Entrevista de André Meira Marinho
Entrevistado por Luiza Gallo
São Paulo, 09/06/2022
Projeto: Inclusão e Diversidade Ernst & Young
Entrevista número: PCSH_HV1215
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Vamos lá! André, primeiro eu quero te ag...Continuar leitura
Entrevista de André Meira Marinho
Entrevistado por Luiza Gallo
São Paulo, 09/06/2022
Projeto: Inclusão e Diversidade Ernst & Young
Entrevista número: PCSH_HV1215
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Vamos lá! André, primeiro eu quero te agradecer demais por estar aqui com a gente!
R – Imagina, é um prazer!
P/1 – E, pra gente começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R – Boa noite! Eu me chamo André Meira Marinho, nasci em São Paulo, capital, tenho 47 anos.
P/1 – Qual é a data do seu nascimento?
R – Treze de março de 1975.
P/1 – E, André, te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R – O meu nascimento foi complicado. A minha mãe... parece que eu nasci grande, minha mãe teve que abrir a barriga para eu poder nascer. Depois que eu nasci, ela foi se recuperando da abertura, teve muitos pontos e a minha mãe de criação, que é irmã do meu pai, cuidou da minha mãe. Ela não pôde ficar comigo, porque naquela época mulher grávida... minha mãe morava no interior e mulher grávida, sem o marido, naquela época, não era bem-visto. Aí minha vó veio e buscou minha mãe, eu fiquei... meu pai, na época, servia o Exército, não tinha como me criar, aí meu pai disse que não me entregava, a não ser para minha mãe. E é assim que eu convivo com minha mãe, até hoje. E o meu pai me deixou com a minha mãe, até ele se ajeitar e quando ele foi se casar, que ele queria me pegar de volta, minha mãe não me deu, não, falou: “Agora ele é nosso. Não tem mais volta, não”. Eu fiquei dentro da família, fui bem-criado, o meu pai de criação… eu era muito ligado a ele, me levava pra cima e pra baixo. Era um homem muito bom, gostava muito de mim, e ele faleceu em 1989, quando eu tinha treze anos de idade. Até me lembro que eu joguei uma rosa... rosa, não, uma flor amarela no caixão dele. Eu achei estranho, porque na hora que eu estava vendo-o ser enterrado e tudo, eu não chorei, eu fui chorar depois. E a minha mãe biológica e meu pai biológico mantinham contato comigo, só que assim: eu acho que foi em 1989 quando meu pai faleceu, meu pai de criação, chamava Haroldo, eu fui morar com o Paulo, passar um ano com o Paulo, que é meu pai biológico. Aí passei de um ano com ele, a convivência não foi muito boa, a gente parecia dois escorpiões, um querendo ferroar o outro e eu achava que ele tinha me abandonado e tudo, mas no decorrer do tempo eu compreendi o que aconteceu e hoje nós nos damos muito bem. E eu era criança, também. Desculpa.
P/1 – Imagina! Esse tempo que você foi passar, conviver com o seu pai biológico, foi a primeira vez que vocês ficaram mais tempo juntos?
R – Foi. Quando eu era... antes de 1989 também, eu ia passar férias com ele, mas em 1989 foi o período que eu fiquei mais tempo com ele.
P/1 – E você conviveu com sua mãe biológica, ou logo você foi ficar com a sua mãe de criação?
R – Não, eu só via a minha mãe biológica, às vezes ela ia em São Paulo, em julho, ficava as férias comigo, às vezes eu ia passar as férias lá na casa dela, mas morar junto não.
P/1 – E a sua mãe de criação é irmã do seu pai?
R - É irmã do meu pai biológico.
P/1 – E você sempre morou em São Paulo?
R – É, eu morei em São Paulo e morei em Brasília, em 1989. Voltei pra São Paulo. Quando foi no ano 2000 eu fui morar em Fortaleza, meu pai morava lá, eu fui morar com ele lá em Fortaleza, no ano 2000. Aí eu fiquei até 2002 na casa do meu pai, fui em 2003 para casa de uma tia minha, aí nesse período eu arrumei uma namorada, que é a mãe da minha filha. Em 2003, em agosto, eu fui morar um ano em Natal. A minha irmã de criação morava lá em Natal, eu morava separado dela. Aí passei um ano em Natal, não consegui emprego, voltei pra Fortaleza, junto com a mãe da minha filha, que nas férias ela ia lá, ficar comigo. Quando foi em agosto de 2004 eu voltei com ela pra Fortaleza, moramos juntos e a gente se separava, depois voltava. Brigava, depois voltava. E quando eu fui pro apartamento mesmo, fica na... esqueci o nome do endereço, lembrei: Rua Evaristo Reis, 309, São João do Tauape, o bairro. Foi naquele bairro ali que eu morava com ela, o apartamento já era meu, nosso, tudo direitinho, foi quando a minha filha nasceu. Em 2009 oficializamos o nosso casamento, eu casei no civil, eu me lembro, a minha filha era até pequenininha. Mas foi bom. Tivemos problemas no casamento, desentendimentos e eu acabei vindo pra São Paulo, em 2019, para casa da minha mãe. Eu sabia que eu tinha alguma coisa, só não sabia o que eu tinha. Desde pequeno eu ia em psicólogo, psiquiatra e não era detectado meu problema. Em 2019 eu fiz uma bateria de testes, inclusive internacionais, e constatou que eu sou TEA. Minha deficiência é o Transtorno de Espectro do Autismo leve. E no começo eu quis me entregar, mas a minha irmã foi um pilar pra mim: “Não, você não vai se entregar, não”. E hoje eu estou aqui, em pé, moro sozinho, tenho meu emprego bom, que é a EY e sou independente, só não achei a ‘tampa da minha panela’, mas enquanto não aparece, a gente ‘toca o barco’, que na hora certa vem.
P/1 – André, eu vou voltar um pouco, aí a gente vai pensando juntos esse caminho todo, que você já ‘cantou a bola’, tá?
R – Tá bom.
P/1 – Eu queria saber se você sabe como foi a escolha do seu nome.
R – Sei. A minha mãe que me criou, a Iaci, queria colocar Daniel e o meu pai escolheu André. Ficou André.
P/1 – Foi o Haroldo que escolheu?
R – Foi o Paulo.
P/1 – Foi o Paulo.
R – Meu pai biológico.
P/1 – E qual é o nome da sua mãe?
R – É Iaci Maria Meira de Oliveira, porque ela se casou novamente, mas o antigo nome era Iaci Maria Meira Marinho.
P/1 – E, André, como você a descreveria pra gente?
R – Olha, ela é uma pessoa muito boa, ela gosta muito de rezar, ela sempre procura me aconselhar, é uma mãe muito boa, eu só tenho a agradecer pela mãe que eu tenho, que Deus me deu. Tem me apoiado, tem me ajudado, ela tem estado sempre comigo, no meu... desde pequenininho, até hoje. Hoje ela tem 85 anos, quem cuida dela sou eu e minhas irmãs, retribuindo o cuidado que ela teve por nós. Para você ter ideia, ela, depois do almoço, vai descansar. Aí lá pra umas três e pouco, eu sei que ela gosta de um café. Eu preparava o café, levava lá no quarto pra ela, pra ela não precisar descer a escada, eu ia até lá. Ela pede alguma coisa pra mim, eu faço, não coloco barreira, eu estou sempre disposto e eu acho que é isso que também faz com que ela goste bastante de mim.
P/1 – Vocês moram juntos?
R – Não, eu moro sozinho, mas no princípio eu morava junto com a minha mãe. Saí de casa com 25 anos de idade.
P/1 – E qual é o nome do seu pai?
R – Meu pai falecido é Joaquim Haroldo Marinho Colares.
P/1 – E como você o descreveria?
R – Um homem muito bom. Eu tinha uma conexão forte com meu pai. A gente era ‘carne e unha’, se dava muito bem e eu tenho meu pai como referência na questão da bondade, de ajudar as outras pessoas. Eu até me lembro, pequenininho, ele foi comigo numa casa humilde, simples, tomou café, ajudou as pessoas de lá, uma senhora que estava precisando de ajuda, conversou com ela. Ali já era ele me dando exemplo como eu deveria proceder na minha vida. Isso não tem preço. Isso eu acho que é algo que serve pras pessoas: mais amor, mais carinho, mais compreensão, mais atenção. Tratar o próximo da mesma forma que a gente gostaria de ser tratado. Isso serve de lição pra gente.
P/1 – Ainda pequenininho, você lembra de alguma história com seu pai, algum dia muito especial para você?
R – Eu lembro de duas coisas. Uma: do lado da minha casa tinha um trator e meu pai ficava perto de mim e eu subia em cima daquele trator de enfeite e ficava brincando, como se estivesse pilotando e meu pai ali perto de mim, só me olhando, me acompanhando. Ele tinha uma firma de peças de tratores de estrada. Aí esse trator ficava no terreno do lado de casa, era enfeite e eu brincava nesse trator e ele perto de mim, sempre. Às vezes eu brincava com os meus amigos, o pessoal da vizinhança. E outra coisa também, que foi num dia que eu fiz aniversário, eu não lembro qual foi a idade, mas eu era criança e meu pai... teve um almoço na minha casa e foi toda a minha sala, eu fiquei - nossa, eu não acreditei – surpreso nesse dia, foi muito bom, aí teve uma partida de futebol, que era os meus vizinhos e a turma do colégio, aí poderia escolher com quem eu queria jogar. Aí eu joguei com a turma do colégio e a gente ganhou dos meus vizinhos (risos). Foi bacana.
P/1 – Que delícia! E você sabe como os seus pais se conheceram?
R – O meu pai que faleceu era primo da minha mãe. A minha mãe morava em Morada Nova, interior do Ceará e meu pai em Baturité. Bom, como eles se conheceram, isso eu não sei, mas eu sei que eles vieram morar aqui em São Paulo e eu nasci aqui em São Paulo, só que fui gerado por outra pessoa, que foi a minha mãe biológica. Inclusive ela faleceu em 2016, estava trabalhando num posto de gasolina, queria vê-la, mas não pude, com medo de perder o emprego e os meus familiares daqui me aconselharam a não ir. Minha prima lá da minha mãe queria pagar minha passagem para eu ir, minha mãe estava no hospital e eu querendo ir, acabei nem indo. Meu irmão estava lá em Goiânia, meu irmão biológico, eu tenho um irmão por parte de pai e eu pedi a ele pra ele ‘dar um pulo’ lá, para ver como estavam as coisas, aí ele foi, deu notícias da minha mãe, disse que pareceu que ela não estava bem, não sei o que aconteceu no hospital, ele disse que ela não dizia nada com nada e eu fiquei um pouco preocupado, só que eu não estava presente para apoiá-la, para dar força para ela e esses dias eu tive um sonho, como se eu tivesse encontrado a minha mãe, só que ela estava com a cara meio zangada para o meu lado, talvez por eu não estar com ela quando ela mais precisou e eu me lembro que eu pedi desculpas pra ela no meu sonho. Depois eu não vi mais.
P/1 – E como você se sentiu, com esse sonho?
R – Eu queria estar ‘de bem’ com a minha mãe, mas no sonho a gente não estava ‘de bem’. Mas eu acho que isso daí, essas coisas passam e quem sabe um dia, quando eu me encontrar com ela, esteja tudo bem. Talvez ‘lá de cima’ ela esteja sabendo o que eu tenho, esteja acompanhando minha trajetória. Se ela estivesse viva e soubesse onde eu estou agora, ela com certeza estaria feliz. Acho que onde ela está, ela está feliz. Meu pai Haroldo também. Minha vó, meu avô, pessoas da família que já partiram, com certeza estão felizes ao me ver, onde eu estou, num patamar bom. A família viva também, todo mundo feliz também. Estou tendo progresso na empresa, estou evoluindo aos poucos, estou estudando, fazendo cursos, a gente tem que estar sempre estudando. É fundamental.
P/1 – E André, com que seus pais trabalhavam?
R – A minha mãe só tem o segundo grau completo. Quem trabalhava era o meu pai, em firma de peças de tratores de estrada.
P/1 – E me conta quais eram os principais costumes da sua família? Vocês tinham alguma comida que vocês sempre comiam, alguma data comemorativa?
R – Tem uma comida: um macarrão de molho branco. Você vai até achar engraçado: a gente criança, pequeno, comia o macarrão e ficava com a boca suja, a gente apelidou de Macarrão Sujo (risos). Coisa de criança!
P/1 – Quem fazia esse macarrão?
R – Minha mãe.
P/1 – Em que ocasiões vocês comiam?
R – Domingo, final de semana. Todo mundo comia o macarrão, mas nossa, era uma delícia! Minha mãe parou de fazer, quem faz agora é minha irmã.
P/1 - Pode falar, André.
R – O macarrão, comia com molho branco, criança, comia e sujava a boca, aí chamava de Macarrão Sujo. Também ia com meu pai pro Parque do Ibirapuera, levava meus amigos de infância, a gente ficava brincando lá, era ótimo e na minha rua tinha uma praça que chama Janete Clair, no começo da minha rua, chama Piassanguaba e nós comíamos pastel e caldo de cana e meu pai descia e ia eu, meu pai, às vezes iam os amigos da vizinhança, às vezes ia só eu e meu pai, era muito gostoso. Foram momentos marcantes na minha vida.
P/1 – E André, você conheceu seus avós?
R – Conheci.
P/1 – O que você sabe da história deles?
R – Da história deles eu sei muito pouco. Eu me lembro que minha vó morava com a minha mãe e eu ajudava a cuidar da minha vó, aí quando eu fui embora, que minha vó me viu, ela me deu uma bronca: “Você não me ajudou mais, por onde você andava?” (risos) Eu disse: “Vó, eu tive umas coisas pra resolver, mas eu apareci aqui para ver a senhora. Como a senhora está?” Ela disse: “Eu estou bem, mas eu estou brava com você, viu?” (risos) Minha vó… eu a ajudava muito. A minha vó, a recordação que eu tenho dela, ela era poetisa, [re]citava poemas, fazia tapetes de crochê e foi feita uma exposição, acho que em Fortaleza, saiu até no jornal de lá, eu achei o máximo, falei: “Nossa, minha vó é famosa”. Será que eu fico famoso também? (risos)
P/1 – Você lembra de algum poema que ela recitava?
R – Não, não lembro. Mas a minha tia tem um CD, minha vó estava lá em Votorantim, na casa da minha tia Ísis, que é minha madrinha e ela, minha vó... minha tia Ísis filmando minha vó e ela [re]citando poema. Quando tinha festa que reunia a família lá na casa da minha mãe Iaci também, minha vó também [re]citando poema. Coisa mais bonita!
P/1 – E que memória... diga, desculpa.
R – Aí a minha vó, eu acho que essa herança da poesia passou para o meu pai Paulo. Ele toca violão e canta. E essa herança ele passou pra mim também e pro meu irmão. Eu toco violão até hoje, canto, é um dos meus hobbies prediletos.
P/1 – Então começou com sua avó?
R – Começou com a minha vó, aí passou para o meu pai, passou para mim e para o meu irmão.
P/1 – E tem alguma música que vocês costumavam cantar juntos?
R – Tem.
P/1 – Qual?
R – Ixi, tem várias (risos).
P/1 – Quer ‘dar uma palinha’ de alguma para a gente?
R – Dou. Então, espera um pouquinho que eu vou pegar o violão. Já venho. Essa música que eu vou cantar tem a ver, inclusive, com a entrevista:
“Quando eu crescer, como meu pai
Vou resistir, como quem vai
Como quem vem, vencer a dor
Subir aos céus, amar o amor
O impossível não haverá
E sem ninguém me ensinar
Vou divertir, vou trabalhar
Vou aprender, soltar a voz
Seguir meus dons
Afrouxar meus nós
O impossível não haverá
Eu sou feliz e ser tão feliz
É ter um pai, ter a mãe
Nos dias de frio
Nas noites de assombros
Na luz que são seus ombros
Mas se acaso o destino
Meu sonho desencantar
Mesmo sem templo
Sem asa, sem vento
Volto a canção cantar
O impossível não haverá
O impossível não há
O impossível não há
O impossível não haverá
O impossível não haverá”
P/1 – Que lindo! Que lindo! Que lindo! Eu não conhecia essa música, muito linda.
R – Essa música foi meu pai que fez para mim, quando eu era pequeno e eu gostei da música que ele fez e eu aprendi.
P/1 - Seu pai compôs essa música para você?
R – Foi.
P/1 – Que especial! Obrigada por dividir com a gente!
R – Com certeza.
P/1 – Então, vocês cantavam juntos essa música?
R – Cantávamos. Essa acho que foi a música que ‘bate’ mais com a nossa entrevista. Aí eu digo que eu já cresci, como meu pai, que eu já passei por tudo isso e que hoje eu sou um vitorioso. É isso aí.
P/1 – Muito linda! Muito linda, mesmo.
R – Obrigado!
P/1 – E seu avô, você chegou a conhecê-lo?
R – Cheguei, mas eu era... tinha cinco anos, mais ou menos. Tem coisas dele que eu não me lembro, mas talvez por ser muito pequeno.
P/1 – E você comentou que tem irmãos.
R – Tenho.
P/1 – Quantos?
R – Quatro de criação e um biológico. Dos meus irmãos de criação eu sou o caçula. Depois vem a Paula, o do meio é o José, tem a Celeste e o Haroldo. O Haroldo e a Celeste trabalham, deram sequência na parte de tratores do meu pai, meu irmão tem uma firma em Manaus e em Roraima. Ele mesmo fez, por conta própria. E a minha irmã trabalha, ajudando-o, a Celeste. O José é dentista, a Paula se formou em Pedagogia, é professora, dá aula pra crianças eu acho que de primeiro a quarto ano, e eu, formado em informática, trabalho na EY, vendendo tecnologia para as empresas.
P/1 – E como é a sua relação com eles?
R – Olha, eu me dou bem com a Paula e com o José e com o Haroldo. No começo eu tinha mais dificuldade com o Haroldo e com a Celeste, mas o Haroldo, eu me entendo mais com ele. A minha irmã é autoritária, quer mandar na gente, isso aí afasta um pouco. Mas no começo, até um certo tempo atrás, eu tinha conflito com a minha irmã, mas hoje em dia somos amigos. Ela me apoia, eu a apoio, coisas de momento que a gente passa, mas que a gente acaba, com o tempo, superando.
P/1 – E André, você lembra da casa onde você passou sua infância?
R – Lembro.
P/1 – Como era?
R – Uma casa enorme. Até hoje minha mãe mora nessa casa. Mora minha mãe; minha irmã; tem a sobrinha, Ana Luiza, que é filha da minha irmã mais velha; e tem o meu padrasto, Olavo, que o chamo de pai e eu o trato muito bem, a gente conversa, brinca e quando eu deixo de ir lá, ele sente minha falta. Tenho que estar aparecendo lá, de vez em quando, para ver e matar a saudade. De final de semana eu estava indo almoçar lá na minha mãe, ver os dois, conversava com eles. Meu padrasto gosta muito de assistir esportes. Quando ele era mais novo, ele jogava tênis e ele gosta muito de assistir tênis na televisão, voleibol, ele é sócio de um clube chamado Pinheiros e ele frequentava muito e é muito bom lá. Ele é uma pessoa bacana. Tem duas filhas, se formaram em Educação Física e as duas são Márcia e Valéria. A Márcia mora aqui em São Paulo e trabalha no clube, dando aula de natação. E a Valéria mora em Sarapuí, que é interior e também é professora de natação. Elas gostam muito. Quando elas eram mais jovens eu acho que participaram de olimpíadas, coisa desse tipo. Tanto é que tem fotos delas fora do Brasil, treinando. A Márcia tem dois filhos: o Tom e a Betina e eles, de vez em quando, aparecem em casa, a gente se dá muito bem. Eu já passei também uns dias lá no sítio do meu padrasto, um sítio muito gostoso, calmo, você não vê barulho, é uma tranquilidade. Um local assim, para você repousar, descansar, muito bom.
P/1 – André, eu queria te perguntar que recordações você tem da sua infância, nessa casa da sua mãe?
R – Recordação de aniversários meus, que foram comemorados lá. A minha tia tem um terreno do lado da casa da minha mãe, da prefeitura, aí minha madrinha Ísis filmava a gente pequeno, brincando: eu, a Paula e o José. Tem a Valéry, que é francesa, amiga de infância nossa. Nós tínhamos amizade com uma família francesa. A Valéry era amiga da Paula; o Lohan amigo do José; e a Florence amiga da Celeste. E a minha tia filmava a gente brincando, só que era mais eu, a Paula e a Valéry. Hoje eles moram na França, casados, com família. A minha irmã Paula é casada com um promotor público, o Luiz, uma pessoa extraordinária, tem dois filhos: o Marco Antônio e Gabriela. Os dois já trabalham na parte jurídica, de Direito e são sobrinhos excepcionais. Eu tenho orgulho de tê-los como sobrinhos.
P/1 – E André, ainda na sua infância, você comentou que você tinha... brincava, era um trio. Quais eram as brincadeiras favoritas de vocês?
R – Olha, no terreno do lado da minha casa a gente brincava de ficar se pendurando nos galhos, era esconde-esconde, pega-pega, queimada. Nossa! Aí, com os vizinhos da rua era futebol. Nossa, era muito gostoso. Você lembra dessas brincadeiras, né? Foi da nossa geração.
P/1 – E você assistia TV também? Tinha algum programa que vocês assistiam?
R – Sim. Eu assisti o Bozo. Aí conforme eu fui crescendo, foi passando para o Jaspion, domingo tinha Fórmula I, todo mundo parava pra assistir a Fórmula I, na época do Ayrton Senna. Era mais essa parte. Jaspion, Trenderman, desenho animado, Picapau, Frajola e Piu Piu. Nossa, tinha vários! Scooby-Doo e por aí vai. Gasparzinho (risos).
P/1 – E os artistas, os cantores que vocês ouviam e cantavam?
R – Menudos (risos). Aí Titãs, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso. Nossa mãe! Biafra, Milton Nascimento, Djavan e por aí vai.
P/1 – E comida da sua infância, tem alguma que te marcou, além do macarrão?
R – Tem uma que me marcou até hoje: purê de batata. Inclusive, antes de eu vir pra casa da minha mãe, eu aprendi a fazer comida, eu mesmo faço almoço, jantar, eu cuido da casa e de vez em quando eu faço um purê de batata, pra acompanhar com a carne moída, o arroz e o feijão, é muito bom.
P/1 – E por que é marcante?
R – Meu prato predileto: purê de batata e macarrão. Eu adoro quando chega domingo, que eu faço uma macarronada.
P/1 – E, André, nessa época, ainda novinho, você pensava no que você queria ser, quando crescesse?
R – Eu me lembro que eu falei que eu queria ser piloto de avião (risos). Só que eu acabei nem indo por esse caminho.
P/1 – E no período da escola, onde você estudou?
R – Estudei num colégio alemão chamado Rudolf Steiner, que ficava no Km 16,5 da Raposo Tavares. E, para mim, não foi um momento muito bom. Eu sofria bullying no colégio. Talvez eu balançava e você sabe como é que é criança, tira sarro, zoa e eu ficava triste, chorava, chegava em casa chorando, pedindo pra não voltar para o colégio, mas tinha que voltar. Sofri bullying o primeiro grau e o segundo. E quando eu entrei na faculdade aí acabou isso.
P/1 – E como você lidava nessas situações?
R – Ah, tinha momentos que eu ficava bravo, eu corria atrás deles e eles correndo de mim, dando risada e eu furioso atrás deles e eu lembro que no colégio tinha momentos que - eu acho que era Elizabete que era minha professora - eu deitava numa maca, numa salinha e ela fazia tipo uma massagem em mim com óleo, nas minhas costas, tal, talvez para eu me tranquilizar, ficar mais calmo. Acho que a intenção era essa. Isso aí eu fui buscar lá atrás, porque tem pessoas que nem se lembram de coisas que aconteceram lá atrás e algumas eu me lembro.
P/1 – E esse era um momento bom para você?
R – Era. Era o momento que eu relaxava, que eu ficava mais tranquilo. Agora, o que eu não gostava era quando o pessoal da minha sala se juntava, começava a tirar sarro de mim, ficava me zoando, mas tinha momentos bons também: São João. Às vezes... eu me lembro quando eu era pequeno, apresentava peças em alemão e espanhol e minha família ia ver e achava fantástico aquilo. Eu acho que para a época era fantástico. A gente jogava ping pong, às vezes, no colégio. Teve um alemão que veio da Alemanha, minha mãe contando que eu falava em alemão com ele e ele dizia que, dos alunos do colégio, quem tinha a melhor pronúncia em alemão era eu. Parece que eu tenho facilidade com línguas. Estou me aperfeiçoando no inglês, porque para a empresa que eu trabalho precisa. Aí eu estou me aperfeiçoando, aos poucos, no inglês.
P/1 – E tinha algum professor ou algum colega marcante, dessa época?
R – Tem, o professor Mário. Era um japonês e ele sempre me acompanhou e tinha vezes que ele ia lá na minha casa, me dar aula. Eu lembro disso. Ele me ensinou a falar ‘bom dia’ em japonês: “Ohayou Gozaimasu”. Sayõnara todo mundo sabe, essas coisas. E ele foi marcante. Aniversários meus ele estava presente. Foi uma pessoa que teve boa parte do tempo presente na minha vida e que me ajudou também.
P/1 – E tinha alguma matéria que você gostava mais?
R – Matemática. Essa parte de Exatas eu me saía bem. Era a área que eu gostava mais.
P/1 – E tem alguma história nesse período escolar que tenha te marcado muito?
R – Eu lembro que teve uma vez que eu viajei para um sítio com a escola e a turma tirando sarro de mim e de outro rapaz, que era humilde, chamava Douglas. Aí nós começamos a chorar e eu falava para o outro: “Vamos embora daqui, vamos embora daqui, eles estão maltratando a gente”, aí eu fugi com ele, só que no caminho a gente se encontrou com o professor Mário. Aí nós contamos o que tinha acontecido, aí o professor voltou com a gente lá e chamou atenção das pessoas que tinham mexido comigo e com o Douglas. Com o Douglas eu me dava bem. Ele era de uma família humilde, mas estudava na mesma sala que eu e eu me dava bem com ele.
P/1 – E por que essas brincadeiras de super mau gosto aconteciam?
R – As pessoas brincavam comigo e, em vez de eu levar na brincadeira, eu levava a sério. E a vida me ensinou a lidar com essas coisas. Tanto é que hoje eu sou brincalhão, adoro dar risada, adoro brincar, mas respeitando as pessoas. Foi isso que a vida me ensinou: brincar, mas com respeito. E eu gosto muito, hoje em dia eu sou extrovertido. Eu brinco, dou risada. Você, em momento nenhum, me viu com a ‘cara feia’, só me viu com a cara alegre. (risos) Esse é meu jeito de ser. Eu aprendi a ser assim e eu agradeço a vida, por eu ter aprendido isso. Já tive várias namoradas. Antigamente um mês só. (risos) Não durava. (risos) Mas eu acho que é porque é criança, né? Adolescente. Quando eu cresci teve a mãe da minha filha, que foram quase dez anos de relacionamento, nove anos. De relacionamento foram dezoito anos. E de casado nove anos. E tem a minha filha que, mesmo distante, eu acompanho, me comunico com ela. Eu acho que ela está numa fase, quinze anos, um pouco difícil. Às vezes eu ligo, não quer atender, é coisa de... mas eu conversei com a psicóloga e disse que é a fase que passa, mas depois que ela se aproxima novamente. Aí eu sempre falo que a amo, que estou com saudades, mando beijo para ela no WhatsApp, aquele rostinho mandando beijo, mando coraçãozão batendo, ela manda para mim também, fala que também me ama. Isso não tem preço. É muito prazeroso você escutar de um filho essas coisas. Ela tem notas boas no colégio e só ela tem dificuldade na área que eu gosto, Exatas, mas nas outras áreas ela vai superbem. Nunca repetiu de ano. Agora que ela está entrando na transição do primeiro grau para o segundo que teve um pouco de dificuldade, mas conseguiu. A escola dela tem aula de monitoramento, que seriam as aulas à tarde, ela tem assistido. Mas nós não conseguimos professor particular para ela e as notas dela em Química, Física, Matemática não estão sendo boas e eu tento de um lado, a mãe dela tenta do outro, mas a gente não sabe mais o que fazer. Até sugeri dela assistir vídeos no YouTube, do que ela está aprendendo, para ela, assistindo, não entendeu, volta o vídeo, até ela compreender. Eu posso ajudá-la dessa forma, porque eu estou longe, mas se eu estivesse perto, com certeza eu passaria pra ela o meu conhecimento, para ela ir bem nas provas.
P/1 – André, eu vou querer saber mais um pouquinho da sua filha e da paternidade, daqui a pouco, mas antes eu queria voltar um pouquinho… Você comentou que, na infância, nesse período, você sabia que tinha alguma coisa, mas não sabia o quê. Você pode falar um pouquinho disso para a gente?
R – Tinha empregos em posto de gasolina, que eu trabalhava, que eu não durava. As Americanas foi uma empresa que eu fiquei e durei, durei, durei e saí dela por conta própria mesmo, mas pela empresa eu estaria, talvez, acho que até hoje. E eu já trabalhei em posto de gasolina, fiquei um pouco mais de um ano, aí não deu certo, eu saí, fui pra outro posto, fiquei cinco meses também, eu saí. O pessoal do último posto que eu frequentava fizeram tipo uma rodinha deles e me pegaram como Cristo. Ou seja, as coisas que aconteciam e jogavam a culpa em cima de mim, sem eu ter culpa. Eu sei que eles convenceram os donos de lá e acabaram me dispensando. Criamos uma inimizade, eu com eles, foi uma coisa muito chata e eram pessoas que você percebe que, em vez de querer seu amigo, te ajudar, não sei se era inveja, não sei o que era, mas eles tentavam me derrubar de todos os jeitos. E era um grupinho contra mim.
P/1 – Isso já mais velho?
R – Isso já mais velho, quando eu estava morando em Fortaleza. Meu casamento também não ia bem e eu falei: “Aqui não está dando pra mim, eu tenho que voltar pra São Paulo, porque é onde eu tenho minha família” e eu estava certo. Foi até bom terem me colocado para fora, que hoje eu estou aqui em São Paulo, morando perto dos meus familiares, tenho meu apartamento, um emprego bom. Eu esqueci de falar para você que teve a pandemia, aí eu comecei a trabalhar na Panco, em 2020. Só que em vez de ir pra empresa, era pelo Ser Especial. Eu ia para o Ser Especial, tinha quatro horas de aula, eles davam trinta minutos para a gente fazer um lanche, descansar um pouco. Era das oito ao meio-dia. E mais de um ano eu fui só uma vez pra empresa, trabalhei um mês só na empresa, na Panco, passando, copiando documento para o computador, escaneando e salvando no computador. Aí fiquei só um mês e tinha outras pessoas para irem pra lá. Quando foi 27 de dezembro eu pedi pra sair da Panco, por um bom motivo. Ou seja, a EY abriu a porta dela pra mim, através do Ser Especial, inclusive a psicóloga que me acompanha, que foi ela que me ajudou, chama Amanda. Ela conversa comigo uma vez por mês para saber como é que eu estou indo, tudo direitinho. E ela acompanha a empresa, já tem uma noção de como é a empresa, é como se ela tivesse encontrado a ‘mina de ouro’. Eu também. (risos) A empresa é muito boa, a EY, aceita todo tipo de pessoa, não faz distinção. Se a pessoa estiver se sentindo prejudicada, eles encaminham como a pessoa deve proceder. Eu saí de uma empresa boa, não vou dizer que a Panco é ruim, mas eu dei um ‘pulo’ de uma empresa boa, pra uma melhor. Mesmo sem eu trabalhar na Panco, todo mês eu tinha meu salariozinho, caía na minha conta, só que eu queria trabalhar, queria produzir, não queria ficar só fazendo curso, só estudando. E a EY está me dando essa oportunidade. Eu trabalho, estou me desenvolvendo. A EY, para mim, está sendo a empresa mãe, porque eu acho que eu precisei passar por tudo que eu passei, pra chegar na EY, a empresa mãe, muito boa, recebe qualquer tipo de pessoa. Eles te encaminham para você ser independente também, isso é fantástico. Eles investem no funcionário, se o funcionário quer crescer e isso é fantástico! E coisas que você não vê em outras empresas, por aí.
P/1 – André, antes de mais detalhes do trabalho, eu queria saber esse período da juventude, para você, como foi, se houve... essa entrada da adolescência, se teve grandes mudanças na sua vida, ou não.
R – Olha, teve. Quando eu era pequeno, eu era danadinho (risos). Eu precisava andar com uma plaquinha, com telefone, endereço, tudo. Eu fugia, eu pequeno, não era nem adolescente, era pequeno mesmo e o pessoal, todo mundo ficava doido atrás de mim, iam me procurar. Teve uma vez, tem uma avenida perto da casa da minha mãe, chama Indianópolis, eu pequeno, queria atravessar a avenida. Aí eu sei que eu estava no meio da avenida, um policial passou lá, me pegou, viu a plaquinha e me levou lá pra casa da minha mãe e perguntou se eu morava lá. Eu fugia, vivia fugindo e deixava o pessoal acho que de ‘cabelo branco’, ‘cabelo arrepiado’, atrás de mim. (risos)
P/1 – E na adolescência isso mudou?
R – Na adolescência mudou, essa parte, mas eu era um tipo assim: acho que era para eu ter sido danado na adolescência e eu fui pequeno. Teve uma inversão. Na adolescência eu ‘dava trabalho’ como qualquer criança dá, mas em relação às outras, eu era mais comportado.
P/1 – E você lembra de algum caso? Diga, desculpa.
R – Eu era extrovertido também, quando eu era pequeno. Teve uma vez que eu fui visitar o meu pai em Brasília, aí eu sei que eu estava fazendo uma dança lá no aeroporto e tinha uma roda em volta de mim. (risos) Meu pai chegou lá, não entendeu nada. (risos) Eu acho que era dança que eu tinha aprendido na escola, eu estava fazendo para todo mundo ver. Eu lembro também que eu estava numa dessas viagens de avião, aí vinha passando a aeromoça, aí eu estava sentado sozinho, a aeromoça estava passando e eu: “Senta aqui do meu lado, gatona”. Ela começou a rir. (risos) Eu criança, adolescente, né? (risos)
P/1 – E na escola, você era extrovertido assim?
R – Não. Eu era mais fechado. Eu só era mais ‘solto’ quando a gente... eu adorava Educação Física, jogava futebol, basquete, adorava, era a parte da escola que... tinha aula de Música também, lá. O nome da minha professora era Cristina, na época. E eu, aluno, doido pela professora. (risos) Como é que pode? (risos) Coisas assim que você ri, não tem como. Coisas de criança. E eu aprendi música MPB, tinha música MPB na escola, era Milton Nascimento, Paulo Ricardo. Eu doido pra aprender a London, London. Aí a professora dava aula pra minha irmã: “Não, você ainda não está pronto, não, mas pode deixar que quando você estiver pronto, a gente te ensina” “Está certo”. Parece que a música já estava na minha trajetória. As aulas que eu gostava eram de Música e Educação Física, eram as que eu gostava mais, as outras (risos) eu não gostava muito. (risos)
P/1 – E como foi se formar, na escola?
R – Bom, eu saí, fiquei até a quarta série na Rudolf Steiner, aí eu fui pra uma escola que chama Paulicéia, fica perto do aeroporto de Congonhas. Não sei nem se existe mais. E lá era para pessoas especiais. Lá eu concluí o primeiro grau, no Paulicéia e o segundo grau concluí num colégio também que não existe mais, que chamava Tabajara. Ficava na Nhambiquaras com a Jandira. Hoje eu passo por lá e parece que mudou de nome, é outro nome, agora. Mas na minha época era Tabajara.
P/1 – E como foi essa primeira mudança de colégio?
R – Olha, no começo foi tranquilo, mas depois... eu sei que no Paulicéia eu consegui passar bem, tinha uns problemas lá, um pessoal que batia em todo mundo, eu tinha medo dele, ele era bravo. Uma vez ele encrencou comigo e eu disse a ele que tinha os meus vizinhos, tipo uma turma: “Eu vou chamar minha galera, a gente vai te pegar”. Ele disse: “Ah, é, seu otário, eu tenho uma galera também e a gente anda tudo armado”, dizendo que o irmão dele, que era mais novo do que ele, ‘dava um pau’ em mim. (risos) Mas é coisa de... ele acabou não me agredindo, nunca encostou a mão em mim, nem eu nele. Foi só de boca, mesmo. Mas nunca encostou a mão em mim. Acho que talvez devesse ser deficiente também e falando bobagem, um falando bobagem para o outro.
P/1 – André, mas nessa época você já tinha recebido o diagnóstico?
R – Ainda não.
P/1 – E como que foi?
R – O diagnóstico eu recebi em 2019.
P/1 – Mas mesmo assim você já tinha ido para um colégio especial?
R – Já tinha ido pra um colégio especial.
P/1 – Por quê?
R – Só que em relação aos outros colégios, foi mais tranquilo. A minha irmã, inclusive, a Paula, estudava nesse colégio, junto comigo. Ela não tinha nada de especial, mas talvez para me acompanhar. Eu sempre estudei com a minha irmã Paula nos colégios.
P/1 – E por que você mudou, foi pra esse colégio?
R – Por causa do Rudolf Steiner, talvez. Eu acho que talvez tudo que eu já tenha passado lá, com o pessoal me perseguindo, aí minha mãe foi se cansando e falou: “Não, vou trocá-lo de escola, chega”. Minha própria mãe acho que se cansou de tudo isso e disse: “Eu vou dar um basta”, aí me trocou de colégio. Aí eu sei que eu estava em outro colégio, que é o Paulicéia e estava até também, quando eu estava no Paulicéia, outro colégio, tinha amigo meu que estudava lá, me chamava para voltar, aí eu falava pra minha mãe e a minha mãe: “Não, você não vai voltar mais, não”. Aí, no segundo grau também, tinha aquele negócio que a gente sentava, o pessoal ficava jogando giz em mim, eu jogava, aí quando eu revidava, que a professora via, quem levava bronca era eu e os outros não levavam e eu só dizia: “Eu estou jogando, porque ele jogou em mim, não sei o que, não sei o quê”, ficava... e eles ficavam fazendo isso comigo nas costas da professora e quando eu ia devolver, eu era o culpado. Mas eu sei que depois do Tabajara, aí eu prestei pro Tabajara a faculdade de Comércio Exterior e de informática na Unib, Universidade Ibirapuera. Eu passei nas duas e optei pela Unib. Aí, quando eu entrei na faculdade, pronto, aí não tinha mais ninguém me zoando, ninguém me perseguindo, porque quando você já está na faculdade, você já é mais maduro. Eu acho que por isso.
P/1 – E como foi esse momento?
R – Da faculdade? Foi um momento bom, fiz amigos, só que eu era levado: eu ‘matava’ aula, levava meu violão, ia para o bar, ficava bebendo cerveja e tocando violão, ‘matando’ aula. Aí quando era no horário que terminava as aulas, eu voltava para a casa a pé. Mas eu achei engraçado que teve uma aula ou outra que eu faltava, mas tinha aulas que eu acompanhava, mesmo assim eu consegui concluir a faculdade. Foram três anos. Só que tinha essa danação da minha parte. Aí eu sei que, nesse meio tempo, tinha uma colega minha de outra sala, no caso, de Direito, comecei a namorar com ela, só que aí, depois de um certo tempo não deu certo e foi cada um pra um lado. Mas sem bronca. Numa boa. Aí, depois, a faculdade, na verdade, eu vim concluir quando eu já estava em Fortaleza, que era a tese que tem que fazer, estava faltando só a tese. Aí eu fiz a tese, mandei pra eles, aí eles mandaram a correção, me mandaram de volta, eu fiz a correção que eles quiseram, que eles pediram, mandei de volta e pronto, me formei. Nesse período eu já estava em Fortaleza. Foi em 2001.
P/1 – Como você se sentiu?
R – Me senti bem sabendo que tinha concluído a faculdade. Você sabe como é: quando você conclui, você já acha que vai arrumar emprego bom, ganhando bem, só que eu vi que não era bem assim.
P/1 – E qual foi seu primeiro trabalho?
R – O meu primeiro trabalho eu trabalhava numa empresa que fazia contagem de mercadoria e eu não lembro mais o nome, acho que é Fornecedora. Aí eu trabalhava nessa empresa, a gente viajava de um estado para outro, para contar as lojas, para passar para o dono o que estava faltando, o que tinha, o que não prestava mais. Aí nesse trabalho eu ganhava pouquinho: um e pouco por hora. Falei: “Ixi Maria, o que eu estou fazendo aqui?” Aí nessas contagens, eu fui contar lá na Americanas do Shopping Iguatemi, que tem lá, que é um dos melhores. Aí eu conversei com a dona, falei que tinha interesse em trabalhar lá e tudo, ela marcou um dia para eu fazer entrevista, eu fui, passei na entrevista, até me lembro, aí eles me lançaram um desafio para eu ficar oferecendo cartão da empresa. Eu consegui convencer dez pessoas a fazer o cartão, eles me contrataram. E quando eu trabalhava, no começo, eu era um dos melhores nessa parte de cartão, já ia falando e já encaminhava a pessoa para o local onde ela ia fazer o cartão.
P/1 – Isso foi que época, que ano, mais ou menos?
R – Foi em 2010. Antes eu trabalhava com meu irmão, ele tinha um projeto que acabou não dando certo e eu trabalhava meio período, aí era o meu pai que pagava para mim, só que ele não queria que eu soubesse. Aí meu irmão me contou, só que eu fiquei ‘na minha’, não falei nada. Meu pai queria que eu pensasse que era meu irmão que estava me pagando, só que na verdade era ele. (risos) Eu descobri porque meu irmão me contou, mas aí eu também não falei nada.
P/1 – Aí, depois, você foi pras Americanas?
R – Depois eu fui pras Americanas.
P/1 – E como foi a experiência lá? Você ficou bastante tempo?
R – Fiquei. Lá eu fazia tudo, ia para o caixa, arrumava loja, descarregava caminhão, arrumava as mercadorias nas prateleiras. Aprendi a montar prateleira, a ‘botar’ preço nas mercadorias, colocar mercadorias no salão. Eu comecei como auxiliar de loja, que era só recolher a bagunça dos clientes, ‘botar’ os produtos no lugar e ficar no caixa. Depois eu passei pra assistente comercial, essa parte de receber mercadoria, organizar, colocar preço e todo ‘santo dia’ lá o preço mudava. Você tinha que estar mudando o preço todo dia. E tinha um shopping novo que abriu lá, chama Shopping Jockey. Era o Jockey Club e virou shopping lá. Aí eu e uma equipe, aprendi a montar a loja, montar as prateleiras, foi bom. Aí eu estava um pouco desgostoso, porque não era aquilo que eu queria pra mim, aí eu cheguei para a minha gerente e disse a ela que eu queria fazer um acordo, ela disse: “A empresa não faz acordo”. Parece que não pode. Aí eu disse: “Então, ‘mata’ as minhas contas” “Por que você saiu da empresa?” Eu falei: “Não é o que eu quero, o que eu vou fazer lá?” Mas foi bom, porque eu aprendi bastante coisa na empresa, foi uma escola pra mim. É essa a imagem que eu tenho das Americanas: foi uma escola, aprendi bastante coisa lá. Aí, das Americanas, eu fui pro posto de gasolina, do lado do apartamento que eu residia. Aí eu fiquei um tempo nesse posto de gasolina, acontecia aqueles clientes malandros, diziam para ‘botar’, que depois pagava, aí eu acabei ‘caindo’ nessa, aí às vezes eu já cheguei a colocar combustível errado no carro, coisas que aconteciam, às vezes faltava dinheiro do meu caixa, eles descontavam, eu falei: “Não, não, estou na profissão errada, não quero trabalhar com isso, não”. Sabe o que foi a gota d’água? Eu fiz sem perceber, mas quando eu percebi, eu falei: “Puts grilo”. O meu chefe tem uma Hilux e o carro dele é a diesel, mandou encher o tanque, peguei a mangueira da gasolina e enchi o tanque dele. Eu falei: “Pronto, agora eu perdi meu emprego”, aí eu com a mão na cabeça, ele: “O que foi que aconteceu?” Eu falei: “Eu ‘botei’ gasolina no carro do senhor, em vez de diesel”. Aí ele queria que eu resolvesse essa parte, só que tinha um amigo meu lá que resolveu, limpou o tanque, tudo, eu tive que pagar trezentos e tanto de prejuízo. Aí a minha chefe ainda falou: “Você quer parcelar esse valor, que eu parcelo pra você”. Eu falei: “Não, quero pagar de uma vez e eu já fico livre dessa dívida”. Aí foi descontado trezentos e tanto do meu salário. Teve uma vez que eu fui “botar’ combustível num carro, aí o cara falou... era cartão, quando eu fui buscar a maquininha para passar o cartão dele, ele foi embora. Eu falei: “Não, chega, não quero esses... estou tendo prejuízo nessa empresa, é melhor eu ir embora”, aí saí desse posto e fui pra outro posto. A mesma coisa. O carro do cliente era a álcool, eu enchi com gasolina aditivada, mas o carro dele era flex, só que o cliente queria álcool, não queria aditivada. Aí essas coisas foram acontecendo e acabei perdendo o emprego. Aprendi no primeiro posto de gasolina também a receber combustível.
P/1 – E aí, depois do posto?
R – Depois do posto meu casamento também não estava muito bom, aí…
P/1 – Ah, você já estava em Fortaleza, nessa época?
R – Eu já estava em Fortaleza. Aí conversei com meu primo, foi lá, eu contei a ele tudo que estava acontecendo, ele disse: “Cara, eu preciso te tirar daqui”. Aí eu contava a minha vida para o meu primo, tudo que estava acontecendo e ele ficava indignado com a minha ex-companheira. Aí tinha o casamento do meu irmão, meu primo ia pagar minha passagem, eu não tinha dinheiro para pagar da minha esposa e da minha filha, porque se eu tivesse, eu teria pagado e o que foi que ela fez, a mãe da minha filha? Minha filha estava de férias aqui em São Paulo, uma irmã da igreja que a gente frequentava a CCB, Congregação Cristã do Brasil, viajou, ela sabia que ela não ia para o casamento, teve essa viagem, ela foi, me deixou com quarenta reais e dois cachorros, para eu tomar conta. E já era fim de ano e a sorte é que tinha um cartão da minha irmã no meu nome, aí minha irmã disse: “Olha, André, você usa esse cartão, compra um sorvete, uma pizza, alguma coisa, para o seu Natal não ‘passar em branco’”. Eu falei: “Está certo”. Aí eu fiquei em casa, comi essas coisas e ela viajando, tanto é que ela estava no interior de São Paulo, acho que é Mairiporã. Aí foi até o Guarujá, que era onde minha filha estava, ficou uns dias com a minha filha, depois voltou pra Mairiporã. Aí de Mairiporã, ela voltou para Fortaleza. Aí tudo bem, quando chegou o dia de eu viajar, eu disse: “Está certo, agora é a minha vez”. Eu deixei com ela: “Está aqui, quarenta reais”. Foram os quarenta reais que ela me deixou, quando ela foi viajar. Fui pro casamento do meu irmão, não voltei mais pra casa. Aí minha família, sabendo de tudo que estava acontecendo, minha irmã falou que meu primo me mandasse pra São Paulo. Aí, chegando em São Paulo, minha mãe estava no sítio do meu padrasto, aí o motorista me pegou e me levou pro sítio onde estava meu padrasto e minha mãe. Aí eu fiquei com eles lá, mas isso aí foi depois do casamento do meu irmão. Foi muito bonito o casamento do meu irmão, em Goiânia. Meu primo mora em Brasília. Chama Edvaldo. Meu irmão chama Alexandre. Meu irmão por parte de pai se casou e eu estava lá, no casamento dele. Chegando em São Paulo, eu fui pro interior, pra Sarapuí. São uns 8 quilômetros do sítio do meu padrasto até a cidade de Sarapuí. Fui pro sítio do meu padrasto, chegando lá almocei e fiquei com eles lá até o dia deles voltarem para São Paulo. Voltamos para São Paulo, eu fiquei na casa da minha mãe, conversei com a minha família e eles procuraram me orientar da melhor forma possível. E chegando aí em São Paulo, foi feito meu diagnóstico e constatou que eu sou TEA, Transtorno do Espectro do Autismo. Meu CID é o 10 F 84, que é a classificação da minha deficiência. E meus irmãos começaram a ir atrás dessa parte, para me ajudar. Esqueci, teve um local que eu frequentei, que eu esqueci o nome, não estou conseguindo me lembrar agora, que é para pessoas deficientes, fica na Avenida Angélica. Eu esqueci o nome. Aí eu participei de umas reuniões com eles, inclusive um dos donos lá desse local era cliente do meu irmão. E o meu irmão nesse dia foi comigo, aí mostraram a imagem de um desenho lá, aí as pessoas tentando adivinhar, eu olhei bem e disse: “É o mapa da Europa” e estava certo. Aí eu sei que eu fiz um teste com negócio de montar robô, controlar essas coisas, aí nesse teste eu não passei. Aí eles me convidaram para, no ano seguinte, eu fazer um curso com eles de cinco meses, só que eu acabei não indo. Eu queria falar o nome do local, só que eu não estou conseguindo me lembrar. Eles têm vínculos com empresas, para empregar pessoas PcD no mercado. É igual a Ser Especial, que eu estou.
P/1 – André, só queria retomar, para conseguir te acompanhar: depois, nesse período que você trabalhou no posto, você decidiu se mudar para Fortaleza. Queria que você me contasse de onde veio esse seu desejo, essa motivação dessa mudança de cidade.
R – Bom, eu fui em 2000 pra Fortaleza, porque foi o ano que meu pai de criação faleceu, senti falta de um pai e fui morar com meu pai biológico.
P/1 – E como foi essa experiência de morar com seu pai biológico?
R – Olha, foi boa e não foi. Boa porque pude conviver mais tempo com ele, conhecê-lo melhor, mas esse período que eu fui morar com ele também a gente parecia dois escorpiões, eu o culpando pelo que aconteceu, ele dizendo a versão dele, a gente não conseguia se entender, mas hoje em dia tudo isso já é passado. Hoje em dia somos grandes amigos. Eu compreendi o lado dele, ele também soube da minha deficiência, ele me aceitou e está tudo bem.
P/1 – E nesse período você conheceu a sua ex-esposa?
R – Nesse período eu conheci minha ex-esposa.
P/1 – Como vocês se conheceram?
R – Ela era amiga da moça que trabalhava na casa da minha tia. E eu, solteiro, doido pra arrumar uma namorada. Nesse período eu ficava jogando, eu gosto de futebol de videogame e ficava jogando futebol na casa do meu irmão e ela apareceu por lá e o que me chamou a atenção nela foram os cabelos lisos dela, compridos. É o tipo de mulher que eu gosto: cabelo liso e comprido. E comecei a conversar com ela, elas iam para um karaokê, era um sábado, eu acho que foi 25 de abril de 2000, uma coisa assim. Aí eu me ofereci para sair com elas, elas disseram que eu podia ir, aí na minha cabeça eu ia ficar com a Maria. Aí, dentro do ônibus eu fiquei do lado dela, peguei na mão dela. Aí na cabeça dela não ia ‘rolar’ nada. Para você ver como são as coisas. Aí a gente estava no karaokê, eu estava tomando cerveja, ela estava tomando refrigerante e tirava notas boas, para impressioná-la, no karaokê. E quando ela menos esperou eu ‘roubei’ um beijo dela. Aí ela disse: “Adoro homem que ‘rouba’ beijo”. Foi aí que começou tudo. (risos)
P/1 – De uma longa história.
R – De uma longa história. Esse foi o princípio do meu relacionamento com a Maria.
P/1 – E quando chegou sua filha, em que momento vocês estavam, do relacionamento?
R – Eu já tinha voltado de Natal, foi comprado um apartamento, só que ficou no nome da minha madrinha e eu morava nesse apartamento e, morando nesse apartamento, foi quando minha filha nasceu. Eu me lembro, eu estava com 34 anos na época, quando eles me entregaram a minha filha, parecia como se eu estivesse recebendo um pacote, ela estava toda enroladinha. Nossa, foi um momento... eu tive uma euforia tão grande! Não dá para explicar a euforia, muito boa. Uma sensação muito boa você receber nos seus braços seu filho, que acabou de nascer. Nossa! Não tem explicação, mas é uma sensação muito boa. E eu muito feliz, liguei para minha família, os familiares da minha esposa e todo mundo dando os parabéns para a gente e eu ‘morto de alegre’. Muito feliz, muito alegre mesmo.
P/1 – E vocês decidiram ter a filha ou acabou ‘acontecendo’?
R – Decidimos ter. Minha sogra até falou comigo, ela disse: “Procure ter um filho, vocês moram juntos, a gente ajuda, a gente que é família ajuda e tudo”, aí acabamos tendo. A gravidez da Maria foi cesárea, cesariana. Ela teve que abrir a barriga para tirar minha filha. Mas minha filha nasceu bem, com saúde. Parece que foi hoje, sabe? Depois de muitos anos, eu segurando-a no meu braço. Nossa Senhora! Um momento marcante na minha vida.
P/1 – E como foi se tornar pai?
R – Foi uma sensação boa, de responsabilidade. Foi uma evolução. Vamos dizer assim: eu passei da fase daquele tipo de cara que sai, vai pra festa, fica com uma e com outra, parei com isso. Eu saí dessa fase para uma fase mais madura, mais de compromisso, mais de responsabilidade e foi bom. Chega um período da nossa vida que a gente amadurece, é bom.
P/1 – E nesse momento da vida de vocês, como estava seu casamento?
R – Não estava muito bom, não. Mas a Yandra, quando nasceu, me aproximou mais da Maria, mais a Maria de mim.
P/1 – Qual é o nome da sua filha?
R – Yandra.
P/1 – E como foi esse momento de decidir voltar para São Paulo?
R – Foi um momento delicado, meu casamento não estava bom. Ou seja, lá tudo estava dando errado pra mim, eu falei: “Não, eu tenho que... meu lugar não é aqui, já que está dando tudo errado, vou voltar pra casa da minha mãe”. Aí era pra eu ter voltado pra cá, porque conquistar tudo que eu conquistei. Eu estava no local errado e no momento que tudo dá errado pra você, você acaba querendo mudar de cidade, tentar uma vida nova, com outras pessoas.
P/1 – Que ano que você voltou?
R – 2019.
P/1 – Você voltou em 2019 para cá?
R – Para cá. E hoje em dia eu sou amigo da minha esposa, a gente procura manter a amizade, pela nossa filha e também para a gente ter um relacionamento bom entre os dois. É importante.
P/1 – E André, como foi essa retomada? Como acabou ‘desenrolando’ a sua vida aqui em São Paulo?
R – Olha, eu tive o apoio da minha família e depois que eu descobri... eu estava em Brasília, antes de descobrir o que eu tinha, o meu primo Edvaldo disse: “Você tem alguma coisa” e falou que eu tinha uma deficiência e tudo, só não sabia o que era. Eu aceitei, porque eu sabia que eu tinha alguma coisa. Eu poderia ter ficado chateado com ele, no momento que ele falou isso, mas não, eu aceitei numa boa e digo: “Vamos pra São Paulo para descobrir exatamente o que eu tenho”. Andei pesquisando sobre a minha deficiência, ela chegou aqui no Brasil em 2015, começou na Dinamarca, era um técnico de TI experiente e tinha um filho PcD, aí ele ‘botou’ o filho dela para trabalhar com ele e percebeu que o filho levava jeito pra trabalhar com essa parte e tudo começou aí. Ah, lembrei do nome do local, que estava tentando me lembrar: Specialisterne, não sei se você conhece.
P/1 – Como é o nome?
R – Specialisterne.
P/1 – Ah!
R – Foi lá que eu descobri que já existia em outros países essas deficiências, mas que chegou no Brasil em 2015. Talvez isso explica esse tempo todo eu ter ficado sem saber o que eu tinha.
P/1 – E como foi esse período de descoberta? Como você se sentiu?
R – Eu agia como se eu fosse uma pessoa normal. De princípio eu fiquei um pouco acanhado, mas depois eu aceitei. Eu falei se, mesmo sem saber o que eu tinha, eu consegui emprego como se eu fosse uma pessoa normal, então pronto: é aceitar e continuar ‘tocando o barco’, mas de princípio eu fiquei um pouco pra baixo, depois de tudo que eu tinha passado. Mas eu aceitei, vivo numa boa, nasci com isso, vou morrer com isso, é aceitar e pronto, ‘tocar o barco’ pra frente.
P/1 – E alguma coisa mudou, transformou alguma coisa na sua vida receber, descobrir isso, ou não?
R – Olha, transformou porque era uma dúvida que eu tinha há muito tempo, que foi desvendada. E eu estou lidando numa boa com isso, tenho os benefícios que antes eu não tinha, agora eu tenho. Um dos benefícios é o transporte gratuito. Ainda me dá direito a um acompanhante. Quando eu vou assistir cinema, essas coisas, pago meia, apresentando minha carteirinha de PcD. Na verdade, a carteirinha que eu tenho é de transporte, que confirma que eu sou PcD e eles dão... se eu for pra shows também, eu pago metade do preço. Posso pegar metrô de graça, ônibus de graça, posso pegar até trem de graça. Isso é vantajoso. Tenho, acho que é o bilhete único, que dá direito a pessoas... só que no caso eu teria que ir para Assistente Social do SUS, para fazer o encaminhamento - preencher uma ficha - para Brasília. Sendo aprovado, eu recebo esse... Passe Livre, o nome do cartão. Esse Passe Livre eu posso viajar de um estado para outro, só apresentando RG e a carteirinha. Ainda sento na frente, se eu for de ônibus e ainda me dá direito a um acompanhante. Posso ir de ônibus e de transporte marítimo também, no caso, seria um navio, um barco. Só não posso, por exemplo: de São Paulo para o litoral ou para o interior, mas de São Paulo para o Rio de Janeiro, para os outros estados. É que eu não tirei ainda essa carteirinha.
P/1 – Está nos planos?
R – Está nos planos.
P/1 – E como foi ‘desenrolando’ sua trajetória profissional?
R – Ah, está sendo fantástico! Estou aprendendo coisas novas, estou me desenvolvendo e isso, para mim, é gratificante. Isso faz com que eu goste mais do trabalho que eu estou fazendo e procure me aprofundar nele.
P/1 – Mas, André, conta pra gente como você ficou sabendo desse trabalho, como você entrou na Ernst & Young.
R – Bom, eu comecei pela Panco, pela Ser Especial. Aí, lá na Ser Especial, pessoas lá de dentro disseram que tinha essa oportunidade e se eu tinha interesse, aí eu falei que tinha. O próprio Ser Especial foi que fez essa transição minha, da Panco pra Ernst & Young. Eu saí da Panco, ou seja, não tive problema nenhum, não foi nada disso. Foi simplesmente em busca de um emprego melhor. Aí tive essa transação, mantive as minhas amizades na antiga empresa, me dou com todo mundo. Foi dessa forma que eu cheguei na Ernst & Young. Meu suporte foi a Ser Especial. A Ser Especial foi a ponte entre eu e a empresa.
P/1 – E como foi entrar? Você lembra do primeiro dia de trabalho lá?
R – Lembro. Foi bom. Eu não cheguei a ir na empresa, presencialmente. Era on-line, né? Fui na empresa, retirei o computador. Tem a Jéssica, que me acompanha, que é da empresa. Tem um conselheiro que me ajuda na questão de desenvolvimento profissional. Eu trabalho com uma equipe, me dou hiper bem, conheci meu chefe semana passada. Fui pra empresa, ele estava lá, conheci meu chefe e o superior do meu chefe, que é o Douglas. Um outro chefe, que está acima do Douglas também, que eu via por vídeos, eu vi pessoalmente, nossa, foi ótimo, muito gostoso. Almoçamos juntos: eu, meu chefe e o chefe do meu chefe e um colega meu também, que eu conheci pessoalmente. Foi fantástico! Eu adorei. Aí, devido o covid estar voltando, no começo tinha que usar máscara, depois tirou, agora tem que voltar novamente com a máscara. E lá, nossa, é um prédio luxuoso e já recebi... foi até bom no dia que eu fui conhecer meu chefe, que eu tirei, recebi meu crachá, que eu não tinha, para poder entrar no prédio, para trabalhar. Fiz o reconhecimento facial. Eu ‘boto’ meu rosto, a máquina detecta o meu rosto, aí abre a porta para eu entrar. Digito o andar que eu vou, já mostra o elevador que eu tenho que esperar, entro no elevador, não aperto nada, o elevador me leva. É bacana! E lá é tudo chique, sabe? Prédio todo chique. No começo eu tinha que reservar mesa para poder trabalhar lá, agora já entro direto e já vou pra sala, já trabalho. Eu fui pouco devido a pandemia, mas se não fosse a pandemia, eu fiquei sabendo que lá também você tem que reservar mesa, responder o RTO, que é essa questão do covid: saber se você não teve contato com ninguém, essas coisas, questão de segurança. Aí eu respondo rapidinho, aí começo a trabalhar. Envio para a empresa.
P/1 – Que ano que você começou a trabalhar lá?
R – Três de janeiro desse ano.
P/1 – E o que você faz?
R – Eu trabalho com chamados, recebendo chamados do cliente. Tem uma tela que eu fico monitorando. Quando chega um chamado que eu consigo resolver, eu mesmo vou lá rapidinho e resolvo. Quando eu não consigo resolver, eu já passo o chamado para a minha equipe, a minha equipe soluciona.
P/1 – E André, pensando em todos esses trabalhos que você já fez ao longo da sua vida, você já enfrentou algum tipo de discriminação, preconceito, tirando aquele do posto?
R – Não. Só o do posto, mas ali não foi... o preconceito que teve lá foi deles formarem a ‘panelinha’ deles e me pegarem como Cristo. Não foi relacionada a minha deficiência, nada disso. Em relação a minha deficiência o único preconceito que eu sofri era na escola, que eu sofria bullying, até o segundo grau. Quando eu entrei na faculdade, aí acabou o bullying.
P/1 – E quais são os seus maiores aprendizados que você tira da sua trajetória profissional?
R – Olha, de tudo que eu passei, eu aprendi um pouco de cada coisa e mais para frente, se precisar, por exemplo: eu não sabia nem mexer em um carro, na parte da frente. Aprendi a ver o óleo, a colocar, ‘botar’ água no radiador, produtos que o próprio posto vende pra colocar no radiador para o carro funcionar melhor, essas coisas eu não sabia e fui aprendendo, quando eu trabalhei no posto, por exemplo. Nas Americanas: tirar preço, organizar mercadoria, montar prateleira, ficar no caixa, receber caminhão. Ou seja, tudo isso. Organizar mercadoria no estoque, abastecer a loja, tudo isso, para mim, foi... se mais pra frente eu vir a precisar dessas coisas, eu já sei. É como eu disse: as Americanas, para mim… os empregos por onde eu passei foram escolas pra mim, na questão profissional.
P/1 – E para você, qual é a importância de existirem empresas que pensem nessa questão de inclusão e diversidade no mercado de trabalho?
R – Eu acho importante. Eu acho que todos nós somos seres humanos, todos nós merecemos uma oportunidade, independente da raça, da deficiência, da opção, acho que todos nós merecemos uma oportunidade. Todo mundo merece uma oportunidade e quando essa oportunidade chega na mão da pessoa, ela deve aproveitar da melhor maneira possível, para o seu próprio desenvolvimento profissional.
P/1 – E como é o seu dia a dia?
R – Meu dia a dia é tranquilo: acordo cedo, tomo café e ligo o computador, para começar a trabalhar. Gosto do que faço e é difícil, às vezes, você encontrar uma coisa que você goste, mas é possível você descobrir aquilo que você gosta e investir naquilo que você gosta, procurar trabalhar naquilo que você gosta. Se for algo que de princípio não lhe dê algum retorno financeiro, mas é válido, porque você vai ganhando experiência e, com o tempo, o dinheiro vem. Eu acho que tudo é válido. Agora, em relação às pessoas que precisam de emprego, elas mereciam mais oportunidades, o mercado incluir essas pessoas, dar mais atenção pra esse lado, de ajudar o próximo, porque Jesus mesmo disse: “Ame ao teu próximo, como a ti mesmo”. Eu acho que deveria haver mais humanidade, mais amor, mais respeito, mais auxílio entre as pessoas, nada de discussão, nada de brigas, essas coisas ruins. As pessoas deveriam parar com isso e procurar ser mais gentis, umas com as outras. Se tratarem bem, respeitar, que uma coisa que eu aprendi na vida: você pode não gostar de uma pessoa, mas o respeito é obrigatório, para um bom convívio.
P/1 – E nas horas de lazer, o que você gosta de fazer?
R – Nas horas de lazer eu toco violão; assisto vídeos no YouTube, engraçados, fico dando risada; gosto de discoteca, apesar de eu não estar frequentando, mas eu gosto dessas casas dançantes, de dançar; conhecer uma pessoa legal. Quem sabe através daí conhecer uma pessoa bacana, uma namorada. Estou querendo arrumar namorada, mas enquanto não aparece a gente vai ‘tocando o barco’, vai vivendo, fazendo a nossa parte e no momento certo aparece. Enquanto não vem, a gente vai ‘tocando o barco’.
P/1 – E como a pandemia, o covid impactou sua vida?
R – Olha, eu tive que ficar mais em casa, nesse período eu estava na casa da minha mãe, ajudava dentro de casa, que é coisa que eu não fazia antes e estava convivendo mais com a minha família, no dia a dia. Aprendi a cozinhar, que eu não sabia; arrumar uma casa também, que eu não sabia fazer e para mim foi válido, porque eu passei por isso, para hoje eu ter o meu canto e eu mesmo ser independente.
P/1 – E para você, quais são as coisas mais importantes hoje?
R – Olha, mais importante, algo que eu valorizo muito é uma amizade. Hoje eu sou... antes eu era humano, preocupado, hoje eu sou bem mais humano, me preocupo mais com as pessoas. Antes eu me preocupava menos, hoje eu acho que foi preciso eu passar por essa pandemia, pra dar mais valor às pessoas. E a pandemia tinha momentos que eu tinha que ficar dentro de casa, mas também, quando eu não aguentava, eu ‘botava’ uma máscara, álcool na mão, fazia uma caminhada, voltava pra casa. Eu digo: eu não posso, não é porque está tendo essa pandemia que eu vou ficar trancado dentro de casa. Eu preciso, tenho feito caminhadas nesse período; tenho assistido filme; aprendido a cozinhar; tomar conta de um local, uma casa e foi esse proveito que eu tirei da pandemia. Aprender coisas do dia a dia, que eu não sabia. E foi bom eu ter passado por isso, porque hoje eu sou independente, eu mesmo faço a minha comida, eu arrumo meu apartamento, lavo minhas roupas, lavo louça, faço tudo, virei um dono de casa. Pra mim foi válida essa experiência.
P/1 – E quais são seus sonhos?
R – O meu sonho é crescer e ajudar outras pessoas a crescer. Esse é o meu propósito de vida na Terra. É crescer financeiramente, espiritualmente e poder ajudar outras pessoas também.
P/1 – E, André, tem alguma pessoa que te inspirou ou te inspira muito?
R – Tem uma pessoa que não está entre nós hoje, eu digo uma pessoa famosa, que me inspirou, foi o Einstein, Leonardo da Vinci, Steve Jobs, essas pessoas. Descobri que elas também eram PcDs e são verdadeiros gênios. Aí eu fico pensando: se eles chegaram até onde eles chegaram, significa que eu também posso, basta eu querer e correr atrás. Foram os gênios da História. O Tesla também. São inspirações pra mim.
P/1 – A gente está chegando ao fim e antes queria te perguntar se você gostaria de acrescentar alguma coisa, alguma passagem da sua vida, alguma história, fazer algum comentário, alguma coisa que eu não tenha te perguntado.
R – Bom, o que eu queria dizer é que foi válido o que eu passei desde pequeno até agora, para eu chegar onde eu estou. A vida é feita de altos e baixos, mas a partir do momento que você acredita em algo e que você ‘corre atrás’, pode levar o tempo que for, mas você alcança. E quando você alcança é um gosto de vitória muito bom, sensação muito boa, vale a pena. Eu digo às pessoas que a minha história foi inspiradora e que inspirem vocês também a mudar, serem pessoas melhores. Dificuldade todos nós passamos, mas você ser feliz e alcançar seu objetivo não é impossível. É possível e eu sou prova disso. E que a minha história sirva de inspiração para outras pessoas também.
P/1 – Eu ia te perguntar se você gostaria de deixar alguma mensagem pras pessoas, talvez você já tenha... diga, diga.
R – Insista, persista, jamais desista. Acredite no seu potencial. Todos nós temos potencial, basta descobrir e explorar ao máximo e desenvolver. Todos nós somos capazes de chegar onde nós quisermos.
P/1 – O que você gostaria de deixar como legado para as próximas gerações? Tem algo que você, com a sua história, o que as pessoas mais novas, que ouvirem você...
R – O que eu queria dizer para as pessoas mais novas é que estudem, procurem se aperfeiçoar em cursos, procurem tratar bem as pessoas, respeitarem, serem pessoas boas e estenderem a mão pro próximo, porque eu acho que, de todas as virtudes, a maior de todas é o amor.
P/1 – Queria encerrar perguntando como foi pra você passar essa noite com a gente, dividir um pouquinho da sua história, lembrar tantos momentos da vida.
R – Foi bom. Eu até agradeço pela oportunidade e eu voltei no tempo, foi muito bom, foi bom nós termos assistido esse filme, que isso serve também de inspiração pra continuar e é bom a gente relembrar tudo que a gente passou, para a gente, daqui pra frente, procurar ser pessoas melhores, em todos os aspectos.
P/1 – Sim, você começou falando que ia ser um filme. Obrigada por dividir esse filme com a gente! Acho que a gente conseguiu (risos) imaginar um pouco, com as suas histórias. Te agradeço muito, em meu nome, em nome do Museu. Muito obrigada!
R – Eu também agradeço poder colaborar e ter essa oportunidade, também.Recolher