Projeto: Mercado Livre - Biomas que Transformam
Entrevista de Joanna Martins
Entrevistada por Grazielle Pellicel
Local: São Paulo (SP) / Belém (PA)
Data: 01/07/2022
Código da entrevista: PCSH_HV1204
Transcrita por Monica Alves
Revisada por Grazielle Pellicel
P/1 - Oi Joanna, tudo bem com você?
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Projeto: Mercado Livre - Biomas que Transformam
Entrevista de Joanna Martins
Entrevistada por Grazielle Pellicel
Local: São Paulo (SP) / Belém (PA)
Data: 01/07/2022
Código da entrevista: PCSH_HV1204
Transcrita por Monica Alves
Revisada por Grazielle Pellicel
P/1 - Oi Joanna, tudo bem com você?
R - Oi Grazielle, tudo bem! E com você?
P/1 - Tudo ótimo! Gostaria que você dissesse seu nome completo, data e local de nascimento, por favor?
R - É Joanna de Oliveira Leal Martins. Belém, 9 de setembro de 1980.
P/1 - Os seus familiares, seus pais, te contaram como foi o dia que você nasceu?
R - Não! Na verdade, eu sei que foi uma cesária marcada, [porque] minha mãe teve outras duas filhas antes de mim. Eu sei basicamente isso. Assim, não tem muita história do dia do nascimento mesmo. Eu sei de um pouquinho de antes… Na verdade, como eu sou a terceira filha, eu não fui planejada, fui um acidente. E eu sei que a minha mãe pensou em me tirar e que o meu padrinho, que era médico, foi quem enrolou ela para isso, para que ela não fizesse. Ele deu uma medicação para ela dizendo que era abortiva e não era. E aí, com isso, eu nasci. Então eu sei do antes. Essa história é bem emblemática, que eu brinco muito com a minha mãe: olha o que ela teria perdido se ela tivesse desistido de mim.
P/1 - E qual é o nome da sua mãe?
R - É Tânia!
P/1 - Você sabe bastante da família da sua mãe?
R - Eu sei! Eu sei um pouco do meu avô, [que] é uma pessoa que eu fui muito próxima. Ele era Coronel militar, e aí, desde que eu nasci, ele já estava na reserva. E ele era muito estudioso, ele lia muito, pesquisou muito na aposentadoria dele. O dia a dia dele era estar no escritório de casa lendo. E ele pesquisou muito sobre a guerra do Paraguai, porque ele era Gaúcho, então é das origens dele, e sobre Amazônia. Eu acho que muito do que sou hoje, vem dessa interação com ele, além da interação com o meu pai, com a minha avó, que é o outro lado que também era muito ligado, mas aí mais a [parte da] gastronomia do que a Amazônia [em si]. Eu era muito próxima do meu avô, costumava sair da escola muitas vezes e ficar com ele, então ele me contava muitas histórias. E a minha avó, ela é acreana, eles se encontraram em Belém, se conheceram em Belém, casaram, viajaram para outros lugares, porque militar nunca fica num lugar só, tanto que a minha mãe nasceu em Curitiba, minha tia nasceu em Florianópolis, Blumenau. E aí depois que ele entrou para reserva eles voltaram para Belém, e aí ficaram aqui até falecer.
P/1 - Qual é o nome do seu pai? E a família dele, você pode contar um pouquinho?
R -
Então, meu pai [se] chama Paulo, chamava Paulo. A família dele, a minha vó e o meu vô, são paraenses. Não sei de uma origem externa. É uma família que a muito tempo está aqui no Pará. E eles casaram, tiveram três filhos; o meu pai é o mais velho deles. E a minha avó é uma referência dentre eles, porque foi ela que começou muito da minha história. A minha avó quando percebeu que o meu avô não daria a condição financeira que ela gostaria para ter a qualidade de vida e manter os três filhos, ela resolveu trabalhar para fora, o que foi uma quebra de paradigmas na família, porque ela era neta de Governador, e isso fez com que já fosse um exemplo de uma mulher fora do padrão, vamos dizer assim. E aí, primeiro, ela começou costurando, mas não gostava muito de costura, até que ela aprendeu a cozinhar. E aí, a partir disso, ela começou a trabalhar com cozinha, se tornou uma grande quituteira, banqueteira, na cidade. E o meu pai, meus tios, ajudavam, como casa de qualquer pessoa que trabalha com isso, ajudava, o meu pai fazia a entrega, pegava ônibus e levava as encomendas. E quando ele se formou em arquitetura, ele propôs que eles abrissem um restaurante no porão da casa da família. Eles moravam na casa que foi do avô da minha avó, do governador, então [era] uma casa do início do século XX, grande, de três andares e tal. E aí eles fundaram o restaurante, que se chamou, Lá Em Casa, no porão da casa. A princípio eram nove mesas, era mais uma coisa tipo um botequim. E Lá Em Casa, porque era na casa da família e ele sempre chamava, por ela cozinhar muito bem, ele sempre chamava os amigos para comer lá em casa. E aí na hora de encontrar um nome para o restaurante, um dos amigos sugeriu que o nome já era esse mesmo, era só colocar, oficializar como "Lá em casa''. E o Lá Em Casa foi… A comida que se servia no restaurante, era uma comida caseira, e a comida caseira nossa é uma comida Amazônica. Só que nessa época, isso foi em 1972, os restaurantes em Belém, os poucos que tinham na cidade, não serviam esse tipo de comida: a maioria servia comida ou francesa, ou portuguesa. Porque Belém tem uma influência francesa muito grande, por causa da Belle Époque, na época da borracha. E aí isso, de alguma forma, chamou atenção do mercado local, dos turistas, das pessoas que visitavam Belém, que começaram a ter contato com esses pratos locais, amazônicos, de ingredientes e técnicas muito regionais, muito locais. E aí, desde 1980… Ela chegou a ser uma página no New York Times, falando sobre a Maniçoba, que é um prato muito característico e tradicional de Belém, feito com folhas de mandioca. E ela era uma hostess maravilhosa também, ela tinha muito prazer em receber as pessoas. E aí eu acredito que isso fez com que o restaurante começasse a se destacar, sempre baseado nessa cozinha tradicional. O meu pai foi arquiteto de formação e ele era uma pessoa muito criativa, então a partir do momento que ele entendeu que ele podia usar criatividade, que antes ele só empregava na arquitetura da cozinha, foi quando ele se encantou pela cozinha e começou a criar também o movimento local, de inovação. Antes, a minha vó só fazia a cozinha tradicional, o meu pai começou a pegar os elementos dessa cozinha e usar de formas inovadoras, disruptivas, o que no primeiro momento foi muito criticado na cidade, porque a tradição ela tende a não querer inovação, mas que depois de um tempo se mostrou algo muito interessante, especialmente para o mercado nacional, porque a forma como a gente come é muito da nossa própria cultura. E quando ele começou a fazer isso, usar elementos como o jambu, o tucupi, a farinha, em pratos mais internacionais, ele conectou o resto do Brasil a essa cozinha. E aí ele começou a ser chamado para fazer eventos, jantares, dar aulas, porque esse também era o momento que a cozinha Amazônica começava a ser descoberta pelo Brasil. A cozinha brasileira também começava a ter formação, porque até então não existia cursos de formação na área. Isso ali pela década de 90, ano 2000. E ele começou a difundir essa cozinha dentro do meio gastronômico, se tornou reconhecidamente, extra-oficialmente, como embaixador da cozinha paraense dentro do setor. Depois já do seu falecimento, foi inclusive reconhecido pelo Ministério da Cultura com a comenda do mérito nacional por esse trabalho que ele realizou localmente. Enfim, se você deixar eu vou falando aqui [e] não paro mais.
P/1 - Você acha que isso impactou muito na sua vida, pro Manioca hoje em dia?
R - Com certeza! Eu nasci e cresci nesse ambiente de restaurante. Até os meus onze anos, o restaurante era na casa da minha avó e eu morava no prédio ao lado, então eu saia da escola, eu não ia para casa, eu ia para o restaurante, porque no restaurante trabalhava minha tia, a minha mãe, a minha vó, o meu pai, então eu fazia o dever da escola no restaurante. Então, isso… Eu cresci nesse ambiente, empreendedor, familiar e ligado a essa cozinha. Mas assim, eu acho que a vida da gente é uma construção, então eu acho que talvez por estar muito dentro desse meio, eu não enxergava, ou talvez eu não… Eu ainda não tinha sido convencida de que isso era o melhor para mim, por exemplo; então eu resolvi estudar publicidade, e aí fui para São Paulo fazer faculdade. E eu estudei publicidade por causa do meu pai; nessa relação com restaurante: ele me levava quando ele ia à agência de publicidade que fazia a divulgação do restaurante, ele me levava junto e aquele universo me encantou. E aí eu fui fazer publicidade em São Paulo e foi, eu acho, que a partir desta vivência, de quatro, cinco anos em São Paulo, que o embrião da Manioca começou a surgir, porque eu me senti muito incomodada de chegar em São Paulo e ver que a minha cultura era muito distante da cultura de São Paulo. Então aquilo me incomodou e de alguma forma me impactou, e quando eu decidi voltar para Belém, eu já vim com a ideia de que precisava fazer algo para mudar essa realidade. Apesar do meu pai já fazer isso, minha família já fazer isso, eu precisava fazer alguma coisa diferente. E aí eu ainda atuei por um tempo dentro do restaurante da família, administrando o restaurante; depois eu busquei uma formação em administração, porque eu sentia uma necessidade de complementar o conhecimento na área. Atuei na publicidade local também, na área de mídia, de atendimento publicitário. E depois voltei a atuar no restaurante, quando meu pai, em 2008, ele se afastou da gestão do restaurante por problemas de saúde. A minha mãe assumiu a gestão, aí eu e minha irmã também viemos apoia-lá nesse processo. Eu [era] mais voltada para área de gestão e marketing; a minha irmã, na cozinha. E aí, antes disso, eu já tinha também criado uma loja virtual de produtos Amazônicos com uma amiga, sócia, com esse intuito, essa vontade de fazer o Brasil conhecer a Amazônia era muito grande. Essa loja virtual foi fundada em 2009, era o momento que o e-commerce no Brasil estava começando, era algo muito novo. E também foi um grande aprendizado para o que hoje é a Manioca. A gente tem na Amazônia uma cultura muito rica, não apenas culinária, mas nós temos artesanato, bijuteria, perfumaria, música, literatura, tudo muito particular aqui da região, do Pará mais especificamente, que é meu território, mas que é um pouco comum em parte a toda a Amazônia. E essa loja virtual [se] chamou Amazônia Empório: ela vendia todo tipo de coisa, desde comida até artesanato, perfumaria. Foi uma experiência muito rica. Ela foi criada para comercialização de produtos para fora da região mesmo, já focando no mercado nacional. O que fez ela não funcionar, a gente desistir do projeto, era a logística, que na época era muito mais difícil do que é hoje. Hoje ainda não é fácil, mas era muito pior, especialmente para uma comercialização daqui direta para o consumidor final, tem níveis de dificuldade muito grande. E também a relação com a comunidade produtora, que não é uma comunidade urbana, é uma comunidade rural, florestal. E aí a gente não conseguia. A gente começou a ter demanda pelos produtos e não conseguiu que esses fornecedores acompanhassem esse ritmo da demanda. Isso gerou uma frustração muito grande e a gente viu que faltava muita coisa aí para o negócio dar certo, e a gente optou depois de dois anos [por] encerrar o negócio. Mas foi a partir daí que eu comecei a entender, porque eu falo: eu sou Amazônica, mas eu sou urbana. E a minha vivência sempre foi muito em Belém; eu não era aquela família, que: "Ah, eu tenho família no interior, eu vivo a floresta", não! Eu não tive essa vivência. Então, a partir da Amazônia Empório, eu comecei a entender esse ser rural e florestal da região. Num primeiro momento aquilo me frustrou muito, eu criei um sentimento negativo por isso, porque eu vim com uma visão econômica de grandes centros urbanos, em que gerar recursos, ganhar dinheiro é o principal, é o fundamental. E depois dessa experiência… Num primeiro momento, eu questionei essa postura, desses produtores rurais e florestais negativamente e depois eu ressignifiquei isso, entendendo que essa lógica do capital nem sempre é a mesma para todo mundo, que a lógica deles era outra, muito mais de equilíbrio, de qualidade de vida, de necessidade. De necessidade do dinheiro, mas também de necessidade de viver. E aí, ao entender isso, eu passei a respeitar. E a vontade de continuar trabalhando com isso, fez com que a Manioca nascesse, e aí aliada a essa história da cozinha, que é a herança que eu ganhei dos meus familiares. Aí nasceu a Manioca.
P/1 - Tinha alguma comida no restaurante ou que a sua vó fazia, que você lembra com muito carinho? Da sua infância.
R - Eu acho que tem várias. Sempre escolher é o mais difícil, mas eu acho que o pato no tucupi, que é um prato muito emblemático, eu sempre gostei. Muito pequena, eu era muito chata para comer. Como a minha família sempre me deu liberdade de escolher, e tinha um restaurante, um cardápio inteiro para comer, mas no final eu era muito só a mesma coisa, eu comia carne moída, com arroz e purê, que nem é nada regional. Mas, assim, dentro dos pratos mais familiares mesmo, eu acho que tem a roupa velha, que é um prato que é carne assada mexida com ovo. Não sei se isso tem em todo Brasil, mas aqui é um prato caseiro. E aí tinha também dois pratos que hoje eu adoro, mas que eu não comia quando era criança. Acho que isso é legal. Um é o pirarucu, um peixe de água doce, que aqui em Belém, especialmente, ele é muito consumido salgado, como um bacalhau: é feita a salga dele para poder conservar, e a gente depois de dessalgar, come, assim como um bacalhau mesmo. Só que o que que acontecia, esse pirarucu, para ser de salgado, ele ficava de molho em água por alguns dias, algumas horas, e o cheiro desse pirarucu sendo dessalgado era muito forte, então eu cresci, o restaurante era na casa da minha avó, eu cresci sentindo esse cheiro. E aí eu não conseguia provar aquela comida, porque era um cheiro muito desagradável. Aí, já adulta, eu fui provar, e é maravilhoso, eu me arrependi de não ter tido coragem de provar antes. E o outro prato é a maniçoba também, que é a mesma coisa, a condição dela, no primeiro momento o cheiro também não é muito bom, e aí eu também só provei quando adulta. Mas outros pratos da minha avó… Na adolescência, eu vinha para o restaurante, ia para o restaurante [e] uma vez na semana, mais ou menos, eu ia jantar com a minha avó, e a gente comia uma caldeirada de filhote, que é um peixe daqui da região também, um peixe de água doce. Era muito ritual mesmo, meu, dela e da minha tia-avó, que viveu a vida inteira com a minha vó. E a gente sempre…, era um momento assim: "Hoje é o dia de jantar com a vovó", a gente comia a caldeirada juntas e depois eu ia dormir na casa dela, então acho que a caldeirada é um prato que me lembra muito ela. E a caldeirada sempre com bastante farinha de mandioca.
P/1 - Você sabe como os seus pais se conheceram?
R - Eles se conheceram na faculdade de arquitetura, ambos eram arquitetos.
P/1 - E a sua família, seus pais, seus avós, eles contavam histórias para você quando você era criança?
R - Muita! Eu acho que o meu pai e o meu avô eram as pessoas que mais me contavam histórias, que eu lembro, que são mais… E o meu pai [contava] muito das vivências dele mesmo, do trabalho. A minha avó também contava muita história da família. Então, muito disso… E eu assim, no restaurante, o meu pai tinha um grupo de amigos que frequentavam muito assiduamente o restaurante, que eles chegaram assim até a ter um nome, a se dar um nome, que era o Senadinho. E nesse grupo eu ouvi muita história. Eu adorava. Eu era uma criança que ao invés de estar brincando, queria estar sentada na mesa do restaurante ouvindo eles contarem histórias, que não eram para mim, era entre eles mesmo, mas eu estava lá escutando. Então, isso é algo que me marcou muito desde muito nova. Eu gostava muito de ouvir eles contando as histórias. Eram histórias da cidade, das interações políticas também da cidade, porque algumas dessas pessoas eram bem articuladas, influentes, tinham pessoas de todas as formações no grupo, não era um grupo só, então era muito rico esse momento. Eu acho que mais de todos era meu pai, minha vó paterna e o meu avô que contavam muita história.
P/1 - Tem alguma história que você lembre, que é inesquecível para você?
R
- Meu avô, ele era Coronel; quando eu nasci, já era da reserva. Tem uma história que ele se prendeu, uma vez ele chegou, ele era muito rígido, e uma vez ele chegou atrasado no quartel e ele mandou que o oficial prendesse ele, porque quem chegava atrasado era preso; ele mandou que oficial prendesse ele e passou um dia preso, porque ele chegou atrasado. É uma história que eu lembro muito. A minha mãe contava histórias da infância, de pular o muro, roubar fruta do vizinho. Essa é uma história também que eu lembro bastante, que hoje eu vejo a minha mãe, ela não parece ter sido essa criança tão levada, e ela era muito levada. O meu avô, ele nadava muito e [era] aqui na beira do rio de Belém, quando mais novo, e ele tinha o apelido de peixe agulha, porque ele também era bravo e o peixe agulha é bravo. Ele odiava esse apelido! Quando eu descobri que ele tinha esse apelido, eu comecei a chamar ele de peixe agulha; aquela neta bem abusada. Isso é uma história legal. E aí ele não brigava comigo, porque meu avô, assim, todo mundo falava que ele era muito bravo, mas eu não consigo ter essa imagem dele, porque ele era uma pessoa muito doce comigo. Eu até dizia: “Não é possível que essa pessoa brava que vocês falam aí seja ele”. Era uma relação muito legal. E essa história do peixe agulha é engraçada, porque aí as pessoas diziam pra mim: “Não, não pode chamar ele de peixe agulha”, eu ia lá e chamava, [mas] ele nunca teve coragem de brigar comigo por causa disso.
P/1 - Você comentou que seu avô era gaúcho, né?
R - Isso!
P/1 - Você teve alguma ligação com a cultura gaúcha?
R - Não, [era] muito distante. A cultura na casa da minha avó era a cultura dela. A não ser pelo chimarrão, o meu vô tomava chimarrão de manhã e à tarde, mas eu nunca gostei do chimarrão. E eu acho que era o mais próximo da cultura gaúcha que eu tive, foi essa questão do chimarrão. Ele não era muito… De fato, ele abraçou a cultura paraense, Amazônica e nunca teve essa ligação muito forte.
P/1 - Sua mãe, ela seguiu a carreira de arquiteta?
R - Ela foi arquiteta por um tempo, chegou a construir, teve uma empresa de construção, construiu algumas casas, acho que um ou dois prédios. E depois ela trabalhou com representação comercial de produtos para a indústria da construção civil. Depois de um tempo, ela foi trabalhar na área de compras do restaurante. Então a trajetória dela foi essa. E aí, até o restaurante fechar, que ele fechou ano passado, ela tem uma indústria de massas também, de massas italianas: faz espaguete, lasanha… Acho que talvez venha dessa origem aí gaúcha, não sei, nunca aprofundei muito isso, mas vai ver que tem. Hoje ela tem uma indústria de massas. E aí [ela] ficou à frente da gestão do restaurante por um dez anos também.
P/1 - Por que o restaurante fechou?
R - O restaurante fechou na pandemia; foi o ano passado, tem um ano e alguns meses. O restaurante, desde que o meu pai faleceu… A minha vó faleceu três anos antes dele. E o meu pai teve problemas de saúde em decorrência da diabete. Ele sabia que era diabetico há muitos anos, mas nunca se cuidou. E aí teve uma hora que a diabete começou a cobrar conta: ele caiu e quebrou algumas vértebras, precisou fazer uma cirurgia e dessa cirurgia, ele nunca mais saiu da cama, passou dois anos e meio acamado e faleceu em 2010. O restaurante, ele sempre foi um projeto, apesar de familiar, que era da minha vó e do meu pai. E aí, depois que eles faleceram, existia uma obrigação da gente continuar com ele, uma obrigação até para com a cidade, porque além do restaurante, a gente… Meu pai, ele fez muito pela gastronomia paraense, ele foi esse grande divulgador, ele incentivou muito, ele fez um festival gastronômico que movimentou muito e mudou muito o cenário da gastronomia local em Belém. E aí a gente foi meio que cobrado a continuar o projeto. A minha irmã ficou a frente da cozinha por um tempo, eu também fiquei, mas até por visões de gestão muito diferentes, que eu tinha com a minha mãe e com a minha irmã, eu optei por criar a Manioca, buscar um caminho ali onde eu fizesse algo para dar continuidade a essa história, mas da minha forma. E elas ficaram à frente do restaurante. Mas ninguém fazia mais aquilo com a mesma vontade, sabe? E aí quando veio a pandemia, a gente acabou durante um ano usando toda reserva financeira do restaurante, e aí quando a gente percebeu… A minha mãe não é na essência empreendedora, ela odeia risco, ela… E aí quando a gente percebeu que a gente ia ter que começar a se endividar para poder manter o restaurante, eu e minhas duas irmãs refletimos, ligamos para o contador, entendemos que ainda tinha dinheiro para pagar todas as contas e optamos por encerrar ali para não causar um desconforto maior para minha mãe mesmo. Porque talvez ela não tivesse essa coragem de tomar essa decisão, por se sentir obrigada a continuar esse projeto. A gente chegou pra ela e falou: “Mãe, vamos fechar o restaurante”. Ela: “Mas como assim?”, “A gente já ligou para o contador, tem dinheiro para pagar todas as nossas obrigações, vamos ajudar [a] recolocar os funcionários e encerrar aqui, porque de agora em diante vai se tornar muito difícil, e a gente não quer isso!”. E aí encerramos. Foi muito difícil, porque a própria cidade cobrou da gente, esse encerramento, por tudo isso, foi 49 anos, mas eu acho que foi uma decisão correta e necessária, para que a gente pudesse trilhar o nosso próprio caminho e não ficar sonhando um sonho que não era nosso. E com isso, inclusive, eu também pude até dedicar mais esforços à Manioca.
P/1 - Porque de alguma forma o legado já foi passado.
R - Exatamente! A minha irmã hoje, ela trabalha com cozinha, ela tem um negócio de cozinha caseira e paraense, congelada. Eu tenho a Manioca. E a minha mãe está com [a] indústria de massa dela. Então todo mundo continua fazendo seu trabalho, só que do seu jeito.
P/1 - E vocês são em quantas irmãs ao todo?
R -
Somos três.
P/1 - Você se dão bem?
R -
Sim! Eu sou mais próxima da minha irmã do meio, porque, inclusive, a gente trabalha no mesmo lugar. O local onde é a Manioca, eu brinco que é um lugar familiar: além da Manioca, tem a Tutti Pasta, que é a fábrica de massas da minha mãe, e tem o Pra Levar, que é a cozinha de comidas congeladas da minha irmã; então eu acabo convivendo mais com ela. A minha irmã mais velha é contadora, concursada do Tribunal de Contas do Município, então ela tem uma vida diferente da nossa. Mas a gente se dá muito bem, conversa, se apoia, se crítica, como toda irmã também. É uma relação muito boa.
P/1 - Você falou que a sua mãe queria te tirar, você sabe por que ela queria isso?
R - Eu acho que porque, assim, dentro do planejamento familiar que ela teve, ela queria ter duas filhas, e eu foi um acidente, ela não planejou. E aí eu acho que foi isso, foi uma vontade momentânea. Acho que ela se arrepende muito até de ter pensado, até hoje isso. Mas era aquela coisa, não estava dentro dos planos dela.
P/1 - E a relação de vocês é boa?
R - É muito boa! Sempre foi até melhor com ela do que com meu pai. A relação com meu pai, eu acho que a gente era muito parecido, e aí a gente teve muitos momentos de conflito. Com a minha mãe não, sempre foi muito boa.
P/1 - Tirando seus pais, seus avós, tem algum parente muito querido que você sempre lembra?
R - Na verdade, tem muitos. A gente é uma família grande [e] muito unida, então eu tive uma madrinha muito carinhosa, muito presente, ela era minha tia-avó, e aí eu tinha ritual de estar na casa dela. Ela também, assim, dentro da casa dela também se cozinhava muito, e aí eu ficava lá, às vezes com a secretária dela fazendo pão, fazendo bolo. Pelo outro lado [da família] também. Eu tenho uma prima que chamo de tia, porque quando eu nasci ela já era adulta, que é uma segunda mãe para mim. Quando criança… Os pais dela que são meus padrinhos e a mãe, eu ia muito para [a] casa deles. [O] fim de semana, praticamente, eu passava lá. E ela gostava muito de criança, então ela fundou uma creche, e eu fui a primeira criança dessa creche, e a creche funcionou por dez anos e eu fui educada lá, toda minha base educacional veio de lá. Num determinado momento, eu passei para escola, mas da escola eu ia para lá também. E ela é muito presente, ela é madrinha do meu filho e é como se fosse mesmo uma segunda mãe minha. Além da minha tia, que [é] a irmã do meu pai também, que é muito próxima, a tia Helena, hoje ela mora nos autos da minha casa, então a gente tem mais relação super próxima. Eu tive influências familiares muito presentes, eu acho que inclusive foi isso que fez eu não continuar em São Paulo, sentia muita falta desse ambiente familiar, [que] ele sempre foi muito rico. O fato de todo mundo trabalhar também no restaurante, então era uma presença constante da família e de muitas dessas pessoas. O meu padrinho também foi uma referência para mim, ele era médico e muito carinhoso também, muito contador de histórias também, ele contava bastante história. Eu casei na casa dele, porque eu sou solteira hoje, mas eu sou separada na verdade. Meu casamento foi na casa dele, era uma casa no distrito aqui de Belém, assim, na beira do rio, uma casa também Centenária, com muita Floresta, o meu casamento foi no meio da floresta. É uma relação familiar muito próxima de várias pessoas, não só do núcleo maior.
P/1 - Você comentou que a sua família é bem grande. Tem alguma comemoração, algum momento que vocês se reúnem?
R - Então, a gente sempre teve… Assim, o Círio de Nazaré, que é um momento, que para Belém talvez [seja] até mais importante que o Natal. E aí sempre foi um momento de reunir a família… Apesar do restaurante, que todo mundo fazia isso no restaurante, mas sempre foi um momento muito importante para gente. Os aniversários também, sempre foram momentos de reunião. E no Natal, a gente normalmente se reunia no almoço do dia 24 na casa da minha avó… Na verdade, no jantar do dia 25. Desculpa. Na casa da minha avó, porque o restaurante funcionava [no dia] 24, [e] funcionava [durante o] almoço de 25, e aí na hora da folga era quando a família se reunia. Esse era um momento, anualmente, de encontro da família. Hoje em dia, com a pandemia, a gente passou a se encontrar todo sábado na casa da minha mãe, então isso se tornou um ritual familiar. E também o natal e o Círio são momentos de encontro. Hoje o dia 24 é na minha casa e no dia 25 é um almoço na casa da minha mãe. Então essas datas são de reunião familiar.
P/1 - Como é que vocês comemoram o Círio de Nazaré?
R - O Círio são algumas procissões que acontecem aqui em Belém em alusão a Nossa Senhora de Nazaré, em homenagem a ela. Que apesar de eu não ter religião, eu sou devota de Nossa Senhora de Nazaré. Eu brinco que eu não preciso da religião para ter Deus no meu coração, mas ela é quem me apoia nos momentos difíceis e me ajuda a superar os desafios. E a gente normalmente… O almoço do Círio é um momento de muita confraternização nesse processo e a procissão passa na rua de trás do apartamento da minha mãe, então a gente vai para lá para ver a procissão passar. E aí, depois disso, a gente faz um almoço do Círio, com todos os pratos tradicionais da nossa culinária: o Pato no tucupi, a maniçoba, caranguejo; e sempre tem alguma coisa a mais além desses.
P/1 - Você lembra da casa onde você passou sua infância?
R -
Lembro muito, de todas elas, porque não foi só uma. Eu morava num apartamento com os meus pais e passava muito dos dias na casa da minha avó, onde era o restaurante. Na casa da outra avó também. E na casa do meu padrinho. E na casa da minha madrinha. São muitas casas, que eu lembro bastante de todas elas.
P/1 - Por que você é devota de Nossa Senhora de Nazaré? Tem algum motivo?
R -
Não, eu acho que é pela cultura paraense mesmo, por toda a importância do Círio. E eu sou uma pessoa de muita fé, eu acredito muito, que acho que nesse ponto, que eu sou católica de batismo. E eu acredito muito na questão que o espiritismo prega, das vidas, da evolução: eu acho que a gente tá aqui para evoluir. Tenho muita fé, acho que muita coisa acontece na nossa vida, porque tem que acontecer, porque a gente precisa passar por determinadas questões para evoluir, especialmente. E eu acho que essa relação com nossa senhora é mais uma relação materna mesmo também, eu acho que é muito da cultura, acho que a figura materna na minha vida é muito importante, a parte das minhas avós, da minha mãe, e eu acho que tem muita ver com essa relação, aliada com a importância de Nossa Senhora para o povo paraense mesmo, de Nossa Senhora de Nazaré para o povo paraense mesmo.
P/1 - Como [é] que é a sua relação com o seu filho?
R - Eu tenho um filho, o Lucas, de onze anos. É uma relação maravilhosa! Eu sempre tive o sonho de ser mãe, desde da infância, mas não tive pressa, ao mesmo tempo, não é aquela coisa que eu precisava ter a qualquer custo. E a nossa relação é muito próxima, eu tento ser muito presente na vida dele. Acho que a função materna é talvez a mais especial que a gente possa ter, porque a gente gera um ser, a gente educa esse ser, e ao educar a gente pode transformar a sociedade a partir dessa educação. E a gente é muito amigo, é muito próximo. Apesar do meu pai não estar mais aqui, minha vó, eu tento passar muito daquilo que eu aprendi com eles. E ele é uma criança maravilhosa, é muito bonzinho. Eu até brinco [que] queria ter tido um segundo filho, não tive porque o meu ex-marido não quis, e eu brinco que eu tenho até um pouco de medo, tinha um pouco de medo de ter o segundo, porque ele é tão bonzinho, tão responsável, tão educado, que eu tinha medo do segundo vim [como] um pestinha. Mas, assim, ele é uma criança muito boa de coração, de se preocupar com o outro também. Ele, apesar de [ser] filho único, é uma pessoa às vezes até generosa demais. É uma coisa que eu tenho trabalhado muito com ele, que a gente tem que ter equilíbrio até da generosidade, para poder não passar por cima de nós mesmos nas relações. E é isso, o Lucas hoje é minha vida, por ele que eu faço tudo que eu faço.
P/1 - Você lembra como foi quando você descobriu que estava grávida dele?
R - Lembro perfeitamente de tudo. A gente tava tentando engravidar já há alguns meses e não estava conseguindo. Tinha parado de tomar medicação, tava tentando engravidar. Estava três anos casada. E aí chegou um momento: “Quer saber, eu vou desencanar”, aquela coisa da preocupação… Que [é] aquela coisa: nesse movimento [que] você começa [a] querer engravidar, tem todo um esforço ali, um olhar, uma tensão, uma ansiedade. E aí no momento que a gente relaxou… A gente sabe até quando ele foi concebido, numa viagem para o Rio de Janeiro, de carnaval. E aí passado… Na verdade, dois meses [depois], mais ou menos, um mês e meio, eu estava vendo um filme e era um filme triste, acho que era uma comédia romântica. Eu não lembro exatamente o filme, mas eu chorei do início ao fim do filme. Isso era [em] um sábado. E aí eu achei aquilo estranho, porque não era para isso, não era para eu ter chorado tanto. Quando o filme acabou, eu falei: “Que estranho, eu estou muito emotiva e tá tudo bem. Eu não tenho motivo para estar assim”. No dia seguinte, eu senti os meus seios doloridos, desconfiei que podia estar grávida, fui na farmácia e comprei o teste de farmácia: deu positivo. Aí eu e o meu ex-marido saímos para almoçar com a minha mãe e com a minha tia e contamos para ela. No dia seguinte, a gente fez o exame laboratorial, para confirmar. E foi uma gestação super tranquila, eu tive um episódiozinho de sangramento, passei uns quinze dias de cama, mas de resto, assim, eu trabalhei normalmente, não tive nenhum afastamento, não tive enjoo. No final, já estava pesando, aquela coisa da barriga… Eu era bastante obesa, na época, então isso foi um fator dificultador, mas eu emagreci na gestação…. Quando eu engravidei, a minha alimentação mudou completamente, eu me obriguei a comer muito melhor e isso fez com que acabasse a gestação pesando menos do que quando eu comecei. E aí o Lucas nasceu na hora que ele quis, porque a previsão era para que ele nascesse [em] 7 de novembro, e no dia 18 de outubro, voltando do trabalho, a minha bolsa estourou. E aí eu fui para o hospital, eu não consegui ter parto normal, porque a bolsa estourou e eu não tinha dilatação, e a minha médica também não era uma especialista em parto normal, ela estava mais acostumada a fazer cesárea. Eu até gostaria de ter tido, mas na gestação foi uma opção que eu fiz, eu sabia. Chegou um momento que eu conversei com ela, e ela me falou: “Olha, eu não faço parto normal há muito tempo. Se você quiser, a gente pode tentar”. Mas aí optei por continuar com ela, já entendendo que a chance era pequena. Mas foi uma recuperação muito boa, da gestação também, eu não tive dificuldade. Num primeiro momento… Quando ele nasceu, eu morava num apartamento de um quarto só e eu ia mudar para casa da minha mãe, por um tempo, para poder fazer a minha casa. E ele nasceu, a casa da minha mãe nem tava pronta para a gente se mudar para lá, porque, enfim, ele [se] antecipou três semanas. E aí esse começo foi meio tumultuado. Depois a gente vai morar com a minha mãe, passamos três anos morando com ela. E aí construímos a nossa casa, que é onde a gente mora até hoje, perto da minha mãe também.
P/1 - Você lembra quais eram as suas brincadeira favoritas quando criança?
R -
Lembro! Eu adorava brincar de carrinho, tinha uma maleta com uns trinta carrinhos, que eu levava eles para todo lugar. Eu tinha um carrinho dos Ursinhos Carinhosos também, que os ursinhos cabiam dentro. Era um carro maior, que teve uma fase que eu levava eles puxando com um fio amarrado, levava eles para todo canto. Eu brinquei muito com Moranguinho também, a casa da Moranguinho. E com as minhas irmãs, a gente gostava muito de brincar de loja e de escritório. Eram brincadeiras que eram mais coletivas, com as minhas irmãs; essas outras eram mais individuais. Acho que essas são as principais, que eu lembro, que me marcaram, que dá saudade.
P/1 - Você tinha aquela cultura de brincar na rua?
R - A gente brincava. Do lado do prédio tinha uma vila, então, na verdade, era na vila que a gente brincava bastante. Mas eu nunca fui uma pessoa muito ativa, sabe? Eu corria assim… Eu lembro de brincar de pira mais na escola. Eu preferia atividades mais calmas, mais quietas. Mas a gente brincava, com as amigas do prédio, na vila, tinha momentos assim, só não foram os que me marcaram mais.
P/1 - Na sua família vocês tinham costume de se reunir para ouvir rádio, ou assistir TV?
R - TV, sim. [A] TV era muito presente, sempre ficou ligada na minha casa, e a gente ouvia Jornal Nacional juntos, filme em casa. Tem uma coisa que é legal da minha família: quando eu era, não lembro qual a idade que eu tinha, mas meu pai e minha mãe compraram um videogame, era o Atari na época, para gente, só que que no final eles brincavam mais [com o] videogame do que a gente. E aí rolava uma disputa entre a gente e eles, para saber quem ia brincar, jogar no videogame. Isso foi uma passagem legal, uma época legal.
P/1 - E você lembra se nessa época você tinha algum sonho de ser alguma coisa quando crescesse?
R -
Não! Você sabe que a primeira lembrança, assim, de profissão que eu tenho, era arquitetura? Eu quis, durante muito tempo, ser arquiteta. E aí depois eu mudei, até um pouco antes de prestar vestibular, que eu mudei para publicidade. E não tinha outras profissões que eu lembre, que eu dizia: “Ah, eu queria ser isso, queria ser aquilo. Acho que foi arquitetura e depois para publicidade mesmo. E, no final, é a gestão, [que] eu uso muito do que eu aprendi na publicidade, mas para o negócio em si como um todo.
P/1 - Você lembra como foi a experiência de pisar numa escola pela primeira vez?
R -
A primeira vez não, mas, assim, eu mudei de escola algumas vezes, aí eu acho que eu lembro já de momentos mais iniciais nas duas outras escolas. Eu fiz o prezinho em uma escola, o ensino fundamental inicial numa outra, a segunda parte do ensino fundamental numa outra e o segundo grau numa outra. Então eu mudei bastante de escola. Isso porque minha mãe era muito… Ela buscava escolas melhores para mim. Quando ela achava que a escola não estava tão boa, ela me mudava de escola. Eu lembro especialmente do Colégio Ipiranga, que eu estudei da quinta [a] oitava série; foi uma escola que marcou muito a minha vida, era uma escola que era meio fora da curva, na cidade, ela trabalhava muito os conceitos sociais, então a gente fazia eventos, peças de teatro para algumas creches, arrecadava alimentos para doação. Então, assim, ela trabalha muito no seus alunos esse conceito de sociedade, de você não estar sozinho no mundo, de entender o papel social que a gente tem como ser humano. Ela também trabalhou muitos conceitos de violência, drogas e sexualidade, nesse público, de quinta a oitava série. Então essa escola me marcou demais; os meus grandes amigos até hoje, eu tenho grandes amigos dessa fase da minha vida, que foi [durante] a quinta [até] oitava série. O segundo grau foi uma época complicada para mim, eu não tenho muitos amigos dessa fase, me fechei muito nessa fase. Eu sou uma pessoa assim, que desde a infância sempre falei muito, sempre dei minha opinião. Na escola mesmo, eu era uma pessoa vista como uma líder. Sou muito curiosa, e eu sempre quis saber muito, e tomar a frente das coisas, não ser aquela que: “Ah, eu to aqui quietinha, deixa as coisas acontecerem”. Não! Eu me posicionava, ia atrás, queria fazer as coisas. E no segundo grau, eu fui o oposto disso. Era uma escola muito grande, a escola para onde eu fui, era a melhor para o vestibular, mas ela era muito grande, então eu acho que isso também me incomodou. Eu era só um ser ali, tipo, não me sentia acolhida talvez pela escola. Não foi difícil… Hoje, assim, eu olho, não foi que eu sofri aquele momento, eu não me sentia sofrendo, mas vejo ao olhar para trás, que foi um período que não fui eu mesma, fui mais fechada, mais quieta. Isso foi no meu processo… Quando eu fui para São Paulo fazer faculdade, eu estava assim, estava mais fechada, mais quieta. Até que tem um dia que foi muito marcante na minha vida, foi o dia 2 de Maio de 1988, eu lembro até hoje a data. Que foi um dia que eu passei o dia inteiro chorando, eu queria voltar de lá. Por que? Eu comecei a faculdade e não tinha feito amigos até esse dia; a faculdade começou em fevereiro, já estava em maio. E era um mundo muito diferente, muito estranho. Quando eu fui para São Paulo, fui morar com uma tia minha, a irmã da minha mãe. E eu estava sentindo muita falta de casa e tal. Eu passei o dia inteiro chorando, querendo voltar para Belém. Conversando com a minha mãe, minha mãe dizia: “Você não vai voltar, vai ficar aí!”. Passei o dia inteiro sofrendo, e aí, no fim do dia, conversando com o meu pai e com a minha mãe, o meu pai falou o seguinte, ele falou: “Olha”... O meu pai era bastante brincalhão e tava frio nesse dia, e ele falou: “Tá frio aí?”. Eu falei: “Tá”, “Então faz o seguinte, vai na cozinha, pega um copo de leite quente, toma o copo de leite quente, põe a cara para fora da janela, já que tá frio, pega o ar frio na sua cara, chora tudo que você tem que chorar hoje. Se ao acordar amanhã, você estiver com essa mesma ideia, você vai voltar para Belém. Eu compro a sua briga com a sua mãe e você vai voltar”. Eu falei: “Tá bom”. E assim eu fiz! E, magicamente, eu acordei no outro dia, essa vontade tinha passado, e eu acordei disposta a ficar em São Paulo. E a partir daí eu me abri novamente aos amigos, comecei a fazer amizades, me inclui na faculdade e fiquei. Aí foi maravilhoso ter ficado. Então acho que esse é um momento especial na minha trajetória.
P/1 - Tem alguma coisa especial com o leite quente?
R -
Não! Eu não sei de onde meu pai tirou isso. Eu sempre gostei de tomar leite quente, mas não tem nada familiar. Foi uma loucura da cabeça dele, eu acho, naquele momento.
P/1 - Te incomodava mudar bastante de escola?
R -
Nessa vez que eu fui para essa escola, na quinta série, eu fiquei contrariada, não fui feliz não. Depois não, na verdade… Aí o Ipiranga só tinha até [a] oitava série, então eu precisava sair. [Aí] eu fui para o ideal, que foi a minha escola do segundo grau, porque precisava. Eu lembro mais na quinta série mesmo de não querer ir, porque eu tinha muitos amigos lá na outra escola, que era o Moderno. E são pessoas que até hoje eu tenho contato eventual, algumas, mas foi só naquele momento. Depois que eu me inseri, aí passou.
P/1 - Tem algum professor, e matéria também, que marcou sua vida escolar?
R - Tem vários assim. Acho que no Ipiranga todos os professores foram muito importantes. Eu tinha um professor de português, o Sérgio. Eu lembro o nome de todos eles. Tinha a professora de geografia, a Rosana; de História, o Roberto; de ciências, o Tadeu. A educação física, que eu nunca fui muito chegada, mas era o Henrique e a Angélica. Foram professores que foram durante os quatro anos, então eu acho que isso também ajuda a lembrar. Mas eu acho que a disciplina que eu mais gostava, era história e geografia, isso sempre foi. Eu lembro [da] música da quinta série, que a gente fez um trabalho que foi criar uma música com o conteúdo que a gente estava aprendendo sobre história do Brasil. A escola tinha feira de ciências, então trabalhos que eu fiz em algum desses momentos, eu lembro. A festa junina e abertura dos jogos escolares, sempre tinha uma dança que a gente tinha que fazer, eram momentos muito esperados também. Essa escola, ela também proporcionou, ela tinha um encontro de jovens da sexta a oitava série, tinha um passeio anual, onde a gente ia para um sítio; a sexta, sétima e oitava séries iam todas para um sítio. E aí lá tinha horas de lazer… Era escolhido um tema, aí lá, nesses encontros, se discutia, estudava esse tema. Isso tudo eu acho que proporcionou também muito essa interação entre os alunos e os professores. E toda essa coisa que eu falei para você, do social, da sexualidade, da questão da violência, drogas, tudo isso era muito falado nesses momentos.
P/1 - Na adolescência, você passou a sair pela cidade? Conheceu lugares novos?
R - Então, não! Na verdade, eu comecei a fazer isso na faculdade. Na minha adolescência, eu fui um ser muito estranho, muito fechado, muito quieto, muito na minha. E aí quando eu fui para São Paulo, na faculdade, aí sim, eu saía bastante; foi quando eu comecei a viver, vamos dizer assim.
P/1 - E o que você gostava de fazer nessa época, mesmo em casa?
R - Eu sempre assisti muita TV. Eu gostava de informática. O restaurante tinha computador desde quando começou computador, então eu gostava muito de mexer naquilo. Tanto que eu com nove anos, fiz um curso de programação. Eu lembro que na minha turma só tinha adultos [e] eu, [que] tinha nove anos. Era um curso de uma programação… Assim, não era para criança, era programação mesmo. Então eu sempre gostei muito. E voltando… Você perguntou a questão da profissão, eu fiquei na dúvida de estudar informática, processamento de dados, ou…. Mas, na época de escolher, eu entendi que a informática, ela sempre ia ser um meio pra mim, não um fim. Eu não trabalharia com isso, tanto que ela é muito presente na minha vida. Numa agência que eu trabalhei em Belém, o dono da agência quis criar um software próprio para agência, e eu fui, fiz essa interface, entre o programador e a empresa, e todos os plays da empresa, porque eu sempre gostei muito do tema da informática, da tecnologia da informação. E aí eu tive o meu primeiro computador, acho que foi um 286, era uma coisa bem arcaica. Então, assim, eu sempre tive muito essa relação com tecnologia e com a TV. Na TV, eu passava muito tempo vendo TV, desenhos, filmes, eu acho que era isso. E brincando com as minhas irmãs também.
P/1 - Quando você terminou a escola, já foi para a faculdade direto ou foi trabalhar?
R - Já não, fui para a faculdade direto. Terminei o terceiro ano, já passei no vestibular e fui para São Paulo.
P/1 - Por que São Paulo? Por que você não fez faculdade em Belém?
R - Então, porque em Belém nem todas as formações são tão boas. E aí a gente, eu, meus pais, entendeu que na publicidade, os cursos não tinham uma aclamação boa, a não ser a faculdade federal, só que ela era mais voltada para jornalismo. E naquele momento, publicidade era uma profissão que estava no auge. Eu lembro que eu cheguei a fazer Fuvest e era o vestibular mais concorrido, era para publicidade, na época, era quando os grandes publicitários, a publicidade brasileira começou aparecer para o mundo, a gente começou a ganhar vários prêmios no mundo… Anais, Washington Olivetto, então era a profissão da moda. E aí São Paulo era o berço onde tudo estava acontecendo [e] a minha tia morava em São Paulo. Quando criança, como a tia morava em São Paulo, a gente foi passar férias em São Paulo, eu, minha mãe e as minhas irmãs. O meu pai não, [ele] ficava trabalhando; ele ia uma semana lá com a gente. Então, São Paulo já era um destino muito habitual pra gente. E aí acho que foi isso: as melhores faculdades estavam lá. Aí tinha essa oportunidade da minha tia morando lá, então era mais fácil para eu ir para qualquer lugar com esse suporte. E aí eu fui!
P/1 - E como é que foi essa mudança?
R - Por causa do restaurante e da condição familiar que eu tinha, eu tinha consciência que eu era uma adolescente mal acostumada. Então, por exemplo, eu tinha motorista que me levava para tudo que é lugar; eu não andava de ônibus em Belém e fui para São Paulo com certo medo. Eu era consciente que eu era privilegiada, e eu ia para São Paulo e ia morar com a minha tia. Aqui na minha casa sempre teve empregada mensalista; minha tia não tinha, eu ia ter que pegar o ônibus, eu ia ter que me virar só. Mas eu acho que isso foi maravilhoso para quem eu sou hoje, porque, de alguma forma, eu me tornei mais independente. Eu nunca fui muito dependente não; eu lembro que na escola, quem fazia a matrícula da escola era eu. A minha mãe não ia na escola. Eu ia na secretaria, pegava o contrato, levava para ela, ela assinava. Eu ia comprar o meu material escolar, minha mãe sempre trabalhou muito. E aí eu ia comprar o meu material escolar com o motorista. Era uma coisa, assim, bem independente. Não que eu fosse muito dependente, mas era uma ruptura mesmo, uma distância da família e tal. Eu fui com bastante medo, mas, felizmente, deu certo, dei conta. E foi muito bom, porque foi outro mundo que se abriu, acho que também conhecer mais de uma cultura diferente da minha, porque apesar da gente estar no Brasil, são realidades muito diferentes. Ter essa vivência para poder entender um pouco o ponto de vista de pessoas diferentes de mim, então acho que foi muito bom. Eu também atuei em São Paulo em publicidade, estagiei numa agência, na época, era [a] maior agência do Brasil, que era a DM9DDB. Depois eu optei sair de lá, porque eu queria trabalhar com produção de cinema, e aí trabalhei numa produtora por três anos, com produção de filme publicitário. Então, assim, tive uma vivência bem completa em São Paulo, focada na publicidade. Apresentei para muitos dos meus colegas de trabalho da faculdade a minha comida, que a gente brinca que o isopor é a extensão territorial paraense. Então, o freezer de casa estava sempre cheio de coisas daqui, aí fazia almoços, lanches. Até no trabalho mesmo, eu levava algumas comidinhas para o pessoal conhecer. E foi super rico, porque eu acho que é isso, a gente se afastar um pouco da família também é importante para poder trilhar seus próprios passos, suas próprias conquistas, então foi muito bom.
P/1 - Tem alguma coisa em São Paulo que foi um choque de cultura, que você não imaginou que teria?
R -
Não. Acho que falta mesmo eu senti da comida e da família. Eu acho que São Paulo é muito rico também, é uma diversidade cultural muito grande, de muitas oportunidades. Eu acho que o que mais, talvez, me chamou atenção em São Paulo, é essa distância familiar. Eu tenho uma sensação que em São Paulo as pessoas vivem para trabalhar; elas não vivem, elas vivem para trabalhar. Foi a imagem que ficou para mim dessa vivência, que continua, com as relações que eu tenho, eu vejo muito isso, que as pessoas, elas se cobram muito profissionalmente e acabam talvez não curtindo tanto a vida como poderia, tendo um equilíbrio disso. O foco é muito o trabalho. E eu sou uma pessoa que trabalha bastante, mas acho que tem que ter um certo equilíbrio entre tudo. Então eu acho que o principal talvez seja isso, as relações são muito restritas, eu acho, muitas vezes, as pessoas acabam convivendo com ciclo muito pequeno, porque a cidade é muito grande também, então é difícil. Você: “Ah, eu tenho um amigo que mora na zona sul e um amigo que mora na zona norte”, é difícil você manter uma relação de amizade assim. Eu acho que a principal questão de São Paulo para mim foi essa, que talvez seja um choque cultural, porque a minha vida [antes] era muito próxima de muita gente, então isso foi muito diferente para mim.
P/1 - E dentro da faculdade, como é que foi a experiência para você?
R - Foi extremamente rica. No final da faculdade… Quase que eu não termino ela, na verdade, porque eu já estava muito inserida no mercado de trabalho, e aí foi bem difícil para terminar. Eu trabalhava com produção de cinema, então era uma loucura, saía do trabalho, às vezes… Faltava a aula. Tive que pedir para muito professor me aprovar, mesmo tendo falta além do que devia. Mas a faculdade também foi muito bacana; eu fiz Faap em São Paulo, [que] é uma faculdade muito… Assim, os cursos de publicidade, TV, fotografia, ela tem esse lado assim da cultura muito forte, então foi muito rico, [com] professores também muito competentes. Eu fui aluna do [Luiz Felipe] Pondé, o que é um orgulho falar hoje para todo mundo, porque ele ficou famoso. O Pondé foi um professor que marcou a minha vida, até antes dele ser famoso, eu falava isso para todo mundo, as aulas de filosofia me marcaram muito na faculdade, além de outras, mas eu acho que filosofia, mercado, a própria história da arte. Durante a faculdade, eu não entendia muito a importância, até porque eu acho que a idade também, né? A gente tem uma base de comunicação, de teoria da comunicação, de conceitos básicos de comunicação muito fortes. E naquele momento eu achava tudo aquilo uma chatice. Hoje, o que mais ficou da faculdade para mim, foi isso. Então hoje eu uso muito essas teorias e essas coisas no meu dia a dia, com a minha equipe, na comunicação com os meus clientes. Então, muito daquela base ali foi muito útil para minha vida, independente de hoje eu não atuar mais na área diretamente. Então eu lembro muito. A gente tinha um professor que era o Lúcio, ele era de teoria da comunicação e falava umas coisas assim, que na época todo mundo dizia: “Ai, que chatice, que besteira”. Aí hoje parece que vem a voz dele falando na minha cabeça e eu vejo a importância disso.
P/1 - E quando você terminou a faculdade, continuou morando em São Paulo?
R - Então, eu morei por mais quatro meses. Comecei, inclusive, um curso de hotelaria no Senai…, no Senac, e aí depois de quatro meses… Eu tive um namoro em São Paulo que durou três anos, e aí esse namoro acabou. Eu acho que isso…. Assim, acabou [a] faculdade, começando a vida, um momento que eu acho que todo mundo passa, de fim de faculdade: “Agora estou no mercado de trabalho”. E aí acho que juntou tudo isso, aí eu voltei para Belém; eu não dei conta de ficar e voltei para Belém. O que, no final, como eu falei, eu acredito muito que tem coisas que acontecem na vida da gente que tem que acontecer. Eu voltei para Belém num dia bem emblemático, que foi no dia 19 de Abril, que é o dia do índio, dia do indígena, em homenagem a eles. E um mês depois o meu pai foi operado de urgência, do coração, colocou quatro pontos de safena e passou cerca de seis meses afastado do dia a dia do restaurante. E aí eu meio que assumi a gestão do restaurante nesse momento, porque ele era muito centralizador. E apesar de todo o resto da minha família trabalhar no restaurante nessa época, eu fui a que tomei a atitude, cheguei para minha mãe… Eu era muito petulante, me achava muito. Ainda me acho um pouco, eu acho, mas naquela época, mais ainda. E aí falei: "Olha mãe, o restaurante, todas as decisões que precisam ser tomadas lá, não estão sendo tomadas porque tudo depende do papai. Quanto tempo vai demorar para ele voltar?". E aí ela falou: "Olha, menos de três meses não". Porque ele era diabético, então teve toda uma demora maior na recuperação dele. Isso foi em 2002. E aí ela falou: “Acho que no mínimo uns três meses”. Falei: “Tá, então eu posso reunir todo mundo e falar que agora qualquer coisa que eles não souberam, para falar comigo?”. Ela falou: “Pode!”. E assim eu fiz! E tinha funcionários, na época, que me viram nascer, funcionários de mais de trinta anos de empresa. E aí assim eu fiz. Durante três a quatro meses eu fiquei, aí o meu pai voltou. Depois, eu comecei a fazer um monte de mudanças na gestão do restaurante. E aí quando ele voltou, a gente começou a entrar em conflito, e chegou o momento que eu falei: “Não, o restaurante é dele, quem tá querendo ocupar um espaço que não é meu sou eu mesma”. E aí foi quando eu fui atuar na publicidade, saí da gestão do restaurante.
P/1 - E você ficou quanto tempo em agência?
R - Em Belém, eu acho que fiquei uns quatro, cinco anos. Também tive uma passagem de um ano num órgão público, era o Instituto de Previdência do Estado, eu fui para ser assessora de comunicação de lá. E foi também muito legal essa experiência, porque eu pude ter uma visão do que é o serviço público. Eu sempre fui muito crítica ao serviço público brasileiro, mas, assim, eu acho que a partir disso eu pude entender um pouco as dificuldades que eles têm, a lógica de funcionamento. E foi muito interessante, que eu aprendi um tema novo, que era previdência estadual, uma coisa nada a ver. Eu brincava que o meu trabalho era traduzir a legislação previdenciária para os usuários, porque em geral é um tema complexo, difícil e quando você não entende essa necessidade de tradução, você fala uma língua que o usuário não vai entender. E foi bem bacana essa experiência. Depois eu voltei para atuar na agência. Na agência, eu trabalhei com produção de cinema, atendimento publicitário, produção de cinema. Aí em Belém como mídia e depois como atendimento também, de uma grande cliente multinacional, que tinha uma conta na agência que a gente trabalhava. E aí, daí eu saí para voltar para o restaurante quando o meu pai adoeceu.
P/1 - E por quanto tempo você ficou no restaurante até fundar a Manioca?
R - Foi de 2009 a 2014. A Manioca, ela meio que nasceu do restaurante. Nos termos hoje do empreendedorismo, ela é um spin-off do Lá em Casa, porque o meu pai, com todo esse trabalho de divulgação, ele fez um festival, que foi o "Ver-o-peso da Cozinha Paraense". E nesse festival ele começou… Depois de muito tempo, de fazer evento, fazer jantar, dar aula fora de Belém, ele começou a se incomodar de só ele levar isso. Ele começou a querer trazer as pessoas para cá, para que elas conhecessem aqui. Porque é diferente você consumir um alimento em outro lugar do que ter a vivência turística, local. E aí ele criou o festival no ano 2000, e começou a convidar chefes de cozinha e jornalistas para virem pra Belém uma vez por ano, [que] tinha um festival onde a gente apresentava a cidade para esses convidados. Então a gente levava produtores de alimentos ao mercado, que é muito emblemático, uma referência turística de Belém, o mercado Ver-o-peso. E aí esses chefes, eles eram convidados a dar aulas e fazer jantares aqui. Então a gente apresenta algo para eles e eles deixam algo em troca para a gente. E aí com festival, os chefes começaram a conhecer a nossa culinária, e a querer usar nos seus restaurantes. Só que na época, não existiam fornecedores que comercializavam esses produtos para fora do Estado. E aí ele começou a fazer esse fornecimento quase que como um favor para os chefes de cozinha. Os amigos ligavam: “Paulo, você me apresentou, agora eu quero tucupi, quero Jambú, quero farinha, quero polpa de fruta!”. E aí ele pegava o produto que ele comprava para o restaurante, colocava no isopor e mandava despachar no aeroporto. E aí isso aconteceu do ano 2000 até 2014, dentro do restaurante, mas era favor na verdade, nunca foi um negócio. Chegou uma fase que ele começou a colocar um valor em cima para não ter prejuízo, mas nunca foi uma forma de remuneração, ou de lucro, ele nunca viu isso desse jeito. E a gente continuou fazendo dessa forma. Aí teve um dia que foi bem marcante para mim, a gente fornecia nessa época, e fornece até hoje, para os principais restaurantes de cozinha brasileira, para o Dom, que durante muito tempo foi o maior restaurante brasileiro, referência no mundo, ganhou vários prêmios, foi por algum tempo o mais premiado restaurante do Brasil no mercado gastronômico, nacional e internacional. Tordesilhas, pro Maní, que é o restaurante da Helena Rizzo. A gente fornecia para esses restaurantes. E aí tem uma premiação internacional, que é o Fifty Best, e nesse ano o Dom, o Alex Atala ganhou o prêmio de sétimo melhor restaurante do mundo. Ele veio de Londres para Belém, veio da premiação direto para Belém, para o Festival; coincidentemente, as agendas foram próximas. E aí aqui a gente fez uma homenagem para ele, deu uma camisa do Brasil com o número sete. Porque isso era um grande feito para [a] gastronomia brasileira: era a primeira vez que o restaurante era reconhecido dessa forma. E aí depois que acabou o festival, chegou um pedido do Dom restaurante, de tucupi, jambú e alguns outros itens. E aí eu perguntei para assistente que fazia o atendimento, tomava conta disso, perguntei: “Quando que esse pedido vai ser enviado para o Dom?”. Ela falou para mim: “Quando der”. Eu falei: “Como assim quando der?”, “Ué, esses pedidos do restaurante chegam, aí a gente vê quando dá para mandar e manda”. Aí aquilo caiu de uma forma: "Não gente, tem algo muito errado! A gente atende o melhor restaurante brasileiro no mundo, que acabou de ser eleito sétimo melhor restaurante do mundo, e a gente está atendendo dessa forma. Tá errado, não pode!". Foi quando eu comecei a olhar para isso, a dar atenção. E a partir daí a gente começou a pensar como fazer a Manioca, eu e a minha mãe. A gente conversou com alguns fornecedores nossos, de produtos tradicionais, como era o caso do tucupi, da farinha de tapioca, da farinha d'água. Que aí eu acho que vem um aprendizado que a Amazônia Empório me trouxe: eu identifiquei produtos bons, que a gente tinha, que eram de interesse do mercado, e entendi se esses fornecedores tinham interesse em criar uma parceria, para se desenvolver, para crescer e para fazer melhor. Porque lá na Manioca, eu não fiz esse combinado com os meus fornecedores, eu simplesmente comecei a comprar deles, e alguns eu precisava que produzissem mais, e ajustasse algumas questões e eles não estavam dispostos a isso, e por isso não deu certo. Já na Manioa eu fiz ao contrário, antes de eu escolher trabalhar com eles, eu perguntei se eles queriam, se eles estavam dispostos a talvez mudar alguma coisa, porque atender o mercado nacional, exigia algumas mudanças. A nossa produção aqui desses ingredientes, ela ainda é muito tradicional, muito rústica, às vezes em condições sanitárias inadequadas, então a gente precisou fazer muitas implementações de mudanças nos processos, nas formas de fazer. E aí, identificando aqueles fornecedores que estavam dispostos a isso, eles se tornaram fornecedores da Manioca e até hoje são nossos fornecedores, alguns deles, depois de oito anos. E a gente começou um trabalho desde o começo de apoio ao desenvolvimento deles também, de melhoria, de estrutura, de processo, de padronização. Porque o processo tradicional, a natureza, ela dá produtos variados para gente. A mandioca, por exemplo, que é o principal ingrediente, hoje está com mais água, amanhã com menos água, porque depende do clima, depende do solo. E o produtor tradicional, ele não tem esse conceito de padronização que a indústria nos trouxe: ele faz o produto conforme a natureza dá para ele. Isso faz com que o produto final sofra uma variação muito grande. Só que o mercado consumidor não está acostumado a isso, e quando você põe uma marca num produto, ele espera um produto sempre igual. Infelizmente, a maioria das Indústrias soluciona isso de que forma? Adicionando outros elementos, para que esse produto permaneça igual. Porque a natureza, você não consegue tornar ela igual sempre. Até tem muitas coisas que são feitas para isso, a Embrapa ajuda muito a ter variedades sempre iguais das espécies agronômicas e tal. Mas, em geral, você não consegue um produto totalmente igual. Então a indústria, no geral, ela adiciona elementos no alimento, para que ele fique igual sempre. Só que a Manioca, por uma questão ideológica, a gente nasceu tendo a consciência de que para que a gente leve a Amazônia para o resto do mundo, a gente não pode sair colocando elementos artificiais, porque a Amazônia é natural. A gente começou a fazer um trabalho também com esse fornecedor, para que ele fizesse um produto cada vez mais padronizado, mas guardando a diversidade que a natureza nos entrega. Então tem todo um trabalho que é feito na Manioca nesse sentido, de desenvolver essa cadeia produtiva, essa rede produtiva, para que a gente tenha produtos de qualidade, para poder transformá-los e colocá-los no mercado nacional.
P/1 - Esses fornecedores, eles são produtores de comunidades locais?
R -
Sim! Em geral, [da] agricultura familiar. Mas a gente tem alguns fornecedores que são extrativistas também, aí de povos de comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas.
P/1 - E quantas famílias são?
R - No programa que a gente atua diretamente, acompanha, monitora, orienta, dá suporte e assistência técnica, são 37, hoje. Mas acaba tendo um impacto maior, porque, por exemplo, alguns produtos a gente ainda não consegue comprar diretamente, como polpas de frutas: algumas polpas a gente compra, outras a gente compra de indústrias locais. E aí então acaba que esse alcance de família se torna maior, mas a gente não monitora essas indústrias. Então, diretamente, são 37 famílias.
P/1 - E você considera que a vida delas mudou de alguma forma, depois desse trabalho?
R - Eu acho que sim! A gente tem relatos, vários casos de famílias que fizeram a sua casa própria, passaram a transportar o seu produto. O produto de farinha de tapioca, por exemplo, ele contava com um carro que trazia a farinha dele para feira de Belém - ele é de um município aqui da região metropolitana -, e aí, com o trabalho, ele comprou um carro e agora ele mesmo faz essa entrega. Aí ele também consegue atender outras demandas, não apenas a da feira, como a nossa e outras. Porque nenhum desses fornecedores são exclusivos nossos. A produtora de tucupi preto, a gente tem uma relação, assim, muito pessoal também. A gente foi convidado em 2018 a ir para um evento na França. E eu levei ela junto comigo, porque o chefe que nos convidou queria que a gente desse uma aula de mandioca, sobre os produtos da mandioca. E eu convidei ela para ir comigo, porque ela é a fornecedora tradicional do processo. Eu só às vezes falo por eles assim, muitas vezes. Então ela foi junto comigo para França. E aí, a partir disso, o olhar dela, ela é bastante empreendedora, então [o] olhar dela também mudou para o trabalho dela, para comunidade dela. Ela incentiva muita comunidade a se desenvolver também, a partir dos desafios que tem lá. Então, assim, tem vários exemplos de mudança, acho que não só financeira, eventualmente, mas também de postura, de empreendimento. Eu acho que a gente enxerga aqui na Amazônia muito pouco do valor que ela tem. Não só na Amazônia, o Brasil também não enxerga esse valor que Amazônia tem. Acaba que o mundo quer preservar a Amazônia e por muito tempo achou que preservação envolvia uma cadeia, só que não é só natureza que tem na Amazônia, a gente tem 25 milhões de pessoas na região como um todo, e essas pessoas precisam de dinheiro. E para ter dinheiro, se elas não verem valor na floresta, vão destruir a floresta. Então eu acho que a Manioca, ela não foi criada com esse objetivo: "Vou criar a Manioca porquê ela vai ser um negócio de impacto socioambiental, que vai manter a floresta em pé", mas talvez esses conceitos todos já estivessem de alguma forma dentro de mim, e ele se personificaram na Manioca, vamos dizer assim, eles se materializaram na Manioca. Porque ela já nasceu assim, ela já nasceu pensando no desenvolvimento local, nessa postura… Que hoje, o SG, que começa a ser muito falado, de uma postura empresarial muito mais conectada aos atores, que não é só o lucro a qualquer custo, que a empresa tem uma responsabilidade sobre o território, sobre os povos, sobre os seus consumidores, que há oito anos atrás isso nem era falado, praticamente. E ela já nasceu com todos esses conceitos dentro dela. Aí, hoje, o que a gente fez ao longo do tempo foi só talvez documentar melhor esses conceitos, monitorar melhores impactos, criar indicadores de monitoramento. Mas os conceitos eles já vieram desde o primeiro momento, inclusive com relação à alimentação saudável, porque como eu falei, a gente sempre quis produtos naturais, nunca quis… Porque o caminho de transformação de produto, a tecnologia de alimentos, nasceu muito com esse olhar de trazer aditivos artificiais para o alimento para fazer ele durar mais. E a Manioca nasceu numa lógica completamente inversa dessa: a gente quer que esse produto chegue mais longe e que dure mais, mas ele tem que chegar de forma natural. Então todos esses conceitos já vieram desde que ela nasceu. E aí hoje, a Manioca, eu tenho um sócio, o Paulo, que também foi formado com esse olhar. Aí já pela faculdade dele, que não aconteceu comigo, a faculdade dele foi muito importante nesse processo. Quando ele se conectou com a Manioca, ele já veio com esses conceitos desde a adolescência. Aí a gente se uniu, e é uma parceria que tem dado muito certo, porque a gente se complementa, têm visões diferentes, mas complementares, e com este mesmo objetivo, de fazer o mundo conhecer [a] Amazônia através das comidas gostosas que a gente tem aqui, valorizando essa floresta, gerando impacto positivo para os nossos povos, para nossa população. E entendendo que é um modelo novo de negócio, uma forma diferente de fazer negócio e por isso também é mais complexa, mais difícil de realizar, mas que é um desafio que a gente se propôs a abraçar mesmo.
P/1 - Vocês tiveram alguma parceria nessa parte de capacitação?
R - Olha, aqui o cenário é muito difícil de ter apoio. Eu até brinco… Estão surgindo muitos negócios como a Manioca aqui na região, tanto no Pará, quanto no Amazonas. Esse ecossistema começa [a] acontecer. Quando a gente começou, não; o que a gente teve foram alguns programas de aceleração, que nos ajudaram muito e ajudam até hoje. Mas, assim, de instituições que a princípio não fariam isso, por exemplo, uma ONG que trabalha pela preservação ambiental, foi a primeira ONG que eu tenho conhecimento… Que ele é de Manaus. Eles entenderam que uma boa forma de preservar era incentivando negócios de impacto socioambiental, então eles criaram programas de aceleração. Em 2019, foi a primeira turma. O investimento de impacto socioambiental também para pequenos negócios da região. E depois desse, nós participamos de outros três, da…, do Mercado Livre, da Fundação Serte, que tem nos apoiado muito, assim, em conhecimento e também rede de contato. Porque eu acho que não é só conhecimento, acho que tem várias questões que precisam ser trabalhadas nesse empreendedor, para facilitar o desenvolvimento desse tipo de negócio. Hoje a gente tem um cenário muito positivo. Agora, assim, as instituições tradicionais que deveriam fazer isso, fazem muito pouco, ainda, infelizmente. Então a gente vê novas instituições surgindo para fazer esse trabalho, apesar das tradicionais. Como o Sebrae, por exemplo, já está também atuando nesse cenário também. Hoje, inclusive, eu participei de um evento, que é a construção do plano de bioeconomia do Estado do Pará. E é uma construção que está sendo feita de forma coletiva. Então tinha representantes de todos os setores, inclusive povos de comunidades tradicionais. É um movimento que está começando na Amazônia, mas que eu vejo como algo muito positivo para região, porque para mim é a solução. Não dá para querer construir carro na Amazônia. A política da Zona Franca de Manaus, por exemplo, pra mim foi algo completamente inadequado para a região. Então a gente tem que fortalecer aquilo que a gente já é bom, que é o uso de toda essa biodiversidade que Deus nos deu. Tem muita coisa ainda aí que eu acho que vai acontecer. Eu acho que a partir disso o Brasil vai começar a enxergar… A gente mesmo está começando a enxergar o valor da Amazônia aqui, e o Brasil também, algo que o mundo já enxerga, mas que talvez não tenha poder para interferir, vamos dizer assim.
P/1 - E de onde que vem o nome Manioca?
R -
Manioca é o nome originário da mandioca. A mandioca é o nosso principal produto, principal matéria-prima. A gente tem hoje dez produtos que são feitos a partir da mandioca. E assim, o tucupi é uma paixão que vem de família, o meu pai, ele acreditava muito no tucupi enquanto um produto que tem poder de ser internacional. Em 2005, ele falou que o tucupi seria o shoyu do século XXI. Shoyu por quê? Porque ele identificou o shoyu como um produto que era extremamente cultural japonês, da cultura alimentar japonesa, e que ele rompeu essa barreira. Hoje, por exemplo, no Brasil você prepara frango com shoyu, você vai fazer frango assado e coloca shoyu no frango assado para dar sabor. Ele é um tempero [que] é o gosto da comida japonesa, o shoyu. E o shoyo se tornou um produto mundial. Ele via no tucupi esse potencial, de ser um sabor que é originário da Amazônia, da cultura indígena, misturada com a cultura portuguesa, que tem esse poder, essa potência, essa possibilidade. E aí, depois disso, eu acho que eu internalizei essa frase, e resolvi trabalhar para que isso se tornasse uma verdade, uma realidade. Tanto é que há pouco tempo, eu inclusive tatuei o tucupi aqui no meu braço. Que é o nosso principal produto na Manioca, mas a gente também trabalha com outros ingredientes da biodiversidade Amazônica, porque a gente entende que se a gente escolhesse… Apesar da mandioca ser o principal, aquele que tem mais produtos, a gente entendeu que se escolhesse trabalhar apenas com um ingrediente, isso não seria bom para [a] floresta, porque a gente ia talvez incentivar uma monocultura, um processo que é nocivo para [a] floresta, ambientalmente, e que não faz parte da nossa cultura. O produtor, muitas vezes a mandioca na casa rural, ela é subsistência, a maioria das vezes, nem existe uma produção tão desenvolvida, incentivada, produção profissional de mandioca no Estado, apesar de ser o maior produtor de mandioca no Brasil, em termos territoriais. Mas, por exemplo, a produtividade da mandioca aqui é baixa, comparada com outros estados. Se a gente incentivasse só a mandioca, isso seria ruim para a Amazônia. Então, além da Mandioca, hoje a gente tem outros dezenove ativos da biodiversidade e ainda esse ano a gente vai começar a trabalhar com mais uns dez, pelo menos. Porque é isso: a gente quer muito incentivar esse olhar de diversidade mesmo, que a Amazônia nos traz, e que é importante. É um fator complicador para o negócio, mas a missão é essa, fazer o uso de uma forma mais integrada desses ingredientes, dessa biodiversidade.
P/1 - Você conseguiria descrever o sabor do tucupi para uma pessoa que não conhece?
R -
Olha, é bem difícil, porque o tucupi é único em termos de sabor. Ele é um caldo vegetal, então, assim, eu acho que o mais perto que a gente conseguiu chegar de algo que as pessoas têm referência, é um caldo vegetal. Mas ele é um caldo vegetal com sabores que não são comuns ao resto do Brasil, tirando a Amazônia, porque a gente usa temperos, uma combinação de temperos nele. Além da fermentação, que também é muito característica e muito variada, acho que uma coisa legal é que o tucupi pode ser muitas coisas em termos de sabor. O tucupi pode ser doce e ele [também] pode ser extremamente ácido, ou ele pode ser um umami, que é o equilíbrio entre essa doçura e acidez. Então, dependendo da fermentação que se faz nele, você chega nuances de sabor muito diferente, nesse sentido, de doçura e acidez. Ao mesmo tempo, ele é temperado com ervas, que aí é a contribuição portuguesa, porque nenhum desses temperos é originário da Amazônia, até onde se sabe, eles foram trazidos do exterior para o Brasil. E os portugueses ajudaram a gente chegar nesse sabor, que hoje é o sabor do tucupi, porque o produto indígena, ele não era temperado, ele era apenas o caldo fermentado da raiz da mandioca. Porque o indígena não tem…, o máximo de tempero que ele coloca é a pimenta. Na cultura tradicional indígena, a pimenta é o tempero. Então, assim, ele é um fermentado, dependendo do tucupi, ele pode ser um pouco mais doce, ou mais ácido, ou um pouco mais equilibrado. Quando equilibrado esse sabor, ele é o que a gente chama na gastronomia de umami, que é um sabor, que ele preenche a boca. Então ele…. Você consegue sentir o soro, a acidez, o amargo e o sal, e o salgado, todos de uma única vez, quando você consome o produto. Então ele preenche a boca e por isso ele realça sabores também. Então a combinação dele com a gordura animal, em geral, ela é muito boa, porque ele realça esse sabor da gordura, por causa da acidez dele. Ele amacia a carne também. Então você cozinha um produto no tucupi, ele torna essa carne menos dura e também se integra à carne, ele entra na carne e dá sabor para a carne. É muito difícil de descrever, porque não tem nada igual [e], ao mesmo tempo, é muito legal. E eu acho que por isso meu pai também viu esse potencial de mercado nele, é que a maioria das pessoas que prova tucupi gosta, e isso de todas as culturas. No restaurante, a gente recebia pessoas do mundo inteiro, turistas do mundo inteiro, e dificilmente um cliente não gostava de tucupi. Muitas vezes eles estranhavam o sabor, porque não é um sabor que estavam familiarizados, mas não era o estranhamento no sentido de: “Ai, isso é muito estranho”. Negativo: “Não, é estranho, é novo, mas é bom”. Então, assim, eu acho que tudo isso mostra o quanto ele é bom. E aí a gente usa isso para fazer as pessoas provarem. Eu acho que é isso: não tem nada igual, é muito difícil de escrever.
P/1 - Existe algum lugar que os produtos da Manioca chegaram que você nunca imaginaria que chegasse [um dia]?
R - Então, na verdade, a gente exporta hoje para três países: Estados Unidos, para a França e para o Japão. E eu te confesso que o Japão foi uma surpresa, porque eu não esperava. Primeiro que quando a Manioca nasceu, por causa da apresentação dos produtos, que sempre foi uma preocupação minha - eu sou publicitária de formação, eu acho que no começo isso foi muito forte -, falei: “Não, eu quero fazer um produto que o brasileiro olhe e sinta orgulho dele, e perceba o valor que ele tem”. Eu acho que isso é um problema dos nossos produtos hoje no Brasil, a gente tem muitos produtos incríveis e às vezes por não apresentar ele de forma adequada, você não dá o devido valor a ele. Então, por causa dessa imagem que o nosso produto tem o mercado internacional desde o primeiro momento. Em novembro de 2014 - eu digo que foi quando a Manioca nasceu -, foi a primeira postagem da Manioca nas redes sociais, dia 24 de novembro. E nesse dia, desse dia em diante, vários atores do mercado internacional procuram a gente. E no começo eu falava: “Eu não quero vender para o mercado internacional, porque não faz sentido apresentar um produto primeiro para o mercado internacional do que no Brasil. As pessoas no Brasil não conhecem, então eu preciso trabalhar primeiro o Mercado Nacional, para depois ir para o internacional”. A gente ainda não conseguiu apresentar para todo mundo, mas o mercado internacional foi muito incisivo, aí a gente entendeu também que era importante levar o produto para fora, e começou a comercializar. E o Japão foi uma iniciativa de um brasileiro que mora no Japão e quis fazer essa compra, e a gente fez o envio, tanto de tucupi quanto de farinha de mandioca para ele. E lá me surpreendeu, porque não estava nos planos nem de longo prazo chegar no Japão.
P/1 - Seu pai falava que o tucupi era o shoyu brasilieiro e agora vocês estão mandando para o Japão.
R - E foi legal! Assim, tem uma questão, meu pai, ele falava isso do tucupi amarelo, que é um produto muito tradicional, que é totalmente presente na nossa culinária e na culinária da Amazônia inteira. Mas depois que ele faleceu, eu descobri um produto, que na verdade eu já tinha ouvido falar porque…, eu não sou cozinheira, mas sempre gostei muito de pesquisar sobre a gastronomia, de ler. O meu sócio brinca que eu sou uma cozinheira teórica, porque eu muitas vezes ensino você a fazer uma comida sem nunca ter feito ela. A Manioca me aproximou da cozinha, porque a partir da Manioca eu comecei a ir para cozinha para entender como usar os nossos produtos e poder vender, ensinar para os nossos clientes. E aí tem o produto que eu descobri na literatura, porque os portugueses, eles gostam muito de comer e eles relatavam, os viajantes portugueses, que é a referência sobre gastronomia amazônica que a gente tem. Estão nos relatos dos viajantes portugueses pela Amazônia, porque eles escreviam muito bem a comida, tudo que eles viviam, em detalhes, sobre sabores, então é muito rico esse conteúdo. Eu descobri um relato, na verdade, nesse caso, de um inglês de 1786, se eu não me engano, a primeira citação sobre o tucupi preto, ou tucupi pixuna. Esse foi um produto que me gerou uma curiosidade muito grande e um incômodo ao mesmo tempo, porque era um produto que ninguém mais conhecia praticamente na região, nos centros urbanos ninguém falava dele. E aí eu passei alguns anos com essa inquietação, até que eu conheci uma jornalista de Roraima, que num evento em São Paulo de gastronomia, ela tava, ela levou para esse evento, um tucupi preto feito lá em Roraima por etnias indígenas, que em Roraima ainda é muito presente, os indígenas ainda estão muito presentes, até no centros urbanos, algo que não…, por [aqui] não acontece, a gente já tem um distanciamento um pouco maior da cultura indígena no centros urbanos. E aí lá eu provei pela primeira vez o tucupi preto. Depois de um tempo, um chefe que faz chocolate aqui no interior, divulgou na rede social um tucupi preto feito aqui, e aí eu liguei igual uma louca para ele, perguntando da onde era. Ele me falou e me apresentou a Suzane, que hoje é quem faz o nosso tucupi preto, na Manioca. O tucupi preto tradicional, ele é uma pasta forte, de sabor muito forte, complexo, porque ele é esse tucupi altamente reduzido, então é como se você pegasse o tucupi que já é toda essa potência de sabor e condensa-se numa cápsula de potência de sabor. E quando a gente começou a comercializar esse produto… O sabor dele é muito forte, então para o consumidor provar o produto dessa forma, é muito ruim, dificilmente alguém prova esse produto e gosta. Aí eu fui para cozinha para entender o tucupi preto, para entender como fazer esse produto ser mais apresentável para o consumidor final e aí a gente desenvolveu um molho a partir dele, que hoje, que o mercado começou a comparar ao shoyu. No final, ele é uma diluição do tucupi preto tradicional e ele parece com shoyu de fato, tem algo no sabor que lembra o shoyu. Meu pai não conheceu esse produto, ele falava isso do amarelo. E a gente foi para uma feira na França, eu e o Paulo, meu sócio, onde a gente levou, era uma feira de alimentos, uma feira internacional de alimentos. E foi muito curioso ver os japoneses, que tinha gente do mundo inteiro na feira, e os japoneses passando no nosso estande e querendo consumir o shoyu de mandioca, porque ele é feito da mandioca. E foi bem bacana essa experiência, eles provavam com uma cara de desconfiança, tipo: “O que vocês fizeram com nosso shoyu?”. E a gente não fez com o shoyu deles, porque a intenção não era essa, mas, no final, acabou sendo uma versão de shoyu: o tucupi preto.
P/1 - Hoje você considera que o seu trabalho gera um impacto positivo para a Amazônia?
R - Sim! Eu tenho muito cuidado de falar isso, para não parecer um prepotente, mas sim. A gente é considerado hoje uma referência de negócios de impacto socioambiental, inclusive somos os convidados a falar, a expor o trabalho que a gente faz. Porque ele foi meio pioneiro. No momento que ainda não se via esse potencial, a gente começou. Então a gente acaba já tendo passado por alguns estágios, que outras empresas estão começando agora. Eu acho que é uma referência. A gente abraça isso até, inclusive, a gente se dispõe, eu e o Paulo, a gente atua muito no apoio a esse ecossistema de impacto socioambiental, por acreditar que ele é algo que é positivo para a região. Então a gente conta muito a história da Manioca para as pessoas, por aquilo que a gente passou, como uma forma de inspirar, de mostrar que é possível. Eu acho que uma das coisas que faz falta também pra gente aqui na Amazônia, é isso, é referência de que é possível fazer dessa forma. Porque a maioria das pessoas no começo, quando a gente falava o que era a Manioca e tal: “Isso não vai dar certo! [Tem] muita causa [envolvida], vocês são mais uma ONG do que um negócio”. E na verdade não, a gente está mostrando, está crescendo, tá entendendo o mercado também, porque isso é um grande desafio, como levar esses produtos para um mercado que não conhece. Então, por exemplo, a gente… O produto que a gente mais dedica esforços é o tucupi, que é o nosso principal produto, mas a gente tem uma granola feita de tapioca, a gente tem agora, acabou de lançar, uns snack saudáveis de mandioca, para ser um lanche rápido para as pessoas. Porque são formas que a gente vem encontrando de diminuir essa distância, essa falta de conhecimento do consumidor final, que está espalhado por todo Brasil. Então eu acho que esse modelo também, que a gente construiu ao longo do tempo, de aprendizado, porque foi um aprendizado. A minha vivência era de cozinha, era de restaurante e a indústria de alimentos é algo que, apesar de ter alimentos como base, é uma lógica completamente diferente. Então foram oito anos de muito aprendizado. A gente costuma brincar que a Manioca é um laboratório vivo, porque a gente está aprendendo o tempo todo, a nossa equipe, ela é estimulada a desenvolver soluções novas o tempo todo. A gente cria processos e tem que rever esse processo constantemente, cria produto e precisa melhorar esse produto constantemente. Essa cultura, ela é muito própria da Manioca. E a gente entende que isso tem que extrapolar a Manioca, isso tem que ser uma cultura da cidade, da região, está sempre enxergando potencial, está trabalhando esse potencial, melhorando esse potencial. E a gente se dispõe muito a falar sobre isso, a influenciar mesmo os empreendedores, os alunos, o governo, porque também é uma lógica nova para o estado, os estados da Amazônia. A gente foi muito educado, uma cultura de grandes indústrias, de culturas internacionais, de agropecuária, de monocultura. Então acho que são muitas mudanças que estão em curso e a gente tem experiências em alguma delas. A gente se orgulha de ser referência e de poder de alguma forma contribuir para isso.
P/1 - Além do seu trabalho, tem algum hobby que você faz hoje em dia?
R -
Eu gosto muito de ver séries, ver séries, ler; eu sou muito curiosa. Então, assim, qualquer assunto que eu ouço falar, preciso de alguma forma entender um pouco mais. Não sou aquela pessoa que ouviu falar de alguma coisa deixa para lá. Desde a fofoca de um artista até um tema… Por exemplo, como eu falei, eu tava num evento de troca, de construção do plano de bioeconomia do estado, e aí, lá eu tive contato com outras culturas, com outras pessoas e várias coisas que já foram ditas lá. Então muito do meu tempo é dedicado… O meu trabalho de fato, eu brinco assim, que eu vivo a Manioca, a Manioca é vida, a minha vida, ela está presente no meu dia inteiro, o meu trabalho. E eu acho que isso me faz muito bem, porque, de alguma forma, eu encontro lazer naquilo que eu faço, no meu dia a dia de trabalho, e o meu lazer é atrelado a isso, então na hora que eu vou para qualquer lugar comer, a Manioca está presente, porque estou analisando o alimento, mas eu estou curtindo também, assim como eu estou curtindo no trabalho. Então é uma coisa que é misturada: o lazer e o trabalho. Mas, assim, dos termos de mudar a cabeça, eu acho que são séries, que hoje eu vejo muitas. A gente sai para passear também, com meu filho. Esse aprendizado também da infância, eu busco muito conhecimento. Eu sou muito ligada nessa coisa da curiosidade, do conhecer, do ler, do ouvir, do falar. Não tenho, assim, um hobby fora do normal, fora do esperado.
P/1 - Tem alguma festa local que vocês gostam de ir, [alguma] comemoração?
R - Tem algumas festas locais. Tem festa junina, que agora está na época. Dentro do Círio de Nazaré tem várias festas que acontecem; é um momento que não é só religioso, né, o Círio é cultural, tem muitas manifestações culturais. Aqui no estado tem alguns festivais; tem a Marujada, que é um festival religioso cultural, que tem na cidade de Bragança, que eu já fui algumas vezes. Tem festivais de comida também; aqui tem vários no estado, onde a gente vai de vez em quando. Carnaval, eu não sou muito de carnaval. Eu não sou muito de festa, na verdade; eu gosto da cultura, a gente tem aqui danças próprias, como Carimbó, como Siriá, (lulu?), tem algumas festas desses ritmos, que hoje estão muito mais presentes na nossa vida do que era na minha infância, por exemplo. Então, às vezes, tem algumas festas desses ritmos que eu gosto de ir. Do brega, eu acho que é o mais próximo assim de festa. Mas eu não sou uma pessoa muito festeira.
P/1 - E Belém, mudou bastante desde que você era criança?
R - Muito! Eu acho que Belém… Quando eu fui morar em São Paulo, eu brinco que o turismo de Belém não existia. Eu via o potencial todo da gastronomia paraense, então eu dizia para as pessoas que me perguntavam: “Belém é legal para ir lá conhecer e tal?”. Eu falava: “Então, você vai para Belém e vai tomar café, almoçar e jantar, coisas diferentes [por] sete dias, mas nos intervalos você volta para o hotel e dorme, porque não tem o que fazer”. Não tinha o que fazer. E de lá para cá, até mesmo eu ainda morando em São Paulo, os cinco anos que eu passei em São Paulo, essa realidade começou a mudar. Houve um investimento muito grande na estruturação no turismo do estado como um todo. E hoje, assim, quem vem para Belém para passar três dias, se arrepende, porque tem muita coisa para fazer, tem muito lugar para visitar. Não só em Belém, como no entorno de Belém. Sete a dez dias é o mínimo que eu recomendo para quem quer vir para cá, de tanta coisa que tem para fazer, porque de fato é muito diverso, tem muita estrutura, hoje, turística. E de praia, de cultura, para criança, é um universo novo para o brasileiro, porque de fato é tudo muito diferente do resto do país. Eu incentivo muito a quem quer algo de diferente, às vezes até entendo que a gente busca o diferente fora do país, e o nosso país, ele é muito diverso. Eu já tive em outros lugares, a gastronomia me oportunizou isso, ir para muitos lugares no Brasil. E assim… O último lugar que eu fui antes da pandemia - foi a minha despedida das viagens antes da pandemia - foi Bonito, no Mato Grosso do Sul. E aí a gente vai às vezes para outro lugar do mundo, vai para Tailândia, porque lá tem um mar lindo, tem uma coisa super exótica, e [aqui] tem Bonito, que a gente nem sabe que existe. E assim é a Amazônia. Porque também não é só Belém, Manaus é uma outra realidade, tem um outro ecossistema, é mais ligada à cultura indígena talvez do que Belém. Eu acho que Belém é uma cidade mais cosmopolita, então a gente tem uma influência portuguesa, francesa, muito grande aqui, que Manaus não tem. Manaus é mais indígena, de fato. Roraima já tem um outro ecossistema: não tem muita floresta, é mais pasto. É um ecossistemas mais assim… Não é pastor porque foi derrubado, é porque o ecossistema mesmo lá tem uma área muito grande de pampa, tipo pampa gaúcho. Aí você já vai para o Acre, Rondônia, já é outra situação, então, assim, a Amazônia é muito diversa. Belém talvez seja onde tem uma diversidade cultural maior, porque durante muito tempo foi o ponto de contato da Amazônia com o mundo, com o Brasil e com o mundo, então acho que ela se tornou mais cosmopolita e mais diversa. Mas a Amazônia como um todo tem coisas incríveis para serem vistas e descobertas, é muito bom assim, recomendo. Sou suspeita, mas recomendo para os brasileiros virem conhecer um pouco mais da nossa terra.
P/1 - E quais são as coisas mais importantes para você hoje?
R -
Eu acho que o meu filho, minha família e a Manioca. E junto com a Manioca, a Amazônia, porque não tem como falar de Manioca sem a Amazônia. Eu acho que é isso. É a família e esse trabalho mesmo. A minha vida é tudo isso, porque não é só trabalho, é muito mais que trabalho.
P/1 - E qual é o seu maior sonho?
R -
É ver o tucupi presente na casa do Brasil e do mundo. Se não o tucupi, algum ingrediente da Amazônia. Eu e o Paulo, meu sócio, a gente brinca que a nossa missão [é] fazer com que, da mesma forma que na maioria da casa de todos os brasileiros tem shoyu, molho inglês, molho de tomate, azeite…, a gente quer que o tucupi divida esse espaço também. E a gente acredita nisso! Então acho que o meu maior sonho é esse.
P/1 - Qual que você acha que vai ser o seu legado para as próximas gerações?
R - É forte essa, né? Porque legado [é] só depois que as pessoas entendem. Mas acho que faz parte de continuar o legado, na verdade, da minha família. Que é isso, tornar, aproximar o Brasil da Amazônia, através do alimento, e a Amazônia do Brasil. Porque eu também falo muito, assim, que a Amazônia ela é muito distante do Brasil também. E para que essa conexão aconteça, a gente precisa querer, assim como o Brasil também precisa querer, não é um movimento que é de um lado só, eu acho que também precisa ter muito protagonismo local. Eu vejo que hoje, muitas vezes, o mundo tá mais interessado em se conectar a gente, do que talvez a gente ao mundo, então acho que esse é o movimento que precisa ser trabalhado, porque essa vontade tem que ser de ambos os lados. Para que a conexão aconteça, porque para duas pessoas diferentes se falarem, elas precisam no mínimo falar a mesma língua ou a mesma língua de sinais. Então tem que haver um esforço de ambos os lados, uma disposição de ambos os lados. E eu acho que tem muita a ver com isso, com a Amazônia, com esse trabalho que a gente vem fazendo, de fazer o nosso povo mesmo enxergar o valor de tudo que a gente tem. Muitas vezes a gente dá infinitamente mais valor para aquilo que vem de fora, que não é da nossa cultura, [mesmo] a gente tendo esse quintal tão rico que a gente tem aqui. Então acho que tá muito ligado a isso. Nem é um legado que é meu, é um legado que na verdade eu herdei e que só tô dando continuidade.
P/1 - Tem alguma coisa que eu não perguntei e você gostaria de acrescentar?
R -
Eu acho que não, acho que eu falei bastante coisa. Realmente, eu não lembro de algo que tenha ficado [pendente]. Acho que talvez uma coisa que eu deixaria, uma mensagem, é a gente ter esse olhar de escuta. Eu já tinha essa visão, mas de entender uma forma de fazer junto em equidade, de uma forma que todo mundo envolvido possa enxergar valor e não [uma] exploração. Eu acho que a Amazônia, o Brasil, teve uma postura sempre muito de ser explorada e, no caso, tem uma postura de alguma forma querer ou ajudar a Amazônia, ou explorar a Amazônia. E eu acho que na verdade é fazer junto; não é nenhum, nem outro. Aí eu acho que esse cuidado, inclusive, com povos e comunidades tradicionais…, porque a gente que é urbano na Amazônia também, às vezes, tem uma postura errada em relação a eles. Eu acho que é muito importante a gente tentar ter essa empatia de entendê-los. Porque se para gente aqui no meio urbano já é difícil, para eles é muito mais difícil, são distâncias ainda muito maiores. Então acho que é muito importante que a gente entenda isso, respeite as diferenças, e se esforce, até mais que eles muitas vezes, de fazer essa relação dar certo, porque sem eles a gente não teria nada disso. Eles que tem mantido tudo isso preservado, e a gente precisa de alguma forma entender como apoiar esse trabalho, mas não em uma posição de que eles precisam mais da gente do que a gente deles, pelo contrário, a gente precisa muito mais deles, do que eles da gente, porque eles sabem viver em harmonia com a natureza e a gente não.
P/1 - O que você achou de contar um pouco da sua história hoje?
R -
Eu achei legal! É desafiador, porque pensar assim que eu tô contando a história para todo mundo ter acesso, ouvir. Então, o que falar, o que não falar, o quanto se entregar. Mas eu sou muito verdadeira nas minhas relações, então, a partir do momento que eu aceitei esse convite, eu falei: “Não, eu vou falar quem eu sou mesmo e se as pessoas quiserem julgar isso, que elas julguem”. Mas é uma história, eu acho que todo mundo tem sua história de vida, e constrói de forma diferente também, porque de acordo com essa história você passa a ter um olhar diferente, uma forma diferente de fazer. E eu acho que talvez contar um pouco de toda essa história, que não é só minha, por isso eu aceitei o convite, é muito importante! E me mostrar tudo que a gente tem feito, o que me fez chegar até aqui, reconhecendo os meus privilégios também. Então, acho que isso é muito importante, e foi muito bacana, porque eu falo muito, adoro falar, então saiu muito naturalmente. E vamos ver, depois quando tiver publicado alguma parte disso tudo como vai ser, mas eu acho que foi legal. Num primeiro momento foi estranho, mas depois eu falei: “Não, é isso mesmo, a gente precisa compartilhar”, porque muitas vezes eu me inspiro muito na história de outras pessoas, então se eu puder de alguma forma contribuir para com que outras pessoas tenham essa mesma postura que eu tenho, eu acho que vai ser legal.
P/1 - Que bom! Então Joanna, eu agradeço em meu nome e em nome do Museu da Pessoa pela sua participação.
R - Eu que agradeço Grazielle. Muito obrigada! E sigo à disposição por aqui, esperando que isso de alguma forma contribua para que as pessoas visitem mais a Amazônia, se interessem mais pela Amazônia, pesquisem mais, busquem mais. E consumam mais produtos da Amazônia, porque independente de ser Manioca; consumir, escolher consumir produtos responsáveis da Amazônia, ajuda manter a floresta em pé. Às vezes a gente acha que: “O que eu posso fazer pela Amazônia. Eu tô tão distante. Não conheço". E às vezes essa escolha de consumo faz muita diferença. Então convido as pessoas a terem esse olhar e procurarem mais sobre produtos amazônicos, aí onde cada um estiver.Recolher