Projeto Avaliação de Impacto Escola de Ofícios Tradicionais de Mariana
Depoimento de Bruno Marcos Ferreira
Entrevistado por Márcia Trezza e Alice Junqueira
São Paulo, 19/08/2021
Realizado por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: PCSH_HV1251
Bruno está em Minas Gerais, em Ouro Preto
Transcrita por ...Continuar leitura
Projeto Avaliação de Impacto Escola de Ofícios Tradicionais de Mariana
Depoimento de Bruno Marcos Ferreira
Entrevistado por Márcia Trezza e Alice Junqueira
São Paulo, 19/08/2021
Realizado por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: PCSH_HV1251
Bruno está em Minas Gerais, em Ouro Preto
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Bruna Ghirardello
P/1 – Podemos começar, Bruno?
R – Sim. Podemos.
P/1 – Agora, eu acabei de falar o seu nome, mas, pra gente começar essa nossa entrevista, eu vou pedir, por favor, pra você falar, novamente, o seu nome completo, local de nascimento e a data.
R – Ok. O meu nome é Bruno Marcos Ferreira. Eu tenho vinte e quatro anos e nasci em Alvinópolis, Minas Gerais.
P/1 – Bruno, qual o nome dos seus pais?
R – Gerson Lucio Ferreira e Andrea Luciene Fialho Ferreira.
P/1 – Qual a atividade deles?
R – O meu pai é pedreiro autônomo. E a minha mãe, servidora pública.
P/1 – Você sabe a origem da sua família? Assim, dos seus pais. Ou melhor: do seu pai, da sua mãe, dos seus avós? Se eles são também de Minas, ou de outra região?
R – Olha, eu não sei quando vai muito pra trás, não. Mas, se eu não me engano, eu acho que os pais do meu avô paterno vieram de Portugal. Eles eram portugueses. Se eu não me engano. Eu não tenho muita certeza não. Mas todos eles, os meus avós, tanto os paternos, quanto os maternos, sempre viveram em Alvinópolis, mesmo. Inclusive, a minha avó materna é prima do meu avô paterno. E aí os meus pais são primos distantes. Então, (risos) é meio engraçado, porque a gente acha estranho, quando a pessoa é parente. Mas em cidade pequena é assim mesmo. A gente já está bem acostumado a ter muitos parentescos.
P/1 – É isso que eu ia dizer, perguntar pra você: na cidade que você mora tem bastante, né, relações entre os parentes?
R – Sim. Sim.
P/1 – Casamentos, inclusive.
R – Sim. Hoje em dia, os únicos parentes meus que não moram em Alvinópolis, são os que estudaram fora. O resto, todos os que não fizeram ensino superior, todos estão lá. Um ou outro só que não está. É bem assim: a família está toda lá. (risos)
P/2 – Aí, no caso, porque você está em Alvinópolis.
R – Como?
P/2 – Você quis dizer que está todo mundo aí, em Alvinópolis.
R – Ah, é porque eu não estou gravando de Alvinópolis. Eu estou gravando de Ouro Preto.
P/2 – Ah, tá. A gente pensou que você estava em Alvinópolis.
R – Mas eu moro lá.
P/2 – Entendi. Desculpe.
R – Sem problema.
P/1 – Então, eu queria que você me contasse um pouco como era na sua infância, essa convivência com a família? Na sua cidade mesmo, como isso acontecia? Na sua infância, ainda?
R – Tá. Bom, quando eu era mais novo... o meu núcleo familiar nunca foi muito... como que eu vou explicar? Nunca foi muito próximo. Não é que a gente era distante do resto, mas a gente era muito reservado. A gente sempre foi mais só nós mesmos. Somos cinco, [eu] os meus pais e os meus dois irmãos. Éramos muito nós cinco. A gente tinha muito contato com a nossa família nos finais de semana. Geralmente, nos domingos, a gente ia pra roça e lá estavam os meus primos, os meus tios, os meus avós. Os meus avós paternos são da roça, eles têm uma casa na zona rural. E a minha avó materna já morava na rua, também. A gente não ia tanto pra lá, porque muitos dos meus tios por parte de mãe, moram fora. Os que estudaram fora. Então, eles moram fora até hoje. Então, a gente ia lá mais, quando tinha algum feriado, alguma festa de família, ia lá de vez em quando, mas a frequência com a qual a gente ia pra casa dos meus avós paternos era maior. Então, ah, era muito bom. Eu tinha muitos primos por parte de pai. Eu tenho muitos primos e eles têm idades muito próximas à minha. Então, era bem divertido, os finais de semana que a gente ia pra lá.
P/1 – O que vocês faziam lá? Quais eram as brincadeiras? Teve alguma que marcou? Até hoje lembra alguma situação, alguma história dessa época?
R – Hmm. Aí, a gente brincava de tanta coisa! (risos) Eu lembro de uma vez, porque o meu avô fazia tijolo de barro e aí, eu tenho um tio que até hoje faz, que continua a tradição. E aí teve uma época que, quando o meu pai, acho que era o meu pai, estava construindo alguma coisa lá em casa. Eu não lembro muito bem. Eu não lembro se era pra minha casa ou se era pra casa do meu avô. Eu não lembro. Mas tinha alguma construção. E aí, o meu pai tomou a frente. E eu lembro de uma vez que a gente... a casa dos meus avós tem um pátio enorme na frente. Na entrada dela, tem um pátio enorme. E aí, quando colocava os tijolos para secar, colocavam todos nesse pátio e ficava aquela pilha enorme... eu não sei se era tão alta assim não, mas como eu era criança, eu imaginava que era uma pilha enorme. Eu não lembro de qual processo, exatamente, mas que eles precisavam colocar uma lona cobrindo essas torres. Não sei se era por causa da chuva, eu não lembro o motivo. Mas eu lembro que a gente brincava muito de se esconder debaixo dessa lona, pros pais não acharem a gente. (risos) Então, isso é uma coisa que eu lembro até hoje. E realmente eu não sei se as torres eram, realmente, muito altas, de tijolo ou se era eu que era muito pequeno. Então, (risos) eu tenho essa... eu não sei dizer muito bem isso, não. (risos)
P/1 – Bruno, e você chegou a ver essa produção de tijolos, na época que o seu avô produzia? Você tinha curiosidade?
R – Olha, o meu avô, o meu avô, não. Eu lembro mais do meu tio, porque o meu tio, até hoje, faz. O meu avô, eu não tenho mais os meus avós por parte de pai.
Mas eu lembro muito desse tio meu, que é o meu tio mais velho, por parte de pai, que ele é o que mexe com isso até hoje. Mas eu nunca acompanhei de perto, não. Eu lembro mais dessa etapa mesmo, que eles colocavam para secar, os que já estavam prontos. Mas o meu pai, às vezes, conta como era. E teve até uma vez que eu perguntei, ele estava fazendo uma atividade sobre isso. Aí eu sentei com ele
pra conversar. Porque eu lembrava que ele já tinha feito, mas o passo a passo, eu não lembrava, eu não sabia como que era.
P/1 – E o que te chamou atenção, nessa descrição que ele fez? Se você puder ressaltar alguma coisa nessa produção desses tijolos, quando você perguntou e ele te contou.
R – Hmm.
P/1 – Se você lembra, viu, Bruno. Também não precisa... eu perguntei, porque eu fiquei imaginando ele contando, né?
R – É. Eu acho assim: como eu fiz Arquitetura, eu acho que eu fui mais pra área de como que esse... pra que esse tijolo era feito. Então, eu acho que me chamava mais atenção, era o que eles construíam com aquilo: as casas deles e tal, era uma coisa muito artesanal. Porque hoje em dia a gente compra tijolo. A gente compra tijolo e faz a casa. E, nessa época, eles faziam. E aí eles passavam de pai pra filho. Eu lembro que o meu pai contava que o meu avô tinha várias “forminhas” para eles fazerem o tijolo. E aí quanto mais... como é? Quanto mais novo era o filho, menor era a “forminha”. (risos) Então, eles iam crescendo assim. Tipo, o meu pai começou com uma [forma] muito pequenininha e eles foram aumentando a fôrma, de acordo com a idade que o filho tinha. Porque aí também era o peso que a criança iria conseguir usar, tal. Então, desde sempre, desde muito novos, o meu pai e os irmãos dele tiveram contato com isso, com essa prática.
P/1 – Pode falar, Alice.
P/2 – E você lembra como ele contou? Como era feito o passo a passo, o uso dessas “forminhas”? Se não lembra, não tem problema.
R – Ah, eu não sei se eu vou lembrar tudo mas você fala o passo a passo das fôrmas, ou do tijolo?
P/2 – Não. De fazer o tijolo, como que ele contava que era feito.
P/1 – Em linhas gerais sabe?
R – Aham. Bom, as fôrmas, quem fazia era o meu próprio avô. Ele mexia muito com coisas de madeira e tal. Então, ele que fazia as fôrmas. Aí o meu pai contava, pelo que eu me lembro, que aí eles cavavam os buracos, os barrancos no próprio terreno deles mesmo, porque tinha muita terra disponível pra isso. E era uma terra boa. Ai, se eu não me engano, eles amassavam com água. Acho que chegavam a molhar mais a terra. E aí eles iam encaixando-a em forminhas. Eu não lembro se eles tiravam a fôrma antes de secar, isso eu não lembro muito bem. Mas aí tinha essa história, que cada um tinha uma fôrma com um tamanho diferente. E eles faziam essas pilhas que eu falei. Eles faziam essas pilhas, pra esperar secar. Acho que, primeiro, elas ficavam espalhadas no chão. E quando elas já estavam um pouco mais secas, elas eram empilhadas, porque aí elas ocupavam menos espaço, eles já conseguiam começar a produzir mais, esses tijolos. Porque, na época, se eu não me engano, eles também vendiam os tijolos. Eles não faziam só pra eles. Então, eu acho que eles tinham mais produção. Hoje em dia, até o meu tio também trabalha, ele ainda faz os tijolos de barro, mas ele faz sob encomenda. Então, a produção é um pouco menor do que era antes. Acho que na época que eles eram mais novos, era mais intenso esse uso do tijolo de barro.
P/1 – Bruno, como arquiteto, vocês recomendam? Vocês usam em que situação esses tijolos? Em que tipo de construção? Porque você disse que ainda é usado, né? Que uso é feito hoje?
R – Então, o tijolo de barro que o meu tio faz, não é queimado. Porque o tijolo que é queimado, tem mais resistência. Ele pode, até, ficar na área externa. O que ele faz, hoje em dia, precisa ter alguma proteção: pintura, reboco, porque ele não pode ficar exposto. Hoje em dia, eu acredito que ele ainda seja muito usado na zona rural, para a construção de casas mesmo pras pessoas morarem. Mas agora, no meio urbano, o uso é mais escasso. Pelo menos pelo que eu vejo. Eu vejo mais em casas antigas. Porque aí, se a pessoa reforma, talvez, ela quebra alguma parede e tal, ela vai precisar repor com o mesmo material. Então, ela já busca esses tijolos de barro. Ou também quando a pessoa quer pela estética mesmo. Ela quer ter aquele estilo na casa dela, quer que eles fiquem expostos e aí ela usa esses tijolos de barro. Mas aí, no caso dos que o meu tio faz, para área interna, porque eles não podem ficar expostos, não. Senão, eles se desfazem.
P/1 – Entendi. Obrigada pela explicação toda, né? (risos) Voltando pras suas brincadeiras de infância, além da casa do seu avô, que vocês iam sempre, tinha outros costumes, enquanto você na cidade, no seu cotidiano? Tanto brincadeira, como costumes, mesmo, com você, com os seus pais, com seus irmãos? O que você poderia contar pra gente?
R – Deixa eu pensar.
P/1 – O que você gostava de fazer?
R – Porque, assim: eu e os meus pais e os meus irmãos, a gente era muito a gente mesmo. Então, eu e os meus irmãos, a gente brincava muito entre nós. E aí, teve até uma época que eu já tinha, sei lá, uns dez anos, mais ou menos, que eu comecei a interagir com outras crianças. Não sei explicar os motivos. Mas a gente era muito fechado, entre nós mesmos. E aí, quando eu fiz uns dez anos, mais ou menos, eu comecei a interagir mais com outras crianças, que moravam lá perto de casa. Que mudaram há pouco tempo, que tinham mudado há pouco tempo pra lá. Porque o meu bairro não tinha criança nenhuma, era só lá em casa mesmo. E aí eu comecei a brincar bem na rua, assim. Isso foi até os meus catorze anos. Eu era bem
“adolescentizão” brincando na rua com os outros meninos. E brincadeiras de rua mesmo, assim: pique-esconde, pique- cola, pique-altos. Não sei quais são os nomes que vocês chamam aí em São Paulo. (risos) E lá em casa, a gente sempre brincou muito também. Eu tenho um irmão e uma irmã. Os dois, mais velhos que eu. Então, a gente também brincava muito com essas mesmas coisas. Não sei se tem uma brincadeira que me marcou mais. Mas, sozinho, eu gostava muito de coisas mais artísticas, de desenho, de colorir. Sempre gostei muito. Mas aí era uma coisa mais minha, mesmo, quando eu estava sozinho.
P/1 – Você, sempre, então, desde sempre desenhou?
R – Sim. Sim. Desde sempre. Assim, não sou um grande artista, não. Mas a gente... (risos)
P/1 – Você lembra, Bruno, da sua sensação, assim ou sentimento, enquanto você desenhava? Ou como você se sentia mesmo? Isso é uma coisa que dá pra contar pra gente? É possível lembrar dessa sensação? Você disse que gostava muito de desenhar, né? Então...
R – Eu gostava muito de histórias, histórias de um modo geral. Hoje em dia, eu ainda leio muito, eu gosto muito de ler, de assistir séries, assistir filmes.
Eu gosto muito de consumir histórias, sejam elas reais ou não. Eu tenho preferência pelas que não são reais, (risos) que eu gosto mais. Então, eu acho que eu gostava muito de usar a arte, para expressar essas ideias que eu tinha, lendo histórias, ouvindo histórias. Consumia muito, muita história mesmo. Eu acho que é mais pela coisa de contar histórias, de criar histórias, inventar histórias. Eu acho que era uma forma de extravasar isso, também.
P/1 – Eu tenho curiosidade, Bruno, pra saber o que você fazia com os seus desenhos.
R – O que eu fazia? Eles estão lá em casa. (risos) Eles estão guardados, eu acho. Eu lembro de uma época que eu comprava uns cadernos, eles eram A4, se eu não me engano. Mas eles eram... a folha ficava de lado, ele é chamado “paisagem”. E sem pauta. E aí eu ficava o dia inteiro ali, fazendo alguns desenhos, criando histórias, personagens. Uma loucura, (risos) uma confusão. E eu lembro que teve até uma época que algumas das outras crianças da rua também gostavam muito. E aí tinha dias, que a gente não brincava na rua, mas ficava, a gente se reunia, na casa ou de um ou do outro e ficava lá, criando histórias e fazendo desenhos. Eu acho até engraçado porque criança junta, a gente juntava, tipo duas, três crianças, para desenhar, ao invés de sair brincando na rua. Acho muito engraçada essa história, essas lembranças.
P/1 – Muito bom. Muito legal. Imagino. Eu fiquei curiosa para conhecer os seus desenhos, Bruno. Acho que eu vou, depois, no final da entrevista, a gente combinar um esquema aí de você escolher alguns, pra gente colocar junto com a sua história, se você achar bom, tá?
R – Ah, podemos sim. Podemos.
P/1 – Legal. Eu estou vendo aqui, que eu estou com um roteiro, pra lembrar de algumas perguntas específicas, que são em relação à região mesmo que você mora. Nessa região que você disse que é mais ou menos próxima de Mariana, duas horas, vocês tinham, ainda têm festas tradicionais?
R – Temos. Nos últimos dois anos, não, né, porque a gente está nesse momento caótico, de pandemia, mas temos algumas festas, lá, sim. A gente tem a festa da chita, que é um tecido. Porque lá em Alvinópolis, a gente tem duas grandes empresas, que é a Bio Extratus, que é de xampu e a gente tem a Fabril Mascarenhas, que é de tecido. Então, isso é uma coisa muito forte lá. E aí, todo ano, pelo menos no meio do ano, tinha, até 2019 teve, a Festchita. Que era um evento que durava, acho que uns dois, três dias, assim. Pegava quinta-feira até o final de semana. E aí tinha alguns… a praça principal, lá onde tem as festas, era toda enfeitada com chita, os postes, as árvores. Tem até uma instalação que é muito famosa lá, que é um Fusca que eles revestem todo de chita. E ele fica lá exposto assim, na praça. Nesse evento, tem um desfile de moda e as meninas desfilam usando roupas de chita. E a chita, não sei se vocês conhecem, é um tecido todo estampado, florido. Aí a praça fica toda por conta, né? Os postes, tudo. Tudo fica bem enfeitado com...
P/1 – E desde quando existe essa festa, assim? Desde quando você é criança? Ou de quando, assim?
R – Nossa, eu não sei. Eu não sei. Porque eu comecei a frequentá-la quando eu já era um pouco mais velho adolescente. Eu não tenho lembrança dela, antigamente, antes disso.
P/1 – Mas ok.
R – Mas eu acredito que ela já existe há um bom tempo. Porque é uma coisa muito forte lá, sabe? Outra...
P/1 – E...
R – Desculpa. Outra festa que tem lá é o Festival da Canção, que é um festival de música, que é bem famoso na região. Que aí juntam pessoas, artistas de vários lugares de BH [Belo Horizonte], de João Monlevade, que são cidades próximas, aqui de Mariana, Ouro Preto, que vão pra lá. Assim, acho que são esses dois eventos. O Carnaval lá também era muito famoso. Até uns anos atrás, era bem famoso também na região. Acho que são esses eventos. (risos)
P/1 – E quando você era criança, junto com a sua família, vocês tinham práticas religiosas? Ou ainda têm? A sua família ainda tem? Se puder contar um pouco dessa parte.
R – Sim. A gente, a minha família sempre foi católica. E a gente sempre foi católico só de nome, sabe? A gente ia à missa de vez em quando, mas nada muito, muito mais fervoroso. Aí a minha família começou a ser mais voltada pra religião, por causa da minha mãe. A minha mãe teve um acidente em 2003. Acho que 2003. Eu tinha, eu devia ter cinco ou seis anos, mais ou menos. Voltando da casa dos meus avós paternos, num final de semana. O portão de ferro lá de casa tinha sido colocado há pouco tempo e foi mal colocado. E aí, quando a minha mãe foi abrir o portão, o portão se soltou dos trilhos. Portão de ferro pesado. E aí estávamos eu e o meu irmão no carro, com o meu pai. E a minha irmã e a minha mãe tinham ido abrir o portão. A minha irmã estava um pouco mais pra trás, conseguiu ver o portão caindo e conseguiu correr a tempo. Mas a minha mãe… Pegou a perna dela, a perna esquerda dela. E aí a minha mãe quase morreu, ela quase perdeu a perna nessa época. Mas hoje em dia ela está bem, ela anda normal, ela não tem nenhuma sequela não. Mas ela ainda tem a ferida o machucado. Ele não cicatrizou completamente, ainda não. Aí, nessa época, ela se voltou muito pra religião, ela encontrou muita força aí. E depois, quando a minha irmã saiu para estudar. A minha irmã é a mais velha e saiu pra estudar, primeiro que eu e o meu outro irmão. Então, ela ficava muito agoniada de ter uma filha morando fora e não poder estar perto. E aí ela também se voltou mais ainda, nessa época, pra religião. Hoje em dia ela é até um pouco, muito extremista em algumas coisas. (risos) Eu fico até um pouco preocupado em alguns aspectos. Porque, às vezes, eu não reconheço muito mais a minha mãe de antigamente. Hoje ela leva uma vida muito mais séria. Ela ainda é muito divertida e tal, mas tem coisas que ela é muito séria, ela bate o pé. E é, eu acho, um pouco extremista. Mas a gente tem uma relação boa. Hoje em dia, eu moro com eles lá. Eu não estou lá hoje, mas eu moro com eles. A gente tem uma relação muito boa. Assim, tem umas briguinhas, umas picuinhas de vez em quando, mas nada demais. É família. Mas hoje em dia eu posso considerar que a minha família é muito católica. Eu, não. Mas, a minha família é muito católica.
P/1 – E aí, a religião que a sua mãe se apegou mais, né, começou a praticar mais, é a católica?
R – É a católica.
P/1 – Igreja católica?
R – Isso.
P/1 – Sei. E eu queria saber, ainda, da parte de adolescência, quando você começa a crescer um pouquinho, você disse que, com uns dez anos, você começou a ter mais amigos, né?
R – É. Sim.
P/1 – Mas depois, né, quando você foi crescendo, você falou em adolescência, ainda brincava na rua. Mas o que vocês passaram a fazer na juventude, ainda na sua cidade? Além dessas brincadeiras, que ainda continuavam acontecendo na rua? Mas aí vai crescendo, vai entrando na adolescência. O que vocês faziam pra se divertir?
R – Sim. Ah, Alvinópolis é uma cidade muito parada. Então, depois que a gente foi, que eu fui ficando um pouco mais velho, a partir dos meus quinze anos, eu já fui começando a ter outras preocupações de vida adulta, que estava já chegando aos poucos. Então, vestibular, estudos já meio que tomaram muito a conta do tempo. Mas aí, o lazer que a gente tinha, mesmo, era quando tinha essas festas, que a gente ia junto. A gente inventava muito de fazer piqueniques. A gente inventava coisas, porque não tinha muito lazer, Alvinópolis é muito pequeno. Não tem muitas opções lá. Hoje em dia, tem até um pouco mais. Mas na minha época, não tinha tantas opções de lazer para jovens. A gente meio que criava as oportunidades. Às vezes, algum trabalho de escola em grupo, a gente fazia o trabalho e depois aproveitava e saía. Então, a gente meio que criava essas oportunidades.
P/1 – Você falou de escola, vou até aproveitar pra te perguntar: qual é a sua primeira lembrança de escola?
R – De escola? Foi no prezinho. Foi no prezinho. Nossa, eu nem sei falar muito bem, porque eu era muito novo. (risos) Nossa, eu devia ter uns três, quatro anos. Acho que quatro anos. Prezinho, acho que quatro anos. Ah, eu lembro da minha mãe me levando pra escola. E eu achando um pouco estranho porque eu estava acostumado a passar o dia inteiro com ela e com os meus irmãos. E aí, de repente, um monte de crianças que eu não conhecia, nunca tinha visto. Mas um estranhamento no começo, depois foi normal. Não sei. (risos) Tem muito tempo isso. (risos)
P/1 – A primeira lembrança...
R – É.
P/1 – A primeira lembrança é há muito tempo, né?
R – É. (risos)
P/1 – Mas vamos pensar assim: durante o seu período todo de escola, antes da universidade, você teve um professor que te marcou? Ou professora?
R – Difícil essa pergunta. Nossa! Eu lembro de várias. Mas eu não sei se eu tenho um motivo para destacar algum deles. Ah, é difícil essa pergunta.
P/1 – Não se preocupe. Se não lembra, é porque não marcou. (risos)
R – (risos) Não. É porque é assim: eu tenho muitos professores que, até, moram... eu sou vizinho de uma delas, em Alvinópolis. Vizinho de duas, na verdade. Na verdade, no meu bairro moram, pelo menos, umas quatro professoras que deram aula pra mim. (risos) Mas eu não sei se tem alguma coisa que destaca. Talvez uma, quando eu era mais novinho mesmo, prezinho, que eu lembro que ela sempre foi muito carinhosa comigo, que é a Crisimar. O nome dela é Crisimar. Mas fora isso, o tratamento dela não sei. (risos)
P/1 – Bruno, morar perto de professores, numa cidade onde as pessoas todas se conhecem, teve alguma situação ou situações por morar perto de professor, acontecia? Ou alguma especial?
R – Hmmmm. Tem essa professora que mora em frente à minha casa, ela dá aula de Matemática. Ela dava aula, ela já aposentou. Ela deu aula pra mim, pra minha irmã e pro meu irmão. Aí, quando eu estava, quando eu já estudava na mesma escola que ela dava aula, acontecia muito de eu pegar carona pra ir pra aula com ela. Porque aí ela vinha almoçar e eu pegava e eu ia de carona com ela pra escola. Então, isso aconteceu muitas vezes. Então, a aula que ficou marcada. E teve uma professora minha, que morava na rua de trás, que aí já era de ensino fundamental mesmo tipo terceira, segunda série, que aí eu lembro que, quando acontecia de eu faltar à aula, eu conseguia ir na própria casa dela, pegar a matéria. Então, era muito legal eu não ia até um amigo, um colega de escola, pra pegar a matéria que eu tinha perdido. Eu ia até a casa dela e ela me explicava as coisas que eu tinha perdido. Então, essas situações porque eu morava perto delas.
P/1 – E nessas caronas que você ia com a professora como que era? Porque era uma proximidade grande, né, com a professora.
R – É. E era sempre assim: tinha uma amiga minha que morava no mesmo bairro, um pouco mais pra cima. E aí a gente sempre ia junto pras aulas. Então, ela passava lá em casa. E aí, quando a minha professora estava saindo, a gente ia com ela, íamos os dois. Então mas a gente, eu não chego a dizer que a gente era próximo da professora. A gente tinha uma relação boa, ela gostava da gente e a gente, dela. Mas era uma relação bem assim: aluno e professor mesmo. Não tinha, não era, não chegava a ser amizade. Era... não sei dizer, assim. (risos)
P/1 – Era uma carona.
R – Era uma carona. É. (risos)
P/1 – E, na escola, em relação à convivência com amigos, pensando desde quando você era bem pequeno, até o ensino médio. Você tem alguma história, alguma situação? Ou uma situação recorrente? Ou alguma história que você gostaria de contar?
R – Nossa!
P/1 – Que foi marcante pra você.
R – Nossa! Envolvendo colegas de sala, colegas de turma?
P/1 – Convivência com amigos, é, com colegas.
R – Nossa, difícil, essa. Difícil. Porque eu sempre tive muito mais amizade com as meninas, do que com os meninos. Não sei. Eu acho que eu levava as coisas um pouco a sério demais. E aí os meninos, eu os achava muito bobos umas brincadeiras bobas. As meninas já eram, já tinham umas brincadeiras que eu achava mais legal, de conversar. Então, sempre tive mais amizade com as meninas. Mas não sei se teve algo específico, algum acontecimento. Não sei. Difícil, essa.
P/1 – Bruno, eu pergunto por que, se tem situações que aconteceram, que foram marcantes, aí logo elas vêm à lembrança. Então, não se preocupe.
R – Sim.
P/1 – Eu pergunto pra você ter essa oportunidade de registrar esse momento. Mas não precisa lembrar não, ficar se esforçando, não precisa. O que eu ia perguntar: você falou que seu pai era, é pedreiro, né? Então, eu queria saber, eu fiquei bastante curiosa pra saber, desde a sua infância, até mais pra frente, adolescente, enfim, como era essa convivência com essa atividade dele? Se você participava, em alguns momentos. Se você observava. Se você fazia parte. Contar sobre isso.
R – Eu lembro de muitas... quando eu era mais novo.
Novo, que eu falo menos de dez anos. Que quando ele tinha obras perto de casa e quando eram obras mais tranquilas, mais assim, sem muito perigo, eu lembro que eu sempre o acompanhava. Eu ficava lá sem fazer nada, só brincando com as coisas, mas observando-o fazendo o trabalho dele. E quando ele fazia obras lá em casa, a gente acompanhava mais de perto também. Então, eu sempre acompanhei. Eu nunca cheguei a trabalhar com ele não, mesmo quando eu já estava mais velho. O meu irmão até chegou a ajudá-lo em alguns momentos, quando ele já tinha uns dezessete, dezesseis anos. Mas eu não cheguei, não. Eu só acompanhava mais, quando eu era mais novo. E por nenhum motivo especial. Assim, não era porque ele precisava ficar comigo, ficar cuidando de mim não. Era porque eu gostava mesmo de ficar na obra,
vendo as coisas acontecendo. Mas aí sempre eram obras mais tranquilas, nunca me levou para obras, obras de risco, não.
P/1 – E você disse que gostava de estar junto com ele, observando. E quando você era mais novo, que você disse que ficava, desde antes de dez anos, assim.
R – Sim.
P/1 – O que te chamava a atenção, quando você era menorzinho?
R – Olha, eu gostava da ideia... você fala em relação à profissão dele?
P/1 – É. A atividade dele, né? Você ficava ali, junto com ele.
R – Sim. Eu achava legal porque eu ficava pensando que ele sempre trabalhou muito só ele, ou ele e mais um servente. Então, eu achava muito legal como que uma, duas pessoas conseguiam transformar um espaço e deixá-lo mais bonito, ou mais confortável ou propenso a realizar alguma atividade. Eu achava isso muito legal. Eu já tinha meio que essa consciência, quando eu era mais novo, de que o meu pai estava ali construindo um espaço. Eu achava isso muito, muito bacana. Acredito que até hoje eu acho isso muito legal. Tanto que eu segui a carreira. (risos) Então, eu acho que era isso, sempre achei muito bacana, essa coisa de você chegar em um lugar e você transformá-lo e deixá-lo melhor pras pessoas que vão usar aquele espaço.
P/1 – Você disse que ele transformava e criava espaço. Ele construía casas, também? Constrói casas?
R – Sim. Constrói casas. Ah, ele fazia de tudo, assim. Desde as fundações, até o acabamento final. Então, ele passava por todas as etapas.
P/1 – Você tinha vontade de mexer nas coisas, ou você ficava só observando?
R – Não sei. Porque como eram coisas muito pesadas, às vezes, os materiais, eu não interagia muito com eles. E por perigo também. Quando ele estava fazendo alguma coisa mais assim, eu não ficava perto também. Então, não sei. Eu não chegava a interagir com os materiais que ele utilizava, mas interagia com os espaços mesmo inacabados. Então, ficava andando pelos cômodos das casas.
P/1 – Teve alguma história aí, dessas casas todas que você começava a conhecer, até antes de elas crescerem e existirem? Teve alguma situação que você lembra, marcante? Numa dessas idas.
R – Hmm. Essa é difícil. Deixa eu ver. Teve...
P/1 – Como você... Bruno, fala. Pode falar.
R – Tem assim, duas obras, tem duas construções perto lá de casa, que eu tenho algumas lembranças delas. Eu não sei se foram acontecimentos tão incríveis não. Eu acho que não são. Mas as lembranças que eu tenho mesmo: tem uma casa que é na esquina, é na mesma rua que os meus pais moram. Assim, na esquina. É uma casa que, se eu não me engano, tinha uma construção no primeiro andar. Aí o dono dela passou, porque estava construindo a casa dele em cima e ele ia demolir a parte de baixo ou ele já ia construir em cima. Eu não lembro muito bem a história. Mas eu lembro que o andar de baixo era todo vazio. A casa que o meu pai estava construindo era em cima e aí, eu lembro de brincar muito na parte de baixo, porque a obra, nessa época, em si, não tinha muita coisa que me chamava a atenção. Então, eu ficava muito lá embaixo, que tinha grama e tal. Hoje em dia, essa construção, essa parte de baixo, tem uma construção nela, agora, também, que é o posto de saúde. E mais do que nunca, o posto de saúde, é o meu lugar preferido,
porque eu estou doido já para tomar a vacina. (risos) Então eu tenho muita lembrança de ver como aquele espaço era, quando eu era criança e como ele está, hoje em dia. Ele está completamente diferente, né? Se eu não soubesse que era o mesmo lugar, eu nem iria falar que era, porque está muito diferente lá, agora. Porque antes era tudo aberto, só aquele espaço aberto e agora é uma construção, também, embaixo. E tem uma construção na rua de trás, que até é de um tio meu, que tem uma cena que eu nunca esqueço. (risos) Foi num Natal, que eu queria porque queria uma moto do Batman, de presente de Natal. E aí eu falei, falei: “Ai, mãe. Eu quero essa moto. Vou pedir pro Papai Noel. Quero essa moto de presente”. Aí a minha mãe - a gente conta esse caso até hoje, rindo porque foi muito engraçado: “Ai, Bruno, mas tem aquele outro brinquedo, ali, um tiro...” - era um tiro ao alvo, desses que gruda que os dardos grudam: “Tem esse brinquedo muito legal, aqui. Por que você não pede ele?” Mas, o que aconteceu? A minha mãe já tinha comprado o presente pra mim, que era o tiro ao alvo. E ela queria me convencer a pedir pro Papai Noel o tiro ao alvo, pra eu não ficar triste de eu não ganhar o presente que eu queria, que era a motinha do Batman. E aí chegou o Natal e eu ganhei o tiro ao alvo. Eu fiquei muito triste, desiludido. Eu devia ter uns quatro anos de idade, nessa época, quatro, cinco anos. E aí, os meus irmãos rindo escondido, porque eles sabiam os bastidores. Aí a minha mãe foi e contou assim: “Bruno, o Papai Noel não /existe. O presente, eu já tinha comprado. E eu estava querendo te convencer a pedir o presente que eu tinha comprado”. E aí o meu mundo foi no chão, né? (risos) Porque acabou, ali, pra mim. Mas eu lembro que, depois de um tempo, os meus pais compraram o presente pra mim, a moto do Batman. (risos) E eu fui até essa obra que o meu pai estava, pra brincar com a moto, porque eu lembro que tinha muitos montinhos de tipo de areia, tijolo espalhados na obra, ainda. Aí eu brincava lá, com esse brinquedo. Então, quando tinha uma obra perto, eu também aproveitava para levar coisas pra brincar lá, também, tenho essa lembrança.
P/1 – Muito legal. Olha aí, está vendo? Quando a gente para um pouquinho pra pensar, as histórias vêm. Muito legal.
R – (risos) A gente lembra disso até hoje a desilusão que foi isso lá em casa, porque eu fiquei muito triste. (risos)
P/1 – Muito bom. Sobre a profissão do seu pai, você alguma vez pensou em seguir essa profissão dele?
R – Não.
P/1 – Como construtor mesmo?
R – Não. Nunca pensei, não. É, nunca pensei. Ou eu faria... porque eu sempre, também, como eu sempre tive essa coisa mais criativa, eu queria mexer com criação. Então, se eu não fosse pra área de Arquitetura, eu iria para alguma outra área relacionada, à criação, à criatividade. Não sei, talvez História. Acho que nunca foi uma opção, pra mim, assim.
P/1 – Além do seu interesse na criação, teria outros motivos para não seguir a profissão dele? Ou seria mais pelo seu interesse mesmo em outra área?
R – Ai quando eu era mais novo, ele até atuava em outras áreas. Mas desde que eu me entendo por gente, ele já era pedreiro. Então, eu sempre convivi com ele sendo pedreiro. Eu sempre o vi muito cansado, muito. Até hoje, ele ainda trabalha muito. E eu não queria pra mim, viver uma vida que eu trabalhasse muito. Eu queria ter tempo para descansar, viajar, para passear. E eu sei que isso é uma coisa dele também, é uma coisa que, na família dele, desde muito novos, eles já trabalham, os irmãos dele. Então, isso é uma coisa que é dele também, não é da profissão. Mas, como ele era o meu exemplo,
eu achava muito desgastante, eu não queria pra mim, essa profissão. Mas aquela coisa, né? Se a necessidade aparecer, a gente faz também, enfim.
P/1 – Você aprendeu a fazer, a construir? Você construiria como ele?
R – Olha, eu tenho algumas noções. Por causa do curso de Arquitetura, de tê-lo acompanhado, muito, nas obras. Mas por conta própria, não. Assim, por conta própria, jamais. (risos) Mas com alguém ali, mais experiente, ajudando, até que vai.
P/1 – Legal. Bruno, você teve algum trabalho durante a época que você estudava? Ou você começou a trabalhar agora, só depois de formado? Resumindo: qual foi o seu primeiro trabalho?
R – O meu primeiro trabalho foi já na faculdade. Antes disso, eu nunca tinha trabalhado, não. O meu primeiro trabalho, mais ou menos trabalho, foi na empresa júnior, de Arquitetura, que tem na UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto). Mas de vínculo de trabalho mesmo foi no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), entre 2019 e 2020, porque eu fiz estágio lá. Fiz estágio lá e depois fui efetivado, por um tempo. Então, esse foi, deve ter sido, acho que foi a minha primeira experiência de trabalho. Aí, depois, até hoje, eu estou trabalhando por conta própria, né, autônomo.
P/1 – Eu vou, então, pedir pra você contar um pouco, antes. Porque você disse: “Eu comecei a trabalhar, já estudando, já fazendo o curso de Arquitetura”. Então, você já contou um pouco, que leva a gente entender porque você escolheu Arquitetura. Mas conta o motivo, quando você escolheu esse curso. Qual foi o porquê, essa opção principal?
R – Eu falo que eu tive duas influências: que foi o meu pai, que sempre trabalhou com construção e a minha irmã, que é engenheira civil. Então, eu tive essas duas experiências. Ele, na parte prática. E ela, mais na parte acadêmica. E tinha essas duas inspirações. Mas eu também não queria seguir para a área da Engenharia. Apesar de hoje estar fazendo um mestrado em Engenharia, mas eu queria algo mais que eu pudesse exercitar mais a criatividade, que eu pudesse ter mais liberdade sem ser uma coisa muito rígida. E eu tinha as opções pra mim, eram tipo: Arquitetura, Letras e História. Assim, são coisas um pouco diferentes, mas, querendo ou não, conversam um pouco, também. Porque Arquitetura, se a gente for olhar, a gente também tem muita história, a gente tem arte, a gente tem história também. Então, são coisas que eu já gostava. Eu acho que Arquitetura foi a que mais juntou tudo, todas essas coisas. E foi uma escolha boa, porque eu gosto bastante. (risos)
P/1 – Muito bom. Bruno, nessa época de cursar a universidade, aconteceram coisas na sua vida, que fizeram alguma mudança, que trouxeram alguma mudança? Coisas que fizeram com que você tomasse alguns caminhos? Enfim, até profissionalmente, mas pessoalmente também. E também, se você puder contar onde que você cursou.
R – Tá. Vou pensar em experiências. Eu fiz o curso em Ouro Preto, aqui na Ufop, mesmo. E eu vim pra cá porque eu achava muito bacana as coisas de cidades históricas. Achava muito bacana. Alvinópolis tem uma parte histórica, mas é muito pequenininha. Muito pequenininha. E eu nunca tinha vindo em Ouro Preto. Eu conhecia a fama. Mas eu nunca tinha vindo aqui, mesmo estando muito perto. Eu nunca tinha vindo pra cá. E aí, eu acho que por estar numa cidade histórica, acho que eu despertei essa questão do patrimônio. Porque até então, eu não sabia o que era patrimônio, era completamente alheio a isso, não fazia ideia o que era. Sabia que tinha essa preservação de cidades históricas, de casas históricas, mas não sabia que tinha algo por trás, ali. Achava que, simplesmente, as casas ficaram em pé, até então, então elas estão lá. (risos) E aí, à medida que eu fui avançando no curso, que eu fui entendendo mais, fui tendo mais interesse. E aí eu acho que o estágio no Iphan foi um divisor de águas, pra mim. Porque aí eu tive contato com o patrimônio o tempo todo. Inclusive, o meu trabalho final de graduação foi sobre essa área, também. Então, eu acho que foi uma grande mudança pra mim, foi esse estágio, pensando na vida profissional. Agora, na vida pessoal, eu não sei (risos) se teve alguma mudança. Porque a gente, quando a gente muda de cidade, por exemplo: eu sou de uma cidade muito pequena, né? Então eu vivi ali naquele bolinho, ali, tal. E aí, quando você vai pra uma cidade que não é tão maior também, porque Outro Preto também é uma cidade pequena, mas já é bem maior, você tem contato com outras pessoas, de outros lugares. Você aprende coisas novas, o tempo todo. Você convive com outras realidades.
Eu morava com outros estudantes, então pessoas de vários lugares, outras experiências de vida. Eu também comecei a me entender melhor, coisas que eu tinha confusas há anos sobre mim, eu fui começando a perceber, durante a faculdade, fui começando a entender. Então acho que hoje em dia, eu sou uma pessoa mais esclarecida sobre mim mesmo, sobre o que eu gosto, sobre quem eu sou.
P/1 – Você continuou morando em Ouro Preto, depois de formado? Você diz que mora com os seus pais, mas como é essa coisa da moradia?
R – É porque eu estou meio que lá e cá. Porque, com a pandemia, quando começou a pandemia, eu ainda estava aqui em Ouro Preto, morando aqui em Ouro Preto. Mas aí, a partir do momento que o meu vínculo empregatício acabou, o contrato acabou, eu voltei pra casa dos meus pais. Pra ficar em um lugar mais tranquilo também mais ‘seguro’, entre aspas, mas mais tranquilo, para esperar passar um pouco a pandemia. Mas estamos aí até hoje. (risos) Eu ainda ofereço serviços aqui, em Ouro Preto. Então, vez ou outra, eu estou aqui, ainda, porque, alguns projetos acontecem aqui em Ouro Preto, então eu tenho que vir visitar clientes e tal. Então, tenho projetos em Alvinópolis, também. Mas vez ou outra, eu venho pra cá, aqui em Ouro Preto. Mas eu não tenho uma casa minha aqui em Ouro Preto. Estou em casa de outras pessoas, agora, por exemplo, eu não estou aqui na minha casa.
P/1 – Durante a universidade, durante o curso da universidade, você morou aí em Ouro Preto, sempre, direto?
R – Não. Na realidade, eu comecei o curso em Mariana. No primeiro período, eu morei em Mariana, porque eu tenho uma tia em Mariana. E os meus pais ficavam naquela coisa: “Ah, Ouro Preto é muita festa, não sei o quê”. Aquela confusão toda porque tem essa fama. E aí os meus pais queriam que eu fosse pra um lugar mais tranquilo até eu me acostumar. Então, eu fui pra casa dessa tia minha, em Mariana. Morei lá um período, o primeiro período. Mas aí estava muito desgastante pra mim, ter que pegar ônibus todo dia. Por mais que esteja perto, é um tempo que você perde. O ônibus dá muita volta. Então, pra mim, era melhor morar em Ouro Preto, mesmo. Porque todas as atividades do meu curso eram aqui. Então, eu achei melhor vir pra cá, mesmo. Aí, os cinco anos, os quatro anos e meio, a partir daí, foram todos aqui, em Ouro Preto.
P/1 – Você concluiu quando a universidade?
R – Eu concluí no final, em dezembro de 2019. E colei grau em janeiro de 2020.
P/1 – E aí já engatou num mestrado?
R – Não. Aí fiquei 2020, meio ‘à toa’, entre aspas. Sem estar fazendo nada acadêmico. E aí eu comecei o mestrado em 2021, agora. Comecei em abril, se eu não me engano. Acho que foi abril.
P/1 – Você teve assim, um período, que você pode contar um pouco de Mariana pra gente? O que aquela cidade te... se você pudesse falar de Mariana, coisas essenciais do período que você ficou mais lá. Ou mesmo agora. O que você podia dizer pra gente?
R – Ah, eu gosto muito de lá. Eu adorei o tempo que morei lá. Eu acho uma cidade muito gostosa. O clima lá é muito bom. A cidade é muito bonita. A gente tem acesso a muitas coisas, lá. Que nem eu saí de uma cidade muito pequena. E Mariana, por mais que não seja enorme, já é bem maior do que Alvinópolis. Então lá tinha muito mais opções de lazer, de passeios, de tudo. E é muito próximo de Ouro Preto, Ouro Preto também tem muita coisa. Eu não sei se tem algo que me destaca que me destacou, quando eu morei lá. Mas foi uma experiência muito boa. É uma cidade que, se no futuro surgir a oportunidade de morar lá, eu vou gostar, porque eu gosto muito de lá. Isso porque eu morei lá, só quatro meses. (risos) Mas eu gostei muito de lá.
P/1 – Depois, eu vou perguntar um pouquinho sobre o rompimento, um pouquinho dessa situação. Mas eu penso que a gente pode entrar na conversa sobre a escola, né, Alice? Pode ser? Você entrou na Escola de Ofícios Tradicionais. Como você soube dessa escola? Acredito, não sei se foi na época que você morava lá. Enfim, conta um pouco como você chegou na Escola. Por que você resolveu fazer o curso lá? E qual curso você escolheu? Enfim, conta essa trajetória, por favor.
R – Eu tenho uma amiga de turma, uma colega de turma, que é de Mariana. Ela é de lá. E aí, se não me engano, a primeira turma do curso foi em 2019. Se eu não me engano, na Escola de Ofícios. E aí ela estava na primeira turma. E aí eu vi, eu conheci através dela. Ela sempre postava alguma coisa sobre isso, tal. Aí eu perguntei pra ela como que era, onde que era a escola, como que era pra entrar e ela comentou que, no período seguinte, iria abrir o processo pra gente se inscrever. E aí, nessa época, eu já estava fazendo estágio em patrimônio e achei que seria uma oportunidade bacana, como arquiteto, conhecer as técnicas tradicionais. Eu estava indo mais pra essa área. Porque é muito diferente o conhecimento que a gente tem, teórico, na faculdade, sobre as técnicas tradicionais, do que o que a gente vê na prática. Então, muitas questões de construção, mesmo, a gente aprende na obra, vendo os pedreiros, conversando com essas pessoas. Eu queria criar essa experiência extra pra conhecer as técnicas tradicionais. E aí eu escolhi a técnica de alvenaria, que eu acho que teria mais a ver. Todas as técnicas que eles ensinam lá, têm um pouco a ver com Arquitetura. A marcenaria, a carpintaria, a cantaria, todas têm a ver. Mas no momento eu achei que a alvenaria foi o que me chamou mais atenção. Porque eles iam ensinar muitas técnicas que eu já conhecia mas superficialmente. Então, eu queria aprender mais sobre elas.
P/1 – Alvenaria, se você pudesse explicar um pouco, em relação ao próprio curso. O que você aprende, né, em alvenaria? No período que você ficou na escola. Porque a gente sabe que você saiu. Talvez, não sei, se você conta essa parte. Mas o que a alvenaria traria ou trouxe pra você, como conhecimento? Que, como você falou, é a prática.
R – Sim.
P/1 – A Alice vai complementar. Fala, Alice.
P/2 – Se você puder falar isso. E a diferença da visão da alvenaria da faculdade e a partir da visão do ofício, como ofício tradicional. Para gente entender essa diferença.
R – Tá. Então, no curso da graduação em Arquitetura, a gente tem contato, pelo menos, aqui na Ufop, com a Arquitetura, com os sistemas construtivos tradicionais, em vários momentos, durante o curso. Desde que a gente tem disciplinas de História da Arquitetura aqui no Brasil e depois a gente tem uma disciplina que a gente faz um projeto de restauro. Mais pra frente, também, a gente tem uma disciplina, mais no final do curso, também, que a gente trata sobre esses processos construtivos. A gente até chega a entender mais ou menos, como é o processo de fabricação, como que é o passo a passo. Só que é muito diferente da prática. Nossa, é completamente diferente. Eu fiquei na escola, eu devo ter ficado, presencialmente, como aluno presencial, umas duas semanas, mais ou menos. Porque a turma começou em fevereiro, aí eu fui chamado na terceira chamada, mais ou menos, então já tinha algumas semanas de aula. Então, eu cheguei e eu tive contato, na parte prática das fundações, na parte de fazer a fundação, que aí, lá, eles fazem – eu acho que todo período eles fazem assim – uma mini casinha. Aí eles contam com a colaboração dos alunos da alvenaria, da carpintaria, pra eles construírem essa... é um cômodo que eles fazem. E aí, no tempo que eu fiquei lá, a gente tinha feito a parte das fundações. Então, lá na hora, eles simulam muito bem a condição do canteiro de obra. Porque, quando a gente vai fazer um projeto no computador, tudo é muito perfeito. As medidas são todas perfeitas, tudo muito alinhadinho e tal. E, lá na hora, como é que você vai garantir que uma parede está no prumo certo, ela está fazendo o ângulo certinho lá? Então são muitos macetes que eles ensinaram nas aulas práticas, que eu nem fazia ideia. São coisas que simplesmente eu abstraía: o pedreiro vai chegar lá, o mestre de obras vai chegar lá e vai fazer a parede reta, magicamente. Ele vai simplesmente, vai vir uma inspiração nele ele vai fazer o negócio acontecer. Mas não. Então, são esses pequenos detalhes que eu estava realmente buscando mesmo naquela escola, que eram essas partes de maldade mesmo, de execução das coisas, né? Porque aí, pra você, pra eu, como arquiteto, atuar numa obra que estivesse usando esses sistemas construtivos, seria interessante pra mim ter esse conhecimento prático também, mesmo que eu não fosse pôr a mão na massa. Mas pelo menos eu entender o que aquelas pessoas estão fazendo ali, as etapas que elas estão passando, seria interessante pra mim.
P/1 – Quer perguntar mais, Alice? Pode perguntar.
P/2 – Tá. Então, quando você entrou, se você puder falar um pouquinho. Você falou das suas expectativas, né? Então, você tinha essa expectativa de conhecer mais a questão da prática. Tinha alguma expectativa com relação a ser de ofício tradicional? Se você puder falar um pouquinho mais dessa abordagem, como você viu essa abordagem na escola, se isso era uma expectativa sua. E que outras, se você pudesse descrever um pouco mais o que você gostava, alguma atividade que você participou, que te marcou. E se você teve, também, alguma dificuldade, né, durante as aulas e as atividades.
R – Tá. Eu vou aqui falando. Se eu esquecer alguma pergunta, vocês me lembram, porque (risos) eu sou meio confuso, às vezes, pra elaborar o pensamento. Ai, já estou até meio perdido. Você pode repetir, por favor, as perguntas?
P/1 – Eu posso, Alice?
P/2 – Não. Não tem... conta a sua experiência. Também não precisa ficar apegado às perguntas, tá? Mas falando o que você esperava da escola. Repetir. Você já falou um pouco, você esperava a parte prática. Mas, se você puder abordar um pouco a parte dela ser de ofícios tradicionais, porque você quis participar de uma escola de ofícios tradicionais. E como foi? O que você mais gostava, enfim, coisas que te marcaram durante o período que você esteve lá?
R – Bom, como eu já estava meio entrando na área do patrimônio, eu achei fantástico essa ideia de ter contato com mestres, pessoas que atuam diretamente nos ofícios tradicionais. Porque é muito comum, por exemplo, quando a gente vê em obras de restauração, a gente ter, tipo: eu já soube de algumas obras que tiveram que buscar pessoas, mestres de ofícios de outras regiões porque, na região em si, que tinha a edificação, não tinha mais pessoas que faziam aquilo. Então eu achei muito legal essa iniciativa de capacitar uma nova mão de obra, para um ofício que, teoricamente, é ultrapassado. Porque não é ultrapassado, porque a gente precisa desse ofício até hoje. E aí...
P/1 – Você disse da formação de mão de obra, que não tem esses mestres e que eles são necessários, ainda, né?
R – Inclusive, no mestrado, no período passado, eu até fiz um artigo pra uma disciplina, sobre a escola de ofícios. Até achei engraçado quando vocês entraram em contato, que eu fiquei, assim: “Gente, acabei de escrever um artigo sobre eles. Aí eles entraram em contato comigo, sobre a escola de ofícios”. Achei muito engraçado. Porque aí era uma disciplina sobre tecnologia construtiva. E aí todo mundo estava falando sobre coisas atuais sobre aço, sobre vários materiais mais recentes. E aí eu falei: “Gente, deixa eu ir pra parte que eu gosto, que é a do patrimônio”. Aí eu voltei pra parte de patrimônio, especificamente pras técnicas. E aí eu fiz um estudo de caso sobre a escola de ofícios, por ela ser uma iniciativa que, hoje em dia, forma mão de obra jovem, para atuar nessa área, que é uma coisa que realmente precisa. Porque aí a gente consegue perpetuar essas técnicas, para as próximas gerações. Então até fiz um artigo sobre isso, pra essa disciplina. E aí é isso, eu tinha um ponto de vista por eu ter participado. Por mais que eu tenha participado por pouco tempo, presencialmente, foi uma experiência muito boa. Foi muito bacana, assim. Teve até uma... eu lembro que eu participei de duas aulas, duas ou três aulas práticas, se eu não me engano, que aí teve uma que a gente estava fazendo as marcações, para fazer a fundação. Aí, depois, na outra aula, a gente estava, realmente, cavando. Eu lembro que, até, nessa aula que a gente estava escavando as trincheiras eu estava com a mão machucada e eu não pude ajudar tanto. Eu estava mais com as partes que não exigiam muito a coisa física porque eu estava com a mão muito inchada. Mas eu lembro do pessoal fazendo as fundações. E aí, na semana que começou a pandemia, a gente ia começar a parte de fazer as fundações em pedra. Essa parte eu já não peguei, porque começou a pandemia.
P/1 – Deixa eu perguntar, Bruno. Você falou – só de forma bem geral – das disciplinas, das várias práticas construtivas, né? Você falou em patrimônio. Só bem geral explica um pouco assim, o que são essas práticas construtivas, se eu entendi bem, se eu estou falando certo. O que isso tem a ver com patrimônio, ou seja, preservação desse patrimônio. E a escola, aí nesse universo, a importância da escola nesse universo.
R – Sim.
P/1 – Você já falou da importância de formar pessoas, mas eu queria entender essa relação, você falou: “Temos as disciplinas de práticas construtivas. Temos o restauro, o patrimônio”. Como é que eu junto tudo? E como a escola contribui?
R – Tá. Então, hoje em dia a noção que existe sobre patrimônio é muito mais ampla que há alguns anos, algumas décadas. Antigamente, a gente tinha muito essa visão de que o patrimônio eram coisas físicas, eram edificações, eram objetos, obras de arte. Hoje em dia, já é um pouco diferente. Hoje é bem diferente a gente tem a questão do patrimônio imaterial. Porque são as festas, a culinária, as celebrações, as tradições. Então, as técnicas construtivas tradicionais entram meio que nas duas áreas, ao mesmo tempo, assim. Porque apesar de elas serem uma tradição, serem um patrimônio imaterial, que é passado de uma geração para outra, ela influencia diretamente na preservação do patrimônio material, que são as edificações construídas, usando essas técnicas. Então, quando a gente está fazendo uma obra de restauração, a gente precisa de profissionais capacitados para trabalhar nessas técnicas, porque a gente não pode descaracterizar as edificações.
Até pouco tempo atrás, ainda tinha essa questão de se manter apenas a estética. Então, desde que as fachadas estivessem ali, preservadas, o interior podia fazer uma bagunça com outros materiais, com outras técnicas. Hoje em dia, também pode ser acrescentado outros materiais, outras técnicas, quando é necessário. Mas até o momento que é possível, tem que tentar manter as técnicas e materiais originais. Então, nesse sentido, as técnicas são muito importantes. Porque é muito diferente, você ir, você visitar alguma edificação histórica, você sabendo que ela está ali, mesmo que ela tenha passado por alterações, mas que pelo menos a técnica que foi utilizada ali, pra conservar a edificação, é a mesma que sempre foi utilizada ali, né? Do que se eu pensar que teve ali alguma, tem outra estrutura que eles esconderam, mas que está ali, meio que mascarando uma intervenção que é mais... como que fala? Mais profunda. Tem, até, igrejas em Ouro Preto que eu fiquei em choque quando eu descobri que, por exemplo, a estrutura da cobertura delas não era mais a estrutura de madeira, porque teve um momento em que precisou-se reformar as coberturas e, na época, o material que estava ali, mais prático pra fazer essa mudança, era a estrutura metálica. Então, tipo assim: quando você vê de fora, a edificação, ela está ali como ela sempre foi. Mas, se você tem acesso ao interior dela, a essa estrutura que fica embaixo, você vê que tem uma descaracterização. No momento que a obra aconteceu, era a opção que tinha. Mas, hoje em dia, isso já não é feito. Então, a carpintaria entra nisso aí, a cantaria. Então, todas as técnicas construtivas tradicionais entram pra ajudar a preservar o patrimônio e também para construir edificações novas. Não quer dizer que você está ali fazendo um curso de técnicas tradicionais, que você só vai trabalhar com patrimônio. Você pode empreender ali e fazer novas construções, fazer novas obras.
Você pode mexer até com arte. Porque a forja, a forjaria e a cantaria, também têm esse ramo artístico. A carpintaria também. Então você não necessariamente vai trabalhar com construção, não necessariamente vai trabalhar com patrimônio. Tem, ali, uma certa abrangência, que você consegue ir pra onde você quiser.
P/2 – Bruno, se você puder falar só o ano, quando você entrou. E quanto tempo você ficou? E por que você saiu? Por que você não terminou? Pra gente entender também essa... você morava em Mariana. Dá esse contexto também.
R – Tá.
P/2 – Como você entrou, qual era o momento da sua vida, quando você entrou de novo?
R – Eu morava em Ouro Preto. Tinha formado há pouco tempo. E tinha emprego aqui. Então, emprego fixo, aqui, então eu morava em Ouro Preto. Aí, todos os dias que tinha aula, eu ia pra lá, de ônibus, que era terça-feira, quarta-feira e quinta-feira, se eu não me engano. Eram três dias, à noite. Então, eu morava em Ouro Preto e ia pra lá. Aí, na semana que começou a pandemia, na semana seguinte, eu até cheguei a entrar em contato com eles, pra saber se ia ter aula, se ia continuar a aula, porque estava assim, naquele surto, assim. E pra piorar, a minha festa de formatura foi no final de semana que deu o boom da pandemia. Então, eu estava com muito medo, porque a minha família, os meus amigos, estavam todos lá num lugar cheio de gente e assim, pandemia. Eu estava com muito medo de ter pegado, de alguém ter pagado, né? Mas, que eu tenha notícia, nenhum dos convidados teve nada. Ainda bem. Mas eu lembro que, nessa época, eu estava com muito medo. E aí eu entrei em contato com eles, com a escola, pra saber se ia ter aulas, normal. Porque, se tivesse, eu não sei o que eu iria fazer, porque eu não sei se eu iria ter coragem de ir. (risos) Ainda mais que, na época, a gente não estava acostumado ainda a usar máscara, essa confusão toda que a gente faz, hoje em dia, pra sair de casa. Então, eu estava com muito medo. E aí, desde então, dessa semana, eles suspenderam as aulas. E aí a gente estava tendo atividades on line. Então, por exemplo, no lugar que eu tinha o emprego, a gente começou a fazer escalas. Então tinha semanas, tinha algumas semanas que cada um ia trabalhar e o resto ficava em casa. Então, dessa forma, eu consegui ir pra Alvinópolis, ficar lá um tempo, com os meus pais, fazendo as atividades à distância. Meio que em alerta pra saber como que ia ser, se as aulas iriam voltar, como que ia ser, tal.
E aí, eu fiz várias atividades. Fiz atividades de alvenaria, que era o curso que eu estava fazendo. A gente também fez muitas atividades de educação patrimonial, que eram aulas que todo mundo tinha, independente de qual curso a pessoa fazia, a gente tinha algumas atividades pra gente fazer. E aí teve um momento que parou, as atividades começaram a vir com menos frequência. E aí parou, porque eu acredito que a escola estava já planejando reorganizar as coisas, pra voltar as atividades presenciais. E aí eles entraram em contato com a gente, acho que foi em setembro, pras aulas voltarem em outubro. Algo assim. Eles estavam seguindo os protocolos todos pra gente voltar a ter aulas. E aí eles entraram em contato com a gente, com todos os alunos: “Gente, quem se sente confortável em voltar a ter aula, a gente está pensando em voltar a ter aulas presenciais”. Quiseram meio que ver como estavam os ânimos para ver se muitos alunos iriam animar a voltar, tal. Eu lembro que teve outras pessoas também que não voltaram, que mandaram lá no grupo que a gente tinha, que não iam voltar. Eu escolhi não voltar, porque eu achei que estava muito cedo, ainda. A gente não tinha nem as vacinas, direito. Hoje a gente tem vacina e muita gente ainda não tomou a primeira dose. Eu, inclusive. Estou ansioso por isso. Então, eu achei que não era um momento bom, assim. Primeiro, porque eu não tinha mais casa em Ouro Preto. Eu teria que voltar pra cá ou pra Mariana. E aquela coisa: eu ia ter um compromisso aqui na região, durante três dias na semana. E, né, eu ia ficar meio que deslocado o que eu ia... eu não ia ter mais como preencher o meu tempo. Não iria valer a pena eu mudar pra cá, pagar aluguel, né, essa confusão toda, pra ir, na minha visão correndo risco. Então, eu achei melhor abandonar mesmo o curso e tentar em outro momento. Eu ainda tenho planos de voltar para lá, em algum momento quando estiver tudo mais normal. Mas, por enquanto, eu estou mais sossegado. (risos) Mas basicamente foi esse o motivo que eu não voltei pelo momento. Eu achei que estava um pouco cedo, assim.
P/1 – Bruno, nessas aulas online, vocês tinham alguma orientação pra fazer alguma coisa prática? Porque eu entendi que lá, presencialmente, você punha a mão na massa. E no caso das aulas online, você percebeu, assim... como foi, né? Presencialmente e depois online? Teve prejuízo pro curso, pra você mesmo? Como é que você avalia?
R – Eu acho que esse foi um dos motivos para não ter dado certo as atividades remotas. Porque como que a escola vai formar, vai dar um certificado pra alguém, pra falar que uma pessoa é capacitada a fazer um trabalho prático, sem fazer as atividades práticas? É muito complicado, isso. Então eu já sabia que não ia muito pra frente porque, eventualmente, teria que voltar às atividades práticas, pra gente ganhar o certificado. Por que, né? Então a gente não tinha aulas, em si. A gente não tinha aulas, mesmo, reuniões, assim. A gente tinha atividades que a gente fazia. Eles passavam pra gente os roteiros, as perguntas, tal, o material pra gente consultar, pra gente aprender. E aí a gente enviava. Tinha um prazo, a gente enviava pra eles. E era isso. Aí as atividades práticas, a gente não teve nada prático nesse período. Então mas eu já estava esperando por isso, porque não teria como mesmo,
concluir o curso sem ter aula prática.
P/1 – Sim. Só um minuto, pessoal. Você ficou praticamente resumindo, quanto tempo na escola?
R – Contando presencialmente e à distância?
P/1 – Nos dois. Fala quanto tempo presencialmente e depois, quanto tempo à distância, por favor.
R – Eu acho que presencialmente, deve ter sido umas duas semanas. Duas semanas, talvez três semanas. Por aí. Porque eu lembro que eu estava muito no início e começou a pandemia. E à distância, nossa! Assim, considerando o momento que eu saí, foi quando eles iriam retomar as atividades presenciais, então seria, mais ou menos, setembro, por aí. As aulas começaram em fevereiro. Eu entrei no final de fevereiro para março, ali. Aí teve a pandemia no meio de março, aí começou a pandemia. Aí eu vou colocar que até setembro, assim. Mas até setembro, já não tinha muitas atividades. Então, um pouco antes, talvez.
P/1 – Bruno, se não fosse a pandemia, se vocês continuassem com as aulas presenciais, qual a sua impressão, né, sobre o curso? Pelo que você teve lá, você acha que continuaria, ou não? Pelo tanto que você teve, que aí foi pouco tempo, mas o que você acha?
R – Se eu continuaria? Com certeza. Porque é uma oportunidade muito boa de a gente ter contato com pessoas que sabem as técnicas, que conhecem, que têm experiência com aquilo. Então, não tinha por que eu não continuar, sabe? A didática era muito boa. As aulas práticas eram muito legais. E eu achava muito legal também, que os professores, nas aulas práticas, faziam a gente pensar, eles não davam resposta pronta pra gente, não, sabe? Ele falava: “A técnica que a gente vai fazer, pra fazer tal coisa, é essa aqui. Como que a gente começa?” Eles jogavam pra gente, iam ensinando e tal. Mas, no primeiro momento, eram os alunos que tinham que dar continuidade ali. Então, eu achava essa didática muito legal, muito legal, mesmo. Então, eu continuaria sim, com certeza. E a parte que eu estava mais ansioso, eu não cheguei a pegar, que era a parte de a gente mexer com a terra mesmo, que era o que eu mais estava querendo fazer. A gente não chegou a pegar nessa parte aí, de fazer os tijolos, de fazer as paredes, as alvenarias de pau a pique. Eu não cheguei nessa parte, infelizmente. Mas eu continuaria, com certeza.
P/1 – Você voltaria, hoje, ou futuramente, se a escola abrir? Ou já passou?
R – Ah, eu voltaria, sim. Eu voltaria, sim. Na verdade, eu fiquei muito triste de não ter voltado, sabe? De não ter animado voltar o ano passado, por causa dessa situação. Porque eu queria muito continuar o curso, achava muito legal. E eu tive só aquele gostinho, não consegui entrar direito.
P/1 – O curso é de quanto tempo, Bruno?
R – Se eu não me engano, é de quatro meses. Se eu não me engano.
P/1 – Quatro meses.
R – É. Quatro meses.
P/1 – Você faria os outros, também, depois? Como você estava se planejando, nesse caso?
R – Então, quando... no primeiro período, que essa amiga minha tinha feito o curso, ela tinha feito alvenaria e pinturas especiais, que eram juntos, era um curso só. Quando eu entrei, eles já tinham dividido em dois cursos. Mas eu acho que o próximo, se eu fosse fazer um outro curso, eu faria o de pinturas. Eu queria ter feito os dois juntos. Mas aí, quando eu entrei, já eram duas turmas individuais. Então, eu faria o de pintura. O de carpintaria, talvez, assim. Mas eu acho que mais o de pintura. Acho que tem mais a ver comigo. (risos)
P/1 – Ô, Bruno, vocês tem, nas aulas que você teve, um professor e um mestre, assim que chama?
R – Isso. Um professor e um mestre. O professor, geralmente, era um acadêmico da área, que estudava. No caso, quando eu fiz, o meu professor tinha experiência prática também. Ele estudava a técnica e também fazia construções. Ele atuava como construtor mesmo, ele colocava a mão na massa. E aí tinha um mestre, que era daquela região mesmo, que trabalhava com isso há mais tempo. E eles eram bem juntos, assim. Nas aulas teóricas, o professor acadêmico tinha mais controle das coisas. Na aula prática, era mais dividido, a dinâmica entre os dois. Mas era muito legal, assim.
P/1 – Você acha que... tinha o mestre e o professor, já falou, explicou como funcionava. Na hora ali, da realização, o conhecimento dos dois, o valor do conhecimento dos dois, o jeito deles fazerem com vocês, era equivalente? Ou tinha um dos dois que predominava?
R – Hmmmm. Não sei. Porque assim, o professor, ele já estava mais acostumado com dar aula, em ensinar. Então, eu acho que ele tinha mais jogo de cintura pra dar essas aulas práticas. Mas em relação ao conhecimento, eu acho que os dois estavam no mesmo nível. Porque o mestre era mais retraído, mas ele também ajudava muito, ele dava muitas dicas boas. Muitas dicas, foi ele que deu, nas aulas práticas. E ele também ajudava a gente a fazer. Os dois, tanto o professor e o mestre, ajudavam a gente a fazer as coisas, também.
P/1 – E como foi a experiência de ter aula com um mestre? Teve alguma sensação, um sentimento especial? Ou foi da forma que você acabou de dizer, equilibrada, os dois contribuíram. Mas ter aula com um mestre teve algum, pra você, sentido?
R – Não sei te dizer. Porque, quando eu entrei, a turma já estava tendo aula pelo menos há umas duas semanas, talvez até mais. Então, eu cheguei meio que novato, todo mundo já tinha meio que se conhecido antes, já estava mais enturmado. Eu via que muitos alunos tinham uma relação mais de amizade com o mestre, do que com o professor. Mas como eu estava lá há pouco tempo, eu não tinha nem muito com um, nem muito com outro. (risos) Na minha experiência pessoal, estava tudo muito equilibrado. Mas nos outros alunos, eu percebia que eles tinham mais liberdade. Não sei se eles também tinham esse receio, por o professor ser da área acadêmica. Eu não sei se tinha alguma resistência assim. Mas eles eram mais amigos do mestre de obras.
P/1 – Entendi. Você está trabalhando...
P/2 – Ô, Bruno, você já tinha tido contato com algum mestre de ofício, antes? Conhecia? Ou foi a primeira vez que você teve contato, na escola? Pode ser outro de qualquer ofício, tá?
R – Tá. Eu tive contato em Mariana. Teve uma vez que eu estava passeando em Mariana. Só que agora eu estou em dúvida se ele era mestre de ofício, mesmo. É que na Casa de Câmara e Cadeia de Mariana, no andar de baixo, tem um ateliê, que tem um mestre que fica lá. Mas eu não lembro se ele é pintor ou se ele é carpinteiro ou se faz cantaria. Eu não lembro qual é a técnica que ele faz, que ele fazia. Eu não lembro. Mas eu tive contato com ele. Foi um contato breve, de algumas horas, nada muito... mas um contato mais direto, foi lá na escola mesmo. Ah, não. No estágio do Iphan eu também tive contato com alguns mestres de obras, que estavam trabalhando em obras. Foi no Iphan. Mas também foram coisas rápidas, nada muito diário, mma vez ou outra.
P/2 – E esses contatos, o seu contato com o mestre, apesar de pouco tempo, teve... voltando um pouco ao que a Márcia falou, o que significou pra você? Você tinha alguma expectativa? Foi o que você esperava? Alguma coisa que te marcou, no contato com o mestre? Se não tiver, não tem problema.
R – Eu acho que não. Porque, como o meu pai é dessa área, eu já estava meio que acostumado. Assim, não é um profissional completamente estranho pra mim. Então, eu acho que foi bem normal. Sempre foi tudo muito normal.
P/1 – Bruno, vamos falar só um pouquinho - a gente já está indo pro final - do seu trabalho. Você fez esse estágio no Iphan e você trabalhou numa outra empresa e falar um pouquinho da empresa por que você saiu da empresa? E agora, como autônomo, se foi uma opção.
R – Tá.
P/1 – Do estágio, você já contou um pouco. Então, você trabalhou numa empresa. E agora você é autônomo. Contar um pouco dessas situações, tá? Por que escolheu ser autônomo?
R – Essa empresa, na verdade, é o próprio Iphan, mesmo. Eu fiz estágio. Eu fiz estágio lá. E aí, quando eu estava quase acabando o curso, surgiu a oportunidade de um contrato de dez meses. E aí era num momento que estava de transição, porque esses servidores novos estavam chegando, muitas das pessoas antigas que estavam lá há mais tempo, saíram, aposentando. E estava entrando muita gente nova. Então, tinha necessidade de que alguém, que estivesse lá há um pouco mais de tempo, continuasse, para dar um suporte para essa nova equipe. Aí eu meio que fiz essa ponte para ajudar os novos servidores, com as práticas lá que a gente tinha, nas funções que a gente tinha. Como contratado, eu tinha algumas atribuições a mais, mas basicamente, eu fazia a mesma coisa que como estagiário. E aí eu continuei lá, até julho, se eu não me engano, de 2020, foi quando acabou o meu contrato. E aí, eu fiquei, estava meio sem saber pra onde que eu ia, o que eu ia fazer. Cheguei até a mandar currículo para alguns escritórios, algumas empresas, mas como estava muito na pandemia, estava todo mundo meio incerto, sem saber muito bem o que fazer, até quando iria durar a pandemia. Então, você não tinha muitas oportunidades de emprego. Pelo menos, pra mim, nessa época. E aí eu e uma amiga resolvemos começar um negócio juntos, como autônomos. A minha amiga é de São Paulo, mas ela estudou em Ouro Preto, também. E aí a gente está, desde então, fazendo projetos à distância, no caso dela. Porque ela mora em São Paulo e ela está lá. E eu aqui em Minas, aqui nessa área. Então, foi meio que por opção e por necessidade também, a escolha de ser autônomo. Porque ser autônomo, num momento desse, tipo assim, eu estava numa situação de segurança financeira, porque eu estou morando com os meus pais e a gente não paga aluguel, lá. Então, tenho uma certa estabilidade financeira. Eu pude optar por arriscar, começar uma coisa por conta própria. Foi mais ou menos isso. Não sei se eu respondi. (risos)
P/1 – Sim. Respondeu. Eu estava olhando aqui algumas coisas que eu ainda vou te perguntar. (risos) Por isso que eu levantei assim. Vocês estão fazendo projetos em que área? Qual seria a atividade principal de vocês?
R – A gente está atuando bastante em projetos de interiores e arquitetônicos, principalmente. Ainda não temos planos de seguir para a parte de patrimônio, nessa parte mais prática, de projetos de restauro. Acho que ainda falta um pouco de conhecimento pra gente pegar uma obra desse porte. E quando a gente está falando de obras de restauro, a gente está falando de uma equipe enorme, de grandes empresas, que já têm uma equipe própria de trabalhadores, para atuar nas obras. Então, a empresa meio que gere a obra toda. Nós, como autônomos, não temos autonomia para assumir obras que são mais complexas Então, pegamos coisas que são mais, entre aspas, ‘tranquilas’, que a gente consegue dar conta como autônomos. Projeto arquitetônico, de interiores, de regularização de imóveis.
P/1 – Pode falar.
P/2 – Bruno, vocês conseguem ou você consegue aplicar alguns dos conhecimentos que você teve na escola? Tem alguma coisa que reflete no seu trabalho, que reverbera, ou no seu dia a dia? Enfim, de alguma maneira, as experiências da escola, você já teve oportunidade de aplicar? Ou se você vislumbra, né, essa...
R – Sim. De aplicar, em si, não, eu não tive. Mas teve algumas coisas por exemplo: quando a gente vai visitar uma obra que está no começo, foi a parte que eu peguei na escola de ofícios, por mais que eram obras em outros materiais, em outros sistemas construtivos, mas que não deixa de ter uma certa referência na forma de se medir as coisas, de se alinhar as fundações, as paredes. Como pegar as referências para começar a construir, que foi a parte que eu mais peguei na escola de ofícios. Então, em prática não. Mas eu já consegui reconhecer em algumas situações, estratégias similares, que eu vi na escola. Até o meu pai mesmo, usando, em uma obra, eu já vi. Até o meu pai usando: “Ah, então é assim que você faz”. Porque aí eu lembrei da escola, que eu tinha feito a aula.
P/1 – Isso, em conversa com o seu pai?
R – Sim. Sim.
P/1 – Eu queria saber: você tem essa expectativa, ainda, de trabalhar com restauro? Você tem esse projeto de trabalhar com restauro? E, se sim, você disse que são obras maiores, qual seria o caminho? Ou não, você vai continuar mesmo com este caminho que você está?
R – Eu não sei dizer. Eu, Bruno, não assumiria uma obra de restauro sem estar dentro de uma empresa ou com uma equipe maior para apoiar a questão da obra, porque é muito complexo. Não é uma construção comum. Quando a gente fala em obras de restauro, a gente não está falando de uma casa que a gente vai criar, de um ambiente que a gente vai transformar em alguma coisa. A gente está falando de algo que está ali há muito tempo. E que, se acontecer alguma situação que danifique, a gente está causando um dano num patrimônio que não é de uma pessoa, é de todo mundo. Então, é uma responsabilidade muito maior. Que eu, até, em uma situação que eu esteja numa empresa maior, uma construtora maior, que pegue esse tipo de obra, eu animo participar, cem por cento, é uma vontade que eu tenho, mesmo. Mas enquanto profissional autônomo, eu não tenho nenhuma vontade disso, não.
(risos) Porque é uma coisa muito séria, sabe? E é muito sério. E a gente tem que ter muita consciência disso e do que o nosso trabalho pode causar, tanto de positivo, quanto de negativo, nessas edificações. Então, é um trabalho de muita responsabilidade. Não que os outros não sejam. Mas está pegando ali uma coisa muito específica, que é o patrimônio. Então, é algo muito sério de trabalhar. Mas, se surgir a oportunidade, eu tenho muita vontade, acho uma área muito inspiradora e muito gratificante. Já tive contato com outras pessoas, outros profissionais que trabalham em empresas maiores e trabalham com obras de intervenção em bens tombados. E essas pessoas são muito – você conversa com elas – felizes, fazendo o que elas fazem. É muito inspirador. Eu acho que é um pouco de abdicar de uma ideia que quando eu entrei no curso, eu tinha muito essa coisa de: “Ah, vou construir obras. Vou fazer projetos incríveis. E vou deixar a minha marca no mundo”, aquela coisa um pouco fútil, vamos colocar “fútil”. Uma coisa meio fútil: “Ah, vou deixar a minha marca no mundo, vou fazer a diferença. E que vou fazer um super projeto, pra ficar aqui por anos”. E quando você está falando do patrimônio, você perde completamente essa coisa. Porque, por mais que você participe de uma obra, o projeto não vai ser seu, aquela construção. Você está protegendo uma obra que é de uma outra pessoa, que nem existe mais, que você nem sabe quem é, às vezes, de mestres ali, que viveram sei lá quantos anos atrás. Então, você meio que abdica dessa questão meio egocêntrica de: “Ah, vou deixar a minha marca no mundo. E é por isso que eu sou arquiteto. Eu vou fazer obras que as pessoas vão falar: ‘Foi o Bruno que fez aquela obra. E ele é muito importante por causa disso’”.
Não, sabe? Eu acho que quando você está falando do patrimônio, você abdica disso completamente.
P/1 – Muito bom. Muito legal. Eu ia perguntar uma coisa, aí você falou sobre isso, já me vieram outras perguntas _______ todo o tempo.
Eu continuaria conversando com você, Bruno, mais um tempão aqui. Entrar nesse universo de restauro.
R – Ah, que bom.
P/1 – Desde da época que você estava ali com o teu pai, até agora. Só perguntar pra você, como foi, onde você estava quando houve o rompimento em Mariana, qual foi o seu sentimento? Porque a gente, com todos a gente vai perguntar isso, né? Fazer esse registro.
R – Sim. Eu já tinha vindo aqui pra Ouro Preto. Eu não lembro em que mês que foi o desastre... o crime. Foi em outubro? Eu não lembro. Quando foi? Eu sei que foi mais no final do ano. Eu tinha mudado pra cá há pouco tempo. O período letivo estava voltando, porque a gente teve uma greve em 2015. Então, no começo do ano, eu estava em Mariana. Aí teve uma greve entre o meu primeiro e segundo período. E aí, quando eu voltei pras aulas, em outubro, em Ouro Preto, eu já estava morando em Ouro Preto. Então, eu estava na minha casa nova há poucas semanas. Aí eve um dia que eu cheguei em casa e eles estavam assistindo o jornal, lá na república, falando da tragédia que tinha acontecido em Mariana. Eu fiquei assim: “Gente, como assim?” Eu entrei em contato com a minha tia, o mais rápido possível, porque era a única pessoa que eu conhecia de lá e que eu tinha morado com ela há meses. Estava desesperado, porque eu não tinha ideia de onde era Bento Rodrigues, pra onde que iriam esses rejeitos, pra onde que ia, quais seriam as áreas atingidas. Então, eu entrei em contato com ela na hora, pra saber como ela estava, os filhos dela. E eu até descobri que a namorada do meu primo, os avós dela eram de Bento Rodrigues e eles saíram de lá por muito pouco também. Eu não fui diretamente atingido, mas pessoas ao meu redor foram atingidas. E eu lembro que foi um momento, até tudo ficar mais esclarecido saber quais eram as áreas que iam ser atingidas, eu fiquei muito assustado, porque foi do nada. Eu estava num dia completamente normal e de repente, cheguei em casa, aquela confusão, as notícias. E do lado. Então, foi um susto muito grande. Eu imagino pras pessoas que estavam lá.
P/1 – É, realmente. Alice, você gostaria de perguntar mais alguma coisa?
P/2 – Não. Acho que só, se você quiser, enfim. Como você vê Mariana, agora, depois desse crime? Se você puder, enfim, falar sobre isso, como que...
R – Eu acho que por mais que as empresas responsáveis por esse fato estejam aos poucos indenizando as famílias, é uma perda que elas nunca vão conseguir recuperar. Nem estou falando sobre as pessoas que morreram, porque aí já entra em uma outra situação, também, que é muito pior. Mas falando sobre essas pessoas perderem a convivência com o lugar que elas viveram a vida toda. Porque acredito que muitas famílias que tiveram que sair de lá, que conseguiram escapar de lá, moraram lá a vida inteira. Então, pra uma pessoa que está acostumada a viver num lugar pequeno, onde você conhece todo mundo, onde as suas relações acontecem todas ali, você tem que ir pra um lugar que, por mais que Mariana esteja do lado, é diferente pra você morar. Uma coisa é você ir numa cidade, visitar, resolver alguma coisa. Outra coisa é você morar lá. As relações que você perde, por não ter mais contato com as pessoas que você vivia antes. Então, isso é uma coisa que as pessoas nunca vão recuperar de novo. Mesmo que sejam entregues para elas novas casas, em outros lugares, casas, talvez, melhor construídas em termos arquitetônicos, mesmo assim, do que as antigas, porque... mas não é isso que vale para essas pessoas. O que vale pra essas pessoas é que elas perderam o lugar que elas viviam a vida toda. Isso não tem como recuperar, é muito estranho. Eu não sei nem como essas pessoas devem se sentir. Porque deve ser uma sensação muito estranha, o lugar que você morou a vida toda, sendo destruído em segundos, em minutos, deve ser muito assustador. E hoje em dia, até que agora, eu tenho escutado menos falar sobre as pessoas que saíram de Bento Rodrigues. Tem até um termo específico para elas. Reassentados? Como que é? Não lembro o termo. Mas, enfim, as pessoas de Bento Rodrigues, que saíram de lá. Até, após esse rompimento, ainda eles tiveram que passar por muito preconceito, ainda, dos próprios moradores de Mariana, que ficavam meio assim. Claro que não era todo mundo, mas houve uma certa resistência da população em relação à presença dessas pessoas lá. Eu nem consegui entender qual o motivo, porque essas pessoas perderam tudo, deviam acolher essas pessoas melhor. Mas eu lembro que, na época, houve muita confusão envolvendo os moradores de Bento Rodrigues. Hoje em dia, eu não vejo muito. Tem muito tempo que eu não escuto ninguém falando negativamente deles, assim. Eu não sei dizer. Mas também tem muito tempo que eu não vou lá em Mariana. Então também, eu perdi um pouco, desse andamento, de como está essa situação. Nos anos seguintes, eu escutava sempre falar coisas ruins, pela presença das pessoas lá em Mariana, das pessoas que tinham perdido as casas lá em Bento Rodrigues.
P/2 – Tá. A Márcia vai partir pras perguntas conclusivas, mas só pra entender esse... o que, exatamente, falavam? Que aspecto negativo você ouvia? Qual era, entre aspas, a ‘reclamação’?
P/1 – Ou preconceito.
P/2 – É.
R – Era meio que um preconceito, no sentido de que tudo meio que era montado pras pessoas que são atingidas.
P/1 – Espera um pouquinho. Espera só um pouquinho. Desculpa. Só um pouquinho.
R – Posso ir? Ai, me perdi aqui. (risos) Espera. Porque, na época que as pessoas foram para Mariana, a prefeitura, as empresas responsáveis pelo crime, tudo meio que girou em torno delas. Então, as crianças que moravam em Bento Rodrigues passaram a frequentar as escolas das crianças de Mariana. Tipo assim: as pessoas de Bento Rodrigues começaram a ocupar espaços dos marianenses em algumas situações. Mas não foi por opção deles, óbvio. Porque era a única opção deles, era essa. Mas teve uma certa resistência, houveram comentários meio espalhados. Porque acho que todo mundo sabia que era muito errado falar mal deles, porque eles tinham acabado de passar por algo muito traumático. Por uma experiência muito traumática. Mas você ouvia comentários: “Ah, minha filha teve que mudar de sala, porque a turma dela ficou muito cheia. E aí teve que ir pra outra escola ou mudar de sala e não está mais em contato com os mesmos amigos”. Esse tipo de coisa que, se falar, é super banal, mas que as pessoas sentem muito também.
P/1 – Bruno, só conta rapidinho, porque a gente está terminando o tempo, por que você resolveu fazer agora, Engenharia, no mestrado. Só. Bem rapidinho. Só situa a gente nessa história.
R – Tá. Então, o mestrado que eu faço é profissional. Ele é diferente do mestrado acadêmico, pelos dias que nós temos aulas, pra gente conseguir compatibilizar com o nosso emprego. Então, quem trabalha em empresas, no meu caso, o mestrado, a gente só tem aula de sexta-feira, tanto que é o dia que eu não podia reunir aqui com vocês. Então, a única diferença desse mestrado para o acadêmico é isso, não tem dedicação exclusiva ao mestrado, como o acadêmico tem. Então, a gente consegue conciliar melhor emprego e estudo. Pelo menos, era pra ser assim. (risos) E aí eu escolhi esse mestrado, porque ele era também aberto para arquitetos. E eu ia conseguir continuar a minha linha de pesquisa, do meu trabalho final de graduação, que já era em patrimônio. E o meu professor-orientador da graduação, também dá aula nesse mestrado. Então, ele me indicou: “Ah, Bruno, se você quiser continuar essa pesquisa, tem aqui esse mestrado, que a gente consegue, que a sua linha de pesquisa encaixa dentro das que a gente tem lá”. Por mais que o mestrado seja de Engenharia, então eu faço as disciplinas de Engenharia e tal, mas a minha linha de pesquisa ainda vai ser voltada pro patrimônio, seguindo aí, o que eu tenho estudado nos últimos anos. E aí também esse mestrado, é engraçado também, porque minha irmã também faz esse mestrado. Ela está acabando agora, porque ela é engenheira civil, ela faz esse mestrado também. Ela, inclusive, defende a dissertação dela amanhã. Eu estou super ansioso pra ver a defesa dela. Estou muito feliz. E é isso: eu escolhi esse mestrado, porque por mais que ele seja em Engenharia, eu ia conseguir manter a minha linha de pesquisa em patrimônio.
P/1 – Legal. Bruno, a gente já está terminando. A gente já sabe dos seus planos, aí nesse caminho. Eu, pessoalmente
fico feliz de ouvir como você está colocando a responsabilidade com o patrimônio e a vontade de trabalhar nessa área. Então, essa história, pra gente, foi importante ter registrado.
R – Ah, que bom.
P/1 – Todas são importantes. Mas em relação a essa situação e esse desejo que você traz, é muito bacana. Obrigada, viu, por compartilhar a sua história. E nós queremos saber o que você achou de contar a sua história.
R – Eu achei muito inusitado. Porque a gente vive a nossa vida, a gente não para pra olhar atrás, às vezes, vai seguindo. E aí, na hora que a Teresa entrou em contato comigo, eu achei super inusitado. Eu não estava esperando. Nunca que eu estava esperando uma coisa dessas. Eu falei: “Nossa, mas minha história? O que a minha história tem?”. Quer dizer, a gente fica meio assim: “Ah, sou só eu, assim. Uma história comum”. Mas achei muito bacana. Porque as perguntas que vocês fizeram, foram me lembrando de coisas que fazia tempo que eu não voltava. E que estavam aí, perdidas aqui na minha mente. Então, eu achei muito legal essa conversa, essa entrevista. E estou me sentindo muito chique, também, hoje eu fui entrevistado, olha só que legal. (risos)
P/1 – Muito bom. Tem alguma coisa que nós não perguntamos, mas que você queria muito deixar registrado? Pra gente, depois, encerrar.
R – Ai, não sei. Acho que não. Não sei.
P/1 – A gente, depois que termina a entrevista, muitos contam pra gente: “Ai, eu esqueci de falar isso. Eu esqueci de falar...”. A Alice vai falar, agora, né, Alice? Pode falar.
P/2 – Obrigada, também. Adorei ouvir a história. A gente gosta. É legal mesmo, esse sentimento. Porque a gente, quando a gente pensa: “Ah, o que a minha história tem?” Mas tem muita coisa, toda história realmente importa. Eu queria pedir, pra terminar, se você pudesse falar um pouco quais são os seus sonhos daqui? E o que significa os ofícios tradicionais pra você, hoje e na sua vida.
R – Sonho. Ai, sonhos são tantos. (risos) Aí, os sonhos são muitos. O mais imediato é a vacina. É que eu estou há meses esperando essa vacina. Talvez eu vacine hoje. Hoje ou amanhã. Então, eu estou bem ansioso. (risos) Então, é um sonho próximo. Mas um sonho que eu tenho? Ai, que difícil, essa. É um sonho pra minha vida? É um sonho pro mundo? Em que sentido? Geral?
P/2 – O que você quiser falar. Se também não quiser falar, não tem problema. (risos)
R – Ah, eu não sei. Eu acho que o meu sonho como profissional, é continuar atuando e ter sucesso nessa área. E sucesso, eu não estou falando ser famoso, mas assim ter um sucesso no que eu faço e conseguir viver disso, tranquilamente. Acho que esse é um sonho pra todo mundo, porque ainda não tem isso. E, ah, eu acho que eu tenho muitos sonhos. Eu sonho o tempo todo. (risos) Agora, em relação aos ofícios tradicionais, qual é a minha relação com os ofícios tradicionais? Eu vejo que tem uma luta aí pela frente. Porque, hoje em dia, cada vez mais, esses ofícios vão ficando para trás. Porque é natural, os sistemas construtivos evoluem. Até um século atrás, o concreto armado nem era tão utilizado igual ele é, hoje em dia. Hoje em dia, a gente só constrói com concreto armado. Então, as coisas mudam e a gente não tem tanto controle sobre isso. E os ofícios, eu acho que as pessoas têm que desvincular os ofícios tradicionais, à coisa antiga, à coisa do passado, à coisa que saiu de linha, sabe? Porque não saiu. E a gente precisa deles até hoje. Não só para as edificações históricas. E os ofícios tradicionais, independente deles terem um uso prático pras edificações, eles ainda são importantes como tradição. Então, é uma coisa que não dá pra gente perder. Por mais que as edificações contemporâneas não usem tanto essas técnicas, elas têm que continuar existindo mesmo para proteger esse patrimônio. E também a gente fica naquela coisa: que patrimônio imaterial, principalmente, o material também, mas o imaterial, a gente tem aquela coisa mais assim, mais ligada ao pertencimento, aos valores que as pessoas atribuem a essas técnicas. E pode acontecer um momento em que, realmente, isso fique pra trás e não faça mais sentido preservar essa tradição. Pode acontecer. A gente não tem controle sobre isso. Mas eu acho que, enquanto cidadão, o que se pode fazer é divulgar e disseminar essas tradições, o máximo que a gente puder, porque elas são importantes. E quanto mais as pessoas conhecerem, mais elas vão dar valor e mais isso vai continuar, essa tradição vai continuar, ao longo dos anos. Então, eu acho que é mais ou menos isso. De um modo geral, também, um sonho mais profissional também, que as pessoas parem de associar patrimônio a atraso e a empecilhos. Porque isso é uma coisa que eu fico: “Gente, não”, sabe? Sempre tem alguma coisa: “Ah, porque o Iphan embargou tal obra. Ah, porque o Iphan não me deixa fazer aquilo ali na minha casa”. O meu sonho, um dos sonhos também que eu tenho, é que as pessoas se conscientizem em relação ao patrimônio e entendam a importância dele. E enxerguem os órgãos de proteção do patrimônio, não como órgãos limitadores, mas órgãos de proteção, que é o que eles são, de verdade. Então, se existem limites, é porque precisam existir, para proteger esses bens e essas práticas. Então, isso é um sonho, também. Mais pro lado profissional. (risos)
P/1 – Muito bom.
[Fim da Entrevista]Recolher