Entrevista de Auriene Vieira
Entrevistada por Luiz Egypto
11/03/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número SINPRO_HV005
Transcrito por Aponte
Revisado por Luiz Egypto
P/1 - Boa tarde Auriene! Muito obrigado por ter aceitado nosso convite. Eu queria que você começasse, por favor, dizen...Continuar leitura
Entrevista de Auriene Vieira
Entrevistada por Luiz Egypto
11/03/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número SINPRO_HV005
Transcrito por Aponte
Revisado por Luiz Egypto
P/1 - Boa tarde Auriene! Muito obrigado por ter aceitado nosso convite.
Eu queria que você começasse, por favor, dizendo seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R - Boa tarde Luiz! Obrigado a vocês, obrigado ao SINPRO pela oportunidade. Meu nome é Maria Auriene Vieira, eu nasci no estado do Piauí em 16 de março de 1955.
00:42
P/1 - Em qual cidade você nasceu?
R - São Raimundo Nonato, Piauí.
P/1 - Aureiene o nome dos seus pais, por favor?
R - Minha mãe Maria da Paz Vieira, meu pai Manoel José da Costa.
P/1 - Qual era a atividade dos seus pais?
R - Meu pai lavrador, minha mãe dona de casa.
P/1 - Você tem irmãos?
R - Tenho, nós somos 11 irmãos, 10 vivos.
P/1 - E qual é a sua posição nessa escadinha aí?
R - Não entendi.
P/1 - Eu perguntei qual é a sua posição na escadinha dos irmãos?
R - Dos irmãos? Entendi. Eu sou a sétima.
P/1 - Você conheceu os seus avós, tanto do lado materno quanto o paterno?
R - Não. Eu conheci apenas meu avô paterno e minha avó materna. Mas eles faleceram quando eu era bem jovem, na faixa de... Meu avô paterno eu tinha 5 anos e minha vó eu tinha sete.
P/1 - Seus pais contavam histórias dos seus avós? De onde eles vieram e o que eles faziam?
R - Contavam, contavam sim.
P/1 - Você lembra de alguma?
R - Lembro, eu lembro da história de meu avô, meu avô materno, que eu não conheci, mas minha mãe contava que ele era filho de portugueses, que tinham ido para trabalhar em Pernambuco. Ele nasceu em Pernambuco, naquela região de Cabrobó e aí depois foi para o Piauí, só quem foi para o Piauí foi ele, então assim, minha mãe, a minha avó não conheceu o restante da família dele.
P/1 - Como é que era a sua casa lá em São Raimundo Nonato? Como é que era o dia a dia?
R - Então, a gente morava na roça em um local que chama Fazenda Macacos, mas lá mesmo no espacinho que a gente morava, chama Gameleira. Era um local... Era bem atrasadinho na época, não tinha energia, não tinha estrada. Para a gente ir à cidade a gente ia a cavalo, ou então de jegue, jumentinho, não sei se você conhece? Tinham poucas casas né, tinha a casa de meu pai, de alguns tios, de alguns primos. Mas no total, ali naquele lugarejinho não chegava a... devia ter de 15 a 20 casas.
P/1 - E a sua casa, como é que era? Descreve ela, como é que era a sua casa?
R - Era uma casa simples, de 4 quartos, uma sala que a gente achava grande,
um corredor, tinha uma cozinha simples e tinha uma uma dispensa. Tinha uma cozinha com fogão a lenha e tinha uma dispensa, a casa era de alvenaria, coberta com telha, uma telha muito boa por sinal, é daquelas telinhas bem, bem boa mesmo, trabalhada lá pelo pessoal de lá mesmo. E o piso era tipo uma alvenaria, era tipo uns quadrados parecendo uma cerâmica, só que não era trabalhada não, era rústico, e as portas eram de madeira, portas pequenas. Tinha uma coisa muito engraçada, que a gente acha hoje, mas na época não fazia muitas observação, mas ela tinha uma frente baixa e no meio era muito alta, e cruzavam umas linhas de madeiras, madeiras muito boas que ainda estão lá. Há anos ninguém mora lá, mas ainda estão perfeitas as madeiras né. E as portas, portinhas tudo de madeira, tinha uma calçada na porta, com um terreirão bem grande que era onde a garotada brincava de correr muito, brincava, era uma maravilha. E nos fundos da casa, no quintal tinha pé de ata, no quintal mesmo era só pé de ata, aí saindo do quintal já ligava a uma roça que tinha caju, e meu pai plantava a mandioca e feijão, e tinha também umas frutinhas que são nativas de lá, que chama umbu. Ao lado esquerdo da casa tinha um curral, porque meu pai criava um pouco de gado, criava umas vaquinhas. Era assim, bem simples. A casa não tinha banheiro, quando veio ter banheiro já foi quando a gente saiu para cidade e tudo, aí foi que a gente foi tendo a consciência da necessidade de banheiro, mas não tinha, nós fomos criados numa casa que não existia banheiro.
P/1 - Auriene eu só queria saber que fruta é essa, Ata? O nome é Ata?
R - É pinha. Ata é pinha, em vários lugares conhecem como pinha.
P/1 - Auriene, me diga uma coisa, essa casa tão movimentada, o teu pai plantando, criando um pouco de gado, as crianças tinham obrigações na casa? Vocês tinham tarefas para cumprir?
R - Criança, mesmo, eu não tinha. Na época, como eu era a sétima e tinha duas irmãs mais velhas, as minhas duas irmãs mais velhas ajudavam um pouco nas tarefas de casa, ajudavam minha mãe. E meus dois primeiros irmãos são homens, moram lá ainda, são trabalhadores rurais até hoje. Quero dizer, tem as coisinhas deles lá, já não plantam tanto, mas já plantaram muito. Eles dois trabalhavam na roça com meu pai. Mas já era assim quando eu nasci, ele já estavam ficando rapazinhos, eu não sei quando eles começaram, mas acredito que começaram crianças, na faixa de 10 a 12 anos de idade.
09:01
P/1 - Eu estou perguntando se você pegou no batente também?
R - Não, eu não, eu já era de uma fase…eu até peguei, assim, meu pai me chamava de crisipa, ou seja, chamava a mim como aquela que atrapalhava né. Porque eu queria ir, assim, eu ia às vezes. Porque ele tinha essas roças coladas em casa, mas tinha roça também mais distante. Ele plantava na mais distante, mamona, milho, que ele tinha umas terras muito boas lá, né. Aí eu às vezes ia com ele e ajudava assim, plantar uma coisa ou outra, jogada uma sementinha, mas eu era meio preguiçosinha também. Eu queria ir, mas quando chegava lá ficava um pouquinho, aí já sentava embaixo de uma árvore e ficava esperando terminar para ir embora para casa. Eu peguei no batente não e nem no serviço de casa. Depois ele construiu uma casa na cidade e a gente foi para a cidade para estudar. Aí eu só estudava e no máximo ajudava varrer uma casa, não fazia muita coisa não.
P/1 - Antes da gente chegar na cidade, Auriene, eu queria que você me contasse quais eram as suas brincadeiras lá na Gameleira, lá na roça?
R - Roda, a gente brincava muito, muito de roda, principalmente em noites de lua clara. Tinha uma outra brincadeira que a gente fazia diariamente quando o sol estava se pondo, que era ficar observando as nuvens para a gente ver que desenho, que animal, que planta, se era ser humano, a gente via muitas coisas lá nas nuvens, quando o sol já estava quase entrando, aí ia formando desenhos e a gente via elefante, boi, via gente, via família. Na imaginação da gente a gente via muita coisa, era uma brincadeira que a gente fazia sempre, brincava muito de casinha também, aí as casinhas eram feitas embaixo das árvores, com uma parte com tijolinhos, que tirava de casa velha que já tinha caído, e pegava restos de pratos que quebravam e a gente ia montando as casinhas. Bonecas a gente só tinha de pano e de sabugo de milho, nós não tínhamos bonecas industrializadas não. Quando minha irmã já tinha uns 12 anos, eu acho, foi que uma tia deu pra ela, uma tia que morava em São Paulo e foi passear lá e levou uma boneca, que foi um sucesso total, mas a gente praticamente nem conhecia. Não existiam outras coisas assim, pra gente ver, não tinha televisão. E brincávamos também... é tanto que até hoje eu tenho o vício de ver a Lua cheia, quando é noite de Lua cheia eu adoro ver a Lua cheia, e automaticamente eu tomo bença à Lua e chamo de “Mãe Lua”, porque foi uma coisa que eu fiz a minha infância inteirinha lá na Gameleira e eu não consegui perder, o meu filho, eu tenho um filho que ele morre de rir, quando eu vejo a lua cheia eu tomo benção e falo “Bença Mãe Lua”. É uma coisa assim, natural, cultural mesmo. Era isso, as brincadeiras eram mais ou menos isso.
P/1 - Que lindo! Me diga uma coisa, como é que foi quando vocês mudaram para cidade? Como é que foi essa transição do campo pra cidade? Da roça pra vida urbana?
R - No primeiro momento foi um pouco difícil para a gente, porque lá na cidade meu pai construiu a casa em um local num bairro, em que a primeira casa construída nesse bairro foi dele, foi a nossa casa que está lá até hoje, maravilhosa. Essa casa não tinha luz elétrica e como não tinha vizinhança, era meio esquisito. O que tinha perto da gente era um hospital. O hospital da cidade tinha acabado de ser construído e era em frente a nossa casa. Então assim, tinha uma praça entre nossa casa e o hospital, tinha uma área que na época não era praça não, hoje é que é, mas na época era um espaço vazio. E não existia energia, então era meio complicado, porque a gente ficava ali só a gente, praticamente só a gente, e nossos pais na roça, nossos pais e os dois irmãos mais velhos na roça, o terceiro irmão já foi para cidade com a gente para estudar. Mas os dois mais velhos ficaram lá com meus pais na roça, e a gente sentia muita, muita, muita falta, muita falta daquela liberdade que a gente tinha na roça, muita falta de todo dia ajudar meu pai a tirar leite, os meninos que iam ajudar a tirar lá, mexer com os bichos mesmo de roça, bezerro, essas coisas, cabrito, então a gente sentia muita falta. Quando chegava a sexta-feira, a gente ia para a roça e na segunda-feira bem cedinho, porque são 18 km, a gente ia bem cedinho, sexta-feira a gente chegava da aula, já ia tirando o uniforme do caminho né, para pegar a sacolinha, não tinha mochila essas coisas, eram umas sacolinhas de pano que a gente jogava nas costas e ia andando. Aí às vezes meu pai buscava a gente, encontrava a gente no meio do caminho. Quando ele tinha tempo ele vinha com os cavalos buscava a gente na estrada. Aí mais para frente fizeram uma estrada que já passava alguns carros, mas até carro não tinha tanto assim passando não.
Aí quando já tinha carro a gente pegava muita carona de carros que passavam, caminhão que passava para pegar coisa e a gente pegava carona, subia no caminhão e ia para a roça. Na segunda-feira para voltar para cidade, que a gente não queria voltar no domingo, aí meu pai saía com a gente nos cavalos, nos jegues, bem cedinho, tipo assim, umas 4 horas da manhã para as 7 horas a gente já está na cidade e 7h30 já está na aula. Era uma vida corrida, porém boa, saudável.
P/1 - E como é que era São Raimundo Nonato nessa fase da sua infância? Essa casa isolada, não tinha vizinhança, como é que era?
R - Essa casa, esse bairro, porque.... como meu pai tinha pouca grana né, a cidade ficava mais afastadinha um pouco, assim, afastado tipo uns 500m já era cheio de casa, não tinha era ali naquele no nosso local, mas 500m talvez. Como eu era pequena eu achava longe, mas agora eu já não acho tão longe assim. Acho que 500m, não sei nem se 500, 200m já tinha algumas casas. Aí logo um pouquinho mais abaixo, tinha uma praça com muitas casas bonitas de um povo que já tinha dinheiro. Tinha o colégio dos padres, Dinázio Dom Inocêncio, que era um colégio particular, tinha uma igrejinha, capelinha, que era a igreja que a gente frequentava e a praça bem bonitinha, que a tarde a gente às vezes ia lá brincar. A cidade era pequena, tinha mais ou menos, eu acho que uns.... A cidade mesmo devia ter uns 12, 15 mil habitantes, mas não era considerada uma das menores cidades do Piauí, ela naquela época já era a sexta cidade do Piauí. Mas assim, muita carência, algumas pessoas com muita grana, pouquíssimas pessoas com muita grana, mas carência de educação. Não existia, por exemplo, segundo grau público. Segundo grau só existia particular, que era das freiras, que era uma escola normal de freiras, que foi onde eu estudei, e minha irmã também, e o colégio Dom Inocêncio, que antes era só ginásio, que é um colégio de padres, era só ginásio e depois passou a ter científico. Mas também só estudavam os filhos de ricos, porque era muito caro. E o normal, alguns pais abusados como o meu, colocou as filhas, mas o povo pobre assim da roça, o povo mais da periferia da cidade, não tinha como botar os filhos para estudarem, porque não tinha escola, só tinha até o ginásio. Aí tinha uns quatro grupos escolares e o ginásio moderno, chamava ‘ginásio moderno’.
P/1 - Qual foi a sua primeira escola? Antes de chegar na escola normal, qual foi a sua primeira escola?
R - Grupo Rosa Teixeira de Castro.
P/1 - Você se lembra de alguma professora que tivesse marcado esse seu período escolar?
R - Acho que eu lembro de todos. Lembro da professora Francisquinha, lembro da professora Ana, lembro da professora Rosilda Paixão, Terezinha, lembro delas todas.
P/1 - A relação com as professoras era uma boa relação, ou tinha palmatória, essas coisas?
R - Tinha palmatória, mas eu era muito boa aluna. Que inclusive, foi um dos motivos que meu pai e minha mãe não me botavam muito para fazer as coisas, minhas irmãs reclamavam, porque meu pai falava que eu já era muito boa aluna, e que ele já estava satisfeito. Eu nunca levei um bolo, mas tinha palmatória, eu dava. Eu dava, a gente chamava de bolo né, eu dava na mão das meninas, das minhas colegas e dos meus colegas. Era isso, tinha palmatória, era rígido, tinha toda uma rigidez de comportamento.
P/1 - Você disse que dava bolo?
R - É! Eu batia de palmatória nos colegas. Porque tinha tabuada né, aí a professora perguntava para um colega ele não sabia a resposta, me perguntar eu sabia, então eu que dava bolo, não era a danada da professora que dava não, era eu que dava, era quem acertava que dava o bolo em quem errou, era muito chato, que a gente que era os carrasquinhos.
P/1 - Mas você aliviava um pouco quando dava o bolo, dava devagarzinho?
R - Eu aliviava, a gente combinava de aliviar, os meninos todos já combinavam, porque se não, Ave Maria!
P/1 - Auriene, o que essa garotinha, boa aluna, queria ser quando crescesse?
R - Eu queria ser engenheira, não fui. Aí, quando eu fui para o ginásio eu estudava com dois meninos, que um era filho de Juiz e o outro era filho de deputado estadual, e nós três éramos os melhores alunos da turma, a gente só tirava nota máxima. Aí os três combinaram de ser engenheiro civil, coisa de criança, de adolescente. Aí quando foi para fazer o segundo grau, o filho de juiz foi estudar em Salvador e o filho de deputado foi estudar em Teresina, e eu, filha do lavrador, fui estudar na escola normal Madre Lúcia. Obviamente que os meninos estudaram em bons colégios da capital do Piauí e da Bahia, em excelentes colégios. E eu, no colégio, que do ponto de vista da formação era considerado bom, um colégio para formar professora, normalista, era considerada uma escola boa, mas que não preparava ninguém para vestibular de engenharia, principalmente naquela época. Aí eu vim para Brasília, quando terminei o normal, fiz vestibular da UNB, levei um ferro. Não sabia nada de física, de química, matemática, no vestibular não tinha nada a ver, porque no normal a gente aprende um tanto de coisa, mas não aprofunda nessas matérias. Aí eu tomei pau. Aí depois eu fui fazer cursinho, fiz só mais uma vez para engenharia, depois desistir de engenharia. Aí fiz pedagogia e administração de empresa e chutei o balde em administração de empresa, fui para área da pedagogia.
23:14
P/1 - O que motivou a tua saída do Piauí para Brasília? Por que vocês vieram para Brasília?
R – Estudar! Estudar e melhorar as condições de vida, assim, tentar ajudar a família, para ajudar mais as pessoas a estudarem também, foi isso que me motivou, fazer concurso fora e trabalhar para estudar. O sonho da minha vida era fazer um curso superior.
23:48
P/1 - E como é que foi a viagem de São Raimundo Nonato para Brasília?
R - Eu saí de São Raimundo Nonato no dia 2 de janeiro de 1976 e cheguei em Brasília no dia 6 de janeiro em 1976, veja aí que foram quatro dias de viagem. Eu vim com a coragem e a cara viajando no pau de arara, a música do Luiz Gonzaga faz muito sentido para mim, foi desse jeitinho, viajando e de pau de arara.
24:19
P/1 - E sozinha Auriene?
R - O dono do caminhão era um grande amigo da família, mas eu sozinha.
24:32
P/1 - E você chegou em Brasília e foi para aonde?
R - Tinha uma parente da minha mãe que conseguiu articular um quartinho para eu ficar, porque meu pai me deu um dinheirinho para ficar nos primeiros momentos, meu pai e minha irmã mais velha que na época trabalhava, dava aula lá na no município, aí ela conseguiu que eu arrumasse um quartinho nos fundos de uma casa de família. Aí eu fiquei, quando foi no mês de fevereiro abriu o concurso, naquela época tinha muito concurso, aí abriu concurso na Fundação Hospitalar e na Fundação Educacional,
eu passei super bem nos dois concursos, aí rapidinho já estava trabalhando concursada. No primeiro momento eu trabalhei nas duas, aí chegou um momento que eu pedi demissão da educação e fiquei só na hospitalar. Depois eu fiz outro concurso, sai da hospitalar e fiquei só na educacional, na área de educação.
25:39
P/1 - E você fazendo o quê na área da educação, como professora?
R – Professora! Trabalhei um período como professora de 1ª à 4ª série, e depois eu fiz outro concurso e fui dar aula no segundo grau.
25:59
P/1 - E esse local onde você foi morar ficava aonde no distrito federal?
R - Taguatinga, cidade de Taguatinga.
26:09
P/1 - E você lecionava em Taguatinga mesmo?
R - Não, eu nunca lecionei em Taguatinga, eu sempre lecionei em Ceilândia, que é uma cidade também que fica próxima a Taguatinga. Quando eu trabalhei em hospital, eu trabalhei no hospital de Taguatinga.
26:33
P/1 - Auriene, qual foi o seu primeiro contato com o movimento social? Como é que se deu essa primeira chegada ao movimento social?
R - Eu falo que o meu primeiro contato com o movimento social, eu brinco, que eu falo que eu sou socialista de criança, orientada por meu pai. Porque meu pai, como lá na Gameleira era muito pobre, todo mundo era muito pobre, meu pai, ele dava parte da terra dele para o pessoal plantar, e não era essa coisa de semeeiro, com meu pai nunca teve meeiro. Ele sedia mesmo um pedaço da terra, aqui é pra fulano, aqui é pra sicrano e o povo plantava, ninguém também nunca resolveu ficar com a terra, tomar a terra. O Papai tirava leite de manhã, botava nuns litrinhos, e eu saía montada num jegue, eu e um irmão mais novo que eu, a gente saía nas casas distribuindo leite para as crianças. Então a gente já repartia ali o pão de cada dia. Quando eu cheguei em Brasília, que eu fui para o HR, trabalhar na Fundação Hospitalar, eu comecei meu movimento mais na saúde. Era uma época que vinham muitos estudantes de medicina do nordeste, Pernambuco, Bahia, mais de Pernambuco, Rio Grande do Norte, alguns do Piauí também, e nessa de ter esse pessoal da medicina, estudantes de medicina, era uma turma, que era muito de esquerda. Naquela época essa turma era de esquerda, e tinha um parente meu que era desse grupo. Então através deles eu comecei a entrar no movimento, a participar de reuniões, a ir em reuniões clandestinas, na época, a ver filmes bons. Foi através dessa turma, que era do Hospital Regional de Taguatinga e que eles não eram contratados de Brasília, eles eram estudantes, ou faziam residência médica, ou ainda eram estagiários, que tinha esse convênio na época, mas acabou, infelizmente, aí foi através desse pessoal. Depois, através deles também, em 1977 teve uma greve muito importante na UNB, uma greve dos estudantes lá da Universidade de Brasília. Aí alguns estagiários, também da UnB, passavam as informações para a gente, passava o que era importante a gente fazer, apoiar, e eu já estava junto, quando vi já estava dentro. Daí para frente já foi participando de tudo, de movimento de anistia, e fora a ditadura, abaixo a ditadura, assim a gente já entrou.
29:51
P/1 - Neste momento você chegou a ter alguma vinculação orgânica com algum partido clandestino ou ilegal?
R - Então, nesse período mesmo eu tinha...aí eu entrei na faculdade também em 1978. Quando eu entrei na faculdade eu tive contato com todas aquelas correntes políticas que existiam na época, PCdoB, Convergência Socialista, O Trabalho, que tinha a turma no movimento estudantil Libelu. Conversa com o pessoal do (30:32 PCbão), nem lembro mais como que era o nome do movimento estudantil. Mas enfim, aí eu comecei, me aproximei mais da turma da Libelu, do trabalho, organização trotskista, na época chamava OSI. Eu me aproximei, não entrei, não fiquei orgânica ainda não. Quando foi em 1980 que surgiu o PT, tem uma passagem interessante, que foi a greve dos Metalúrgicos do ABC em 1978. Eu acompanhei de perto, porque um dos meus irmãos estava morando em São Paulo, ele era Metalúrgico, inclusive ele já conhecia o Lula nessa época. Aí meu irmão veio passear aqui em Brasília, veio me ver aqui em Brasília, já me contou mais de perto também, já me contou toda a história, já tinha uma admiração por Lula naquela época. Aí quando surgiu o PT, a discussão do PT... eu me filiei ao PT em 1980. Aí depois eu entrei organicamente na corrente do Trabalho, e fiquei mais de 10 anos militando no Trabalho.
31:52
P/1 - Muito bom! Deixa eu te perguntar uma coisa, qual foi a primeira vez que você ouviu falar no SINPRO?
R - No?
32:07
P/1 - No SINPRO.
R - No SINPRO? Em 1979. Assim, eu ouvi falar quando criou né, porque 1979 os professores aqui em Brasília, nessa época eu não estava na educação, eu já tinha pedido demissão da educação, estava só na saúde, mas aí, nessa época já tinha muitos conhecidos aqui em Brasília, aí eu acompanhei muito de perto a greve dos professores, que já tinha uma associação, mas que em 1979 eles formaram o sindicato. Só que logo após a formação do sindicato houve uma intervenção, nessa época, na época da greve, foi uma greve muito boa, assim que parou tudo, eu acho que era quase 100% da categoria na greve. Mas foi uma greve com muita autoritarismo, eu lembro que teve demissões, não sei precisar agora quantos, mas tiveram demissões e intervenção no sindicato, e essa intervenção durou ai uns nove meses ou mais, não, acho que foram nove meses de intervenção do estado no sindicato. Aí depois quando foi em 1980, teve de novo e aí teve eleição, foi eleita a primeira diretoria do SINPRO. Eu sempre tive admiração pela categoria e pela entidade, assim, porque eu achava de muita luta. O pessoal tinha muita resistência.
34:23
P/1 - Auriene, como é que foi a sua aproximação com o SINPRO?
R - Antes de eu entrar de volta para categoria, que eu voltei 1985, eu já tinha um conhecimento muito grande da luta sindical, da fundação da CUT, inclusive a luta no SINPRO, foi um dos motivos, a luta dos professores, foi um dos motivos que me levou a fazer opção para ficar na categoria. Naquela época tinha um órgão público que chamava DASP que ele fazia concurso para todos os órgãos, para todos os ministérios, orgãos públicos, aí eu fiz um concurso de administradora, que eu tinha formado em administração 1982, tinha passado, mas eu não assumi, e também não assumi nenhum cargo na Secretaria de Saúde, porque a secretaria de saúde, naquela época era ditadura ainda né, era dominada por uma turma da direita, que nem eles me queriam e eu muito menos queria está próxima deles. Então eu fiz a opção de fazer concurso de novo para secretaria de educação. Fiz, passei, aí quando eu passei eu já estava super envolvida no SINPRO. Porque na eleição de 1983 o sindicato já lançou uma chapa de oposição, porque em 1980 quem ganhou a eleição foi o Olímpio, e o Olímpio era um cara assim, que tinha lutado na greve e tudo, mas ele era, acho que o Olímpio era PMDB naquela época, e tinha os companheiros Márcio Baiocchi, Lúcia Ivanov, Lúcia Carvalho, que já eram os companheiros do PT, então já estavam organizando oposição. Aí quando foi na eleição de 1986, eu não pude, inclusive concorrer a eleição, entrar na chapa, porque acho que tinha que ter um ano de sindicalizada, e eu tinha entrado 28 de agosto de 1985 e a eleição foi em maio, eu não podia participar, porque eu não tinha o tempo de sindicalizada. Mas aí eu trabalhei para caramba na eleição, muito, muito mesmo, e a gente ganhou a eleição. Nós ganhamos a eleição tinha Lúcia Carvalho como presidente, e Lúcia Ivanov como secretária-geral. Era um povo muito bom, uma turma muito boa. Walter Nei Valente, o Márcio Baiocchi, que eram umas pessoas bem referência da luta na construção da CUT, era muita referência na luta por Anistia, em todas as lutas, Diretas Já! Então assim, aí eu colei nessa turma, que era ligada ao PT e a CUT, eu já era do PT e também já conhecida pela CUT, já tinha ajudado em outras eleições de Sindicatos aqui em Brasília, aí colei no SINPRO totalmente.
37:50
P/1 - Você conheceu Olímpio Mendes?
R - O Olímpio?
37:57
P/1 - Você conheceu ele bem?
R - Conheci. Eu não fui muito próxima do Olímpio não, só conheci. Só conheci depois, assim, depois que eu entrei no SINPRO a gente teve alguns eventos de aniversário do sindicato que ele era convidado, e ele vinha, mas eu não tinha aproximação com ele não.
38:26
P/1 - Como é que se deu Aureiene todo esse ativismo sindical ao qual você se dedicou, num momento ainda nebuloso, pesado, e numa cidade como Brasília que era o centro da ditadura?
R - Olha, foi com muita articulação, muita organização e com muita repressão. Tudo que a gente fazia tinha muita repressão. Mas aqui em Brasília, eu peguei uma fase boa que foi a criação da CUT. Aqui em Brasília, a primeira direção da CUT tinha a companheira Maria Laura, que era da minha corrente política na época, era “O Trabalho”, o Chico Vigilante, que é um companheiro que é deputado até hoje, de luta, resistente até hoje, era o presidente. Tinha uns companheiros meus de história, da fundação, da própria Fundação Hospitalar e a turma do PT também que estava ali na CUT, construindo. Então a gente organizava lá dentro da CUT, dentro da CUT a gente organizou muita coisa, fizemos muitas lutas boas. Mas a repressão sempre foi bem “bacana”. Bem bacana virgula, entre aspas. Sempre foi pesada, muito pesada. Porque nós fizemos lutas em estado de emergência, teve um estado de emergência, eu não sei precisar direito, acho que foi em 1980, em 1980 que tinha um general horrível que era o Milton Cruz. Então assim, a gente já fazia luta naquela época, o movimento estudantil era ativo, as categorias eram ativas. Não sei se eu conseguir responder.
40:39
P/1 - Respondeu sim. Eu queria agora focar mais na sua atuação no SINPRO, quando você já sindicalizada e já atuando na área de educação, quais foram seus grandes momentos nesse período?
R - Nossa, nesse período, meus grandes momentos... Nessa primeira direção CUTista que teve o SINPRO, que foi de a partir de 1986, nós fizemos uma mudança estatutária que criou uma instância na cidade, naquela época tinham os complexos escolares, que cada complexo escolar tinha três pessoas que constituem um conselho político, e eu fui desse primeiro conselho político na região que eu trabalhava que era em Ceilândia, no complexo lá de Ceilândia. Então assim, a gente tinha participação e decisão direta nas lutas, a primeira luta importante mesmo do sindicato foi no lançamento do Plano Verão, Plano Cruzado, foi no lançamento do Plano Cruzado que nós tivemos proposta da CUT, mas essa proposta foi articulada, saiu do SINPRO, saiu do Sindicato Professores. Foi até os nossos companheiros do SINPRO, que eram da direção da CUT, que apresentaram a proposta da gente fazer um grande ato, aqui em Brasília, contra o plano. E esse ato ele foi em novembro, final de novembro, foi um ato maravilhoso, que participou todos os trabalhadores de Brasília, donas de casa. A inflação também estava muito disparada, aí participaram donas de casa, o movimento estudantil. Eu sei assim, que a gente parou Brasília. E foi um ato que recebeu o nome de Badernaço, não sei se você já ouviu falar disso. Porque foi porrada demais, porrada, porrada na esplanada. Os caras agiram como na época da ditadura com aqueles canhões, urutu que se chamava, e depois na rodoviária do Plano Piloto teve um conflito muito grande, muita queimas de carros, de ônibus. Foi o primeiro movimento assim, que eu atuei na organização de frente. Eu participei também, pelo SINPRO e aí eu ainda era da base, como representante nacional dos professores CUTistas. Nós tínhamos em todos os estados uma pessoa de direção e uma pessoa da base, que
reunia sempre para discutir a filiação da Confederação Brasileira dos Professores
a CUT. Aí eu participei, eu era desse movimento, muitos companheiros desse movimento sobressaíram bem na política, tipo, hoje nós temos nossa governadora Fátima Bezerra, em São Paulo tinha o Luizinho, que foi deputado, o Delúbio em Goiás. Aí aqui em Brasília eu era pela base, não era da direção ainda, mas a gente participou desse movimento bacana e tentamos filiar na Paraíba e não conseguimos, tentamos filiar no Rio Grande do Sul em 1987 e não conseguimos, e em 1988 nós conseguimos filiar a (44:27 CPB a CUT) aqui em Brasília no Congresso assim, dos mais bacanas, dos mais acirrados, mas foram momentos marcantes. Aí depois em 1989 eu entrei na direção do SINPRO, e nós pegamos a fase de transição de governo biônico para governo eleito, que Brasília não tinha eleição para governo, para deputado, senador, aí a gente conquistou também na Constituição de 1988. A gente conquistou isso, foi num momento também de muita participação da gente na luta por autonomia, aqui no distrito federal, autonomia política. E aí nesse período já de 1989, 1992, nós fizemos vários atos, fizemos greve. Nos fizemos em 1992, nós fizemos uma greve de quase cem dias, no primeiro semestre nós fizemos de 60 e tantos dias, e no segundo semestre, para cumprir o que tinha sido negociado na greve do primeiro semestre, nós fizemos outra, porque o governo não estava cumprido, era o governador Roriz na época. Aí participei da direção da CUT, também aqui em Brasília, momentos importantes até hoje tem muitos viu, porque é uma categoria que sempre faz greve. Participei de todos os congressos da CUT, Congresso Nacional da CUT, acho que eu só não participei dos dois últimos. Nunca fui da direção nacional da CUT, e nem da direção nacional dos professores, só local.
46:34
P/1 - Mas uma militância importante na base, isso que é importante. Mas me diga uma coisa, como é que você vê hoje os desafios que se colocam pro SINPRO? Você fica no SINPRO até quando exatamente?
R - Eu fiquei até 1991, 2001, aí em 2001 eu saí. Quando foi 2007 eu entrei como suplente, porque o pessoal insistiu para entrar como suplente, porque tinha uma região que eu tinha uma referência boa e que estava meio complicado na região, aí eles queriam que entrasse na chapa, eu não aceitei. Aí não, entra pelo menos como suplente, porque ai o povo vê que você está na chapa, vai ajudar um pouquinho aí na eleição. Aí eu entrei como suplente,
ledo engano, rapidinho eu tive que assumir, aí eu fiquei de novo no SINPRO de 2007 a 2010. Quatro mandatos no SINPRO.
47:50
P/1 - Você aposentou-se?
R - Eu sou aposentada a muito tempo, da categoria eu sou aposentada a muito tempo, aliás, essa última vez que eu fiquei na direção eu já entrei aposentada.
48:07
P/1 - Como é que se deu a transição da diretoria? Aquela formação clássica da diretoria, para a diretoria colegiada como é hoje, como é que se deu esse processo, você lembra?
R - Porque foi diretoria com presidencialismo até 1989, foram três mandados com presidentes, aí quando foi em 1988,1989... Olha só, na época eu entendia como uma necessidade, uma coisa mais democrática e tudo, mas hoje eu penso que naquela época a gente aprovou, não era porque todo mundo pensava assim, é porque nós tínhamos muitas lideranças, a gente tinha muitas lideranças de peso, e a Lúcia Carvalho, que era a presidente, já estava colocada como uma candidata a distrital. Ela já tinha assumido que iria sair candidata distrital, e aí tinham pessoas ali de peso que iriam fazer a disputa também para presidência. Isso daí eu estou falando aqui, mas não sei nem se devo. Porque eu acho que foi uma discussão mais para ter ali um colegiado, para contemplar nas várias coordenações de secretaria, todas as boas referências que a gente tinha, que não é ruim, que sempre foi bom isso, o sindicato sempre teve grandes quadros na direção. Aí foi o congresso, teve um congresso, a gente modificou o estatuto, e teve. Sempre assim, pessoas se destacaram. É uma direção colegiada, funciona, eu acho que funciona surpreendentemente bem, do meu ponto de vista, não sei ultimamente como é que está, porque eu não estou acompanhando, mas o período que eu fiquei, a presidência não fazia falta. Não fazia diferença ter uma presidenta ou presidente, era um trabalho bom, e eu acredito que ainda dá certo, ainda tá dando certo.
50:30
P/1 - E hoje, atualmente, quais que você considera serem os maiores desafios que são postos para atuação do SINPRO?
R - Eu acho que os maiores desafios para a atuação dos SINPRO, são os desafios que estão colocados por movimento sindical como um todo, porque a gente tá vivendo uma conjuntura de 2016, da época do golpe de Dilma para cá, a gente tá vivendo uma conjuntura de muita destruição dos direitos da classe trabalhadora, muitas perdas, a gente está tendo congelamento de salário há muito tempo, o desemprego, uma coisa assim surpreendente, portanto todo o movimento sindical enfraquecido do ponto de vista, de como lutar para garantir as coisas. Porque a gente perdeu as votações ali no Congresso, reforma trabalhista, reforma da previdência, deu uma enfraquecida na luta, uma enfraquecida natural, não por falta das lideranças também não querer. Teve também uma pulverização muito grande de centrais, porque antes, lá no início, era mais centralizado na CUT e na CGT, a gente considerava nós os bons e a CGT a gente considerava os pelegos. E aí foi tendo, o próprio partido dos trabalhadores foram saindo correntes políticas, e consequentemente no movimento sindical também, construindo centrais. Eu não sei, eu não tenho muitos elementos não, mas eu tenho uma impressão, a ligeira impressão de que essa quantidade de Central, essa coisa também ajudou a enfraquecer um pouco o movimento. E aqui em Brasília os sindicatos que eram muito fortes, hoje não tem mais, tipo os rodoviários que foi um sindicato extremamente forte. Os que ainda estão mais fortes e o SINPRO e o Sindicato dos Bancários. Sindicato dos Auxiliares de Ensino, que é um sindicato aliado a gente, praticamente faliu, praticamente faliu o sindicato, a categoria não acredita mais na direção, a direção também pisou na bola que deixou uma série de erros acontecerem. A central aqui em Brasília, a CUT, ela não tem mais aquela mesma... as últimas direções, até por conta do processo conjuntural todo também, não tem conseguido fazer um trabalho de unificar os sindicatos, está esquisito. E o ano passado, 2020, por conta da pandemia a coisa piorou muito mais ainda. Então, eu vejo hoje um movimento sindical, comparando com a minha época, com 1980, 1990, o movimento sindical enfraquecido, e ele é enfraquecido não em função apenas das direções de hoje, também já trabalharem de uma outra forma, porque essa questão também da tecnologia eu acho que levou a uma certa acomodação do corpo a corpo. Eu acho que tem muito trabalho que você desenvolve assim, olho no olho, reunindo as pessoas olho no olho, que é muito mais capaz de convencimento do que um trabalho usando mais os meios tecnológicos, e eu percebo que o movimento sindical tem se apoiado muito nessa tecnologia.
55:06
P/1 - Compreendo exatamente o que você está falando. Você não sabe a diferença que é fazer uma entrevista assim como nós estamos, da entrevista presencial, um na frente do outro.
R - Eu imagino.
55:27
P/1 – Auriene eu não vou te pedir nenhum exercício de futurologia, mas eu queria que você refletisse sobre o futuro da educação no Brasil. Como é que você enxerga o futuro da educação nesse país?
R - Olha, se a gente conseguir reverter, em curto prazo ou a médio prazo, essa linha política que hoje governa o país, e governa os estados, e governos os municípios, se a gente conseguir reverter isso, nós poderemos ter uma melhora na educação, ter uma educação com mais qualidade, mais atual. Mas no quadro que está hoje eu vejo uma situação muito preocupante. Porque além da gente está vendo os trabalhadores da frente da educação, no caso os professores, pedagogos, orientadores educacionais, se sentirem desestimulados por conta de congelamento de salário, por conta de adoecimento, por conta de péssimas condições de trabalho. Além de tudo isso, nós temos um projeto de educação no país que é de desqualificar a escola pública de qualidade. É um projeto de militarizar as escolas, é um projeto de retirada de verba, de não investimento, seja da educação infantil, da creche, até a pós-graduação. Então assim, a minha crença é de que a gente volte a ser capaz de interromper essa política que está aí, essa política do Bolsonaro e de vários governadores idênticos a ele e, infelizmente, também vários prefeitos. Eu tenho a impressão de que a educação só piora, que não vai ter uma melhora para educação, não vai ter um futuro bom para nossa educação, não.
58:10
P/1 - Ainda sim, Auriene, o que você diria para uma jovem, um rapaz ou para uma moça que resolveu virar Professor, optou pela profissão do professor, o que você diria para ele hoje?
R - Diria vá em frente! Estude, se atualize, seja um excelente comunicador em sala de aula, uma pessoa com boa relação com o conjunto da escola, com a equipe da escola, com os pais de seus alunos. Leve a discussão da situação daquela comunidade, discuta com ela, leve a discussão da igualdade de gênero, de raça, da diversidade como um todo, eu diria isso para essa professora. O salário não é o melhor, mas também não está tendo outros lugares para você ganhar um bom salário, porque todos os locais está tendo congelamento de salário. E também, no mundo fora da educação, a gente tá vendo, mas vai para onde, vai para o comércio? O comércio não tem saída. A uberização está aí né, tomando conta de tudo. Então, eu aconselharia entrar na educação, participar da luta. participar da luta, continuar estudando, atualizando, e aconselharia ter uma relação excelente com a comunidade escolar.
59:59
P/1 - Muito bem, Auriene. Vou voltar um pouco para o lado pessoal, você é casada?
R - Separada.
1:00:11
P/1 - Mas casou-se, teve filhos?
R - Um filho, mora comigo, João Pedro tem 27 anos. Fui casada com um professor, que também foi diretor do sindicato.
1:00:26
P/1 - E o seu filho, o quê faz o seu filho?
R - O meu filho ele é formado em Jornalismo e design de interiores, ele largou jornalismo tá agora só como design.
P/1 - Auriene, tem alguma coisa que você gostaria de ter dito eu não te perguntei, eu não te estimulei a dizer?
R - Talvez fosse importante a gente situar um pouco… Mas você vai entrevistar mais pessoas da categoria não vai? Mais ex-diretores? Porque nós tivemos nesse período, nos passamos por dois governadores de esquerda, diga-se de passagem, CUTistas, aqui. Nós tivemos um na década de 90, que foi Cristovam Buarque, que saiu depois e tudo. E Nós tivemos momentos muito difíceis também durante o governo dele. E tivemos também o governo Agnelo, que era um governo democrático popular, mas que foi preciso também fazer alguns movimentos no governo dele. Porque algumas pessoas pensam que a gente que está no movimento sindical e que ajuda a eleger pessoas para o cargo executivo, a gente não pode estar reivindicando e pressionando esses representantes executivos, e na minha compreensão a gente teve esses dois momentos. Tivemos muitos acertos, e alguns erros também, nós cometemos alguns erros, mas tivemos muitos acertos em mostrar que o movimento sindical precisa ser independente de quem está na gestão executiva do estado, ou do país.
P/1 - Foi uma relação muito difícil com os governos, com os dois governos citados?
R - Não foi tão difícil do ponto de vista de pauta pedagógica, de pauta pedagógica, muito pelo contrário, a gente até negociou boas coisas. Mas do ponto de vista da pauta salarial, foi um pouco difícil, eu diria que no governo Cristovam foi muito difícil, só não foi mais difícil porque a vice-governadora Arlete Sampaio ajudou a gente, mas foi bem pesada, a gente teve uma relação bem pesada. No caso do ponto de vista educacional eu acho até que melhorou muito, a coisa melhorou. E no Agnelo, teve também, mas não foi tão complicado como na época do Cristovam, foi uma relação mais serena.
P/1 - Perfeito. Você pontuou bem essa relação, afinal de contas a palavra-chave nesse processo é independência. O sindicato não é um sindicato vinculado ao executivo, o sindicato é vinculado aos trabalhadores.
R - sim, sim.
P/1 - Me diga uma coisa, como você se sentiu dando essa entrevista para nós?
R - Me senti bem, me senti a vontade, tranquila, em casa.
P/1 - Então, pra terminar, eu queria que você me contasse quais são os seus sonhos?
R - Meus sonhos? Uma mudança radical na conjuntura que nós estamos vivendo. Sonho de ver o Brasil voltar a ter mais Liberdade, a gente organizar os trabalhadores para derrubar toda essa política de destruição dos nossos direitos. Um sonho em ver o Brasil com a sua soberania respeitada. Sou completamente contra a privatização de todo o nosso patrimônio, como a gente já tem visto desde a época lá do início de Fernando Henrique, de Collor, até agora, eu acho assim uma coisa absurda. Ai o sonho é a gente ter um Brasil, um governo socialista no Brasil, que o Lula não foi socialista, mas eu tenho um sonho.
Foi um bom governo, sem nenhuma, mas eu tenho um sonho de ver um governo, se não socialista, pelo menos muito voltado para as causas da educação, da saúde, as causas sociais, as causas do povo. É isso, meu grande sonho é isso, e ver o movimento sindical voltar a ser uma grande referência para a classe trabalhadora.
P/1 - Perfeito Auriene. Muito obrigado pelo seu tempo, pela sua disposição, pelas belas histórias que você nos contou.
R - Muito obrigada a você e ao companheirinho aqui o Alisson, e desculpa aí qualquer vacilo nas respostas, mas é porque é assim mesmo. E fora Bolsonaro!Recolher