Museu da Pessoa

Gratidão é a maior herança

autoria: Museu da Pessoa personagem: Geraldo Lemos do Prado

Projeto Centro de Memória das Comunidades Quilombolas de Paracatu
Entrevista de Geraldo Lemos Prado
Entrevistado por Nataniel Torres (P/1), Siliane Rodrigues (P/2) e Márcia Trezza (P/3)
Paracatu, Minas Gerais, 19/11/2021
Código PCSH_HV1167


P/1 – Oi, seu Geraldo! Boa noite! Para a gente começar, eu gostaria que o senhor dissesse seu nome completo, sua data de nascimento e onde você nasceu?



R – Geraldo Lemos do Prado, 03/10/1970, nasci em Paracatu, Minas Gerais.



P/1 – Os seus pais nasceram na cidade de Paracatu também?



R – Todos.



P/1 – O seu pai e a sua mãe?



R – Meu pai e a minha mãe.



P/1 – E os seus avôs?



R – Os meus avós também.



P/1 – Qual o nome dos seus avôs?



R - Minha avó é Antônia Morais Lima e meu avô, João Lopes de Oliveira.



P/1 - Eles são pais do seu pai ou da sua mãe?



R - Esse é do meu pai. Da minha mãe, eu não lembro o nome agora.



P/1 - O senhor conheceu seus avós?



R - Só a minha avó.



P/1 - A sua avó por parte de...



R - De pai.



P/1 - E a sua avó é de onde?



R - Paracatu, Minas Gerais



P/1 - Me conta, por favor, senhor Geraldo, você teve contato com essa sua avó…



R - Eu morei com ela durante 20 e tantos anos.



P/1 - Aqui na cidade de Paracatu mesmo?



R - Na cidade de Paracatu.



P/1 - E aí como aconteceu isso? Porque o senhor nasceu lá na sua família, com seus pais, e em algum momento você foi morar com a sua avó, como é que aconteceu isso?



R - Minha mãe morreu, eu tinha nove meses. Aí, eu fiquei na casa da minha tia, que é avó de Siliane, por uns tempos. E fui morar com a minha avó Antônia Morais Lima. E morei a vida toda, até me casar.



P/1 - Antes disso, você contou que sua mãe faleceu. E o seu pai, se casou depois?



R - Depois de um tempo ele se casou de novo.



P/1 - E como era isso para você, de sair lá da casa dos seus pais e ir morar com a sua avó?



R - Eu nunca morei com meu pai praticamente. Na hora que eu peguei uma idade, já fui morar com a minha avó, nunca morei com ele. Eu fiquei um tempo com ele, mas eu morava mesmo com a minha avó, sempre com a minha avó.



P/1 - E como foi esse encontro, essa chegada lá na casa da sua avó? Porque mesmo que você não tenha morado com o seu pai, em algum momento teve uma decisão: "você vai morar com a sua avó". Quantos anos você tinha nessa época?



R - Não lembro, era pequeno, devia ter uns 2 anos. Minha avó me pegou pequenininho, eu tinha talvez 2, 3 anos, no máximo.



P/1 - E que lembranças você tem da sua infância?



R - Até 6 anos, eu morei na roça. Aí eu mudei para Paracatu, em 76. Minha avó mudou para cá, fui crescendo aqui.



P/1 - Como era essa vida lá na roça?



R - Na roça eu não lembro, eu já lembro aqui da cidade.



P/1 - Me conta como que é essa lembrança que você tem mais antiga da cidade?



R - Nós mudamos para cá, para Bela Vista, uma casa simples, uma casa que não tinha luz elétrica. Naquela época, era lamparina. Não tinha asfalto, nem rua praticamente. Eu morava embaixo, minha tia morava lá em cima, eu estava sempre lá, na casa da minha tia Neizinha, e a gente foi crescendo. Tinha uma praia muito boa na época. Minha avó lavava roupa na praia.



P/1 - E como assim, que lugar é esse chamado de praia aqui em Minas Gerais?



R - No caso, o povo chama de Praia do Macaco, ali no fundo ali, Matinho.



P/1 - E a sua avó lavava roupa lá?



R - Sempre lavou roupa lá, sempre ali.



P/1 - E que lembrança você tem desse lugar?



R - A gente tomava banho, era só farra.



P/1 - Então vou aproveitar, já que você falou das farras, me conta quais eram as brincadeiras que você brincava, o que você fazia nessa época?



R - Aqui nós brincávamos muito de bola na rua, porque não tinha praticamente carro nenhum e brincava de Bete. O que mais brincava era de bola e de Bete.



P/1 - Bete? Bete eu não conheço.



R - Bete, duas pessoas, fica uma de um lado, outra lá embaixo e outra atrás, e você fica com um pau de madeira, o cara joga a bola, você acerta, o outro corre e pega a bola, aí tem uma latinha do lado a pessoa tem que…



P/1 - E era isso que vocês gostavam de brincar?



R - Na época era direto. Era uma infância muito tranquila, era uma paz. Quando a gente completou 12, 13 anos, a gente brincava na rua direto, só que tinha limite de horário, porque naquela época, dava tal hora, a própria polícia passava e falava assim: tem meia hora para estar em casa. Ninguém poderia ficar na rua até tarde, esse negócio, principalmente criança. E aí, a gente jogava bola até tal hora, era muito bom.



P/1 - Depois entrava, era obrigado a entrar?



R - Cada um ia para casa, era muito tranquilo.



P/1 - E nessa época você chegou a estudar alguma coisa Geraldo, chegou a ir para escola, conta pra mim?



R - A gente foi para escola. Mas era muito pouca, era menos, não era igual hoje.



P/1 - Mas tinha escola lá onde você morava?



R - Tinha! Eu estudei no Dom Serafim um tempo, mas eu comecei a estudar com o Pedrinho, lá no centro, na Bela Vista. Ele dava aula ali, estudei com ele um tempo, depois no Dom Serafim.



P/1 - E você tem irmãos, senhor Geraldo?



R - Tenho! Tenho, fora eu, oito irmãos. Dois de pai e mãe e os outros 6 são só por parte de pai.



P/1 - Você consegue lembrar o nome de todos eles?



R - Maria Aparecida, minha irmã mais velha, Zé Carlos, aí tem Claudirene, Rosilene, Joãozinho, Joel, Claudinei e Claudiane.



P/1 - São todos de idade muito diferentes?



R - Minha irmã deve ter uns 55, 54, meu irmão 53 e eu tenho 51. Minha irmã deve ter 46, 47, a outra uns 42, Meu outro irmão deve ter uns 32 o outro 31. Minha irmã tem 28 e a mais nova tem, eu acho que tem 23 ou 22, não lembro, 22.



P/1 - Fora esses que são um pouco mais novos, esses outros que você me contou, que tem 53... eles tinham uma idade mais ou menos próximas, como que era a convivência nessa época de infância?



R – Não, cada um morava numa área. Porque a minha irmã mais velha morou com meu tio, tio Raimundo, a vida toda, desde pequena. Esse outro irmão meu, morou muito tempo com meu pai e eu morei mais com a minha avó. Mas a gente sempre, eu e o meu irmão, mesmo na roça, ia direto. Eu tinha mais contato com meu irmão. Minha irmã de vez em quando que eu ia para casa do meu tio, já fiquei na casa do meu tio alguns dias também, mas nunca fui de morar muito lá não.



P/2 - Geraldo e você falou sobre a simplicidade do lugar que você morava com a sua avó, essa simplicidade, esse 'não tem muito recurso', atrapalhou a sua infância? Você acha que você foi menos feliz tendo esse pouco recurso dentro da casa da sua avó?



R - Não, foi muito bom! Naquela época, a gente não ligava para tanto. Eu falo isso para os meus filhos, que hoje eles tem tudo que o ser humano poderia querer ter. Naquela época, não tinha nada e a gente era muito feliz. Era outra época, mas a gente era.



P/3 - O que deixava você, os seus amigos e irmãos felizes no dia a dia, o que você gostava de fazer?



R - Sair para brincar, jogar bola, ir para a praia tomar banho, a vida nossa era essa.



P/3 - E quando você brincava na praia, praia de rio tomando banho, teve algum dia que aconteceu alguma coisa inesquecível, marcante?



R - Todo dia era dia diferente, só que eu não lembro de mais nada, eu não lembro assim, mas era muito bom.



P/3 - Era bem gostoso?



R - Era sim, era muito bom, era outra vida.



P/2 - E você é neto de uma pessoa que é quilombola da comunidade do Machadinho, e ela tinha algumas tradições que ainda desenvolveu ao longo da vida, antes dela morrer. Você disse que ele morreu aos 99 anos. Ela trazia muita coisa daquela época mesmo, da comunidade, dentro da comunidade, que é fazer as fiações, você pode contar um pouquinho sobre?



R - Ela gostava de fiar. Ela fiava na mão. Naquela época, ela gostava muito de buscar lenha. Ela fazia feixe de lenha, colocava na cabeça, que era (coisa) da época, ela gostava de fazer coisas referente a época dela, as coisas dela. Minha vó não sabia escrever, não sabia ler, mas era muito inteligente, muito culta, muito educada, muito gente boa. Eu devo tudo a ela, se eu estou aqui hoje, eu só devo a ela. Ela é a maior herança que eu tive na vida, tudo que eu tenho, que eu sou hoje na vida, eu falo para os meus filhos, eu devo a ela, se não fosse ela, eu não sei, mas ela era maravilhosa.



P/1 - Me conta um pouco, você falou que foi lá morar com ela, como que era essa casa que vocês moravam?



R - Quando eu mudei para Cidade? Era uma casinha pequena, era de adobe na época. Adobe é tipo um tijolo grandão, que eles faziam em roça.



P/1 - A casa era toda feita de Adobe?



R - Adobe, e tinha o quê, dois quartos, uma salinha, um fogão a lenha.



P/1 - Sua avó gostava de cozinhar nesse fogão de lenha?



R - Gostava, só cozinhava no fogão a lenha!



P/1 - Então me conta, o que ela cozinhava neste fogão? Tem alguma coisa que você gostava?



R - Ela cozinhava comida simples, era arroz, feijão, alguma carne quando tinha, porque naquela época era complicado, e gostava muito de verdura. Ela fazia muito uma verdura chamada capeba, fazia farofa, não sei se vocês já ouviram falar, capeba, era couve, essas verduras na época, abóbora.



P/1 - E o que você gostava de comer nessa época?



R - Eu gostava de comer arroz, feijão e ovo frito, estava ótimo. A gente comia muito salame na época. O salame era outro salame também, não era o que é hoje, era um salame grandão.



P/1 - E era o que você gostava de comer?



R - A gente comia isso na época. Quando tinha, porque essas coisas eram

muito difíceis. Ela era aposentada e o dinheiro que tinha, ela dava tudo para nós, gastava tudo com nós, tudo era para nós, para a gente fazer o que quisesse, comprar o que quisesse. O que ela ganhava era pouco, mas era tudo para nós, ela não ligava para nada.



P/2 - Ela dedicou a vida para criar vocês?



R - Isso! Ela foi maravilhosa, foi como disse, perfeita.



P/1 - E senhor Geraldo, me conta uma coisa, eu sei que o povo te chama de Betinho, até quando a gente foi te chamar para fazer entrevista, todo mundo falou, “aí o Betinho”. Não consegue nem chamar de senhor Geraldo, de onde vem essa história de chamar você de Betinho, você sabe?



R - Não sei, foi meu pai que me chamava de Betinho. Eu acho que ele queria colocar meu nome de Beto, alguma coisa, aí ele inventou Betinho.



P/1 - E você falou que a sua avó tinha outro apelido para você.



R - Minha avó me chamava de neném. Minha vó, meu primo, João de Joca, me chamavam de “neném”. Betinho, meu pai, e eles me chamavam de “neném”. E o povo na firma, os parentes, era mais de Betinho.



P/1 - Aí chegou a adolescência, que lembranças você tem dessa época?



R - Naquela época, tinha 14, 15 anos, nós ia apanhar café. Ia eu e minha avó, minha tia, Ticiana. Nós morávamos tudo praticamente juntos ali. Aí nós ia apanhar café, era muito bom. Eu não saia da casa da tia Neizinha, todo mês eu estava lá.



P/1 - Vocês iam apanhar café onde?



R - Nas fazendas de algum conhecido.



P/1 - Era lá no Machadinho.



R - Não, Machadinho não, era na região. Nós pegava café no Toinzinho, na Chapada, todo ano nós ia.



P/1 - E como é que era essa história de pegar café, porque você era novo, aí tinha esse trabalho todo?



R - Minha avó que gostava de pegar, eu ajudava de vez em quando, mas ficava só bagunçando, dando trabalho.



P/1 - Então me conta essa história, o que você fazia de bagunça lá? Você lembra de uma história de bagunçar?



R - A gente só corria para todo lado, era muito moleque.



P/1 - Aí você foi crescendo mais um pouco…



R - Depois dos 15, em 86, 87, eu fui trabalhar no garimpo também. Trabalhei no garimpo muitos anos.



P/1 - Então me conta como que é isso? Você começou muito novo no garimpo também.



R - Aos nove anos, eu vendia picolé, 10 anos. Picolé era normal, todo mundo vendia. Depois, eu fui para o garimpo, trabalhei um tempo. Depois eu fui trabalhar no Jockey, corrida de cavalo. Você talvez não conheça, não sabe o que é, mas aqui em Paracatu, trabalhei muitos anos. Eu e meus primos sempre trabalhou.



P/1 - Isso você já tinha mais ou menos que idade?



R - Uns 18 anos mais ou menos.



P/1 - Já era um pouquinho mais velho



R - Mas sempre eu estava lá no Jockey. Desde os 12 anos, eu estava lá no meio do povo.



P/3 - E no garimpo, conta um pouco como que era esse trabalho, como era que vocês faziam?



R - O garimpo era aqueles, como é que fala, era de Moinho. Eles moíam o cascalho. Aí, tinha uma draga que puxava, e aí a gente pegava o cascalho e ia colocando no moinho.



P/3 - Você trabalhava para você mesmo?



R - Não. Eu trabalhava para um amigo nosso, Zé Prego. Trabalhei muitos anos para Zé Prego. A irmã da mulher dele, era casada com um tio meu, com o tio Joca.



P/1 - E ele era o dono das Máquinas?



R - Isso, ele tinha as máquinas, era muito garimpo aqui em Paracatu, tinha vários.



P/2 - Esse garimpo era para ajudar no sustento da família?



R - Era, mas era bom o garimpo, era o que dava dinheiro naquela época.



P/3 - E como que era quando vocês achavam alguma coisa?



R - Não! Eles tiravam ouro e pagavam a gente por dia. Ele era o dono do garimpo e a gente ia e trabalhava por dia, mas ele ganhava dinheiro. Ali dava dinheiro!



P/3 - Onde era esse garimpo?



R - Aqui na praia!



P/1 - Perto do Rio?



R – Não, na praia mesmo. É praia, não era rio. No caso tem uma, duas, tem três praias, mais ou menos. Uma que sobe aqui no canto, a outra que vai lá para Moisés, e aquelas praias ali. Na época, eles compravam outros lugares para tirar terra.



P/1 - Logo depois dessa época do garimpo veio a época do Jockey, conta como que foi essa entrada no Jockey?



R - Jockey, os meus amigos trabalhavam. Eu sempre gostei do Jockey, até hoje gosto muito de corrida de cavalo. Trabalhei muito tempo lá.



P/1 - E como é que começou essa coisa, quem te chamou, como que aconteceu?



R - Meu primo Antônio Lúcio, que é filho de um tio meu, que é irmão da minha avó, mexia lá a vida toda, tinha os meninos de pau Gouveia, que é tudo praticamente da família, mas um monte de gente ali.



P/1 - Aí eles te chamaram para trabalhar no Jockey?



R - É, eu ia lá todo dia, aí comecei a trabalhar no Jockey também.



P/1 - Você já ia no Jockey?



R - Ia, desde os 10 anos eu estava lá no meio.



P/2 - E qual era a sua função lá no Jockey?



R - Lá no Jockey eu era cabalista, quando eu trabalhei lá.



P/1 - Como é esse trabalho?



R - Cabalista é a pessoa que cuida dos cavalos. Aí, eu trabalhei muito tempo cuidando de cavalo.



P/1 - E como era essa vida, você fazia o que, dava comida para eles, é isso?



R - Tudo, comida, lavava, limpava, escovava, essas coisas. Muito bom.



P/1 - Aí você trabalha no Jockey bastante tempo, você ficou quantos anos mais ou menos?



R - No Jockey? Ah, fiquei um tempinho.



P/1 - Aí, logo em seguida veio o quê? Você saiu do Jockey e foi para onde?



R - Continuei trabalhando, fui trabalhar de vendedor, fui comerciante muito tempo.



P/1 - Aqui em Paracatu também?



R - Sempre morei em Paracatu.



P/1 - E comerciante do que, o que você vendia?



R - Eu tinha uma mercearia.



P/1 - Como é que aconteceu essa coisa da mercearia?



R - Foi depois, eu já tinha casado, depois de um tempo.



P/1 - Então me conta essa história, aí você teve aí um casamento no meio do caminho?



R - Eu casei em 93.



P/1 - E como é que você conheceu sua esposa, onde você conheceu?



R - Conheci minha esposa lá perto de casa, em 89, 90 mais ou menos.



P/1 - E de onde você conheceu ela? Primeiro, qual o nome da sua esposa?



R - Maria Aparecida de Oliveira Prado.



P/1 - E como é que você conheceu, onde foi, que lugar foi isso?



R - Eu conheci ela lá perto de casa, acho que foi num aniversário. Por acaso do destino.



P/1 - E aí foram conversando...



R - É foi, a gente casou, tivemos dois filhos.



P/1 - Quais os nomes dos filhos?



R - Paulo Sérgio de Oliveira Prado, o mais velho, e Mário Sérgio de Oliveira Prado.



P/1 - Quantos anos eles têm?



R - 28 e 26.



P/1 - Aí você foi trabalhar com comércio, e ficou bastante tempo?



R - Um tempinho.



P/1 - E como é que foi essa vida aí no comércio?



R - Comercio é difícil. A gente pagava aluguel. É muito complicado, mas a vida que segue.



P/3 - Por que você gostava tanto do Jockey.



R - O Jockey fechou aqui em 93, o Jockey caiu. Antes de eu casar, eu tinha proposta de ir para São Paulo. São Paulo, Rio, porque é o grande centro e eu não fui. Meus primos praticamente todos foram.



P/3 - Mas para trabalhar também no Jockey.



R - É, para trabalhar. Meu primo Antônio Lúcio foi para Goiânia, foi para São Paulo, foi para o Rio. Meu outro primo também foi embora para Goiás, ele morreu. Meus outros primos, Sérgio, Jorge, também foram embora e eu fiquei por aí.



P/3 - E você preferiu ficar?



R - Minha avó não gostava que eu saísse, aí eu fiquei por aí. Vida que segue.



P/2 - Na sua juventude você se divertia como? Como que era o Geraldo na fase jovem, para farrear, essas coisas?



R - Naquela época, não tinha muita farra. Mas, quando era jovem, 18, 19 anos, a gente ia muito para a Sam Show, que era na rua em frente à casa da sua avó. Sam Show era uma casinha de festa que tinha lá, e tinha o Itapuã também, onde a gente ia sempre. Tomava cuba, era Montilla com Coca.



P/1 - Você ia lá para fazer o quê, para se divertir?



R - Para se divertir, conversar fiado, todo mundo conhecido, aí você comprava dois litros de coca, tirava um litro, tomava, e colocava um litro de Montilla, e dava para todo mundo tomar a noite toda, que ninguém tinha dinheiro também, tava bom demais.



P/3 - E a dança era qual?



R - Era discoteca que falava na época, isso foi na década de 80.



P/1 - Você gostava de dançar?



R - Não. Eu nunca gostei de dançar, dançar não é comigo.



P/1 - Você ia mais para conversar mesmo?



R - Só para bater papo. Porque os caras, todo mundo conhecia, a gente ia para conversar fiada. E era praticamente em frente à casa da minha tia, as minhas primas estavam tudo lá, já ia lá, jantava lá, ficava lá o tempo todo.



P/1 - E como era a relação da sua família? Sua avó ainda estava viva nessa época?



R - Aí eu mudei. A minha avó foi morar com a minha madrasta e o meu pai, porque eles mudaram para cidade. Meu pai ficou doente na época, morava na época junto, minha avó com a minha madrasta. Eu mudei também, aí praticamente mudou de vida.



P/1 - Aí você morava com a sua esposa?



R - Isso! Com a minha esposa.



P/3 - Você falou que a sua avó veio morar na cidade, Paracatu? Onde vocês moravam, Bela Vista? Era roça, comunidade?



R – Não, Bela Vista é um bairro. Só que na época do Bela Vista, ele não tinha nada, só tinha mato, poucas casas, devia ter 10, 12 casas. Da parte da casa da minha tia para cima, que é a avó de Siliane, já tinha bastante casa, já tinha mais ruas, mas a parte nossa lá, era praticamente mato, tinha muita Jurema.



P/3 - Alguma vez te contaram porque sua vó saiu de onde ela estava para vir para Bela Vista?



R - Foi em 76 parece, que ela veio para cá. Nós morávamos na roça de um senhor, não lembro o nome dele, acho que era Manuel. Aí ele faleceu, não sei qual o motivo que aconteceu, nós viemos para cidade. Ela já estava de idade também.



P/3 - Nesse lugar que a sua avó morava lá era Machadinho.



R - Não lembro onde minha avó nasceu, no Machadinho, praticamente todos os irmãos. Acho que só o Tio Raimundo que não nasceu no Machadinho, que é o mais novo, caçula, mas o resto todos. Meu avô, marido da minha avó, era do Machadinho também, que era João Lopes de Oliveira, era primo primeiro.



P/3 - Você sabe histórias da época do Machadinho? Alguém contava e você ouvia?



R - Minha avó contava muita história do Moura. Ela adorava o Moura, que fica ali perto. Meu avô tinha muita terra no Machadinho, o pai da minha avó, que era Manoel Moraes Lima. Aí a minha vó morou lá até casar. Depois de casada, ela também continua morando. Depois que meu avô morreu, o marido dela, aí ela mudou para outro lugar. Mas, na época, ela contava do Moura, que tinha vaca, muito gado lá. A família Moraes Lima tinha muito gado fazendeiro grande. Isso há muitos anos atrás.



P/3 - Você lembra de mais algumas histórias que ela contava desse lugar que ela gostava?



R - Ela contava histórias de assombração desses trens que tinha lá, essas coisinhas. Diz que de noite apareceu alguma coisa, mas eu nem gostava, saia de perto. eu tinha medo. Ela contava que nessas regiões tinha muito casa mal assombrada, principalmente no Machadinho. Naquela região ali, ela falava que tinha muita coisinha.



P/3 - E além dessas histórias o que mais que ela falava de lá?



R - O sonho dela era ter voltado para lá. Ela queria ter construído uma casa lá. Era tudo que ela queria, mas não deu certo.



P/2 - E você chegou a frequentar lá depois que você cresceu um pouquinho?



R - No Machadinho não, ela nunca levou. Eu já fui lá muitas vezes, mas depois que a gente pegou uma idade, supondo 14, 15 anos, eu ia lá porque nós iamos buscar lenha. Nós saímos para a curva da morte, mais ou menos ali, e aí ô Helen, minha tia Ticiane, que morava do lado de casa, e mais umas duas três pessoas, talvez era Jairo que ia, que morava ali perto também, o pai dele também era da região, que era Coelho dos Santos parece.



P/3 - Você falou da sua avó, que para você ela foi a pessoa mais importante e ela viveu muito em Machadinho. Por isso que eu estou perguntando de coisas que você lembra da sua avó, que ficou mais marcado em você do jeito dela e o que ela fazia. Se você pudesse falar bastante da sua vó que você falaria.

R - Falar da minha vó é tanta coisa. Tudo que ela vivia, era em função

minha e do meu tio. Porque o meu tio tinha problema mental, então morava nós três, tudo que ela fazia, era para nós. Dinheiro da aposentadoria recebia, era tudo para nós. Tudo que nós quisesse, ela dava o dinheiro para nós gastar. Nós gastava dinheiro à toa, com coisa que não tinha nada a ver. Eu pegava e gastava dinheiro dinheiro que nem devia. Ela fazia azeite de mamona, não sei se vocês já ouviram falar, ela fazia direto, fazia sabão de coada, não sei se vocês já ouviram falar. Ela colocava uma cinza e ia pingando assim. Depois, fazia o sabão de coada. Na época, nós toma banho de sabão de coada. Sabonete, eu nem sei se existia…



P/1 - Além de tomar banho, usava o sabão para outras coisas?



R - O sabão era para lavar roupa porque de coada eles colocavam alguns com soda para lavar roupa. A gente tomava banho e lavava vasilha, esses negócios.



P/1 - E isso era sua avó que fazia, ela dominava a técnica?



R - Minha avó e minha tia. Dessas coisas de roça, elas sabiam tudo elas eram muito…



P/3 - Você falou que tinha um trançado?



R - Ela fazia a linha para costurar roupa.



P/1 - Como que é isso, a gente não conhece?



R - Ela pegava algodão e fazia a linha. Ela enrolava assim e a linha ficava perfeita. Ela fazia as novelinhas de linha para nós soltar pipa, que nós fazia daqueles papelzinho e ela fazia a linha para nós.



P/2 - E ela vendia?



R - Ela gostava de vender também, e os meninos gostaram de comprar. Ela

vendia azeite. Ela gostava de vender azeite. O azeite era, como é que eu vou falar? Tipo um óleo.



P/2 - Como se fosse um óleo de mamona?



R - Isso! Era um tipo um óleo de mamona. Azeite seria o que hoje hoje é difícil você falar.



P/2 - É como se fosse óleo de rícino?



R - Isso. Pode ser.



P/3 - Mas era para cozinhar?



R - Azeite não. Era para passar no machucado, para outra coisa.



P/1 - E ela vendia para quem? Para onde?



R - Tem gente que gostava de comprar. Naquela época, as pessoas mais velhas tudo gostava.



P/1 - Mas o pessoal da comunidade ou ela vendia para a cidade?



R - Isso. Pessoal da cidade. Minha tia mesmo comprava. Todo mundo gostava, o azeite era muito bom.



P/3 - Você lembra de coisas que ela falava para você, conselhos ou então ensinamentos?



R - Duas coisas que ela não gostava: que bebesse; ela não gostava de jeito nenhum. Meu primo saia de casa e chegava sempre bêbado, filho de um tio meu, sobrinho dela, João de Joca, ele chegava bêbado. Ela brigava demais. Meu tio fumava demais, mas ela não gostava. Ela comprava o fumo, mandava comprar um cigarro para ele, era comum na época, mas ela nunca gostou de fumaça.



P/1 - E o que ela falava?



R - Que não gostava "sem vergonha" ficava fumando à toa, e bebendo, com 16, 17 anos. Eu até bebi bastante, um tempo na época que eu trabalhava no garimpo. Ela não gostava. Nunca mais eu bebi. Nunca fumei. Nunca mais bebi. 88 foi a última vez que bebi, não vou beber mais.



P/1 - Como ela via nessa época que você bebia, o que ela falava?



R - Me xingava "sem vergonha"



P/1 - E como você se sentia na época?



R - Nem ligava. A gente não ligava, era menino novo, não ligava. Mas, para ela, ela só brigava na hora, depois tava tudo ótimo.



P/2 - E ela tinha uma forma de punir quando você saia ou alguma coisa assim?



R - Ela não brigava nada, de jeito nenhum.



P/1 - E aí, depois você falou que ela ficou mais velha, ficou um pouco mais doente, acabou vindo morar com o seu pai.



R - No caso, meu pai mudou lá para casa. A casa que a gente tem lá até hoje. Nos morava lá, ai meu pai mudou para lá, com a minha madrasta. Aí, eles foram cuidar dela, ela ficou na cama.



P/1 - O que ela tinha, senhor Geraldo?



R - Minha vó nunca teve nada, ela era perfeita, nunca teve doença nenhuma. Só que a minha vó uma época, cismou de não andar mais, aí só ficava na cama. Mas os médicos falavam que era da cabeça dela, porque ela não queria andar. Meu pai já morava lá. Ai ela ficou com a minha madrasta, que cuidou dela até morrer. Foi muito importante minha madrasta cuidar dela. Foi muito bom.



P/2 - Ela morreu aos 99?



R - 99 anos! Já tinha um tempo que ela estava na cama.



P/1 - Ela ficou os últimos anos…



R - Só na cama e brava.



P/1 - Sério? Por que ela ficou brava?



R - Ela xingava todo mundo.



P/1 - Mas por que ela xingava?



R - Não sei! Como dizem, estava caducando. Na época, ela xingava a minha madrasta todinha, brigava com a minha madastra.



P/1 - A sua madrasta cuidava dela e ela ainda xingava? Mas o que ela falava?



R - Vários nomes.



P/1 - Sua madrasta, como reagia?



R - Não ligava. Minha madrasta cuidou dela por muito tempo.



P/1 - E você nessa época já estava casado?



R - Estava casado, eu casei em 93.



P/1 - E aí você estava morando com a sua esposa nessa época…



R - Pertinho, não era muito longe não. E ela não saia lá de casa, era lá em casa direto. De dois em dois dias, ela estava lá em casa, sempre ia. Só que depois, ela foi perdendo a força, depois meus filhos já estava grande também, aí ela já não aguentou mais andar.



P/1 - Você ia lá na casa dela?



R - Ia sempre lá. Não ia todo dia, que era muito longe, mas estava sempre lá, ia sempre.



P/1 - E nessa época você estava trabalhando no comércio já?



R - Já! Ih, já estava longe! Ela quando ia lá em casa, minha esposa brigava com os meus filhos, que os meus filhos era pinta também, menino era menino, aí se brigasse, ave maria, ela ficava uma fera. Gostava que brigasse com eles de jeito nenhum.



P/1 - E o que os seus filhos faziam?



R - Meus filhos era pinta de mais, ficava correndo. A minha esposa para brigar com eles, jogava o sapato, para dizer que acertava, não acertava. Ela ficava uma fera. Se eles estava lá, ficava brava de mais, na hora ela ia embora de raiva, xingava tudo, ela não gostava de jeito nenhum.



P/1 - Mas quando vocês eram pequenos ela já era assim? Era o jeito dela?



R - Do mesmo jeito, ela não gostava que brigasse de jeito nenhum, ela era defensora. Se brigasse com nós, qualquer pessoa, ela estava brava.



P/2 - E o jeito que ela te criou contribuiu muito para a formação dos seus filhos, você pegou muito daquilo que você aprendeu…



R - Devo tudo a ela! Ela foi maravilhosa! Não tinha estudo, não tinha exemplo, não tinha praticamente cultura nenhuma, mas a cultura que ela tinha, a cultura dessa família que não sabia escrever praticamente, talvez meu tio tenha um pouco mais estudo ,Tio Raimundo, acho que nem ele tem, mas eles eram muito trabalhadores do jeito deles.



P/1 - E eram inteligentes, como você falou?



R - Inteligentissimos. Eles todos eram inteligentes. Minha tia nós fazia a Festa na Roça dela, festa de Reis de Santa Cruz, parece, não lembro, mas ela era muito inteligente. Não tinha estudo, mas inteligentíssima. Eles todos.



P/1 - E essas festas aí quando vocês iam, como que era?



R - Essas festas já ia antes para ficar lá ajudando na casa da minha tia. Era Festa de Reis. Ela já fez várias. Ela rezava todo ano. Aí nós estava sempre lá, a gente chegava era 15 dias antes para ficar lá. Ficava eu e meus primos.



P/1 - Como era essa festa de Reis, conta um pouquinho para gente?



R - Festa de Reis, exemplo, ele sai para girar de cavalo, cantando. E a chegada naquela hora. Hoje, as chegadas não é nas casas mais, hoje é chegada numa comunidade que tem no laço Soares.



P/1 - E você participava?



R - Sempre. Não perdia. Estava em todas na casa da minha tia.



P/1 - Organizava isso?



R - O marido dela. Mas ela que organizava porque o marido dela morreu em 79, eu não lembro, foi 79. Foi o dia que mais choveu na Bela Vista, eu quase rodei. Tinha 9 anos, mas ela fazia umas festas maravilhosas. Nessa época, já não tinha ele, mais mas ela continuava fazendo. Ela não parou. Parou depois que ficou bem mais velha. Mas o pai de Siliane continua, ele não para. Sempre faz a festa lá.



P/1 - Você participa dessas festas até hoje?



R - Não. Nunca mais fui lá. Eu parei, quase não vou. De vez em quando a minha madrasta faz pouso, aí eu vou todo ano, estou sempre ali.



P/1 - O que mudou daquela época para hoje?



R - Mudou muita coisa.



P/1 - Conta para mim, por exemplo?



R - As festas de Reis eram todas na fazenda. Vocêpegava ramo que falava, não sei se a mesma coisa hoje, aí você pegava o ramo para fazer a festa e tinha mais duas, três pessoas que ajudava. Aí você fazia a festa na sua casa. Exemplo, você chegava, aí eles virava todos e ia direto para sua casa. A chegada era uma festa grande. E as festas eram muito grandes. Umas festas muito caras. Na época, eles matavam vaca. Tinha muita gente para ajudar cozinhar. Hoje não. Hoje ele gira normal, tem o chamado pouso que os meus irmãos participam: Zé Carlos, Joãozinho, Joel. Eles participam de todos, eles giram, são foliões.



P/1 - Eles são de pouso ou eles dão pouso?



R - Não! Eles são foliões. O pouso já está marcado. Exemplo, vai começar dia 28 de dezembro, que a festa é dia 5. então eles marcam dia 28 em tal lugar, dia primeiro, dia 2, vai seguindo. Cada dia é em uma casa, é o giro. O pouso é aqui, eles vão seguindo. Só que a festa hoje não é em casa, é em uma comunidade, igual eu falei, a festa agora é na comunidade do Soares, que antigamente não, antigamente era na chegada, que eles falavam "chegada em tal lugar".



P/3 - Ai a pessoa daquela casa oferecia tudo?



R - Oferecia tudo, mas muita gente ajudava, mas oferecia tudo. Siliane pode até contar um pouquinho disso aí, o pai dela oferecia praticamente tudo.



P/2 - Ai tem as danças tradicionais. A Catira, as rezas que eles fazem.



R - Dança eu não gosto.



P/1 - Mas você chegou a ver?



R - Eu via tudo.



P/1 - Todas essas festas?



R - Na minha época via todas, eu tava em todas, da família sempre estava.



P/1 - O que é a Catira, conta para a gente?



R - A Catira é um negócio que bate o pé, fica batendo o pé assim, barulho.



P/1 - E é uma dança?



R - É uma dança. Meus irmãos todos dançam, eu não.



P/1 - E tem música nessa Catira?



R - Tem música! É um verso que eles fazem, tem pandeiro, música, o negócio é bom.



P/1 - Você só não gosta de dançar, mas da festa você gosta?



R - A festa eu gosto, só não gosto da dança.



P/1 - E as comidas como são? Quais comidas típicas?



R - Naquela época eles faziam muito arroz, feijão, carne cozida, que era mais fácil e vamos lá! Era assim. Muito doce.



P/1 - Que doce que tinha?



R - Eles faziam doces de lata de 20 litros. Doce de leite, doce de mamão, doce de pau de mamão.



P/1 - E ai o pessoal que dava o pouso oferecia essa comida?



R - Oferecia essa comida para as pessoas.



P/1 - E aí como que era isso?



R - Biscoito, pão de queijo, todo tipo de biscoito, bolo.



P/1 - Aí o povo pousa lá, comia a comida e depois ia embora?



R - De manhã cedo, ia embora para outro lugar. Almoçava em outra região e ia embora.



P/1 - E essa organização era como? Que você contou que tinha o itinerário, mas como eles organizavam isso?



R - Todo ano, no dia da festa, a pessoa já pegava o pouso, já pegava o ramo e já marcava o pouso. A festa ia ser em tal fazenda e vai passar por… A minha tia servia pão de queijo, biscoito na peneira grande, ela servia lotado. Fazia pão de queijo grande, era cortado em quatro.



P/1 - E vinha muita gente na época?



R - Tinha bastante gente.



P/1- Era só o pessoal de Paracatu ou vinha gente de fora?



R - Não! Vinha algumas pessoas de fora, mas era pouca. Era mais as pessoas de Paracatu, da cidade, da região. O povo gostava muito.



P/1 - E você estava lá no meio também?



R - Eu era menino, estava na casa da minha tia todo ano. Tudo que tinha lá eu estava lá.



P/1 - E ai como você falou, hoje mudou um pouquinho, as coisas estão muito diferentes…



R - Hoje mudou um pouquinho. Hoje praticamente eu não vou, só vou no pouso na casa da minha madrasta, mas hoje mudou muito.



P/3 - O que mudou?



R - Mudou igual eu falei, antigamente era nas casas a festa, hoje é na comunidade, hoje mudou muita coisa. Então, a gente já não tem aquele contato com a família…



P/1 - É que antes tinha essa característica de andar, do pouso, da comida. E agora é só na comunidade?



R - Agora só na comunidade, só os pousos que sai nas casas, mas a festa é na comunidade.



P/1 - A festa dura só um dia? Porque antes você falou que ela começava dia 28 e ia até o dia 7.



R - Até hoje é assim. Ela começa dia 28 e vai até o dia 5, mas ela gira, ela passa de casa em casa, fazenda em fazenda. Até chegar dia 5 em tal lugar.



P/1 - Mas hoje você falou que é lá na comunidade, essa é a diferença?



R - Isso! Vamos supor, alguém pega a festa, alguém da comunidade, fazendeiro, ou qualquer pessoa da cidade, pega a festa, arrecada o dinheiro, ele dá alguns bois, festa grande e faz também.



P/1 - E quem dá ajuda, quem dá esse dinheiro?



R - A cidade todinha, muita gente.



P/1 - O pessoal da comunidade e da cidade?



R - Comunidade, muita gente, empresário, todos dão, comerciante, as pessoas que são devotas. Os comerciantes ajudam muito.



P/1 - E quem não dá dinheiro pode participar?



R - Pode! Qualquer um, é muita gente.



P/1 - Por que a festa é para a comunidade?



R - É da comunidade, é de Santos Reis.



P/1 - E nem todo mundo vai conseguir ajudar, a ajuda com dinheiro…



R - Mas mesmo se não conseguir ajudar, pode participar. A festa é liberada.



P/1 - Mas hoje ainda tem a Catira?



R - Tem todas.



P/1 - E como é o pessoal mais Jovem? Porque esse costume é um pouco mais antigo, você estava até contando da sua vó...E como é hoje com eles? Tem filhos jovens também?



R - Meus filhos não gostam dessas coisas. Meus filhos não vão nessas coisas de jeito nenhum.



P/1 - Me conta por quê?



R - Meus filhos não participam de nada dessas coisas. Quando era menino, eles até participavam de reza, essas coisas, que tinha na casa de dona Mariana, lá perto de casa, mas hoje, depois que cresceram, eles não são muito chegados nessas coisas.



P/3 - A maioria dos jovens não participam?



R - A maioria não! Tem muito jovem, mas jovem mais da região ali, jovem que mora em roça, entendeu? Praticamente meus meninos nasceram e cresceram na cidade, em roça eles iam só a passeio.



P/2 - Não teve esse contato?



R - Eles não são chegados em coisa de roça.



P/1 - Sim, eles já acostumaram com a cidade.



R - Eles nem gostam de ir. Até na minha madrasta lá eles vão uma vez por ano.



P/1 - Mas os jovens de lá da comunidade…



R - Os jovens da comunidade adoram, eles são loucos. As meninas, os homens todos.



P/2 - Ainda trazem a tradição?



R - Trazem! Eles são apaixonados.



P/1 - Vamos voltar um pouquinho para a gente entender… Aí o seu pai foi lá morar com a sua vó, porque ela estava meio doentinha…



R - Sim! Meu pai mudou para a cidade porque ela estava doente. O meu pai trabalhou na roça a vida toda, aí ele mudou para a cidade, mudou lá para casa e foi cuidar da minha vó.



P/1 - Seu pai trabalhava na roça de que?



R - Era vaqueiro, na época. A vida toda de vaqueiro, porque na época era vaqueiro que falava.



P/1 - E o que aconteceu com ele? Que você falou que ele ficou doente e ele foi morar com a sua vó.



R - Reumatismo, essas coisas. Ele levantava 4, 5hs todo dia, com chuva, aí ele teve alguns problemas de reumatismo, no joelho, nas pernas, nas mãos.



P/1 - Aí foi a época que ele foi morar com a sua vó?



R - Isso! Na década de 90.



P/1 - Aí ele ficou morando…



R - Morando até ele morrer, Eles morreram praticamente juntos, diferença de pouco tempo, 1 ano, dois anos.



P/1 - E na época seu pai estava com a sua madrasta, sua madrasta cuidava. Sua madrasta é viva até hoje?



R - Viva! Ela tem 62 anos, 63 vai fazer agora.



P/1 - Ah, ela é nova.



R - Nova.



P/1 - Enfim, ele foi morar lá com ela e também ficou doente, aí sua vó faleceu, ele faleceu também…



R - Minha madrasta cuidou de todo mundo.



P/1 - E como é que ficou a casa depois?



R - Minha irmã mora na casa.



P/1 - Com a sua madrasta?



R - Não! Minha madrasta mora na roça, na fazenda do pai dela, na chácara.



P/1 - E a casa ficou para a sua irmã?



R - Minha irmã mora na casa. A casa é da família, mas minha irmã mora lá.



P/1 - Sua irmã também é casada, tem filhos?



R - Casada.



P/1 - Como é o seu dia a dia hoje?



R - Hoje é mais corrido o dia a dia, porque naquela época era tranquilo, a gente era jovem e tudo. Hoje a vida é muito corrida, naquela época não existia telefone celular, não existia praticamente nada, hoje você vive em função de celular.



P/1 - Você falou que trabalha como vendedor, você ainda tem um negócio seu hoje?



R - Não, meu filho tem. Meu filho tem um comércio, mas o que acontece hoje, você vive muito em função do celular, é mais corrido, mais doido como diz o povo, a vida mais louca. Antigamente, era tranquilo de mais. Eu moro com o meu filho hoje.



P/1 - O senhor está morando com o seu filho hoje?



R - Mora eu e o meu filho. O outro casou esse tempo atrás, aí só mora eu e o meu filho mais novo solteiro e 2 cachorrinhos.



P/1 - E como é que é essa vida agora?



R - Meu filho tem 26 anos. Uma vida tranquila. O meu filho gosta muito de sair, divertir.



P/1 - E você ainda sai, como que é?



R - Não, sou mais caseiro, eu saio pouco.



P/1 - Você trabalha como vendedor, mas você trabalha fora?



R - Não, na cidade. E aqui na cidade é tranquilo, a gente é acostumado aqui, nasceu e cresceu aqui, mora há tantos anos.



P/1 - Já conhece todo mundo.



R - Praticamente já conhece todo mundo, onde você vai todo mundo te conhece, já chama pelo nome.



P/1 - Seus filhos trabalham também?



R - Um trabalha na faculdade Atenas e o outro é comerciante e mexe com empresa de celular, internet, essas coisas. Tem o comércio na Bela Vista e mexe com essas coisas.



P/1 - E você também, hoje você continua como vendedor?



R - Isso! Aí no Tabuleiro. A gente tem um comércio lá.



P/1 - E como é que foi essa época de pandemia, porque as vendas cairam.



R - Tá ruim, mas tá bom de mais. Foi um momento dificil esses tempos atrás, meu filho passou dificuldade, todo mundo. Mas a gente está… vida que segue. Não pode parar.



P/1 - Tem alguma coisa que você gostaria de contar que eu não perguntei?



R - Acho que não. Já falei da minha vó, que é o mais importante, da família, já falei praticamente tudo.



P/1 - Vamos ver se a Siliane tem alguma pergunta para fazer.



P/2 - Se você for parar aqui para observar lá o seu passado, com tudo que você contou, como você resumiria hoje? O geral do hoje para você é como, como você se enxerga hoje, depois de tudo que você passou?



R - Gratidão por tudo, só isso. Pelo que minha vó fez por mim. Não tenho mais nada. Gratidão por tudo, maior herança que ela deixou para mim, é isso, gratidão por estar aqui hoje. Só isso, não tem mais nada.



P/1 - Você tem algum sonho na vida?



R - Já tive sonhos, vários, mas hoje não. Eu tive sonho de um dia ter filhos, mas já realizei praticamente tudo....



P/1 - Você tinha contado que gostaria de ir para São Paulo…



R - Na época das corridas de cavalo, quando eu era jovem, meus primos foram para São Paulo. São Paulo, Rio, Goiânia. Eu queria ir, tinha vontade, mas eu não queria deixar minha vó. Teve outro primo meu que foi, na Aparelha Luziânia, em Brasília. Os outros primos nosso: Sérgio, Joicy, está em Brasília. Antônio Lúcio está no Rio de Janeiro, mas eu fiquei por aqui.



P/2 - Mas o amor pela sua vó te prendeu.



R - Não dei conta de sair, mas foi uma época boa. O jockey era muito bom.



P/1 - Como é que foi contar sua história para o Museu da Pessoa?



R - Foi muito bom! Muito bom a gente lembrar de algumas coisas. Tinha coisa que eu nem estava lembrando, comecei a lembrar agora.



P/1 - Então o Museu da Pessoa, o pessoal da comunidade e a gente agradece que o senhor tenha contado a sua história para a gente.