos você começou a dançar balé?
R – Eu era bem pequenininha. Acho que eu tinha uns nove, dez aninhos. Eu até realizei o maior sonho da minha vida, de dançar a valsa com meu avô, antes de morrer, na minha festa de quinze anos.
P/1 – E você ainda dança?
R – Sim.
P/1 – E você gosta de dançar?
R – Sim, adoro, sempre gostei. Lá na Apae eu não fazia só isso, eu fazia outras aulas de dança diferentes também. Eu também já fui atleta, por um bom tempo.
P/1 – Me conta mais, então, que outras danças você já fez?
R – Eu já fui atleta, por um bom tempo. Eu fazia ginástica olímpica e ginástica artística, junto com… Como fala aquele negócio de pano, com varal junto, com bola, que eu dançava também e com água. É isso.
P/1 – E tinha... você se apresentava?
R – Sim, eu viajava junto com eles pra vários lugares.
P/1 – E qual foi a viagem mais marcante?
R – Foi em Itu.
P/1 – Foi pra onde?
R – Pra Itu.
P/1 - Por que foi marcante pra você?
R – Porque eu sofri um acidente lá em Itu e foi meu ex-namorado que me salvou.
P/1 – Como que foi?
R – Sério. Eu fui dar uma corridinha pra pular do trampolim pro cavalo e dar um salto de atleta e o cavalo me puxou e foi daí que eu sofri um acidente. Daí o meu ex-namorado viu a queda e foi lá, pra poder me ajudar, pra me levantar. E era pra eu ganhar uma medalha de ouro e eu acabei perdendo.
P/1 – E você se machucou?
R – Sim. Eu até precisei ir pro hospital. Logo depois daí que a minha mãe pediu pra eu parar de fazer isso e eu comecei a dançar o balé clássico e não só balé clássico, eu também comecei a dançar, fazer aula de dança de... como que fala? Axé.
P/1 – E nas aulas de dança, teve alguma que foi marcante pra você? Você lembra de alguma história?
R – Foi quando eu vim me apresentar com o balé clássico, lá no palco do Teatro Sérgio Cardoso, que eu fui reconhecida com a melhor dança que eu tive, de melhor dança de balé clássico da história da camponesa Gisele, que eu dançava com um amigo. E foi aí que apareceu o [Carlos] Tramontina, pra fazer uma entrevista comigo, lá.
P/1 – Essa foi sua primeira entrevista?
R – Foi, com o Carlos Tramontina, do Jornal Nacional, da Rede Globo.
P/1 – E como você se sentia dançando?
R – Ai, eu me sentia igualzinha uma atriz que eu gosto muito, de uma novela bem antiga, da Rede Globo, que eu já trabalhei com o Projac dessa novela, na Rede Globo. E essa atriz que eu estou falando é a Priscila Fantin, que faz o papel principal na novela.
P/1 – Qual é a novela?
R – Da novela Alma Gêmea. Uma novela bem antiga, da Rede Globo.
P/1 – E Mari, você falou que nunca mudou de casa, que você ficou na mesma casa desde que nasceu. Como era na sua infância? Era exatamente igual a hoje?
R – Não, bem diferente. Quando meu pai comprou aqui era uma casa bem deserta. A gente morava perto de bichos, animais selvagens. E eu também tive um primeiro animal selvagem aqui na minha casa, na época, e o primeiro animal foi um macaco, que eu tive, na minha infância.
P/1 – Ele morava aí com vocês?
R – Morava.
P/1 – E qual era o nome dele?
R – Não lembro agora. (risos) Faz muito tempo!
P/1 – E ele ficou muito tempo com vocês?
R – Sim.
P/1 – E o que você mais gostava de fazer na sua infância, de brincar?
R – Eu gostava de brincar de boneca. E a primeira boneca que eu tive foi a Mônica, da Turma da Mônica, que eu gostava muito. E também tive um momento bem marcante na minha vida, nessa época, da minha mãe me levar no Show da Xuxa pela primeira vez e a Xuxa me pegou no colo.
P/1 – Então você ouvia músicas da Xuxa, nessa época?
R – Sim. Eu gostava muito das músicas dela.
P/1 – Tem alguma que você gostava mais, você lembra?
R – Eu lembro uma vez de um aniversário, acho que era de cinco anos, eu dançava a música Ilariê, da Xuxa, nesse mesmo dia.
P/1 – Que programas de TV você assistia? Ou filmes.
R – O que eu mais gostava era o programa do Renato Aragão com a Xuxa, que eu gostava muito.
P/1 – E nessa época, ainda pequenininha, você pensava no que você queria ser quando crescesse?
R – Não.
P/1 – E Mari, ainda novinha, você se lembra quando seu pai deixou a sua casa e seus pais se separaram?
R – Sim, essa parte eu lembro.
P/1 – E como foi esse período pra você, pra sua irmã?
R – Eu entrei em choque, comecei a chorar muito. E por causa disso a minha mãe precisou me colocar pra eu morar com a minha vó e com meu avô. Que a minha mãe sempre me culpava em tudo, ela não queria me deixar participar de tudo. Ela sempre deixava a minha avó e o meu avô cuidarem de mim. Por isso que agora, hoje, sofro muito ainda com a morte do meu avô.
P/1 – E como foi esse período pra você, de ficar com eles, com os seus avós?
R – Foi mais um alívio.
P/1 – E sua irmã foi junto ou ficou com a sua mãe?
R – Não, era só eu. A minha irmã que participou mais de tudo, do que aconteceu.
P/1 – E sua rotina mudou ou continuou a mesma?
R – Como assim?
P/1 – Depois da separação dos seus pais, a sua vida mudou muito, seu dia a dia, ou não?
R – Sim. Logo depois que eu fiz vinte anos, que eu estava, na época, fazendo um estágio na loja Reboliço, com roupas femininas. Ali perto do metrô estação Santa Cruz, na [Rua] Luis Góis.
P/1 – Ali sua vida mudou, é isso?
R – Foi daí que a minha vida mudou.
P/1 – Por que mudou?
R – Porque eu precisei começar a trabalhar cedo. Foi a minha irmã que me treinou pra eu aprender a ser mais independente e andar sozinha pela rua, que agora, hoje, faz quinze anos que eu ando sozinha na rua. De táxi, de ônibus e de metrô. Eu até tive o momento mais difícil da minha vida, quando eu trabalhava na Câmara Municipal, no meio dos políticos, que eu escutava muito os vereadores falando palavrão. Eu nunca trabalhei no meio de pessoas só falando palavrão. E eu caía muito, em vários buracos na rua de lá do Centro.
P/1 – E, Mari, foi então sua irmã que te ajudou nessa independência?
R – Sim.
P/1 – E como que foi?
R – Foi daí que minha irmã ‘jogou’ todos os meus currículos em várias empresas. Eu trabalho com a inclusão. E foi daí que eu fui convidada pra trabalhar em dois lugares: uma foi no Google e a outra foi na empresa da EY, que já era o ano de 2012. Daí eu tive que fazer uma escolha, pra eu trabalhar ou na empresa do Google ou na empresa da EY.
P/1 – Antes de saber mais detalhes sobre os seus vários trabalhos, queria voltar para quando a sua irmã estava te ajudando a andar sozinha na rua, que momento…
R – Então, foi nessa época.
P/1 – Foi em 2012?
R – Foi nessa época, 2012.
P/1 – E como foi esse período?
R – Foi meio difícil no começo, que minha mãe não queria deixar, ficou com medo, que ela pensou que eu não ia conseguir ter essa independência, que ela achava que eu não ia ter um futuro melhor. E eu sempre mostrei tudo ao contrário de tudo isso pra ela.
P/1 – E quais eram as dificuldades?
R – Eram essas coisas. Daí comecei a mostrar tudo ao contrário de tudo isso pra ela, o que ela pensava.
P/1 – E como foi pra você essa sensação de independência?
R - Aí, eu senti um sentimento bem diferente, que agora, hoje, eu precisei fazer terapia, por causa disso.
P/1 – Por que, Mari?
R – Porque foi muito difícil pra mim e só a terapia que podia ajudar.
P/1 – E quais eram... difícil por quê?
R – Não sei como explicar, desculpa.
P/1 – Imagina! Imagina! Mas teve um lado que você ficou feliz?
R – Sim.
P/1 – Foi um mix de sentimentos?
R - Eu acho que é por causa da minha... como se fala? Do meu jeito, na parte da minha ansiedade, sabe? É isso.
P/1 – E voltando um pouquinho, ainda na sua infância, onde você estudou?
R – Na Apae São Paulo.
P/1 – E qual é a sua primeira lembrança da escola?
R – Foi quando eu ‘aprontava’. (risos) Pela primeira vez, pra fazer contas de matemática.
P/1 – Como foi essa história?
R – Foi bem engraçado. A professora pediu pra eu fazer uma conta de matemática ‘de cabeça’ e precisava falar na hora quanto dava aquela conta de matemática, de ‘cabeça’. E por causa disso (risos) eu tentei enganá-la e pedi um tempo pra eu pensar. Daí, quando eu falei isso pra ela, ela ‘pulou’ pra outra pessoa, até eu acabar de pensar. Quando ela ‘pulou’ pra outra pessoa, eu não estava mais na mesa (risos). Eu não estava mais sentada na cadeira, eu estava debaixo da mesa, até dar o horário do recreio.
P/1 – Então você ‘aprontava’, na escola?
R – Sim. (risos) Isso sim. Nessa parte, sim.
P/1 – E os seus colegas de sala?
R – Como assim?
P/1 – Você tinha amigos na escola?
R – Sim, eu tinha amigos.
P/1 – Você se lembra de algum em especial?
R – Sim, eu me lembro do Alê, que é meu amigo.
P/1 – Como ele era?
R – Toda vez, quando eu ‘aprontava’, ele sempre ia atrás, que ele me achava. Ele era o único que sempre me achava.
P/1 – Ele era seu amigo mais próximo?
R – Sim, ele era.
P/1 – E professores, Mari, você lembra de algum que tenha te marcado?
R – Sim, eu lembro da professora Tânia, que eu lembro que eu fazia curso de bijuterias com ela.
P/1 – E por que ela foi importante pra você?
R – Porque foi ela que conseguiu emprego pra mim, pra eu trabalhar com bijuterias, quando eu fazia o curso com ela.
P/1 – E tinha alguma matéria preferida?
R – Sim. Era de Português. Eu gostava muito, na parte de escrita, que agora, hoje eu trabalho com isso, lá na EY.
P/1 – Eram redações?
R – O que foi?
P/1 – Eram redações que você escrevia?
R – Não, depende do tamanho do texto. É que lá na Apae a gente sempre faz comemorações de vários dias de feriados. Daí, com isso, precisava fazer uma matéria de Português pra contar uma história, o que significa pra gente esse tal dia de feriado. É isso.
P/1 – Teve algum feriado marcante?
R – Sim. Era o feriado do Dia das Mães, que fizeram uma turma de lá da Apae pra gente cantar uma música em homenagem ao Dia das Mães.
P/1 – Foi um dia especial pra você?
R – Foi. E eu fui a escolhida pra dar rosas vermelhas pra minha mãe, no dia, o que marcou muito em mim.
P/1 – E a sua irmã, também estudava nessa escola?
R – Na Apae, não. A escola que a minha irmã estudava é na escola que agora, hoje, a minha mãe trabalha. Hoje a minha irmã trabalha numa empresa da mesma coisa que ela fazia faculdade, de lá da escola que hoje a minha mãe trabalha.
P/1 – E como você ia pra escola?
R – Eu ia de perua, com mais amigos dentro da perua.
P/1 – E Mari, a sua experiência escolar como que foi, foi gostosa? Você tem boas recordações desse período?
R – Sim. O que mais isso que você falou pra mim foi numa época de festa junina, de lá da Apae, quando eu fui dançar com um dos meus ex-namorados, na época era a música que é a Festa de Rodeio que eu dancei com ele e nesse mesmo dia a minha mãe trabalhou como voluntária, na parte de Conselho de Pais e Amigos e eu ajudava a minha mãe pra fazer cachorro-quente, lá na festa junina. Que agora, hoje, eu aprendi a tirar o meu medo de fogão e eu não preciso mais da minha mãe pra fazer salsicha pra mim.
P/1 – Você tinha medo de fogão?
R – Sim, no começo, sim. Logo depois que a minha irmã me ensinou algumas coisas pra fazer no fogão, eu aprendi com ela.
P/1 – Essa irmã é uma parceira!
R – Sim e não só por ela, também por causa de curso de cozinha que eu fiz, um ano atrás, também.
P/1 – Como que foi esse curso?
R – Mas esse curso de cozinha não me ajudou em nada, porque sempre me jogaram pra eu trabalhar em Mc Donald 's, por causa do curso de cozinha, e eu sempre falo: “Minha vida não é trabalhar em cozinha. Minha vida é trabalhar em escritório”.
P/1 – Você falou isso pra eles?
R – Hum hum. Minha vida não é trabalhar em cozinha, em nenhum lugar de cozinha. Se for só pra eu mexer em cozinha, só se for na cozinha da minha casa. Agora, pra eu trabalhar, minha vida é eu trabalhar em escritório. Sempre foi em escritório. E minha primeira empresa em escritório foi na Rede Globo, que foi meu primeiro emprego trabalhando registrada.
P/1 – Vamos chegar lá, vou te perguntar do seu primeiro emprego, mas antes queria saber como seguiu a sua formação. Você sempre ficou nesse colégio, ou chegou a mudar de colégio?
R – Não. Na Apae eu comecei na parte do teste do pezinho, até na parte de curso de preparo do mercado de trabalho e logo depois que eu fiz vinte anos o meu primeiro emprego foi em supermercado. Meu primeiro emprego, não, meu primeiro estágio, que era a minha primeira experiência de trabalho.
P/1 – E me conta uma coisa: como foi esse curso de inserção no mercado de trabalho, na escola?
R – Como assim? Desculpa.
P/1 – Você comentou que na Apae vocês tinham um curso de inserção no mercado de trabalho, não é isso? Ou entendi…
R- Isso.
P/1 – Como foi?
R – Daí tinha de cozinha; da parte de artes; da parte de canto, música; também tinha da parte de bijuterias; e de escritório e a gente precisava fazer uma história nessa parte e eu sempre falava que o meu maior sonho na minha vida é que eu trabalhasse numa empresa e pra eu ser gerente de alguma empresa.
P/1 – Então você fez um curso de escritório?
R – Daí me puseram pra fazer curso de escritório.
P/1 – E você lembra de alguns aprendizados dessa época?
R - Sim.
P/1 – Quais são?
R – Foi na Rede Globo e na Câmara Municipal dos Vereadores.
P/1 – E como foram essas experiências na Rede Globo?
R – Na Rede Globo a minha experiência foi de eu trabalhar na parte do Projac, na parte de documentos lá no Projac, de envelopes. E também na parte de correio.
P/1 – E você trabalhava de casa, ou não, era presencial?
R – Não, sempre fui lá. Nessa época não tinha pandemia.
P/1 – E era no Rio de Janeiro mesmo, ou era aqui em São Paulo?
R – Aqui em São Paulo. Ali perto do metrô, da estação Paraíso.
P/1 – E você gostou dessa experiência?
R – Sim.
P/1 – O que você mais gostou?
R – Foi num evento que eu participei com a turma da Rede Globo. O que marcou mais em mim foi quando o Faustão chegou perto de mim.
P/1 – E você falou com ele?
R – Sim. Ele até apontava o dedo dele no meu nariz, brincando com meu nariz. (risos)
P/1 – E na Câmara?
R – Na Câmara foi uma experiência bem difícil, uma época que eu trabalhava no meio dos políticos, daí tinha várias discussões, um monte de gente falando palavrão, essas coisas. E eu não era feliz, que lá não tinha muito serviço pra fazer.
P/1 – Você ficou muito tempo lá?
R – Fiquei sete anos.
P/1 – E como foi?
R – Não era muito feliz, eu não gostava muito. Ficava muito tempo parada, sem fazer nada de serviço. Eu só ajudava a levar coisas para o vereador, lá no plenário. E foi daí que eu tive a minha primeira experiência de conhecer o Geraldo Alckmin. Ele foi super bonzinho comigo.
P/1 – E Mari, qual foi seu primeiro trabalho?
R – Foi em supermercado.
P/1 – Você tinha quantos anos?
R – Dezenove anos.
P/1 – E como foi, pra você?
R – No começo foi legal, eu gostava muito, mas depois eu comecei a não gostar muito, não. Era muito cansativo. O que eu mais gostava mesmo era da parte das moedas, que eu recebia de ‘caixinha’. Agora, a parte que eu não gostava muito era a de peso, que eu carregava muito peso.
P/1 – Qual era sua atividade, lá, que você fazia? Qual era a sua função?
R – Então, nessa parte de peso. Eu mexia com mercadorias e eu jogava tudo em sacolas, sabe? E eu sempre colocava no carrinho e de lá levava o carrinho até o carro do cliente.
P/1 – Você ficou bastante tempo nesse trabalho?
R – Não.
P/1 – Aí depois você foi pra Rede Globo?
R – Não. Tive outras experiências ainda, em outros lugares.
P/1 – Quais?
R – Depois do supermercado eu já trabalhei em creche, com crianças.
P/1 – Como foi?
R – Eu também ‘levo jeito’ com crianças.
P/1 – O que você fazia? Você brincava com as crianças?
R – Não, não podia brincar com as crianças.
P/1 – O que você fazia?
R – Eu só dava banho nos bebês, dava ‘papinha’ pros bebês e fazia os bebês dormirem, no caso de bebês.
P/1 – E você lembra de alguma história de alguma criança?
R – Sim, eu lembro de uma criança que fazia carinho em mim, que eu acabei dormindo junto com eles. (risos) Pois é. (risos)
P/1 – Você ficou bastante tempo nessa creche?
R – Não. Era _____, de um mês.
P/1 – E depois?
R – Daí depois da creche eu trabalhei numa loja de roupas femininas.
P/1 – E ficou bastante tempo, ou também não?
R – Também não. Só um mês.
P/1 – E foi uma experiência como? Boa, não tão boa…
R – Foi boa. Eu gostei. O único problema pra mim foi na parte de organização, que eu não sou muito organizada com as coisas, eu sou mais bagunceira, então, por causa disso, isso que deixou mais marcante pra mim.
P/1 – E depois da loja?
R – Depois da loja, deixa eu ver se eu lembro, espera aí. É, só foi o mercado; foi depois na creche; foi na loja; depois da loja eu trabalhei num laboratório de lá da Apae.
P/1 – Como era? O que você tinha que fazer lá?
R – Eu precisava ajudar na parte de curativos e medicamentos.
P/1 – Ficou quanto tempo?
R – Um mês, também.
P/1 – E depois?
R – Daí depois eu fiquei fazendo estágio fora e aulas dentro da Apae. Era de meio período. Fazendo estágio e meio período estudando na Apae.
P/1 – Eram aulas normais?
R – Sim.
P/1 – Ou eram atividades extracurriculares, nesse sentido?
R – Não, eram aulas normais.
P/1 – E aí você foi fazer o estágio na Rede Globo e na Câmara?
R – E foi daí que eu precisei me desligar da Apae.
P/1 – Por quê?
R – Porque eu comecei a trabalhar por conta própria, porque a mãe de um amigo meu que me indicou para o vereador. Foi por conta própria.
P/1 – A Rede Globo foi pela Apae?
R – Foi. Meu último emprego foi na Rede Globo.
P/1 – E esses trabalhos que foram por meio da Apae, qual foi o mais marcante, pra você?
R – Pra mim foi mais na creche, com crianças. E foi na Rede Globo, quando eu conheci o Rodrigo Faro, que eu estava sozinha num lugar pra dar entrega de correspondência do Projac e de novelas, e de repente apareceu o Rodrigo Faro pra pedir alguma coisa lá e eu estava sozinha e eu precisava atendê-lo. Daí num momento cheguei pra ele e falei pra ele que eu tinha vontade de tirar uma foto minha com ele. Nesse meio tempo tocou o telefone, daí eu cheguei pra ele e falei: “Rodrigo, espera só um pouquinho, que o telefone está tocando, é rapidinho”. Daí eu fui atender o telefone, era o Antônio Fagundes me perguntando como poderia fazer pra procurar a entrega de um malote, de uma caixa de correspondência, do Projac, de uma novela que já estava quase pronta pra começar a ser gravada, lá na Rede Globo. Quem foi chamado pra fazer? O Antônio Fagundes. Logo na hora que eu fui atender o Antônio Fagundes, eu não aguentei, chorei na hora.
P/1 – De emoção?
R – De emoção mesmo. Pois é. E foi daí que apareceu meu chefe. Eu cheguei pra ele e falei: “Termina aqui com o Antônio Fagundes, pra mim, por favor, pra eu poder terminar lá com o Rodrigo?” Daí ele falou: “Tudo bem” e me deu parabéns ainda! E a única coisa que me marcou mais na Rede Globo foi de uma entrevista que eu fiz, que eu fui convidada pra aparecer no canal Futura, da Net, comigo falando sobre a minha experiência de trabalho de lá da Rede Globo.
P/1 – E você participou da novela Alma Gêmea?
R – Não.
P/1 – E Mari, como foi sua festa de quinze anos?
R – Ah, foi legal, foi gostoso. Foi um sonho na minha vida. Pra mim foi um dia de princesa. (risos)
P/1 – Como que foi? Você se arrumou, foi de vestido?
R – Sim. Eu fiquei com um vestido de debutante, com uma luvinha na mão, igualzinha a Maria Joaquina, da novela Carrossel, sabe? De luvinha na mão. Assim. Eu era morena, tinha cabelo enrolado. Pois é.
P/1 – E seus familiares e amigos foram pra festa?
R – Sim. E eu precisava dançar valsa com três pessoas: com um menino que eu namorava, na época; eu dancei a valsa com meu pai; e dancei a valsa com meu avô, que era meu padrinho de crisma.
P/1 – E como você começou a namorar?
R – Eu comecei a namorar com nove anos de idade. Eu era bem novinha, nove anos de idade.
P/1 – Qual era o nome dele?
R – O meu primeiro namorado?
P/1 – Sim.
R – Era Rodrigo.
P/1 – E vocês ficaram bastante tempo juntos?
R – Sim, sete anos. E ele também foi o padrinho do casamento da minha irmã, junto comigo. Agora, hoje, eu virei madrinha solteira do casamento da minha irmã.
P/1 – Ele foi seu primeiro namorado. Tiveram outros?
R – Sim. Depois dele, sim.
P/1 – Quem que foi?
R – Não sei como explicar.
P/1 – Foram vários?
R – Não sei como explicar. Era só paquera.
P/1 – Tá.
R – Era só paquera, você sabe?
P/1 – Sim.
R – Só paquera. A gente começou paquera daquele tipo da mãozinha, sabe? Alguns ‘selinhos’.
P/1 – E na adolescência, já um pouquinho mais velha, que lembranças você tem desse período?
R – Minha adolescência? Foi quando eu comecei… foi quando eu fiquei sabendo que eu estava num momento de sair da escola. Foi num momento que eu saí da escola e entrei no mercado de trabalho.
P/1 – De mais responsabilidade, né?
R – É. Que agora, hoje eu ganhei, viu? Você podia ver.
P/1 – O quê?
R – Que agora, hoje, eu ganhei um monte de responsabilidade.
P/1 – Como foram essas transformações, na sua vida, perceber que você estava crescendo?
R – Foi uma experiência nova pra mim. No começo eu ‘deixei rolar’, quis viver a vida. Tudo que for acontecer, vai acontecer. É isso.
P/1 – E aí seu primeiro trabalho sem a Apae foi na Câmara?
R – Na Câmara Municipal.
P/1 – E depois, Mari?
R – Depois que eles entraram em dedetização, na Câmara Municipal, fiquei uma semana em casa, sem poder ir e eu virei cantora de coral na prefeitura.
P/1 – Tem alguma música que você queira cantar pra gente?
R – Ah, não sei. Se puder…
P/1 – Se não quiser, não precisa.
R – Se puder, tudo bem, eu canto.
P/1 – Pode. Você que manda.
R – Tudo bem. Mas de cabeça não vou lembrar, preciso pegar meu celular. Desculpa, era uma moeda que caiu da minha bolsinha. Vou pegar aqui meu celular, tudo bem?
P/1 – Claro!
R – Que eu faço aulas de música online.
P/1 – Ainda hoje?
R – Hum hum.
P/1 – Que demais!
R – É. Logo depois que eu parei, passou aulas de música online. Eu até lembro o nome da música, até hoje.
P/1 – Qual é o nome?
R – É O Trem das Onze que eu cantava. É que sempre aparece isso no meu celular.
Quais, quais, quais, quais, quais, quais
Quaiscalingudum
Quaiscalingudum
Quaiscalingudum
Quais, quais, quais, quais, quais, quais
Quaiscalingudum
Quaiscalingudum
Quaiscalingudum
Não posso ficar nem mais um minuto com você
Sinto muito, amor, mas não pode ser
Moro em Jaçanã, se eu perder esse trem
Que sai agora, às onze horas
Só amanhã de manhã
E além disso, mulher, tem outra coisa
Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar
Sou filho único
Tenho minha casa pra olhar
Não posso ficar nem mais um minuto com você
Sinto muito, amor, mas não pode ser
Moro em Jaçanã, se eu perder esse trem
Que sai agora, às onze horas
Só amanhã de manhã
E além disso, mulher, tem outra coisa
Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar
Sou filho único
Tenho minha casa pra olhar
Sou filho único
Tenho minha casa pra olhar
Quais, quais, quais, quais, quais, quais
Quaiscalingudum
Quaiscalingudum
Quaiscalingudum
Quais, quais, quais, quais, quais, quais
Quaiscalingudum
Quaiscalingudum
Quaiscalingudum
Quaiscalingudum
É essa música que eu cantava.
P/1 – Muito lindo! Obrigada! Então era essa a música que você cantava no coral?
R – Lá no coral da prefeitura.
P/1 – Tinha muita gente? Como que era?
R – Tinha. A gente fazia várias apresentações, em vários lugares, pra lutar pelos direitos das pessoas com deficiência, de vários deficientes e também na parte de raças e cores, que a gente também trabalhava na época. E também foi minha primeira experiência comigo viajando com eles lá pro Rio de Janeiro, na praia de Copacabana.
P/1 – Como foi?
R – Foi na praia de Copacabana e Flamengo, lá no Rio de Janeiro.
P/1 – E como foi essa viagem?
R – Foi legal. Uma viagem bem legal. Gostei muito.
P/1 – E, Mari, teve alguma apresentação com coral que foi muito importante pra você?
R – Sim. Lá no meu trabalho, quando eu trabalhava com o vereador, na Câmara Municipal, e eu precisei me apresentar na frente de todos os políticos, pela Assembleia.
P/1 – Você ficou animada, ansiosa?
R – Não, não fiquei, não, já era acostumada, por causa da Apae, que eu também já fui cantora de coral de lá da Apae.
P/1 – E depois do coral pra onde você foi?
R – Depois nunca mais. Que a minha irmã começou a entregar vários currículos meus em várias empresas que trabalham com a inclusão. E foi uma briga com eles, por causa disso, que eles não queriam que eu saísse do coral, que eu fazia o maior papel da minha vida lá: eu cantava, fazia aula de violão, tocava flauta doce lá, e agora precisei parar. Eu até precisei colocar a minha mãe no meio, pra minha mãe poder explicar que a minha vida não era fácil, era difícil logo depois que meu pai saiu de casa e a minha mãe só dependia de mim, logo depois que meu pai saiu de casa, logo depois que a minha irmã casou, e a minha mãe precisava de mim, pra eu trabalhar e comigo trabalhando agora, hoje, sou eu que ajudo minha mãe com as contas de casa, com as despesas de casa, com as minhas saídas, que agora, hoje, eu sou voluntária em alguns grupos de saída, sabe? Pois é. Essas coisas.
P/1 – E quando sua irmã começou a enviar o seu currículo pra um monte de lugar, qual você ficou? Qual você decidiu ficar?
R – Na EY.
P/1 – Então estava entre o Google e a EY?
R – Isso.
P/1 – Como foi essa decisão?
R – Foi na EY, porque eu não preciso aprender a falar só inglês. Eu posso aprender a falar em português também. Português, inglês e eu também podia ter uma bolsa de estudos na parte de espanhol, não só de inglês. Então por causa disso eu acabei trabalhando na EY, até hoje. E agora, hoje, eles chamaram e pediram pra eu voltar a estudar de novo, eu vou precisar fazer aulas de Kumon, por causa disso e vou aprender a falar em libras, com pessoas cegas.
P/1 – E você ficou animada?
R – Ah, sim. Minha única dificuldade agora, como eu trabalhei na ______ é… Como é trabalhar com pessoas que são trans, e como trabalhar com pessoas negras, que eu nunca trabalhei com isso. Pois é. Minha primeira experiência.
P/1 – E você lembra do seu primeiro dia de trabalho na EY?
R – Sim. Eu entrei no ano de 2012.
P/1 – E o que você fazia, em 2012?
R – Eu trabalhava na parte de auxiliar de secretária, na parte de administração. E eu trabalhava com os sócios, na época. A minha única dificuldade lá na EY foi quando me puseram pra trabalhar na parte de manutenção. Era um trabalho só de homem, na parte de carregar,sabe, as coisas e por causa disso eu tive uma chefe de lá que foi transferida de área e ela acabou me colocando pra trabalhar em Recursos Humanos. Eu comecei na parte de recrutamento, seleção e pesquisa, que eu fui convidada também pra fazer uma entrevista, pra aparecer na revista ______. E eu apareci nessa entrevista, comigo falando da minha experiência de trabalho na EY. E eu também… ela fez um vídeo meu quando eu trabalhava com os sócios, com as secretarias, falando sobre isso também, a mesma coisa.
P/1 – E você tem gostado de trabalhar com Recursos Humanos?
R – Na verdade, no começo não. Nunca pedi pra trabalhar com isso. Na verdade, eu queria continuar com as secretarias, trabalhando com os sócios, que eu gostava muito. Mas logo depois que entrou um projeto novo, na parte de propósito, na EY, daí eu comecei a falar mais sobre a minha experiência lá da Apae, que eu fazia na Apae. Que agora, hoje também, fiz mais uma entrevista na EY, comigo falando sobre o Dia Internacional da Síndrome de Down.
P/1 – E Mari, pensando em todos esses trabalhos que você contou pra gente, teve algum que você passou por algum preconceito ou alguma discriminação?
R – Não. Graças a Deus!
P/1 – E quais foram seus maiores desafios, nesses trabalhos?
R – Na Câmara Municipal, que eu já fui assaltada no meio do caminho.
P/1 – Como foi essa experiência?
R – Foi bem difícil. Eu até precisei fazer um tratamento na minha terapia que agora, hoje, minha psicóloga que eu faço terapia me ajuda, eu aprender a fazer as minhas coisas, o que eu mais gosto de fazer, pra eu poder largar um pouco o celular. Daí, por causa disso agora, hoje, eu sou mãe de cachorro, eu tenho uma cachorrinha que acabou de fazer quinze anos agora em maio, ela já é idosa, está me dando o maior ‘dos bailes’ pra cuidar dela. Hoje eu sou uma boa dona de casa, que eu aprendi como se cuida da parte de limpeza geral dentro de uma casa, aqui na minha casa, aprendi a tirar o meu medo de fogão, então agora sou eu que faço a minha própria comida, eu não preciso mais da minha mãe ficar fazendo comida pra mim, essas coisas.
P/1 – E pensando nesses trabalhos todos, quais foram seus maiores aprendizados, que você consegue tirar da sua trajetória profissional?
R – Nesses lugares que eu já trabalhei? Foi quando eu trabalhava na Câmara Municipal também, quando eu comecei a fazer aulas de violão e de flauta doce, lá no coral da prefeitura.
P/1 – E, Mari, pra você qual é a importância de existirem empresas que pensem nessa questão de inclusão e diversidade no mercado de trabalho?
R – O que eu penso?
P/1 – Sim. E qual a importância?
R – Pra mim o que significa, na parte de importância, é da gente aprender a como viver a vida e como amar a si mesmo, em aceitar quem a gente é de verdade, pra gente mostrar pro povo lá fora no que nós somos capazes de fazer. Não é porque nós temos as nossas deficiências e as nossas limitações que nós não podemos fazer nada. Nós podemos, sim. É isso.
P/1 – E o que você acha que ainda pode ser feito pra melhorar a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho?
R – Já tem mais pessoas com síndrome de Down pra trabalhar, na minha própria deficiência.
P/1 - E como é trabalhar na EY?
R – É uma experiência boa, eu amo o que eu faço, eu amo meus amigos, eu trabalho comigo e sou feliz no que eu faço.
P/1 – Eu ia te perguntar dos seus amigos. Você tem muitos amigos no trabalho?
R – Sim, muitos.
P/1 – Quem são? Você lembra de alguma história com eles muito boa?
R – Com a minha chefe de hoje.
P/1 – Como é a história?
R – Eu já trabalhei com ela quando ela era secretária e ela que me dava o maior apoio em tudo. Qualquer coisa que ela pegava, qualquer pessoa pra falar com línguas diferentes, ela sempre traduzia tudo pra mim, de inglês e de espanhol pra português, pra eu entender. E quando eu tinha dificuldade de entender o que era de serviço pra eu fazer, ela fazia junto comigo, quantas vezes que precisasse, pra eu aprender a fazer tudo na hora, que no dia que eu estiver sozinha, eu já ia saber. É isso.
P/1 – E como é o seu dia a dia?
R – Esse meu trabalho é híbrido, que eu trabalho agora. Trabalhando já presencial, tanto quanto em casa, não tem horário certo pra acordar, por causa do meu trabalho, porque mudou meu horário de trabalho. Antigamente eu trabalhava o dia inteiro e agora eu trabalho meio período, que precisou mudar de novo, que eu acabei de ser promovida na EY, na parte de recrutamento e seleção e pesquisa, pra eu trabalhar na parte de inclusão, que teve uma dificuldade muito grande pra eu ser transferida de área, com essa promoção.
P/1 – E você tem preferência em trabalhar em casa ou presencial?
R – Eu prefiro mais presencial, porque eu tenho mais tempo pra trabalhar e mais foco pra eu poder trabalhar, e comigo trabalhando em casa é dureza, não é fácil, por causa da parte da manutenção, barulho de manutenção do andar de cima.
P/1 – E o que você gosta de fazer nas suas horas de lazer?
R – Eu gosto de fazer bastante coisa. Eu gosto de conversar com os amigos, de conversar com o namorado, de cantar, igual você me viu cantando. Faço aulas de dança, sempre de segunda-feira, às seis e meia da tarde. Essas coisas.
P/1 – E como você conheceu seu namorado?
R – Foi numa balada de funk. (risos)
P/1 – Quando que foi?
R – Foi numa balada de funk entre os amigos, dançando numa balada que só tocava todo tipo de músicas de funk. É isso.
P/1 – Em qual ano?
R – Ah, faz muito tempo! Foi bem antes da pandemia.
P/1 – E vocês se veem sempre? Como é?
R – Não. A gente só se vê quando a gente pode, consegue.
P/1 – Mas vocês se falam todo dia?
R – Sim. Ele me liga todo dia. E às vezes ele pede pra mim. Ah, o meu namorado é atleta. (risos) Ele trabalha como atleta.
P/1 – Então ele faz muitos treinos?
R – Sim. Ele trabalha como atleta. Ele até me convidou pra eu ir num almoço, junto com ele e com os amigos dele, que são atletas, que ele está querendo assumir o nosso namoro na frente dos amigos dele, que são atletas.
P/1 – E você quer ir nesse encontro?
R – Sim, muito. Agora ele vai entrar de férias e eles sempre fazem esse almoço.
P/1 – E os seus amigos, já o conhecem? Sua família…
R – Ainda não. Talvez semana que vem, no nosso aniversário de namoro.
P/1 – E ontem foi Dia dos Namorados. Vocês fizeram alguma coisa?
R – Não, porque a mãe dele ficou ‘de cama’. A mãe dele pegou um resfriado. Ninguém sabia o que era, se era resfriado ou covid que ela tinha pegado. Aí, por causa disso, acabou não ‘rolando’.
P/1 – E Mari, você ainda tem contato com seu pai?
R – Tenho, pelo celular.
P/1 – Vocês se falam bastante?
R – Sim. A gente se falava bastante.
P/1 – E aí na sua casa mora você, sua mãe e seu cachorro?
R - É e a Gabi, a minha cachorrinha.
P/1 – Ah, é Gabi! É cachorrinha.
R – A gente até brinca aqui em casa deu falar que eu sou a mãe dela e a minha mãe é a vovó. (risos)
P/1 – E como a pandemia impactou a vida de vocês? Pensando em aspectos profissionais, mas também na sua rotina, no seu dia a dia.
R – Impactou mais na parte de relacionamento entre a minha mãe e eu.
P/1 – Entre vocês duas?
R – Que a gente brigava muito e agora a gente está mais parceira, mais amigas.
P/1 – Mas por quê? Muita convivência?
R – Exatamente. É que ela me mimava demais quando eu era criança. Agora que eu cresci, que eu sou essa mulher que eu sou hoje, a minha mãe está começando a me enxergar mais como mulher, agora, e não mais aquela Mariana que eu era antes.
P/1 – E você explica isso pra ela? Como ela tem percebido isso?
R – Não. O que ajudou foi o tempo. Ela percebeu sozinha, durante o tempo.
P/1 – E Mari, hoje você ajuda financeiramente em casa, né?
R – Sim. Eu tenho o meu próprio cartão de conta no Banco Bradesco; eu tenho o meu ticket pra eu poder almoçar. Quando a comida está acabando, sabe, pra eu poder pedir almoço ou ir lá num lugar. Só agora que o porteiro... o porteiro não, o zelador tirou as máscaras, a gente não usa mais máscara aqui no prédio, a gente está começando a sair mais sem as máscaras.
P/1 – E hoje você vai sozinha pro trabalho? Como que é?
R – Depende do dia que eles pedem pra eu ir.
P/1 – E como você vai, normalmente?
R – De carro, com a minha mãe.
P/1 – Tem algum lugar na cidade que você gosta de ir, algum parque, cinema?
R – Eu gosto mais de ficar em casa. Não gosto muito de sair, não. Eu sou mais caseira. Só se for pra eu sair, eu gosto mais de ir na casa da minha irmã.
P/1 – E Mari, pensando naquele momento que você começou a andar sozinha de ônibus, de metrô, você lembra de algum dia marcante, de você sozinha?
R – Sim, quando eu comecei a andar de ônibus.
P/1 – Por que foi marcante?
R – Foi quando eu comecei a andar de ônibus, que a minha mãe sempre me ensinou pra eu andar com bolsa e com blusa no colo dentro do ônibus. E eu tive uma experiência muito difícil, que roubaram a minha blusa dentro do ônibus.
P/1 – Como foi? Você viu?
R – Na verdade, não. Eu estava com fone de ouvido, ouvindo música. Eu não vi roubarem minha blusa.
P/1 – Mas tirando essa experiência, você gosta de andar pela cidade sozinha?
R – Ah, sim. O que eu mais gosto é andar sozinha na rua, eu gosto de andar de táxi, ou de metrô. De ônibus, não. Não gosto muito, não.
P/1 – E você tem planos e projetos profissionais futuros?
R – Ah, sim. Deu trabalhar como voluntária. Meu trabalho, agora, como voluntária e madrinha de dois grupos, só com pessoas da minha própria deficiência, que eu sou madrinha e voluntária. Na empresa eu sou madrinha do grupo Best Buddy que eu ajudo pra trazer mais pessoas pro mercado de trabalho. E tem um outro grupo que chama Grupo do Projeto Vamos Juntos, que foi divulgado a partir da Escola ADID [Associação para o Desenvolvimento Integral do Down], que eu tenho amigos nessa escola, que eu ajudo como voluntária, pra divulgar vários passeios e várias viagens para o grupo. É isso.
P/1 – E você se lembra de algum dia marcante em um desses projetos?
R – É mais do pessoal do Grupo do Projeto Vamos Juntos, que eu lembro que a gente já viajou pra uma chácara, que era um dia de chuva que a gente estava lá. Eu acabei chegando em casa gripada por causa da chuva.
P/1 – E como você conheceu esses projetos?
R – Foi quando eu fui convidada pra fazer parte de um evento, pra ser modelo por um dia, lá no Terraço Itália. Isso.
P/1 – E como foi esse evento?
R – Isso mesmo.
P/1 – E como foi? Você gostou dessa experiência?
R – Sim.
P/1 – Como que era? Foi para o quê?
R – Pra fazer um desfile com várias pessoas com síndrome de Down, na frente de várias pessoas jogando bingo, nesse evento. É isso.
P/1 – E Mari, quais são as coisas mais importantes pra você hoje?
R – Agora, hoje? Mais importante é trabalhar, que é a coisa mais importante pra mim. Eu mostrar pra minha mãe a minha independência, quem eu sou hoje, comigo ficando sozinha em casa e a minha prioridade também, pra eu cuidar da minha vida e da minha saúde, em primeiro lugar. Eu aprendi dentro da empresa e na minha terapia também. Agora, da pandemia a gente sempre precisa, acima de todas as coisas, aprender a priorizar a nossa saúde, que a pandemia está bem perigosa, está ficando cada vez mais perigosa. É isso. A gente vai ter que aprender a conviver com isso. É isso.
P/1 – E quais são seus sonhos?
R – Deu sair de casa, voltar pras baladas com meus amigos, que eu gostava muito. Deu sair mais com meu namorado, com a pessoa que eu estou namorando agora, pra que um dia a gente possa começar a dormir na casa um do outro. Eu na casa dele e ele aqui. É isso.
P/1 – E tem alguma pessoa que te inspira muito?
R – Sim, a minha prima.
P/1 – Por que ela te inspira muito?
R – Porque logo depois que a minha irmã casou e foi construir uma família, a única que fica mais do meu lado, que conversa mais comigo, que explica as coisas pra mim sempre foi ela, a minha prima.
P/1 – Vocês falam no telefone?
R – Sim.
P/1 – O que vocês gostam de fazer juntas?
R – As brincadeiras dela comigo no telefone.
P/1 – E, Mari, a gente está chegando ao fim, mas queria te agradecer…
R – Ela é a única que sabe mais da minha vida, do que a minha própria mãe.
P/1 – Você divide muitas coisas com a sua prima?
R – A minha prima sabe mais coisas da minha vida do que a minha própria mãe. É que eu me travo pra contar as coisas pra minha mãe, mas pra minha prima, não. Eu me sinto mais à vontade. É isso.
P/1 – E você gostaria de acrescentar algo mais, contar alguma história de algum período da sua vida que eu não tenha te perguntado, ou de alguém, ou de algum momento?
R – Não.
P/1 – Falamos de tudo?
R – Sim.
P/1 – E você gostaria de deixar alguma mensagem pras pessoas?
R – Só gostaria de agradecer por essa grande oportunidade de eu estar aqui falando sobre a minha experiência, sobre a minha vida, tanto em casa, tanto em presencial. Fico feliz deu poder ter a oportunidade de compartilhar sobre a minha vida, particulares, minha e da minha carreira de trabalho e tem que aprender a viver a vida, né? Deixar a vida ‘rolar’. A vida é como se fosse uma caixinha de surpresas. É isso. Só vivendo e aprendendo com a vida, que a vida é a melhor escola que existe _______. Não existe uma escola melhor do que a vida, né? Saber como viver a vida, de tempo ao tempo. É isso.
P/1 – E como foi, pra você, contar um pouquinho da sua história, dividir, lembrar de muitas coisas que aconteceram desde a infância e passar essa tarde com a gente?
R – Foi uma experiência boa. Gostei muito. Consegui me reencontrar de novo, comigo mesma, aqui dentro de mim, com os meus próprios sentimentos.