Entrevista de Ariovaldo Nogueira Filho
Entrevistado por Luiz Egypto
16/06/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número SINPRO_HV025
Transcrito por Aponte
Revisado por Luiz Egypto
0:00
P/1 – Muito boa tarde professor!
R – Boa tarde
0:03
P/1 – Muito obrigado por ter aceitado o nosso convite. Eu queria começar perguntando ao senhor o seu nome completo, local e a data do seu nascimento?
R –O meu nome completo é Ariovaldo Nogueira Filho. Eu nasci em Ituiutaba, Minas Gerais, em 30 de outubro de 1958.
0:28
P/1 – Qual é a sua atividade atual?
R - Atualmente eu sou aposentado.
0:38
P/1 - Professor aposentado?
R - Professor aposentado.
1:15
P/1 – O nome dos seus pais?
R – O nome do meu pai é Ariovaldo Nogueira e da minha mãe, Maria Teodora Nogueira.
1:24
P/1 – Qual era a atividade dos seus pais?
R - A minha mãe era de casa, doméstica e meu pai, ele trabalhava com caminhão.
1:37
P/1 – Motorista?
R – Motorista.
1:41 – O senhor conheceu os seus avós?
R - Eu conheci os meus avós.
1:49
P/1 - Pode dizer o nome deles?
R - Do lado materno era José Alves de Oliveira e Maria Inês Goulart. Do lado paterno era Iracides Nogueira da Silva e Marieta Nogueira.
2:12
P/1 - Havia histórias na sua família sobre a origem de seus avós? De onde eles vieram?
R – Não, não, nós nunca chegamos a esse tipo de detalhamento não. A princípio a família dos meus avós do lado materno, eles eram da região de Franca, do estado de São Paulo. E foram caminhando ali para o lado do Triângulo Mineiro, Minas Gerais com divisa ali com Goiás, na região de Ituiutaba e fixaram residência por ali. E do lado paterno os meus avós, se não me engano, era da região do Mato Grosso, região de Cuiabá tal. Foram descendo ali também, mas para o interior de Goiás, ficando ali próximo à divisa com Minas Gerais e acabando por se adaptar e fixar residência na região do Triângulo Mineiro.
3:28
P/1 – O senhor tem irmãos professor?
R - Eu tenho dois irmãos.
3:35
P/1 – O senhor é o mais velho, mais novo?
R – Eu sou o mais velho.
3:43
P/1 – Como é que era sua casa lá em Ituiutaba?
R – Uma casa normal, com quartos e banheiro, era uma residência normal. Não muito grande, mas para uma família que também não era muito pequena, até porque o meu irmão mais novo, tem uma diferença de idade muito grande da gente. Eu e minha irmã fomos criados praticamente juntos, então a gente tinha uma casa que era o suficiente para moradia.
4:26
P/1 - Sua mãe distribuía tarefas para criançada? Vocês tinham obrigações em casa, você, seus irmãos?
R – Não! A vida nossa era basicamente ligada à escola. Quando meu irmão nasceu, que a gente já era um pouquinho mais velho, aí sim a gente ajudava um pouco. Não só nas tarefas, como ajudar a cuidar do meu irmão também.
4:59
P/1 – E a sua primeira escola professor, qual foi?
R – A minha primeira escola foi um grupo, um grupo escolar, chamava Grupo Escolar Clóvis Salgado.
5:21
P/1 - Alguma professora ou professor que tivesse marcado o seu momento nessa escola?
R - Bem no início dos estudos, eu tive uma professora, se não me engano chamada Márcia, uma pessoa que marcou. Eu ainda lembro, tenho uma certa lembrança.
5:47
P/1 – Professor como eram as brincadeiras dessa garotada lá em Ituiutaba?
R – A gente brincava muito na rua, jogava bola, brincava de patinete, que na época era aqueles carrinhos de rolimã. Como era uma cidade pequena também, às vezes saía para fazer caçada, caçar passarinho pequeno, brincadeira de pique-esconde, essas coisas normais de criança, para aquele tipo de local que a gente morava.
6:34
P/1 – Você morava num bairro ou no centro da cidade?
R - Eu morava no centro da cidade.
6:42
P/1 - O seu pai viajava muito? Como é que era o seu pai, a relação com ele?
R – O meu pai viajava bastante. Na medida em que eu fui crescendo, a relação pai e filho, foi um pouco complicada. Com a história da minha mãe ficar mais tempo em casa...
7:38
P/1 – Nós falávamos do seu pai... Motorista de caminhão viajava muito...
R – Isso! Viajava bastante. No início, eu era bem pequeno, até que não tinha muito problema, não. Mas com o tempo, à medida que eu fui crescendo, a gente vai questionando algumas coisas. Aí sim pintou algum conflito na relação pai e filho, tal.
8:15
P/1 - Como é que os seus estudos evoluíram, a partir dessa primeira escola que o senhor relatou?
R – Eu saí dessa primeira escola, terminei o primário. Aí na época tinha o que se chamava de exame de admissão, eu fiz o exame de admissão e fui fazer o que se chamava na época de ginásio. E o ginásio eu fiz num colégio de padres, numa escola particular, uma escola de padres, chamava Colégio São José.
8:53
P/1 – Lá em Ituiutaba também?
R - Lá em Ituiutaba.
9:03
P/1 – O que aquele garoto queria ser quando crescesse professor?
R - Pois é! Quando eu entrei e fui fazer o segundo grau. Eu fiz o segundo grau, aí eu mudei de escola novamente. Porque na minha cidade, principalmente para segundo grau, a melhor escola que tinha era um Colégio Estadual, o colégio do estado, escola pública, era a que tinha os melhores professores, a melhor estrutura. Então, terminado o ginásio, me ingressei e fui estudar, fazer o segundo grau no Colégio Estadual. Quando eu comecei estudar no Colégio Estadual, eu inicialmente pensei em fazer engenharia mecânica, ou qualquer coisa nesse sentido. Mas com o passar do tempo também, essas coisas foram todas sendo alteradas.
10:06
P/1 - Como é que foi esse processo de alteração da vocação?
R - Não sei bem nem se seria a vocação não. Mas foi assim, também por questão de oportunidade. Eu quando terminei o segundo grau, foi no momento que eu sai de Ituiutaba e venho para Brasília. Aí eu ingressei na Universidade de Brasília, e na época a universidade, você prestava o vestibular e tinha três opções. E eu passei para uma dessas opções, e com o tempo, e dentro da própria universidade, eu fui mudando de área. Eu na verdade, eu sou formado em Engenharia Florestal.
11:10
P/1 - O que motivou a sua mudança de Ituiutaba para Brasília?
R – A questão de oportunidades. Primeiro que eu queria sair de uma cidade do interior, para ir para uma cidade maior, por uma questão de oportunidade. Segundo porque eu vim para Brasília, que tinha uma universidade pública, uma universidade de qualidade. Então somando todas essas características aí, foi o que fez com que eu saísse do interior e viesse para Brasília.
11:48
P/1 – Foi para Brasília só?
R – Não! Também vários amigos meus. Também foram passando no vestibular, por aqui, e acabaram vindo morar aqui, e eu acabei... Mas isso não foi somente essa influência não. Que eu já tinha um pouco em mente também, essa vontade de vir para cá. Eu poderia ter ido para outra cidade, eu poderia ter ido para São Paulo, eu poderia ter ido para Belo Horizonte, o mesmo Goiânia. Mas eu acabei internamente fazendo opção por Brasília.
12:26
P/1 - Quando o senhor chegou a Brasília, foi morar aonde? Com quem?
R – Eu quando cheguei em Brasília, logo nos primeiros mesizinhos, eu fui morar numa pensão, mas morei pouquíssimo tempo. Aí depois eu fui morar em república, com os amigos meus. Você começa a criar vínculos, e começa a criar relação com a cidade, e você acaba tendo opções melhores.
13:07
P/1 - Como é que era a cidade que o senhor encontrou no momento em que o senhor chega em Brasília? Como é que era Brasília nessa época?
R - Brasília era uma cidade muito tranquila, não era uma cidade muito violenta, era uma cidade relativamente pequena. O plano piloto aqui, é uma região pequena da cidade. Nesses últimos 30 anos que a cidade cresceu de forma assustadora. Mas quando eu cheguei aqui, no final dos anos 70, aqui era uma cidade muito tranquila, muito pacata. E a gente vivia praticamente ali, em função da realidade acadêmica, em função da universidade. Então acabava que a universidade virava para gente um pedaço da cidade, que era onde a gente passava a maior parte do tempo.
14:10
P/1 - Como é que o senhor se sustentava nessa época professor?
R – Logo no início, quando eu cheguei aqui, no primeiro ano, não mais do que isso um pouco, eu recebia mesada, recebia dinheiro dos meus pais. Mas aí com o passar do tempo, eu inicialmente consegui uma bolsa, para trabalhar dentro da própria universidade, e a partir disso daí eu fui desvinculando da minha relação econômica, de dependência da família. Até porque eu entendi uma coisa muito rápida, se você não tem independência econômica, você acaba tendo uma dependência total da família, que te acaba... Ainda mais quando se tem alguns conflitos, acaba criando um vínculo não muito legal. Então a independência econômica, ela é fundamental.
15:22
P/1 – Como é que o senhor derivou para a profissão de professor? Como é que isso se deu?
R – Pois é! Aí como eu estava te falando, inicialmente na universidade, quando eu começo a ter essa independência econômica, através de um estágio que eu consegui na universidade e tal. E com o passar dos tempos, você vai criando amizades, vai fazendo uma relação de amigos. Eu comecei, por sugestão de um amigo, comecei a dar aula. A partir de contatos com os amigos, numa conversa uma vez com um amigo meu, que já era professor, ele perguntou se eu tinha interesse em trabalhar em sala de aula. Aí numa dessas oportunidades, eu comecei a trabalhar com supletivo preparatório, comecei a trabalhar à noite dando aula para supletivo preparatório. E aí foi o início da minha jornada profissional.
16:43
P/1 – Como é que o senhor se aproximou dos movimentos sociais? O senhor teve algum contato com os movimentos sociais nessa época?
R – Sim, desde que entrei na universidade, eu já participava do movimento estudantil. Eu inclusive cheguei a participar de gestão no DCE, Diretório Central dos Estudantes, nessa época a gente ainda vivia aquele final de ditadura. Então assim, era um momento muito rico do ponto de vista político, do ponto de vista de organizações, etc e tal. E participei, tive um uma atuação relativamente grande, nessa questão de movimento estudantil.
17:45
P/1 – Quando o senhor se graduou na Universidade, optou pelo professorado ou exercer alguma atividade na área de Engenharia Florestal?
R – Eu na área de Engenharia Florestal, como engenheiro florestal mesmo, eu nunca exerci a minha profissão. Na medida que a gente for entrando na questão da profissão, aí talvez essas coisas fiquem um pouco mais esclarecidas. Mas assim, na medida em que eu comecei a trabalhar, como eu já atuava também no movimento estudantil, mas para o final dos anos 70, a gente teve ali a busca e a discussão de formação de partido, de um partido que realmente pudesse ajudar a organização de trabalhadores etc. Então assim, desde o início, desde as primeiras discussões. Eu já comecei a participar das discussões de formação do PT. E aí depois também veio a discussão da formação da Central Única dos Trabalhadores, que são coisas que estavam mais ou menos interligadas. E a questão da participação do movimento estudantil. Como em Brasília as coisas eram muito próximas naquele momento, até porque uma parcela do professorado era tudo oriundo da Universidade também. Então assim, essa coisa ela meio que se cruzava. E eu acabei, na medida em que eu fui me adentrando mais na profissão, eu também comecei a participar da organização dos professores, do ponto de vista sindical mesmo. E aí a partir do momento em que há definitivamente essa junção. Aí a vida me leva a ser um profissional realmente do setor de educação.
19:56
P/1 – E a sua aproximação com o SINPRO, como é que se dá?
R – Olha só, o SINPRO, aos moldes que ele tem hoje, ele foi fundado no final dos anos 70, no ano de 1979 se não me engano. E desde o início da formação do sindicato, a gente já tinha grupos que discutia, não só a formação do sindicato, como depois da formação do sindicato, a nossa organização para ver se era possível dirigir esse sindicato. Eu comecei a trabalhar no final dos anos 70, no início dos anos 80. Eu comecei a trabalhar como professor nesses supletivos. Mas a partir dos anos 80, 82, por aí, eu já era um professor que dava aula em escolas regulares, pré-vestibular, etc e tal. Então assim também, na medida em que eu fui assumindo essa questão da profissão, eu fui adentrando muito na participação profissional.
21:32
P/1 – Foi daí que o senhor começou a se integrar mais ao sindicato? É isso?
R - A integração maior ao sindicato, ela se dá no momento, talvez um pouco posterior. Eu também precisava me engajar do ponto de vista profissional, eu não podia ficar só por conta de sindicato. Esse era um momento da minha vida, que eu ainda estava dentro da Universidade, ainda estava ligado um pouco ao movimento estudantil, trabalhava dando aula. E nesse período, a minha participação sindical, ela não era ainda completamente efetiva. Ela vai ser completamente efetiva, mais para os meados dos anos 80. Na verdade a partir da primeira greve de escolas particulares que teve aqui no Distrito Federal, que foi, se não me engano, foi em 1985. Em 1985 teve uma greve dos professores das escolas particulares, e nessa greve eu já tinha, do ponto de vista profissional, já trabalhava em mais de uma escola, já trabalhava no ensino regular, já era um profissional que tinha carteira assinada. Então a partir desse momento aí. A partir desse momento a participação sindical ela era realmente se efetiva.
23:21 – Em 1985 o SINPRO representava também as escolas particulares, não é verdade?
R – O SINPRO desde que foi criado, ele representa as escolas públicas e as escolas particulares. Porque... Eu não sei se você conversou com algum diretor do sindicato, sobre a formação do sindicato. Mas assim, o sindicato quando foi criado, Brasília era um lugar meio peculiar em relação aos outros estados, os profissionais da Educação aqui do Distrito Federal, eles eram ligados a Fundação Educacional do Distrito Federal. E eram celetistas, assim como os profissionais da educação, da área privada também, que também eram celetistas. Então quando o sindicato foi criado, ele foi criado como sindicato dos professores no Distrito Federal, então ele abarcou todos os profissionais da educação. Inclusive o sindicato dos professores ele representou também os professores da Universidade de Brasília. Quando nós entramos no sindicato, em 1986, por exemplo, na nossa diretoria, existia uma professora da Universidade de Brasília. Porque o sindicato naquela época, também representava os professores da Universidade de Brasília. Porque até então, a organização dos profissionais da educação da Universidade, eles também não tinha uma entidade que os representasse, inclusive legalmente. E aí houve um problema de um dissídio coletivo e tal, o sindicato acabou por representar esses professores. E acabou por representar. E durante um momento até a criação da ADUnB e até a criação da ANDES, o Sindicato Nacional. A organização dos profissionais, professores da Universidade, também era representada pelo sindicato professores. Então é essa forma da contratação dos professores da Fundação Educacional a época, levou que o sindicato tivesse uma formação diferente. Que a maioria dos outros Sindicatos do país, era o seguinte, você tinha a organização dos professores nas escolas públicas e tinha organização dos professores nas escolas particulares. E aqui acabou que se deu tudo, conjunto, em função da realidade da localidade.
26:17
P/1 - Nessa greve de 85 o SINPRO encampou a greve, ou como é que ela se deu? Só aconteceu nas escolas particulares?
R – 85, se não me engano, também teve greve dos professores da escola pública. Mas foram greves em momentos diferentes e greves diferenciadas também. Mas a greve, ela foi uma greve que foi discutida e decidida em assembleia de categoria, convocada pelo sindicato dos professores a época.
27:06
P/1 - O senhor se tornou liderança do sindicato em algum momento, em 86 o senhor disse, quando o senhor passa a ser diretor do sindicato?
R – Na greve, como eu tive uma participação muito efetiva, e já vinha de certa forma também. Porque existia um movimento aqui em Brasília, chamado Movimento de Base dos Professores, que era formado principalmente por professores da escola pública. E esse movimento de base, ele discutia, não só a questão da central sindical, mas discutia também, a organização dos profissionais, do ponto de vista local. E esse movimento de base, através do movimento de base, é que se chegou à formação de uma chapa de oposição, para disputar o sindicato em 1986.
28:13
P/1 – O senhor estava nessa chapa de 86 então?
R – Eu estava na chapa de 86, a partir da minha militância, nessa greve de 1985.
28:29
P/1 – Não havia nenhum tipo de conflito, ou problema operacional, no fato de um mesmo sindicato, representar dois entes distintos, a escola pública e escola particular?
R – Não! A gente formava diretoria, com pessoas que trabalhavam na escola pública e pessoas que trabalhavam na escola particular. Isso sem contar também, que uma boa parte trabalhava tanto na escola pública, quanto na escola particular também. Eu particularmente, nunca fui um profissional que trabalhou na escola pública, eu só trabalhei em escola particular.
29:29
P/1 – O que motivou a separação do grupo de escolas particulares do grupo de escolas públicas? Isso se deu em 2005, né? O que motivou isso?
R – Antes de a gente chegar nisso daí, eu tenho que sintonizar mais algumas coisas. Então vamos lá. Como eu falei para você, eu entrei no sindicato em 1986, se não me engano, eu queria que inclusive você desse uma olhada melhor nessas datas depois, que pode me falhar alguma coisa, certo. Mas eu participei de 4 gestões no Sindicato dos Professores. Nós tivemos uma gestão de 86 a 89, depois de 89 a 92, aí eu retorno em 1995 e vou até 2001. Então a partir de 2001, eu já não fazia parte mais das diretorias do Sindicato dos Professores. Então a minha atuação do ponto de vista sindical, ela ocorreu até 2001. A partir de 2001, na escola particular, as coisas eram bem diferentes, do que na escola pública, porque a gente não tinha estabilidade e uma atuação muito ativa, como foi a que eu tive. Porque assim, foi uma atuação que na verdade aconteceu de 1984, 85 até praticamente após 2001. Então eu era uma pessoa que tinha um embate muito grande, do ponto de vista da organização dos profissionais, um embate muito grande com o sindicato dos donos de escolas. E esse embate me transformou numa pessoa muito conhecida do dos donos e diretores de escola, de todo Distrito Federal. Então eu era uma pessoa meio assim, marcada para a morte. Então à medida que eu saio do sindicato, que eu não tenho mais estabilidade, nem nada, eu perdi o meu contrato. A partir daí eu não conseguia mais trabalhar em escola nenhuma. A partir desse momento, inclusive, eu sou obrigado a buscar outras opções na minha vida. A partir desse momento eu praticamente saio do setor da educação. Eu tinha que sobreviver, e busquei fazer outras coisas na minha vida.
32:56
P/1 – O senhor entrou na lista negra dos donos de escola?
R - É uma lista negra que existia a muito tempo. Mas na medida em que eu não estava mais fazendo parte da diretoria do Sindicato, não tinha mais estabilidade, não tinha nada, aí foi fatal.
33:14
P/1 – O senhor foi trabalhar em que depois desse episódio?
R –
Olha, quando eu sai, eu passei um certo período desempregado. Aí fui fazendo coisa assim, para sobrevivência mesmo. A partir de 2003, por aí, eu não lembro muito bem, eu fui atuar no Ibama, eu passei um tempo trabalhando no Ibama, num programa de prevenção e controle e combate a incêndios florestais, na Amazônia Legal, fui consultor do PNUD [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento], e passei um período lá fazendo isso. E depois eu fui fazendo inúmeras outras coisas. Tive diversas atividades. Porque era impossível retornar para o esquema de ser profissional da educação novamente.
34:49
P/1 - Voltando um pouco ao seu tempo de Sindicato, o senhor, no seu período, passou por dois momentos muito importantes na vida do SINPRO. O primeiro deles, a transformação da gestão presidencialista para uma gestão colegiada.
R - Essa gestão ela aconteceu, inclusive, quando eu era diretor de Sindicato. Quando nós entramos no primeiro mandato, nós éramos uma composição política. Eu não sei a discussão que você já travou com a diretoria do sindicato, mas o sindicato dos professores, ela é uma entidade muito politizada, então todas as facções políticas, tem representação, que não seja na diretoria, mas tem representação política na base também. Tanto assim, que quando a gente tem as disputas eleitorais no SINPRO, elas normalmente são disputas que são ferozes, assim, do ponto de vista da organização, ainda bem. Você tem uma militância grande. E sempre foi assim, desde que a gente se organiza. O movimento de esquerda no Brasil, são várias tendências, são várias organizações e essas organizações procuram espaços, e esses espaços são disputados. E a gente sempre disputou, sempre fez essa disputa, e sempre procurou ocupar esses espaços. Então quando nós entramos na primeira gestão do Sindicato dos Professores, o sindicato ele era aquela coisa formal, que o próprio Ministério do Trabalho previa. Aquela organização normal do sindicato, presidente, tesoureiro, aquela coisa toda. Mas com as discussões políticas que se davam, com a questão da constituinte etc e tal. Essas organizações foram podendo sofrer modificações. E em função até dos espaços políticos, das disputas políticas que nós tínhamos, nós discutimos a época nessa possibilidade de ter uma diretoria, onde as pessoas não ocupassem os cargos, pelo cargo em si, mas pelo espaço que ela pudesse conquistar. E aí a gente foi discutindo essa questão, da diretoria colegiada, e ela abria Inclusive a perspectiva da gente ampliar do ponto de vista da composição, ampliar até numericamente também. E nós fizemos essa discussão, e a próxima diretoria. Fizemos essa modificação do ponto de vista estatutário, foi feito uma assembleia de modificação estatutária, o estatuto do sindicato foi modificado, a diretoria foi modificada, ela passou a ser uma diretoria colegiada. Isso tudo aconteceu na época que eu era diretor do sindicato, inclusive.
38:09
P/1 - No outro momento importante, pelo qual o senhor certamente passou, foi aquela famosa assembleia, que acabou votando a expulsão de nove dirigentes, em 1995.
R – Nessa assembleia, inclusive, eu compunha a mesa, para você ter uma ideia, uma coisa muito louca. Eu acho que em política, as coisas são complicadas, as vezes você tem um momento atual, que você tá fazendo a disputa etc e tal. Que talvez se você fosse fazer num momento futuro, as coisas não necessariamente, se dariam daquela forma. Talvez hoje, a gente tivesse formas de pensar, o que foi aquele momento, de uma forma um pouco diferente. Mas enfim, aconteceu naquele momento. Existia uma disputa dentro da diretoria, que tornou a coisa meio complicada, meio insustentável. E acabou que numa assembleia geral, essa coisa da restituição EXPULSÃO, acabou indo a votação, e acabou acontecendo. Foi uma coisa assim, que politicamente, trouxe um trauma muito grande, não só para quem saiu, mas também para quem continua na diretoria. Porque é uma ferida política que fica. Não só para um lado como para o outro também.
40:00
P/1 – Que avaliação o senhor faz hoje, da relação do sindicato, com governos, digamos aliados, no caso Cristovam Buarque ou Agnelo Queiroz. Como é que se dá essa relação da luta sindical, com um governo que supostamente é aliado, mas ainda assim os embates acontecem?
R – É! Talvez na época do Governo Cristovam, o embate teria sido um pouco maior, até porque culminou nessa questão desta disputa política muito acirrada etc e tal. E acabou nessa Assembleia que culminou com a retirada desses diretores. Mas assim, também na época do Governo Agnelo, as coisas, acabou que existiu também um certo embate, entre o sindicato dos professores e governo. Por questão de defesa mesmo, não só do ponto de vista da questão salarial, como do ponto de vista também das condições de trabalho etc e tal. A gente sempre acha que quando a gente tem um governo aliado, de repente as coisas possam acontecer de uma forma mais tranquila. Mas de fato as coisas não são tão tranquilas assim, porque o governo, ele governa para um todo, e a gente normalmente põe a nossa luta como o princípio da discussão, às vezes os embates são rigorosos.
42:03
P/1 – Professor, embora o senhor esteja afastado do sindicato, mas com toda sua história na luta sindical, quais são os grandes desafios que se colocam para o SINPRO hoje, nesse momento em que vivemos?
R - Pois é! Hoje a gente vive uma situação muito complicada, porque a gente tá vivendo um momento de negação histórica, de um monte de coisas que nós conquistamos ao longo desses anos todos, do regime ditatorial para cá. Então assim, eu vejo sim que tem um monte de coisa que tá indo por água abaixo, e a dificuldade de organização hoje, não só assim, do sindicato dos professores em si, mas o movimento sindical como um todo, eu acho que tá muito complicado, a gente vai ter que discutir formas de chegar à base, com uma discussão assim, mais pé no chão, uma discussão onde você amplia muito mais as coisas. Porque a continuar vivendo assim, esse momento político que nós estamos vivendo agora, e que inclusive conta com o apoio relativo de uma parcela da população, as coisas não estão legais. Eu acho que a gente tem que criar buscar e ampliar essa discussão, do ponto de vista das organizações de esquerda. Eu acho que a gente vai ter que fazer uma aliança muito grande aí, para tentar barrar tudo isso aí, que essa direita legalizada, esse espaço que essa direita está tomando. A gente vai ter que realmente, eu não sei assim, eu acho que a gente vai ter que voltar a sentar e discutir com todos, que forma que a gente vai ter para barrar. Que tipo de discussão que a gente vai ter para barrar tudo isso que está acontecendo, e que infelizmente conta aí com um apoio de certa parcela da população.
45:00
P/1 – Sem lhe pedir nenhum exercício de futurologia, que futuro você enxerga para a educação no Brasil?
R - Pois é! A gente tem visto aí. A desigualdade no país, ela volta a crescer, de forma assustadora, a fome e a miséria, tomando proporções que a gente tinha visto muito lá atrás. E a educação ela está tomando esse bonde aí também, essa questão, porque a escola pública ela vai muito além de ser somente um local aonde as crianças e os adolescentes vão para ter contato com o professor. Na verdade ela é o contato, é o convívio social. É um espaço de discussão, é um espaço de organização, é um espaço onde você tem a relação criança, adolescente, professor, pais etc e tal. E com essa pandemia, a escola pública, ela está ficando cada vez mais afastada da população. Porque os governos acabam meio que esquecendo, essa realidade não proporciona, do ponto de vista da organização da escola mesmo, não proporciona, como é que fala, o acesso, para que essas crianças e adolescentes tenham, como os alunos das escolas particulares tem. O prejuízo para um aluno da escola particular, do ponto de vista Educacional, ele também existe, mas ele não é tão grande, tão desigual, como ele é para o aluno da escola pública. Então eu acho assim, que esse abismo que já existia, ele tende a se aprofundar muito mais. E o pior de tudo isso, é que você soma tudo isso, a toda a realidade do país. Que tá tudo indo para o abismo, tá tudo indo para o buraco. E as pessoas ainda vão para a rua fazer motociata.
48:00
P/1 – Professor, suponhamos que o senhor esteja diante de uma moça e um rapaz, que decidiram ser professores, o que você diria para eles?
R – Eu não iria desencoraja-los, eu diria a eles que é uma profissão árdua, é uma profissão que traz o ardor da batalha. Mas também traz a dignidade de um profissional. Porque ser professor, a gente talvez entenda um pouco assim, a atividade, um pouco mais à frente de quando você começa a trabalhar. Porque a sua responsabilidade com o processo educacional, ela é uma responsabilidade que ela vai ultrapassar décadas. Você está formando pessoas, você está formando cidadãos, você tá formando futuros profissionais. E o compromisso é sempre aquele, de você fazer discursão, para que essas pessoas tenham um comprometimento, para que essas pessoas tenham a busca de uma vida mais tranquila, de uma vida mais saudável, de uma vida mais digna. Para qualquer pessoa que seja. Então assim, o profissional de educação, ele tem muito acesso a esse lado, porque ele trabalha na formação das pessoas. Então assim, com certeza, eu diria que não é fácil, mas também acaba trazendo gratidão. E profissão é profissão, hoje você pode de repente se formar em engenheiro e do ponto de vista salarial etc e tal, você não tem uma vida muito diferente de um professor. Eu acho que a profissão tinha que ser um pouco mais valorizada, não só do ponto de vista profissional, salarial, mas também do ponto de vista social. Mas assim, é uma realidade que a gente vive no Brasil hoje, para qualquer tipo de profissão, hoje em dia tudo está muito desvalorizado, tudo. As relações de trabalho estão transformando quase todos, numa relação escravagista, na verdade. Hoje a gente é meio que escravo dessa conjuntura toda, que nós vivemos.
51:10
P/1 – O senhor é casado?
R – Sim! Tenho um filho, meu filho tem 36 anos, ele é formado na Universidade de Brasília também, formou na mesma Universidade que eu e a mãe dele formamos. E ele é funcionário público, é jornalista.
51:38
P/1 – Qual é o nome dele?
R – O nome dele é Daniel
51:43
P/1 – O nome da sua senhora?
R – Bernadete.
51:48
P/1 – Como é que vocês se conheceram?
R - Eu e a Bernadete no conhecemos na universidade.
51:57
P/1 – Movimento estudantil?
R – Sim!
52:06
P/1 - Eu queria saber se tem algo que o senhor gostaria de ter dito e não disse?
R – Tem! Quando nós falamos lá atrás, das organizações etc e tal. Eu queria adenda mais alguma coisa. O Sindicato dos Professores, ele é um sindicato que é filiado a Central Única dos Trabalhadores, a CUT, que foi uma discussão, que desde que a gente entrou para o sindicato, nós fizemos essa discussão, até cominarmos a criação do sindicato com a CUT. O sindicato também é filiado a CNTE, que é a Confederação que representa os trabalhadores em educação do setor público, que vem da antiga CPB. Na nossa época, quando nós fazíamos as disputas, ainda era CPB, que era a Confederação dos Professores do Brasil. E nos anos 80, nós também tivemos uma discussão, de formação de uma Confederação, para representar os profissionais de Educação do setor privado, que é a CONTEE, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino.
A época o Sindicato dos Professores não só participou dessa discussão, como também acabou sendo uma das entidades que ajudou na formação dessa Confederação. Eu inclusive fui diretor também, por mais de um mandato, nessa Confederação aí, dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino. Que era uma organização em nível nacional, para cuidar da representação dos Trabalhadores em escolas particulares. Representada também, não só os trabalhadores, professores, como também os trabalhadores auxiliares de ensino. E uma outra coisa também, o seguinte, dos mesmos moldes, que nós tivemos o sindicato dos professores aqui, que representava os profissionais professores, nós tínhamos também, o sindicato dos auxiliares, que também representados os trabalhadores das escolas particulares e também os trabalhadores das escolas públicas, os demais trabalhadores.
54:56
P/1 – O senhor participou do SINPROEP também?
R – Eu participei da assembleia. Mas como eu te falei, por isso que eu te pedi aquele espaço. Lembra que eu pedi um espaço para você, para falar sobre isso um pouco mais à frente. Quando houve a formação do sindicato... Lembra que eu te falei do momento em que eu sai do sindicato, eu não conseguia mais retornar a profissão, a exercer a profissão etc e tal. Em 2005 quando houve a formação do sindicato dos professores de escolas particulares, eu já praticamente não tinha ligação com escola particular mais, na verdade com escola nenhuma. Mas eu participei da assembleia, e fui contrário a formação do sindicato. Eu não sei bem como é que seria a discussão hoje, mas eu nunca fui favorável a separação do sindicato. Eu sempre acreditei que um sindicato grande, um sindicato forte, ele tem muito mais condições de representar os profissionais da base. Eu sempre trabalhei com essa tese, sempre trabalhei com essa ideia. Quando eu fiz parte da diretoria, naqueles momentos lá atrás, em alguns momentos já se discutiu a questão da separação, viu. Eu fui contra todas às vezes. Em 2005 quando houve a formação, eu também participei da assembleia, e com a postura contrária. Hoje não tenho tanta certeza, até porque também estou um pouco afastado. Mas eu não sei, eu acho que eu continuaria ainda com a tese de que um sindicato grande, um sindicato forte, é um sindicato que melhor representa. E outra coisa, do ponto de vista da organização, dentro do próprio sindicato, a gente tem organização interna, que favorece a mobilização, e você ter trabalho nos dois tipos de base. Na época que nós éramos da diretoria do sindicato, por exemplo, eu era um professor de escola particular, mas nos momentos onde nós tínhamos o acirramento da luta na escola pública, eu ia para dentro da escola pública também fazer a discussão com os professores. A diretoria era uma só. E a mesma coisa o restante da diretoria fazer em relação às escolas particulares. Então nós fazíamos mutirões, e toda a diretoria, ela ia para escola pública ou privada, fazer a discussão, com os seus trabalhadores da base. Isso sempre atuou dessa forma e dava certo. E hoje como o sindicato também é um sindicato que é muito grande, ele é um sindicato que tem uma arrecadação muito boa, ele teria condições tranquilamente de abarcar uma diretoria, onde tivesse uma representatividade muito boa, não só da escola pública, como também da escola particular.
58:14
P/1 – Como o senhor se sentiu dando esse depoimento para nós?
R – Foi interessante! Eu acho que passaria bem mais tempo conversando com você. Porque são coisas que vão voltando a memória da gente. Afinal de contas foram várias décadas aí, estando ligado a questão sindical. E depois assim, a questão partidária, eu nunca deixei de atuar, do ponto de vista da minha militância. Quando eu deixei a diretoria do sindicato dos professores, eu aumentei bastante. Aí agora eu vou falar um momento assim, de descontração entre a gente. Eu aumentei bastante a minha militância partidária. Como eu falei para você, eu passei um tempo no Ibama, como consultor do
E em 2006, quando houve a segunda eleição do Lula, eu inclusive larguei tudo, e fui atuar no comitê Nacional de campanha, para o segundo mandato do Lula. Aí depois atuei na campanha da Dilma também. Então assim, eu não sei se você conhece todas as pessoas da diretoria do sindicato, mas eu sou muito ligada a Rejane. Você conhece a Rejane?
59:56
P/1 - Ela foi entrevistada para esse projeto.
R - Eu sou muito ligado a Rejane, a gente era do mesmo grupo político. Os cargos que a Rejane exerceu, não só como deputada. Eu fui chefe de gabinete dela, quando ela exercer o mandato de deputada. Aí depois ela foi para Secretaria da Criança, eu fui também para Secretaria da Criança, atuei lá o tempo que ela ficou. E eu fui o chefe do fundo da criança. E depois quando ela saiu, deixou de ser secretária para ser candidata novamente. Eu larguei tudo na secretaria também, acompanhei a Rejane, fui trabalhar na campanha dela. Então assim, sempre na militância, sempre nessa coisa toda. Só nesses dois últimos anos aí, em função dessa pandemia toda, eu já sou uma pessoa, estou com uma certa idade aí, e estou fazendo um tratamento cancerígeno. Tanto que você me falou ontem, que ontem você iria ao médico. Mas não tem nada...
1:01:14
P/1 – Eu já tive, faço controles.
R – Você faz controle né. Eu estou em fase de tratamento também, aí de um câncer. E por isso mesmo assim, um pouco mais dentro de casa. Mas assim, na última eleição do sindicato dos professores, na última eleição, eu estava na coordenação também, na coordenação geral. Eu, o Jacy, a Rejane. Eu coordenei a questão financeira. Eu quando fui diretor do sindicato, eu sempre fui secretário de finanças.
1:01:49
P/1 – Homem da chave!
R – (risos) O homem da chave.
1:01:53
P/1 – Professor, para finalizar. Quais são os seus sonhos?
R – O meu sonho é ter uma sociedade mais justa, as pessoas com mais empatia. A gente está vivendo um momento tão ruim, do ponto de vista até do relacionamento
das pessoas,
fragilizada. Então assim, é isso. Nada melhor do que você ter uma sociedade mais justa, uma população mais dinâmica, uma população que realmente conheça os seus problemas, que tenha capacidade de enfrentá-los, que tenha capacidade de brigar por coisas mais justas, mais fraternas. É isso, é a sociedade que a gente sonha com ela desde que se entendeu aí por querer fazer essas militâncias e procurar alguma coisa que desse mais sentido a tudo isso.
1:03:22
P/1 – Bom professor, eu só tenho a agradecer a disponibilidade do seu tempo, a sua memória, a sua boa vontade de falar conosco. E mal grado aos percalços tecnológicos que tivemos que enfrentar.
R – Mas foi superado. Se a gente conseguir superar todos esses problemas que nós estamos tendo agora, como a gente superou esse problema aí da tecnologia, rapaz a gente ainda tem muita chance de fazer coisa boa aí para frente, viu!