P1 – Boa tarde, Larissa, tudo bem?
R – Oi, Genivaldo, boa tarde! Tudo bem. E você, tudo bom?
P1 – Tudo ótimo. Então, vamos começar a sua entrevista com a pergunta mais básica: o seu nome completo, a sua data de nascimento e o local de nascimento.
R – Ah, legal! Ó,...Continuar leitura
P1 – Boa tarde, Larissa, tudo bem?
R – Oi, Genivaldo, boa tarde! Tudo bem. E você, tudo bom?
P1 – Tudo ótimo. Então, vamos começar a sua entrevista com a pergunta mais básica: o seu nome completo, a sua data de nascimento e o local de nascimento.
R – Ah, legal! Ó, eu me chamo Larissa Sayuri Futino Castro dos Santos, um nome bem comprido. Eu nasci em Brasília, no Distrito Federal, no dia 23 de março de 1989.
P1 – E qual o nome dos seus pais, Larissa?
R – Meu pai chama Gilberto Castro dos Santos e o nome da minha mãe é Matiko Futino Castro dos Santos.
P1 – Você tem irmãos?
R – Não, eu sou filha única.
P1 – E qual a atividade dos seus pais?
R – O meu pai era marinheiro até quando eu tinha uns… Até 1997, (risos) quando ele se aposentou e, hoje, ele atua como corretor de imóveis. A minha mãe
foi funcionária da embaixada do Japão, né, durante toda a vida profissional dela e, hoje, ela está aposentada.
P1 – A sua família é lá de Brasília mesmo ou seus pais vieram de outros lugares do Brasil?
R – A minha mãe veio do interior de São Paulo, de uma cidade chamada Araçatuba, para Brasília, para trabalhar, quando ela ainda tinha uns vinte anos, mais ou menos, e ficou lá, né, depois. O meu pai é do litoral do Rio, de Angra dos Reis e ele morou um pouquinho no Rio, depois ele foi pra Brasília, trabalhar no Ministério da Marinha e ficou por lá também.
P1 – Vamos conversar um pouco sobre a sua infância. Você se recorda da casa ou apartamento onde você passou parte da sua infância ou toda?
R – Nossa, demais, assim. Eu morei em um apartamento em uma área residencial, assim, era tipo condomínios e é diferente de Brasília que, em geral, as áreas são sempre abertas, a estrutura do Plano Piloto. Mas essa que eu morei, ela era meio fechada, assim, então as pessoas não tinham livre acesso, né, a esse condomínio, mas eu me recordo muito bem da casa, dos móveis, do sol que batia de tarde porque, na época da seca, ficava bem quente, assim, né? Do meu quarto, que eu ficava desenhando muito, tinha muito brinquedo espalhado pelo quarto. Então, eu tenho uma recordação muito viva daquele espaço inicial. E depois, quando eu mudei, aí eu já era adolescente, tinha uns doze anos, assim, também lembro muito desse período, dessa segunda casa que eu morei. E, quando eu fiz dezoito anos, eu fui morar numa casa… Num outro apartamento, tudo muito próximo, onde meus pais moram até hoje. E desse lugar eu também tenho recordações muito vivas, apesar da casa já ter mudado muito desde que a gente se mudou, no caso.
P1 – E do que você gostava de brincar nessa época, na sua infância?
R – Eu era filha única e em Brasília tem uma cultura muito forte de você descer para brincar no prédio, pelo menos tinha quando eu era criança. Mas eu brincava muito sozinha dentro do meu quarto. Então, eu tinha - eu era bastante criativa - uma imaginação muito grande, assim. E eu brincava muito de professora porque, como eu tinha muitos bonecos, né, ficava em prateleiras, assim, pra mim, eles eram alunos. Brincava muito desenhando, escrevendo. Muito! Eu tinha vários lápis de cor, várias daquelas coisas. E eu tinha muita boneca também, do tipo Barbie, panelinha, umas coisas assim. Então, essas eram, principalmente, as coisas com as quais eu mais brincava. E aí, durante as férias, quando era mais fácil para a minha mãe me locomover, no caso, porque a rotina ficava mais flexível, eu ia brincar com as minhas primas e elas moravam numa daquelas quadras de Brasília mais comuns, né, assim, do Plano Piloto, que tem bastante espaço embaixo. Na verdade, não tem nada que delimita o espaço. E aí eu ia pra lá e brincava bastante também, nas férias, nesses espaços de Brasília.
P1 – E você tinha o restante da família? Você falou dos seus primos, em Brasília. Você tinha contato, por exemplo, com avós paternos ou maternos, nesse período?
R – Mais ou menos, né? Assim, os meus avós, eram vivos na minha primeira infância, principalmente, mas eles estavam nas cidades de origem dos meus pais, né? Então, os meus avós paternos estavam em Angra dos Reis ainda e os meus avós maternos, no interior de São Paulo, em Araçatuba. Então, eu os via sempre em viagens, né, quando a gente viajava, assim, pro Natal, Ano Novo, às vezes, em umas férias de julho, mas essa era a convivência que eu tinha com eles, majoritariamente. Em Brasília, a minha mãe… A minha madrinha é amiga de infância da minha mãe e ela mora em Brasília também, né, e os pais da minha madrinha, eu convivia com eles, do tipo: todo fim de semana, né, a gente saía todo o mundo, e aí eles fizeram esse papel de avós, assim, presencialmente, na minha vida. E aí…
[Pausa]
...Tinha uma época que os meus avós moravam no mesmo prédio que eu morava, né, esses avós que são pais da minha madrinha, e aí eu convivi muito com eles, assim, durante… Quando eu tinha, assim, uns sete… Acho que dos meus sete até os meus dez, onze anos, mais ou menos, eu estava lá todo dia, na casa da minha avó. Ela fazia um monte de coisa, assim, né, de broa, pão de queijo e tinha muita balinha. Aí eu convivi bastante com eles, no caso. Com os meus avós, pais dos meus pais, mesmo, era mais pontual, nessas férias, mas com os pais da minha madrinha, eu conversava, eu convivia, assim, diariamente.
P1 – E contavam histórias pra você? Seus pais, seus avós…
R – (risos) Os meus pais contavam muitas histórias sobre a infância deles, né, principalmente. Meu pai, como é marinheiro, (risos) a gente brincava muito que ele mentia muito pra gente, falava um monte de coisa que não era possível e tal. Ele, então, era cheio de histórias. Histórias do quê, né? Da infância dele, então, ele morando nesse litoral do Rio, né, nessa cidade de Angra dos Reis, tinha uma praia que todos os meus tios e meu pai conviviam ali, naquele espaço. E meu pai ajudava muito o meu avô, então ele conta muitas histórias, assim, de ir pescar de noite e estar muito frio, de ter que vender algumas coisas pra… Meu avô pedia para ele vender banana, vender alface e ele ia vender. Conta história de como ele estudava, que ele tinha muita dificuldade, então o tanto de esforço que meu avô fez para ele estudar. Coisas desse tipo, assim. E muitas… Algumas coisas que são mentiras, né? Então, quem é de Angra sabe que lá tem muitas ilhas. É um município que tem trezentas e sessenta e cinco ilhas e eu sei isso porque meu pai fala isso toda vez que ele conhece alguém. E aí meu pai fala que ele ia a nado nessas ilhas e isso não é nem razoável, né, as ilhas são longe e ele fala isso e que ele subia no pé de coco e descia de ponta-cabeça, umas mentiras desse tipo, assim, que meu pai conta. A minha mãe conta várias histórias de quando ela era criança, também. Ela morando no interior de São Paulo, os meus avós falavam japonês. Eles estavam sempre numa estrutura ainda muito de japoneses, né, no caso, então ela foi alfabetizada numa escola que tinha alfabetização em japonês, dentro de um sítio, e ela conta as histórias dessas poucas crianças, né, que estavam ali aprendendo, se desenvolvendo e tudo. E depois, quando eles foram para uma cidade, os meus avós tinham um bar, então a minha mãe passou um período da infância dela dentro desse bar. E aí algumas histórias surgem dentro desse momento, né, do que ela fazia ali com as minhas tias, como é que era essa rotina, essas coisas. Ela tem muitas recordações, assim. Ela tem uma irmã gêmea, né, a minha tia, então ela tem várias recordações com as minhas tias, claro. Ela me conta muito sobre… Existiam quermesses, né, que são feiras japonesas e aí, como que eles iam nessas feiras, como é que ficava a expectativa para poder brincar nesses momentos, porque tinha a oportunidade de brincar, né, e ela estava quase trabalhando, então ela tinha muito anseio por isso. Uma história que ela me conta, por exemplo, é que ela tinha uma bicicleta e aí essa bicicleta foi roubada. Houve um dia em que elas estavam nessa quermesse e eram duas gêmeas, né, então tinham dois pares de sapato, assim, que elas deixaram um do lado do outro para poder ir brincar e, quando elas voltaram, o ladrão se confundiu e roubou os dois pares esquerdos, os dois lados esquerdos do sapato e aí elas: “Ai, meu Deus, nem para esse ladrão roubar direito!”. (risos) Aí conta umas histórias desse tipo pra mim, né? Os meus avós contam muitas histórias de quando eles chegaram à Brasília, no caso, então aquela recordação de uma cidade que está sendo construída e das pessoas chegando, dessa coisa de você se aproximar das pessoas, ter o espaço de acolhê-las e criar uma rede. Então, eles me contavam muitas dessas histórias, assim. E a minha avó, como ela se casou com meu avô com quinze anos… Minha avó, mãe da minha madrinha, né? Também me recordo de algumas histórias dela falando sobre quando ela andava a cavalo, na cidade dela, antes de casar. Da falta que ela sentia desse momento e dos irmãos dela, no caso, né? Ela também conta bastante.
P1 – Você tinha algum sonho de infância? Do tipo: “Quando eu crescer, eu quero ser tal coisa?”
R – Nossa, Genivaldo, eu acho que eu quis fazer muitas coisas na minha infância. (risos) Quando eu era bem pequena, assim, eu não sei de onde a gente tirava isso, acho que era uma época que tinha - Anos noventa, né? - muitas modelos, passarela, aquela coisa. Aí, quando eu era bem pequena, eu achava que eu ia ser modelinho, assim. Mas era bem pequena, mesmo. Depois, eu queria ser professora. Acho que eu brincava tanto com aqueles bonecos, com aquelas coisas que tinha, né, assim, dentro do meu quarto, dentro da minha rotina e eu queria muito ser professora. Passei bastante tempo querendo ser professora. E aí, eu só fui ter outros interesses, quando eu já era adolescente, né, no caso. Aí mudou e eu queria ser jornalista, professora de Matemática, queria ser economista, queria fazer coisas diferentes, pensei uma época em estudar Psicologia, mas isso tudo já era dentro da minha adolescência, né? Enquanto criança, mesmo, eu queria ser professora de Matemática.
P1 – E, falando em escola, qual a primeira lembrança que você tem, né, dos seus primeiros anos de escola? O que você ainda lembra, que te marcou?
R – Eu gostava muito de ir para a escola. Eu adorava ir para a escola, assim. Nossa, eu… Gente, eu falo que eu sou “nerd” não é à toa, porque isso estava escrito, opa, lá na minha primeira infância, né? Então, eu lembro, assim: a recordação que tenho é eu indo para uma escola em Brasília que tinha uns uniformes amarelos, assim, né, um amarelo ovo, meio Seleção, um negócio bem chamativo, com um "short" azul. E eu lembro de eu ir para a escola, ainda mais, assim, na época de seca. Isso é uma recordação muito viva que eu tenho. Quando chega agosto e setembro, que a cidade não tem muita umidade, muitas crianças são orientadas a ir de sandália, né? Para não esquentar muito o pé e tudo, para ajudar ali (risos) na nossa… Não sei agora, né? Acho que agora tem bastante estrutura, (risos) mas quando eu era criança, então, lembro de ir para a escola com essas sandálias, assim, e muito desse uniforme, que era muito vivo. E essa escola que eu ia, ficava longe da minha casa. Era uma escola católica e eu ia para essa escola com a minha mãe, a princípio, depois eu fui com uma vanzinha de escola. E eu chegava nessa escola e tinham vários… Eu me lembro, assim, de ver… Era a posição das salas e eram vários andares, assim, tinha um pátio central e muitas crianças brincando, muito movimento, correria e barulho. Isso eu lembro de uma forma muito nítida, assim, porque eu fui lá até depois, quando eu era adulta. Então, por mais que a escola mude um pouco, a estrutura dela ainda está lá, né, aquele basicão. E aí eu me lembro dessas coisas, assim, desse espaço, que é muito amplo embaixo, em que as crianças brincam e tem muito barulho, e desses andares onde você vê a sala de aula, aqueles trabalhos de colagens, aquelas coisas de criança, com letras. E aquele espaço que, quando eu era pequena, obviamente, parecia enorme, gigantesco e hoje não é tanto assim, né? Mas, na época, era muito grande. (risos)
P1 – Tinha alguma matéria que você gostava mais ou algum professor que te marcou nesse período, dos primeiros anos do ensino fundamental?
R – Bom, eu me lembro bastante da minha professora que me alfabetizou, que era a professora Cassi. Eu tenho essa recordação dela. Não sei, acho que foi ali, com seis anos, mais ou menos, que eu comecei a ter memória. Não sei. Mas eu me lembro. Eu me lembro das aulas, eu me lembro da gente. Eu tinha uma colega, que o nome dela é Daniele e ela, quando eu estava aprendendo a ler, já sabia ler, por exemplo. E eu lembro da gente fazendo exercícios e dela me ajudando, lembro da gente copiando coisas do quadro e lembro da figura dessa professora. Ela era uma professora morena, com um cabelo crespo, que ficava preso, assim, em um rabo. E ela tinha um uniforme azul-escuro, assim, bem forte. E eu lembro das dinâmicas que ela fazia com a gente. A gente, por exemplo… teve uma vez que a gente teve um amigo oculto. E lembro de algumas colagens, lembro de algumas coisas que aconteciam. De vez em quando, ela tinha que ir no banheiro para ver se estava tudo bem. Tinha um banheirinho na sala, assim, e ela ia no banheiro, para ver se estava tudo bem. Ela escrevendo as letras no quadro, algumas delas, eu lembro também. E a partir daí, eu tenho algumas recordações das minhas professoras do meu ensino fundamental, com certeza. Essas recordações de escola são muito fortes, né? Então, assim, eu me lembro de todas elas. Acho que as que mais me chamaram a atenção… Tem uma, por exemplo, quando eu estava na terceira série… Essa é uma série que, vira e mexe, eu lembro muito dela. Eu tinha nove anos. E acho que é porque eu comecei a… A gente fazia muito trabalho em grupo, sabe? Então, eu lembro muito das carteiras nunca estarem dispostas em fileiras normais. Quase nunca. Era muito difícil. A gente quase sempre estava em grupos de cinco ou de seis, com as carteiras viradas uns para os outros e a gente era muito estimulado a ficar conversando, a ficar discutindo ali. E, por isso, a minha recordação da minha terceira série é de muito barulho. Genivaldo, era, assim, uma confusão danada, porque era muita criança querendo falar, né? Então, eu lembro muito dessa recordação. E eu acho que, naquele momento, assim, eu falo isso sempre, lembro que foram as primeiras vezes que eu vi gráficos, na minha terceira série. Eu lembro que elas davam umas folhas quadriculadas pra gente e a gente fazia, assim, como se fossem gráficos de barra, né, que vão contar frequências por alguma variável ou por alguma coisa e a gente coloria aquilo. Então, essa é uma recordação muito viva, que eu tenho da minha terceira série, assim. Tanto do barulho, que era muito grande, porque não pareciam que eram dinâmicas, pareciam que eram brigas. (risos) E desses momentos de fazer, por exemplo, esses gráficos. Isso é muito forte pra mim.
P1 – Você já tinha uma inclinação, nessa época do ensino fundamental, pela Matemática, ou você gostava de outras matérias também?
R – Olha… Assim, quando eu tinha uns seis anos, mais ou menos, um pouquinho antes, quando a gente está naquela fase escolar, lembro que eu tinha muita vontade de ler. Eu tinha muita vontade de ler, Genivaldo, assim, era impressionante. Acho que é porque, desde muito pequena, meus pais tinham muitos livros para me oferecer o tempo todo, né? Então, meu pai falava assim pra mim: “Eu não tive nenhum livro. Sou um homem que nunca teve livros. E você pode ter livro”. Minha mãe fala que, antes de eu ter um berço, eu tive um livrinho. E aí eu tinha muita curiosidade, porque acho que eu ficava muito exposta, né, àquela quantidade de coisas que eu nunca consegui acessar, tinha muita vontade de ler. Aí, quando eu tinha mais ou menos… Depois que eu aprendi a escrever, eu falava que gostaria de ser uma escritora, queria trabalhar com letras, com palavras, textos, enfim. Eu falava assim: “Eu quero ser uma escritora”. Não sabia o que era isso, eu acho. E aí, quando eu tinha, assim, mais ou menos, uns oito anos, eu comecei a ter umas dificuldades para somar. E somar compõe uma daquelas quatro operações básicas que a gente precisa ter, para a gente estar alfabetizado numericamente. E aí minha mãe identificou isso, foi muito rápido, assim, ela falou: “Nossa, ela está com dificuldade”. E ela me colocou em uma escolinha de ensino japonês, que é bem famosa, ela é mundial, assim, chamada Kumon. E aí eu comecei a fazer Kumon de matemática, porque ela identificou que eu estava com essa dificuldade inicial. E aí, depois, uma vez suprida essa dificuldade, né, eu comecei a ser assistida em horário fora da sala e tudo, então essas novas professoras que apareceram na minha vida conseguiram me ajudar a superar essa dificuldade e aí eu passei a gostar muito mesmo, adorei, assim. E, dali pra frente, eu falo muito em números, né, penso muito em números. Mas eu ainda gosto bastante de coisas que tenham a ver com palavras, com textos, com literatura. Então, posso dizer que tanto Português, quanto Matemática, eram as disciplinas que eu mais gostava, quando eu era criança.
P1 – E o que mais vocês faziam nesse período do ensino fundamental, de escola? Tinha festas? O que vocês tinham de convivência, além das aulas?
R – Nossa, tinha muita festinha de criança, assim, de aniversário, né, aquela coisa de ir para a casa de alguém, aí vai ter bolo e brincadeira. Então, eu me lembro disso de uma forma muito forte, assim, de várias festinhas: festinha em sítios de colegas, festinha na casa de alguém, festinha em apartamento, festinha em tudo quanto era lugar. Eu tenho várias recordações desses momentos, nos fins de semana. Depois, quando eu fiquei um pouco mais velha, tinha umas festas que eram assim: tinha uma festa lá no boliche… Aí, quando a gente tinha dez anos, a gente achava que era muito gente grande e tinha umas festas que tinham luzes, né, super, assim, discoteca dos anos noventa. (risos) Então, eu me lembro muito dessas festinhas, quando eu era criança, no caso, festinhas de aniversário. Eu me lembro muito. E, principalmente, as que eu mais gostava eram as que tinham piscina. As que tinham formas da gente brincar, assim, brincadeiras mesmo, né? Jogar bola, tipo, queimada, ou alguma coisa de correr, uma gincana mesmo, que era pensada pra gente. Eu me recordo muito desses momentos, assim. Tinham várias festinhas que tinham um pouco disso, né? Em Brasília, como é muito seco, principalmente entre setembro e outubro, acho que o pessoal pede, a gente anseia por água. Então, várias dessas festinhas tinham piscinas, a gente podia brincar na água. E eu estudava num colégio que era incrível, tinha muita estrutura, eu gostava muito dele, mas ele não tinha piscina. Então, toda… Parece que eu estava sempre esperando por um momento para ter piscina na minha vida. Alguma coisa: “Piscina, piscina, piscina”. E aí eu me lembro muito mais dessas festinhas que tinham alguma coisa de água pra gente brincar. Ou um banho de mangueira também era comum, aquela coisa de: “Ah, uma água pra lá e pra cá”. Tenho muito essa recordação.
P1 – Indo pro seu ensino médio, você fez o ensino médio na mesma escola ou chegou a mudar também?
R – Aí eu mudei de escola, quis ir para uma escola diferente. Eu já estava desde… Imagina, comecei a estudar na escola que eu estudei primeiro dos meus três anos, né, da minha primeira infância, até os meus catorze anos, assim, já uma pré-adolescente. Pré-adolescente, não, acho que era adolescente. Catorze anos. (risos) Aí, com meus quinze anos, eu quis ir pra outra escola, conhecer outras pessoas. E foi muito bom, foi uma experiência muito boa. Eu queria ter uma vivência de não estar em um colégio católico também, tinha um pouco dessa curiosidade, porque o primeiro colégio que eu estudei tinha bastante… Muito do nosso calendário, da nossa rotina, era pensada para acomodar algumas coisas católicas, né? Alguns eventos, algumas atividades eram pensadas pra isso. E eu tinha interesse de estudar em outra escola. Eu também queria muito ter essa experiência de conviver com outras pessoas. Sabia que estava convivendo com as mesmas pessoas há bastante tempo, né, porque era um colégio que, praticamente, você entra muito pequenininho e sai dali com uns catorze anos. Os que ficam pro ensino médio ficam até mais tempo com essa mesma galera e eu queria também ter a experiência de conhecer outras pessoas, né? E aí, pro meu ensino médio, eu fui pra uma escola que era mais próxima da minha casa, que ficava perto do parque da cidade, uma escola enorme! Na época, eu acho que lá tinha, devia ter uns cinco mil alunos, assim. Ela era muito grande, a escola. E era diferente, porque já não tinha tantas crianças pequenas: era majoritariamente de jovens, de adolescentes e tal. E era uma escola muito conhecida pela… Aí, por aquela coisa, né, de passar no vestibular, então era uma escola que era mais pensada com esse propósito bem acadêmico. Então, mudou muito, pra mim, essa época, tanto minha rotina, quanto os meus colegas, no caso. Mas eu quis mudar de escola naquele momento.
P1 – E como foi essa mudança, pra você? Como você foi se adaptando a essa nova realidade, os gostos mudando, as matérias mudando? Como foi pra você?
R – Nossa, foi muito bom. (risos) Hoje, é claro que eu olho assim, né, e sei que aquela foi a melhor época da minha vida, com certeza. Meu ensino médio foi muito, muito bom. O que eu mais gostava de estar ali era porque, de fato, tinha muita gente e [por] ter muita gente, tinha muita gente diferente. Então, quando eu estava nessa escola, no ensino fundamental, ela era muito elitista, assim, tinha pessoas com muita grana, com muito acesso. A gente sentia isso, né? Você conhece uma criança, você sabe disso. E, quando eu fui pra essa outra escola, apesar de ainda ter, né, um padrão de vida muito alto nessa outra escola, ela era mais diversa. Então, eu convivia com pessoas que não estavam só naquele Plano Piloto, naquele mundinho ali. Eu convivia com pessoas que eram mais do Distrito Federal como um todo. Eu passei a ter colegas de fora de Brasília, né? Pessoas que vinham estudar, no caso, em Brasília, mas que não eram de Brasília. Tive, assim, próximos, mas eram dois colegas com esse perfil. E, estando numa escola maior, parece que tinha muito mais coisa acontecendo. (risos) Tanto assim, fofoquinha, né, aquela coisa, paquerinha, aqueles negócios do ensino médio, no caso, mas também parecia que tinha muito mais coisa, a escola vinha com muitas atividades pra gente. Tinha sempre alguma coisa acontecendo, alguma coisa cultural, alguma coisa de esporte acontecendo, então era muito legal. Eu adorava aquele momento, aquela experiência de estar naquele lugar, sabe? Era pertinho do parque da cidade, então eu me lembro muito, assim, de sair e ver o parque, na minha esquerda, assim, que, quando está chovendo, é muito verdinho, mas quando não está chovendo, ele é marrom. (risos) E aí eu lembro, tenho muito essa recordação de olhar para aquele espaço amplo, assim, o estacionamento e depois, essa área aberta e de ver muita, muita gente. O colégio parecia um formigueiro, assim, de tanta gente que saía, para tudo quanto era lado. Do recreio ser muito vivo. Muita gente ali, andando entre a cantina e cada um dos espaços que o colégio tinha. Lembro dos "shows" que aconteciam nessa escola, que eram muitos. Acho que adolescência é um momento em que o jovem está muito próximo da música, né? Muito da identidade dele é musical. E aí eu lembro dos "shows" que aconteciam, tinha um palquinho pequenininho e alguns alunos podiam se apresentar ali. E aí eu lembro de a gente ir pra esse espaço, né, e das músicas que tocavam na época, que só tocavam naquela época. (risos) E dessas coisas assim. Então, tenho muitas recordações, todas excelentes, desse período.
P1 – E me conta alguma coisa desse período, do ensino médio, que te marcou, na escola. Pode ser um evento qualquer, né, no sentido de alguma coisa que você lembra até hoje, uma apresentação de um trabalho, uma viagem com os colegas, alguma coisa que até hoje você fala: “Nossa, aquilo foi muito bom, vou lembrar disso pra sempre”.
R – Ah, legal. Eu lembro (risos) de coisas legais, assim, né? No ensino médio, no finalzinho do terceiro ano, eu pude fazer uma viagem pra Chapada Diamantina (BA) e foi super legal pra mim, porque eu nunca tinha ido. Os meus pais, em geral, a gente viajava muito pra casa dos meus avós, para visitá-los e, apesar de eu já ter conhecido muita coisa quando eu tinha aquela idade, esse era um tipo de passeio que eu quase não fazia com os meus pais, então eu quase não ia para a cachoeira, para o mato, né, para ver uma paisagem, alguma coisa assim. E aí eu pude fazer essa viagem com a escola e foi super legal. Me lembro muito que era um ônibus, imagina, deve ter quarenta adolescentes ali, entre meninos e meninas, mais uns três professores, mais alguns adultos para ajudar, mas foi uma experiência super tranquila e o que me recordo muito é da gente passeando, vendo aquelas… Né, tudo aquilo que era muito bonito e tirando foto, os vários comentários daqueles que os professores faziam e a gente não, necessariamente, estava prestando tanta atenção, mas eu lembro disso e lembro da gente passeando, assim, né? Lembro que assim que a gente começou a viagem, eu comi muito. (risos) Aí eu passei mal e vários dos meus colegas também passaram mal, porque a gente entrou numa cachoeira e bebeu a água da cachoeira, apesar de falarem mil vezes: “Não beba a água da cachoeira” e todo o mundo teve dor de barriga. Então, essa é uma recordação que eu tenho, assim, dessa viagem. E tem uma recordação que eu tenho também, que é super engraçada, assim, porque é uma escola que tu tem da galera pequenininha até a galera de dezessete anos, né, que está quase maior de idade. E aí eu estava nesse… Com dezessete anos, né, a gente tinha uma gincana que acontece pra escola inteira, mas existe um enfoque muito grande na galera do terceiro ano, na galera, nesse pessoal que está indo embora porque, como eles já são mais maduros, possivelmente eles vão trazer um outro nível pra gincana. E era isso que, claro, acontece todos os anos, são as pessoas mais velhas da escola. E aí eu lembro que o tema daquele ano era “festa”, então todo mundo tinha que discutir sobre festas de um modo geral e a gente tinha uma apresentação, que era feita naquele palquinho em que a escola toda podia ter acesso. E ficava tudo muito cheio, assim, aquele espaço, porque parecia um ‘showzinho’, né, então era pensado para ter muito entretenimento. Então, tinha tanto música, quanto uma coreografia. Às vezes, alguém ia pintar alguma coisa e ia ter um fundo muito bonito, ou uma história era contada, mas era um momento em que todo o mundo queria ver o que estava acontecendo naquele palco. E aí eu me lembro que a gente tinha… Era uma galera do ensino médio e a gente fez uma saia - nosso tema seria “anos sessenta”, a gente queria fazer uma festa dos anos sessenta para a nossa escola - pras meninas, de bolinha e pros meninos, eu nem lembro o que era. E aí, Genivaldo, eu lembro muito claramente, assim, que esse palco estava lotado. Era a apresentação da minha turma e a gente… Eu não sei como que a gente fez isso, mas conseguimos alugar um carrinho, tipo um conversível de criança, assim, bem pequenininho, então estava chamando muito a atenção das pessoas, o que era o nosso objetivo. Tinha uma coreografia, pessoas tocando, depois ia ter chuva de papel picado, bem ‘papagaiada’ o negócio. E lembro que estava todo o mundo lá e eu falei: “Ai, eu vou fazer xixi rapidinho, que eu tô nervosa”. (risos) Aí eu fui lá no banheiro, eu estava com uma saia e aí eu voltei correndo ali, a escola lotada e eu não tinha reparado que, nessa de eu voltar correndo, a saia ficou presa na minha calcinha, né, então meio que a minha bunda estava ali aparecendo, à toa e eu: “Ai, meu Deus!”. Eu não tinha reparado, eu estava ali no meio, lá com todo o mundo e em algum momento a menina me falou assim: “Olha, Larissa, ajeita a sua saia, que a gente está vendo o que está acontecendo”. Eu falei: “Ai, meu Deus!”. (risos) Eu me lembro muito… Esse é um dia que eu me recordo muito, assim, porque foi um momento de vergonha, e você fala: “Ai, tinha que ser eu, eu tinha que passar essa vergonha”. (risos) É uma recordação que eu tenho. Não só porque estava rolando aquela apresentação e é um momento que a gente espera muito, enquanto uma turma, você quer se organizar, pra mostrar o que você é capaz de fazer pelo seu colégio, mas também porque eu passei essa pequena vergonha, com esse momento de desastre aí que eu fiz. (risos)
P1 – E você já tinha uma ideia, Larissa, nesse período, do que você queria fazer de ensino superior? Você já estava pensando nisso?
R – Sim. Naquele momento, assim, Genivaldo, eu estava numa escola que tinha um nível de competitividade alto. Era uma escola muito voltada para vestibular, aprovação, a sua vida acadêmica, né, já era pensada naquele momento, então eu estava sempre pensando nisso, sempre me questionando o que eu queria fazer, de fato. Então, quando eu tinha entre quinze e dezessete anos, foi o momento em que mais pensei nisso, porque a gente era muito incitado a ficar pensando nesse futuro acadêmico, futuro profissional, o tempo todo, e eu nunca sabia exatamente o que eu queria fazer naquele momento. Então, eu estava sempre pensando naquilo e eu tinha… Lembro muito que, quando eu tinha aquela idade, a minha mãe me incentivava muito a ler. Então, quando eu parei de ler, por interesse, porque até a minha primeira infância eu lia livrinhos, porque meu pai me incentivava muito e tal. E quando eu fui pro ensino médio, minha mãe me incentivou a ler muito revistas, muito conteúdo impresso de revistas de conteúdo, tipo, pra jovem, alguma coisa assim, alguma coisa que me interessasse a continuar lendo. E aí, naquela época, eu tinha uma curiosidade muito ampla, muito vasta e eu queria ser tudo, pensava em ser tudo. Eu queria trabalhar com números, com saúde, com textos… Queria fazer tudo, sabe? E tinha uma... (risos) Por isso que eu ficava tão perdida assim, porque eu me via fazendo várias coisas, porque naquele momento eu me nutria de muita informação. Eu era muito curiosa.
P1 – Quando você terminou o ensino médio, já prestou vestibular ou pensou: “Não, vou fazer um cursinho, vou pensar melhor”? Como foi isso pra você?
R – Pois é. Quando eu estava no meu ensino médio, em Brasília, tem um programa de avaliação que pode ser dividido durante o seu ensino médio, então eu passei por esse método de avaliação que, basicamente, é o seguinte: no final de cada um dos anos do ensino médio, eu era avaliada segundo o currículo daquele ano letivo, né? Então, eu me preparava muito para essas provas. Por isso que é tão competitivo pra gente, porque é como se a gente tivesse um vestibular a cada ano, né? Sendo que você sabe que, no terceiro ano, na verdade, você vai fazer o final do segundo ano, o meio do terceiro ano e o final do terceiro ano. Você vai fazer duas vezes, né: por essa avaliação seriada e também por um vestibular usual. Então, a gente faz… Acaba estudando, fazendo muita prova, assim. E aí eu me lembro muito de me preparar pra essas provas, de ter que estudar muito, né, de estar sempre me cobrando [para] sair muito bem nessas avaliações, que eram enormes. E essa é uma recordação muito grande que eu tenho muito forte do meu ensino médio também. Foi muito bom, me diverti muito, mas também estudei muito. Perdi uma parte do meu tempo considerável, né, que é aquela adolescência muito legal, assim, muito leve, também, estudando muito.
P1 – E aí, quando você decidiu o que você faria, de curso superior?
R – Naquela época, assim, quando eu estava lendo muito, eu entendi, assim, em um determinado momento, que seria legal fazer uma coisa que fosse ampla, que me desse oportunidade de não escolher naquele momento, de escolher depois. Então, apesar de eu não ter optado, né, por fazer um cursinho pré-vestibular ou alguma coisa assim, eu tinha muito essa expectativa de conseguir definir isso até um pouquinho mais, assim: será que eu consigo escolher, sei lá, a ciência-mãe, né, a ciência-fim, que eu vou trabalhar futuramente? Então, eu lia muito, sabia que eu tinha interesse em várias coisas, tudo junto e misturado, e aí um professor meu me falou em fazer um curso chamado “Estatística”. Um curso que fosse sobre dados, né, no caso. A esposa dele tinha feito um mestrado, era recente. E aí ele tinha comentado comigo. Então, foi um professor que comentou, a princípio. E, naquele momento, aconteceu uma coincidência, assim, né? O meu pai era corretor de imóveis e ele estava vendendo apartamento para uma pessoa cuja filha fazia Estatística. Então, eu conheci uma pessoa que estava na universidade, fazendo Estatística. Eu convivo com essa pessoa… Convivo, não, né, mas eu a conheço até hoje, converso com ela eventualmente, hoje, pelo LinkedIn. Eu ainda tenho contato com ela, o nome dela é Giovana. E ele falou: “Ah, Larissa, você não quer ir lá conversar com a Giovana?”. E eu quis conversar com ela, assim. Foi um momento super legal, porque acho que ela me trouxe exatamente a possibilidade que eu queria naquele momento. Ela não sabia, mas me disse exatamente o que eu queria ouvir, que ela falou assim: “Ah, mas quando você trabalha com dados, você pode trabalhar com o que você quiser. Porque uma coisa até… Existe dado pra saúde, economia, ciência social, política pública, política e uma série de coisas”. E olha que eu não sou, assim, uma pessoa velha, tão antiga - nem sei como fala isso -, mas há quinze anos, o uso de dados que a gente fazia é muito diferente do que a gente faz hoje. E, ainda assim, a gente tinha aquela percepção de que dava pra fazer muita coisa, de que eu poderia atuar em ramos muito diferentes. E foi nessa conversa com essa pessoa chamada Giovana Salomão, que eu falei assim: “Cara, eu vou fazer esse negócio aí. Acho que é esse o lugar em que eu quero estar, né?”. Existia muito aquela… Uma lenda assim: “Nossa, Estatística é um profissional que vai ser muito demandado e tudo”, mas, hoje, eu acho que é sempre uma lenda, é sempre uma profissão do futuro.
P1 – Você estava falando sobre a descoberta, né, da Estatística pra você, com essa flexibilidade que você queria, algo que não definisse cem por cento o seu caminho futuro e que conseguiu achar isso na Estatística. Depois que você conversou, né, com essa pessoa que estava fazendo Estatística, você se decidiu por esse curso, mesmo?
R – Então, eu fiquei um pouco, ainda, balançada. Um pouquinho, assim. Porque, querendo ou não, a gente não tem muitas referências de pessoas que trabalham com isso, ou mesmo de pessoas que trabalham com dados. Naquela época, não tinha essa referência. E eu achava um curso meio obscuro, assim. Eu estudei tanto durante o meu ensino médio e ficava me questionando: “Será que eu estudei tanto, pra fazer um curso que ninguém nem sabe o que é isso?”. Eu tinha muito aquela coisa de ter uma validação também da sociedade como um todo. Mesmo que eu não soubesse, eu procurava por isso. Então, eu fiquei meio insegura. Por exemplo: em algum momento, não sei se foi pro programa de avaliação seriada ou se foi pro vestibular, eu ia fazer para outra coisa. Inclusive, eu ia fazer pra Matemática. E aí, faltando um dia, assim, pra terminar, algum ajuste que tinha que ser feito, eu fui lá dentro da universidade, preenchi um formulário e pedi pra mudar pra Estatística, né, que eu queria fazer, depois, pra Estatística. Mas, então, não foi uma decisão tão de imediato, porque eu ainda tinha um pouco daquela desconfiança, assim: “Nossa, mas será que, né? Que curso é esse? O que é isso que esse pessoal faz?”. E eu tinha um questionamento naquela época. Eu, apesar de estar… Assim, sempre tive uma família com uma estrutura muito legal, não posso reclamar de absolutamente nada na minha vida e ela sempre foi muito, muito próspera. Eu sempre tive muito acesso a muita coisa, mas, ainda assim, eu era muito resistente a fazer uso de tecnologia e eu nem sei porquê. E aí eu tinha resistência em usar, por exemplo, computador, eu queria sempre fazer as coisas manualmente. Gente, eu não sei como, cara, o que acontecia, mas eu tinha um nível de resistência e eu sabia que, fazendo Estatística, precisaria mexer muito… Na época, eu falava ‘mexer em computador’, né? Hoje, eu sei que eu precisava programar e ter acesso à tecnologia. Então, isso era uma coisa que eu estava sempre pensando, assim: “Mas será que eu vou querer isso pra mim? Será que eu vou querer ‘mexer com computador’? Será que eu vou querer estar sempre em contato com essa tecnologia que eu não gosto tanto, que eu não sou tão familiarizada assim?”. Então, esse era o empecilho que eu me colocava naquele momento, que eu via, assim: “Será que eu vou querer isso mesmo?” E aí então, assim, não foi uma decisão que foi tomada logo, apesar de eu ter conversado com a Giovana e ter adorado, foi muito bom. Eu [também] tive o estímulo de um professor meu, que eu gostava e admirava muito. Ainda assim, não foi de imediato. (risos)
P1 – E você prestou vestibular em vários lugares, ou em um local só? Como foi esse processo de escolher, pra você?
R – Na época, como eu só pensava em UnB (Universidade de Brasília), existiu uma lavagem cerebral muito doida lá, (risos) que eu só pensava em ficar ali, em estar na UnB. Pra mim, aquilo era o ápice, assim, da minha vida. Então, eu prestei, fiz tanto essa avaliação que era dividida, dos três anos do ensino médio e o meu vestibular também, pra UnB, de Estatística. E só prestei ali e aí, se eu não passasse, eu teria que, eventualmente, continuar estudando e, possivelmente, nos outros semestres ou no próximo ano, eu faria a prova em outros lugares também. Mas, a princípio, eu queria fazer lá, né? Eu queria continuar morando em Brasília, queria estar perto dos meus pais: eu era filha única - ainda sou filha única. Então, eu queria continuar em Brasília, preferencialmente, na UnB.
P1 – E quando você passou, né, no vestibular e começou a fazer o curso, como foi essa sensação de: “Agora já foi. Agora tô aqui, tô fazendo esse curso”? Como você se sentiu, entrando nessa outra etapa?
R – Ai, nossa, eu estava vivendo um sonho, assim. Pra mim, foi demais! Porque, como eu estava em um lugar que era muito competitivo, a gente coloca muita expectativa nesse momento de entrar na universidade. E eu estava numa turma em que muita gente tinha entrado, também, né, muitos dos meus colegas, mas vários também não tinham entrado. E a vida pra quem entra e pra quem não entra, é muito diferente, né, parecia que eu ia usufruir de uma liberdade e de uma coisa que nossa, inédita e tal, e os meus colegas que não entraram, não. Então, pra mim, quando eu entrei foi, assim, incrível. Foi muito, muito bom aquele começo. Foi difícil, né, porque você entra na universidade, é muita gente, aquela coisa toda e eu também tinha as disciplinas que eram consideradas muito difíceis, né, então a gente tinha essa pressão de passar logo por aquilo e, enfim, sobreviver àquele momento. Mas, acima de tudo, foi um momento muito bom, assim, a minha graduação. O que eu me arrependo da minha graduação foi só ter estudado demais. (risos) Eu deveria ter feito mais as coisas que a universidade te permite fazer, né? Tive vários colegas que jogaram muito truco, que jogavam, praticaram esportes dentro da universidade e eu não fiz essas coisas. Deveria ter feito. E esse é o arrependimento que eu tinha, assim. Eu tinha uma visão muito ‘caxias’ naquela época, muito do ensino médio, assim, ainda e, se eu pudesse, eu queria ter vivido de uma forma menos regrada e mais leve naquele comecinho.
P1 – Como o seu curso acabou te influenciando, em relação à carreira que você foi seguir depois?
R – Muito legal. Eu… Foi, assim, eu tive muita sorte de ter escolhido o curso que escolhi. Claro que foi um mérito também de pesquisa, assim, de ter procurado por aquilo. Mas, hoje, eu vejo que, apesar de ter tido dúvidas sobre o curso em alguns momentos, porque isso acontece, né, pensei em fazer outras coisas e tudo, eu vejo que o curso foi essencial para o que eu venho a fazer hoje, sabe? Eu, como cientista de dados, que é o que eu faço atualmente, preciso de um embasamento teórico muito forte em alguns tópicos e eles foram amplamente desenvolvidos enquanto eu estava na graduação. Então, foi muito bom que eu tenha feito essa escolha cedo. Eu tive tempo o suficiente para desenvolver uma série de habilidades. E olha que elas eram, ainda, muito diferentes das que a gente tem hoje, né? Quinze anos atrás, o entendimento que a gente tinha de tecnologia e dados era muito diferente do que a gente tem hoje, mas, ainda assim, foi imprescindível. Eu fiz muita disciplina matemática densa, né, que é importante pra gente ter um entendimento apurado de algoritmos, metodologias, técnicas. Tive tempo o suficiente pra aprender a programar, que era o meu grande receio, quando eu estava me questionando se iria querer entrar ou não no mercado. Então, eu tive a oportunidade de fazer disciplinas em níveis muito introdutórios com profissionais, né, que têm bastante experiência nisso, tudo. E foi muito bom, assim. Quando você está… Estando na graduação, são quatro anos, né, de curso, pelo menos, e você fica exposto a diferentes tipos de análise de dados, que é muito importante pra abrir a sua cabeça, para abrir a sua percepção sobre como abordar esses problemas. Estando na universidade, eu pude usufruir do que a universidade tem de melhor, que é essa coisa de ter múltiplas áreas, todas misturadas e, em algum momento, você ter a possibilidade de acessar essas áreas, né? Então, dentro da minha graduação, do meu curso de graduação, eu peguei várias disciplinas optativas, que foram super interessantes, assim. Peguei disciplina genérica de Contabilidade, de Economia, de Administração, várias disciplinas da Matemática e da Estatística, obviamente, e algumas da Computação. E isso tudo ajuda muito, me ajudou muito a construir um jogo de cintura multidisciplinar, né, que é muito importante pra gente, enquanto um analista de dados, um cientista de dados, porque é isso que a gente precisa, para conseguir ter um diálogo fluido com qualquer área, né? O nosso desafio é traduzir um questionamento da vida real para um problema que pode ser analítico, que pode ser resolvido com dados, né? Então, é muito importante que você tenha esse contato com áreas diferentes, para que você vá exercitando isso aos pouquinhos. E eu tive tempo o suficiente pra fazer isso, porque comecei a fazer isso desde a minha graduação lá, quando eu tinha dezessete, dezoito anos, né?
P1 – E explica pra gente, várias pessoas vão assistir essa entrevista e talvez não saibam o que é um cientista de dados. Então, explica pra gente o que é um cientista de dados e que tipo de colaboração ele pode fornecer pra diversas áreas.
R – Legal. Bom, o cientista de dados é uma profissão extremamente atual, né? Ela veio com muita força recentemente, junto com a profissão de engenharia de dados. E assim como... Fala assim: dados, né, mas o que é isso? A gente mexe, basicamente, com dados, para uma coisa diferente dos outros profissionais. Então, normalmente, as pessoas usam dados para entender alguma coisa, para entender um determinado fenômeno e para quantificar algumas métricas que você quer tirar desse fenômeno. Às vezes você quer saber: “Existe uma diferença disso aqui que eu estou fazendo, para o que eu fazia antes? Posso dizer que um fármaco é melhor do que o outro?”, e coisas desse tipo. Então, esse é o uso usual, digamos, de dados. O que o cientista de dados faz, que é diferente, né? O cientista de dados faz modelos, basicamente, que também não é uma exclusividade do cientista de dados. São modelos preditivos. Então, o que a gente pode fazer com o dado? A gente pode entender um fenômeno, pode quantificar diferenças, pode saber se aquilo que você observa pode ser expandido pra sua… Não exclusivamente para os dados que você coletou, mas para a sua população. E pode conceber um modelo, que vai fazer mais ou menos o seguinte: dada algumas características desse modelo, eu vou te retornar o que seria o comportamento padrão, dadas essas características. É basicamente isso que o modelo faz. Então, o que a gente quer, enquanto cientista de dados, é fazer modelos preditivos pro comportamento dos usuários. Então, normalmente, cientistas de dados trabalham em produtos digitais, produtos que estão dependendo da informação dos usuários, para se tornarem mais competitivos e para garantir uma grande interação com o usuário, né? Parte do ganho do produto é você usufruir bastante da informação do usuário. E a ideia é que, dada as características que esse usuário está te passando como “input” desses algoritmos, a gente consegue fazer a previsão do que seria relevante pro usuário, ou do que seria o próximo comportamento do usuário. E aí, uma vez que a gente está fazendo o comportamento preditivo, está tentando trabalhar com o comportamento de antecedência. Então, a ideia é que, se antecedendo, a gente consegue se preparar melhor pra algum fenômeno de interesse. Então… Mas como, por exemplo, se a gente pensa… Acredito que a maioria de nós consuma itens dessas plataformas de “streaming”, né, no caso. E aí, como é o modelo, nesse caso? O modelo se baseia no seguinte: você, enquanto usuário, está dizendo a todo tempo o que gosta pra essa plataforma, de consumir enquanto conteúdo de “streaming”. Então, à medida que você vai interagindo, vai observando os carrosséis: você vai assistindo, vai dando “like”. Enfim, tudo isso que você vai fazendo nessa plataforma serve de “input” pro algoritmo, para que o algoritmo saiba te ajudar mesmo a entender o que você quer. Então, ele começa - dado que eu aprendi um pouco sobre o comportamento do usuário - a te oferecer outras coisas, para que você permaneça engajado, permaneça consumindo e convertendo dentro dessa plataforma. Em geral, isso se aplica… Eu dei o exemplo da plataforma de “streaming”, mas ele se aplica pra produtos e dados em geral. O que eu achei que era o caso era que a plataforma de “streaming” está bem difundida, então todo o mundo tem uma familiaridade, que consegue reconhecer o que eu tô falando, mas isso se aplica, no caso, para todos os produtos digitais.
P1 – E me conta qual foi a sua primeira experiência profissional, onde foi e com o que você trabalhava?
R – Ah, legal. (risos) A primeira, mesmo, eu fui uma bolsista no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em Brasília. Eu saí da universidade e fui trabalhar em um desafio, que era um projeto de pesquisa, né, em que a gente ia estudar vários aspectos diferentes de telecomunicações no Brasil. Eu fiquei pouquinho tempo no projeto, porque depois eu fui trabalhar em uma empresa pública e tudo, então foi uma experiência muito rápida. E era uma experiência muito de assimilar bem o que a gente estava falando, porque eu tinha que ser inserida em um contexto no qual eu nunca tinha trabalhado e não tinha familiaridade, que era o contexto de telecomunicações. Então, entender quais são os desafios desses dados, quais são as demandas, o que a gente precisaria investigar, no caso. Então, tem muito de um contexto social que tinha que ser explorado, socioeconômico, né, no caso. E esse contexto era dado pelos economistas que faziam parte do time. Então, eles traziam essas eventuais demandas e também estruturavam um pouco de como eu tinha que estudar, para que, na eventualidade de esses dados chegarem - porque, no caso, no comecinho, os dados ainda não existiam, né? -, a gente estivesse minimamente pronto pra começar. Agora, a minha atuação como cientista de dados já foi bem diferente. Eu fui trabalhar, comecei a trabalhar em 2019. Estando em BH eu fui para uma "startup" de "marketing" digital daqui de Minas, mesmo. E a ideia ali já era completamente diferente, porque eu passei a trabalhar com a concepção de conceber um produto digital. Então, até aquele momento da minha vida, eu tinha sempre trabalhado com pesquisas, né? Seja pesquisas pro… Podia ser a pesquisa pro Ipea, podia ser a pesquisa pra empresa pública que eu trabalhei, podia ser uma pesquisa… Minha pesquisa acadêmica. Mas eram pesquisas. Ou a pesquisa do meu estágio. Enfim, eram sempre pesquisas. Agora, nessa empresa de "marketing" digital que eu estava trabalhando, a gente ia conceber um produto. Então, era essa noção de que a gente tinha que fazer um modelo preditivo, que era uma coisa com a qual eu já estava familiarizada, só que esse modelo preditivo seria usado o tempo todo. E o fato dele ser usado o tempo todo faz muita diferença. Porque aí, o meu foco não é tanto entender sobre o modelo, mas eu tenho que garantir que, sob o ponto de vista de tecnologia, ele vai funcionar bem. Então, eu tenho que garantir que esse modelo, além de ter um bom poder preditivo, que é uma coisa que a gente sempre persegue para os modelos de uma forma geral, também precisa garantir que ele é um modelo confiável, né, ele é seguro, não vai ter nenhuma perda de dados na hora que ele estiver sendo… Enquanto ele estiver em produção, né? É assim que a gente fala. E que ele é escalável. O que é isso? Significa que se tiver uma pessoa pedindo pra usar esse modelo, né, um usuário - no "site", no aplicativo, em qualquer lugar -, dois usuários, dez mil usuários, um milhão de usuários, dez milhões, esse produto tem que funcionar com a mesma qualidade. Então, o meu modelo a gente diz que ele tem que 'escalar', né, porque ele tem que ser flexível o suficiente para que, independente da demanda, funcione de uma forma adequada. Então, esse é um desafio tecnológico. É por isso que a profissão de cientista de dados é recente, né? Porque existiam outros profissionais para lidar com dados de uma forma geral. Estatísticos, analistas de dados, enfim, e mesmo pesquisadores. O diferencial do cientista de dados é que ele tem que colocar isso em produção para usuários. Então esse avanço de tecnologia é muito recente e por isso que a profissão também acaba sendo muito recente.
P1 – Então, essa foi a sua primeira experiência em Belo Horizonte, né? Você se mudou pra Belo Horizonte por questões, então, de trabalho?
R – Ah, não. Então, eu me mudei pra Belo Horizonte pra ter as minhas experiências acadêmicas. Tinha feito a minha graduação em Brasília, foi um período muito legal, que eu também estudei muito, dei uma sofridinha lá, porque faz parte. E aí passei um tempinho lá em Brasília trabalhando, né, só que eu sentia que eu estava perdendo um pouquinho de traquejo, mesmo. E quis fazer o meu mestrado saindo de Brasília. E aí é uma opção muito explícita de sair, porque eu não saí na minha graduação. Gostaria de sair naquele momento e de sair porque eu queria experimentar alguma coisa que fosse diferente dessa cidade, que é considerada uma bolha (risos) de prosperidade, uma bolha de segurança, enfim. Então, eu queria muito ter essa experiência de morar fora também, morar numa casa que não fosse a dos meus pais, porque aí eu conseguiria, de fato, ter responsabilidade, várias das responsabilidades que eu gostaria de assumir enquanto uma pessoa adulta. E escolhi vir pra BH, porque em Belo Horizonte eu teria uma bolsa, cujo custo estaria equiparado ao meu custo de vida. Nas demais cidades, várias outras cidades têm ótimos programas de pós-graduação, mas aí eu não sei se a minha bolsa ia cobrir bem aquele, o custo de morar nessas cidades, então eu fiquei meio… Eu falo que essa escolha que eu fiz foi muito por conta disso também: era uma boa universidade, com um bom custo de vida. E aí eu fiquei, acabei estudando bastante, fiz meu mestrado e meu doutorado e, terminando meu doutorado, eu entrei pro mercado de trabalho e estou aqui em BH até hoje.
P1 – Falando das suas experiências profissionais, eu queria que você falasse sobre o laboratório de dados pro governo, né, que você trabalhou com algumas estatísticas, o levantamento de algumas estatísticas. Me conta como foi essa experiência de trabalhar, de certa forma, como um suporte para políticas públicas. Me conta dessa experiência, que é um pouco fora da curva, né?
R – Nossa, foi demais, assim, Genivaldo, porque você imagina o seguinte: eu sou brasiliense e passei boa parte da minha vida acreditando (risos) que eu iria ser servidora. Ainda mais, assim, da minha adolescência pra frente, eu realmente via isso como uma perspectiva pra mim, uma perspectiva profissional, de carreira, porque, em parte, eram as referências que eu tinha, as pessoas que eu conhecia faziam isso. E aquele período em que eu era adolescente foi o ‘boom', né, do funcionalismo público federal. Pelo menos era assim que eu via, que eu percebia. Eu achava que a galera estava vivendo uma boa… Era um bom momento, né, para ter esse tipo de ocupação. Então, eu sempre me imaginei assim, sempre me imaginei fazendo alguma coisa que fosse prover um ganho muito claro para a sociedade. Sempre imaginei isso. E, enquanto um aluno de mestrado ou de doutorado, a gente é muito questionado a fazer isso, porque imagina: eu recebi um investimento enorme da sociedade como um todo, eu fui fomentada em todos os momentos do meu mestrado, do meu doutorado. E eu tive um período de doutorado sanduíche, também, em que eu fui fomentada exclusivamente pela Capes. Então, se tem uma pessoa que recebeu todos os benefícios e teve muito privilégio para receber a educação que eu recebi, fui eu. Não conheço ninguém dentro do meu departamento que tenha recebido essa bolsa na extensão que eu recebi, sabe? Imagina: morei um ano na Inglaterra, custeada por esse governo brasileiro. (risos) Então, assim, é muito… Eu tinha que dar um retorno pra sociedade, né, em algum momento, e sempre tive essa expectativa, também. Então, eu gostaria muito de trabalhar com dados sociais. Enquanto eu estava na universidade ainda… Isso não é uma coisa só minha, né? Não é só da Larissa. Enquanto alunos de mestrado e doutorado, todo o mundo tem um pouco disso. Não é uma… Não tô falando assim, da boca pra fora. A gente até tinha feito um grupinho chamado “Stats4Good”. E a nossa ideia era que, juntos, todos os alunos pudessem - os alunos que faziam parte daquele grupo, né, que acho que dava mais ou menos entre quinze e vinte pessoas - pegar problemas que eram da sociedade e ajudar a gente a entender um pouco desses problemas sobre a ótica dos dados que estavam disponíveis. Então, eu fiz isso em algum… Naquele momento, né, tinha um grupo que eu ajudei a liderar durante um período de tempo e foi muito legal, uma experiência muito bacana. Então, eu sabia que queria trabalhar com a iniciativa de dados pro bem em algum momento, que era uma forma de eu retornar isso pra sociedade. E aí, quando foi em 2019, né, no caso, a Social Good Brasil, que é uma instituição, uma ONG lá de Santa Catarina, mas que tem um pezinho, né, ela é fomentada pela ONU, no caso, entraram em contato comigo, porque eles viram que eu tinha esse perfil no LinkedIn, né, de ser uma cientista de dados e querer trabalhar com alguma iniciativa desse tipo. E aí eles entraram em contato comigo e aí eu: “Ah, que legal, que demais!”. Era uma mentoria. E quando a gente viajou pra esse encontro presencial, existiam eu não sei se eram oito ou nove secretarias diferentes, uma de cada estado do Brasil, que tinham essa vontade de começar uma iniciativa analítica, uma iniciativa de dados. E, como eu tinha alguma familiaridade com dados textuais e era daqui de BH, né, a gente… No caso, eles fizeram esse "matching" com a CGE, né, que é a Controladoria Geral do Estado de Minas Gerais e comigo, pra trabalhar nessa iniciativa. Então, era um projeto super legal, acho que tem um super apelo pra sociedade. Confesso que a gente não foi, assim, cem por cento com ele, a gente não conseguiu, dentro dos três meses, desenvolver tudo que tinha que desenvolver. E eu também entendi que a complexidade do projeto era muito grande, porque a ideia era trabalhar com a transparência do Estado, né? Então, como transparência, a gente entende que o Estado precisa prover o cidadão com as informações que ele tem direito e que gostaria de ver, no caso, né, as que realmente são úteis pra ele. E existem dois tipos de transparência: a ativa e a passiva. A passiva é quando você pede, o cidadão pede uma requisição de dados junto ao Estado. E a ativa é quando, proativamente, o Estado consegue colocar, disponibilizar essa informação pro cidadão. E a ideia era a seguinte: “Cara, eles estão recebendo uma série de solicitações de dados. Será que a gente não consegue uma inteligência que vai entender que tipo de solicitação está sendo pedida?”. Se você identifica um assunto que a galera tem pedido muito, os cidadãos têm pedido muito esses dados, então você automaticamente libera essa informação pra eles. Então, pode ser sobre a forma daquelas FAQs, né, que são páginas de perguntas frequentes, ou pode ser através de um portal, ou pode ser ainda sobre um canal de comunicação que seja específico, alguma coisa assim. Eu não sei exatamente qual era a forma que eles gostariam de comunicar essa transparência ativa, mas eles gostariam de uma forma de otimizar esse volume de dados, né, essa coisa de identificar o assunto e já transformar uma demanda passiva para uma coisa ativa. E é um problema super interessante, eu achei muito legal, porque conseguia ver que, de fato, os usuários podiam ser impactados e foi motivado por uma demanda que é muito real, que comoveu todo o mundo. Então, eles tinham comentado comigo, por exemplo, que quando o desastre de Brumadinho aconteceu, no dia 25 de janeiro de 2019, né? E logo em seguida da ocorrência disso, vários pedidos de dados vieram pra CGE, né, no caso. Não só pra CGE, pros órgãos do Executivo como um todo. Pedidos de diferentes naturezas, para entender, sob diferentes óticas, todo o mundo queria entender um pouco daquele fenômeno. E aí eles falaram: “Gente, como que a gente não imaginou que ia vir aquela enxurrada de demandas? A gente tinha que ter imaginado, porque é um problema…", foi um evento muito grande, um fenômeno, né, que aconteceu e pro qual a gente teria que responder, ajudar a responder um pouco da responsabilidade desse fenômeno. Então, a gente podia ter imaginado que isso podia ter acontecido e poderia ter se adiantado, né, para que essa demanda acontecesse mais rápido, de uma forma mais célere, mais segura, enfim, ser preparado pra isso. Então, achei a demanda super legal e interessante. E depois, quando eu estava trabalhando como cientista de dados, né, eu passei por um projeto que era parecido com isso - eu auxiliei, não fui exatamente a pessoa que fez todo o processo e que era exatamente parecido com isso, assim -, que era um projeto para identificar tendências, novidades, coisas que estão chegando ali na plataforma onde eu trabalho hoje. E é um projeto muito semelhante. Trabalhando nesse projeto, vi a complexidade disso. O quanto que demanda de esforço humano porque, em algum momento, até você conseguir calibrar isso, para que isso funcione realmente, exige muito a demanda… Essa coisa do diálogo, né, do cientista e, no caso da CGE, do servidor, da gente ficar conversando e falar assim: “Se esse tipo… Se a rotina rodar assim, isso te atende? Você acha que a gente vai conseguir definir, né, no caso, assim, tópicos, conjuntos de assuntos que de fato são diferentes entre si e que dizem respeito a coisas que são relevantes pros cidadãos?”. Então, existia muito essa demanda por, a gente fala, supervisionamento em algum nível, mas esse diálogo [era] muito próximo, sabe? Então, é um trabalho que deveria ser iterado durante mais do que três meses que a gente propôs inicialmente, mas o nosso objetivo lá no laboratório era sonhar grande, imaginar o que a gente podia fazer, dar um pouco do gostinho do que é um produto de dados e da complexidade desse produto, da responsabilidade desse produto também. Então, acho que a gente cumpriu esse papel e a parte técnica realmente ficou muito difícil, mas não por uma questão… Assim, difícil no sentido de operacionalizar isso, né, porque a gente precisaria iterar esse processo um número de vezes maior do que os três meses permitiram pra gente, no caso.
P1 – Faltou tempo, então, nesse caso, para vocês conseguirem fazer, digamos assim? Era algo que demandava mais do que o período do projeto, né?
R – Um pouco mais de tempo, (risos) de maturidade da nossa parte. Acho que a gente não imaginava que cavando os dados, ia ser tão diverso e tão complexo, né, quanto foi. Isso mostra a complexidade mesmo do problema que eles têm, no caso, de dar vazão a essas demandas que são tão heterogêneas, em um período que é colocado por lei, ali, no caso, que tem que fazer isso numa periodicidade bem regulamentada. Então, faltou tempo, faltou essa maturidade também e acho que a gente poderia ter iterado um pouquinho mais, podia ter se estendido no caso. Eu até tinha combinado com eles e a gente, infelizmente, não seguiu, mas nada que não possa voltar depois. (risos)
P1 – Certo. E teve algum outro momento na sua carreira, que você trabalhou como cientista de dados para dados sociais?
P1 – Bom, quando eu estava trabalhando… Eu acredito, né, que a minha atuação no Ipea foi próxima disso, porque eu tinha que dar respostas para a sociedade. Tinham questionamentos que eram levantados por pessoas que entendiam bem da área e tinham demandas. O objetivo daqueles estudos, todos os estudos do Ipea, era conseguir qualificar bem alguns fenômenos, para que as políticas públicas que sejam concebidas para esses fenômenos, sejam concebidas à luz de dados, à luz de informação. Então, eu imaginava, naquele momento, que eu também estava trabalhando um pouco com isso. Trabalhei nessa iniciativa da CGE e depois fiquei esse último ano, exclusivamente, trabalhando para essa plataforma. E bem recentemente eu comecei a trabalhar com algumas iniciativas de jornalismo de dados. Essas iniciativas vão ter um enfoque muito grande em dados que são para a população geral, né, mas aí mais a nível de um entendimento, mais a nível de entender, né, e não atuar como cientistas de dados, nesse sentido de conceber um modelo e de as pessoas poderem usar o modelo. Então, assim, eu pretendo colocar muito do meu esforço em dados que são sociais agora. Isso, realmente, é o que eu ambiciono pra minha carreira daqui pra frente, mas eu não sei exatamente como vou fazer isso, se já vai ser nesse nível descritivo assim, de trazer essas informações, ajudar a população a mastigar a informação, ou se eu vou seguir, fazer isso meio "part-time job" (trabalho de meio período), assim, meio dividido com a minha ocupação enquanto cientista em alguma "startup" de tecnologia. Aí eu não sei. Mas eu tenho muito essa vontade, assim, Genivaldo, muito mesmo, de conseguir traduzir fenômenos sociais, estudar fenômenos sociais. Eu gosto muito deles. Quando eu trabalhava no grupo do Stats4Good, lá, nossa, eu acho que foi, assim, o melhor trabalho que eu fiz na minha vida, foi aquele trabalho. Não foi o mais complexo, de longe o mais complexo, não tem nada a ver, mas tem a ver com a satisfação que a gente tem de entregar aquilo e falar assim: “Nossa, foi uma coisa bacana que eu fiz”. Então, eu sei que tenho muita… Me identifico muito com esse tipo de dado, com esse tipo de assunto, com as respostas que eu posso dar. Então, enfim, espero que outras iniciativas venham e que eu possa abraçá-las.
P1 – E a sua relação com a Social Good Brasil, ainda permanece em algum outro tipo de atuação?
R – Eu escrevi um pouquinho como colunista, pro Social Good Brasil, em alguns "posts". Depois, eles pararam um pouco com essa iniciativa, porque quando a pandemia veio, a demanda, o enfoque deles foi completamente diferente, no Social Good Brasil. Eles levaram todo o conteúdo deles, todas as iniciativas deles pra pandemia, especificamente. Um, porque quando eles trabalham com "fellows" (companheiros) que vão lidar com iniciativas mesmo de ONGs menores, tudo, elas eram… Sejam elas voltadas para fome, para a saúde, para a habitação, pra qualquer iniciativa, elas teriam que mudar rapidamente de contexto pra pandemia, então eles mudaram tudo o que eles estavam fazendo e também sob o ponto de vista de dados e comunicação de dados, eles tiveram que mudar, porque eles viram que muita coisa que estava sendo divulgada em função da pandemia era "fake news", ou era desinformação. Então, eles mudaram bastante a atuação deles. Inclusive, tiveram que fazer uma super (risos) mudança em tudo. E aí eu também não contribuí tanto ano passado, por conta disso. A mudança de contexto impôs uma mudança (risos) na forma como tudo aconteceu pra eles também.
P1 – E saindo um pouco desse campo social de políticas públicas, eu queria que você falasse um pouco sobre o seu envolvimento mesmo com a área de tecnologia, de programação, enfim. Me conta outras iniciativas que você teve e experiências nessa área.
R – Nossa, eu fico pensando assim, [que] é legal ter essa (risos) constatação que eu tô tendo, porque você pensa assim: “Gente, eu tô fazendo uma coisa que nunca imaginei fazer, sabe? Nunca. Eu nunca imaginei que eu fosse me apresentar como profissional de tecnologia”. Porque, quando eu era adolescente, lá e eu não gostava de mexer no computador, mal digitava meus trabalhos lá no Word, mal fazia Powerpoint (risos) e aí, poxa, alguns anos depois, eu sou uma pessoa que trabalha diretamente com tecnologia, não só produzindo-a, né, mas também a comunicando, tentando entender. Então, assim, é completamente diferente de tudo que eu imaginei pra mim. Eu gosto bastante de estar nesse mercado, porque eu vejo muito capital de carreira, Genivaldo. E acho que é bem isso: a médio e a longo prazo, essa é a melhor escolha que eu posso fazer pra minha carreira. Eu entendo que uma grande parcela de posições vai ser aberta na área de tecnologia, então fazer parte dela desde agora me dá uma sensação de segurança, de capital de carreira, mesmo. Então, esse é o motivo principal pelo qual eu trabalho com tecnologia. Eu gosto dos desafios que ela tem, não tanto quanto gosto de dados sociais (risos) e todo o mundo sabe disso, porque eu sempre falo, (risos) mas gosto bastante, assim. Eu acho que é a área de tecnologia que vai me formando, assim, pra todas essas "skills" que eu quero ter, de um profissional de dados que seja atual, que consiga lidar com toda essa demanda por informação que a gente tem e com as demandas de tecnologia que a gente tem também. Uma coisa que eu não gosto muito na área de tecnologia é que existe um, o ritmo é muito, muito rápido. Realmente, é muito cansativo. Eu vejo isso nitidamente nas nossas demandas, na quantidade de coisas que a gente... Não só é demandada, mas a mudança de contexto que exige em empresas de tecnologia é uma coisa, assim, muito grande. Então, tanto na minha primeira iniciativa com o produto de "marketing" digital, quanto na plataforma que eu trabalho atualmente, a mudança de contexto é muito rápida. Então, de dois em dois meses, aparentemente, os seus projetos podem mudar completamente. Mudam os seus projetos, muda toda a forma que você trabalha. E, fora isso, fora essas coisas mais estratégicas, as ferramentas com as quais a gente trabalha também podem mudar. Então, você está sempre num contexto de estar, sabe, se reinventando a todo momento, assim. Então, eu acho difícil, assim, acho… (risos) Ô trabalhinho difícil, esse negócio de trabalhar (risos) com tecnologia. Muito rápido, os seus colegas, você vê o ‘churn’, a gente fala o ‘churn’ da galera que trabalha com a gente, todo mundo entra e sai, é muito rápido, então mesmo essa dinâmica de quem é o seu time, quem é o seu gestor, isso muda muito rápido. Então, eu tenho essas ressalvas, assim. Não sei se eu gostaria de estar num contexto que demanda tanto de mim o tempo todo. Essa coisa de estudar tanto. Estuda-se muito. Eu, como cientista de dados, a gente estuda… Eu sei que tô 'nichada' numa área que é bem pra analisar o dado, pra conseguir comunicar o dado pra "stakeholders" e coisas assim. Mas, ainda, assim, a gente tem que estudar tecnologia,
metodologia, sobre o dado em si, sobre como [os] demais "players" do mercado de tecnologia estão lidando com aquele problema. Então, é muita coisa pra gente levantar, né, o tempo todo. Também acho que tem uma coisa de, realmente, levar muitos funcionários ao "burnout" (exaustão), sabe? Os colaboradores, de fato, precisam se cuidar muito pra não sucumbirem a tanta demanda assim. E, com tecnologia, no caso, tenho… Eu faço parte de uma comunidade que é a grande menina dos meus olhos, assim, que eu sou muito apaixonada e ela representa… Essa comunidade tem um perfil que é exatamente o que eu sou, né, então me vejo, tenho uma identidade muito grande com aquilo. Hoje, eu faço parte da organização de uma comunidade chamada R-Ladies BH, né, o capítulo de Belo Horizonte. Essa comunidade é super conhecida no mundo todo, ela foi fundada por uma brasileira, que hoje mora na Califórnia, é gerente de ciência de dados na IBM Califórnia, que pensou numa comunidade que fosse suficientemente inclusiva (risos) pra mulheres e grupos minoritários, e usa uma linguagem muito específica, chamada “Linguagem R”. Assim como eu, ela é uma estatística e todas as vezes que eu ouvi [ela] falar, me senti muito inspirada, sabe? Me vejo muito nela. Nas vezes que ela transmite também, não só os projetos de sucesso dela, mas, acima de tudo, a insegurança dela. Isso tudo causa uma grande empatia, enquanto uma profissional de tecnologia. Então, eu gosto muito dessa comunidade, por conta disso, acho que ela é super fundamentada em valores muito humanos, né? E isso de trazer mulheres para a tecnologia sempre vai ser super interessante pra mim. Não é só mulheres, no caso, também são mulheres cientistas, pessoas que querem lidar com dados. Então a gente acaba falando muito também sobre uma cultura orientada por dados, que é aquela cultura que vai estar menos sujeita a viés, a percepções subjetivas e é o que a gente procura. Então, de uma forma geral, adoro a comunidade, nosso objetivo é trazer mais mulheres, tanto pra ciência, quanto pra tecnologia, quanto pra dados. Existem outras comunidades que correm paralelas, né, a gente é só mais uma delas. Mas a nossa ideia é promover conteúdo que seja de qualidade, pra trazer uma grande gama de profissionais qualificadas e que se sintam preparadas também pra todos os desafios que vêm por aí. Sou apaixonada por essa comunidade, é a atual menina dos meus olhos. (risos)
P1 – É, eu vi que você tinha feito algumas palestras, algumas coisas a respeito dessa Linguagem R. Eu ia te perguntar e você já respondeu, foi ótimo. (risos)
R – É. (risos)
P1 – Mas uma coisa que eu queria também te perguntar, está ligada a isso: como você vê a participação feminina no mercado de tecnologia? Você acha que isso está evoluindo, que está ainda aquém do que deveria ser? Se existem empecilhos que talvez você mesma tenha presenciado. Me fala um pouco as suas impressões a respeito desse tema.
R – Excelente. Adoro falar sobre esse tema. (risos) É porque é claro que o mercado de tecnologia é um espelho do mercado de trabalho, de uma forma geral. E a gente sabe que as mulheres são sub-representadas no mercado de trabalho e, na grande maioria das vezes, elas ganham, proporcionalmente ao homem, um valor inferior, mesmo considerando a mesma qualificação, a mesma experiência. Então, o problema é que, no mercado de tecnologia, isso pode se agravar. E a gente sabe que, pra gente conseguir, a médio prazo, digamos, que as mulheres cheguem muito próximas dessa competitividade com os homens no mercado de trabalho, a gente precisa investir que elas ocupem posições que são, realmente, muito demandadas e que têm bons salários, né, no caso. Então, assim: a gente precisa trazer mulheres em um volume muito expressivo e qualificadas, para ocupar posições de tecnologia. Esse é um entendimento muito claro que eu tenho. Hoje faz dois anos, dois anos e meio, né, que eu trabalho no mercado de tecnologia. Eu tive o privilégio de estar em lugares em que fui muito acolhida por esse mercado, então a minha percepção individual é que o mercado me acolheu super bem. Só que eu tenho que estar sempre atenta ao viés que carrego, né? Eu sou uma mulher branca, extremamente privilegiada, com altíssima escolaridade. É claro que eu chego ali em um cenário muito… Trabalhando em um ramo que é muito "hype" (na moda), assim, então chego num contexto muito favorável. As pessoas, de fato, me dão, abrem muitas oportunidades pra mim. Essa não é a realidade para a maioria das profissionais de tecnologia, também. E o meu objetivo, então, assim, apesar de saber que eu vivi sob condições muito legais em todos esses meus dois anos e meio de experiência no mercado de tecnologia, eu sei que tem muita coisa pra ser conquistada de uma forma geral. Eu quero que, por exemplo, no time que eu tô agora, quando a gente era um pouco maior, esse time, a gente tinha três mulheres, dentre nove cientistas, né? Sendo que o número de mulheres que chegavam pra fazer essas entrevistas era muito pequeno. Então, assim, de fato as mulheres não estão conseguindo alcançar essas posições, elas não estão se candidatando a essas posições e isso é muito nítido pra mim. Tem uma expressão excelente que eu aprendi nos muitos eventos que já fui de tecnologia, né, que eles têm vários por aí, que é uma teoria de uma - não é teoria, acho que é de uma expressão bem cunhada, até - mulher, organizadora de comunidade aqui de BH -, ela tem uma comunidade chamada She’sTech e diz que as mulheres têm tetos de vidro na carreira de tecnologia. Na carreira de uma forma geral, mas na de tecnologia também. Então, ela não consegue… A princípio, quando você está de baixo, você olha a sua carreira assim e vê que ela está meio opaca. Você não sabe exatamente o que tem que fazer pra ascender nela. E, à medida que você vai subindo, vai vendo que você vai esbarrando em empecilhos que não sabia que existiam e eles vão, que são os chamados “tetos de vidro”. Então, existem vários deles, mas você não consegue mensurar quantos são, quais são, de antemão. Você não consegue se preparar pra eles. À medida que você lida com eles é que você percebe o quanto de barreiras que você tem que transpor. E eu percebo isso também. Assim, eu acho que tem uma série de aspectos dentro de cada empresa que são individuais a cada uma delas, mas, acima de tudo, o que eu vejo como empecilho fundamental é que, pelo menos assim, onde eu coloco boa parte do meu esforço, como alguém que trabalha numa comunidade, é no seguinte sentido: essas empresas, hoje, entendem o papel da mulher, querem que essas mulheres venham trabalhar, mas não necessariamente essas empresas acolhem essas mulheres como elas precisam ser acolhidas, né? Então precisam entender que existem demandas pra mulheres, ainda que, infelizmente, ainda são, muitas das vezes estão só nos colos das mulheres. Enquanto a gente tem que trabalhar pra mudar isso, mas a gente precisa pensar um pouquinho também: “Nossa, como é que a gente não estrangula. A gente não quer estrangular essa mulher no meio disso tudo, né?”. Então, ela tem essa coisa de pensar nessa cultura organizacional, pra acolher melhor essa mulher e também, na hora de contratar, porque eu vejo muitas empresas com um super gás pra fazer contratações massivas de mulheres, trazê-las em níveis muito altos também, né, mas sem a capacidade de entender que elas têm que, essas empresas também têm que formar essas mulheres. Elas têm que ser responsáveis por engajá-las, incentivar essas mulheres, às vezes, dar uma bolsa, para que algumas delas… Se já tem uma colaboradora ali, que sabe que ela quer estudar alguma coisa, então você [deve] incentivá-la, financiar, né, patrocinar, no caso, dar oportunidade de estágio para essas alunas que estão ali na graduação, para que elas sejam, consigam ter essas oportunidades iniciais, que são um entrave inicial também. Então, falta muita iniciativa disso, da empresa ser muito proativa nesse acolhimento e na formação dessas mulheres. E eu não vejo isso, principalmente na formação. Vejo algumas vagas afirmativas, várias empresas com vagas afirmativas, em diferentes níveis da carreira, mas eu, pelo menos, acredito que a empresa tem um papel fundamental, formando essas profissionais. Dado que ela demanda tanto, também pode entender que ela pode financiar, que pode patrocinar e, assim, de fato, evai transformar a vida de uma dessas mulheres nessas empresas de tecnologia.
P1 – Você acha que esse contexto, né, que a gente está comentando aqui, agora, afasta parte das mulheres do ramo de tecnologia? Do tipo: “Nem vou tentar, porque acho que tem muito homem, não vai dar muito certo”? Você acha que isso também desmotiva parte das mulheres a entrar nesse ramo, a se especializar na área de tecnologia?
R – Acho. Acho que é exatamente isso. Na verdade, assim, eu vejo dois movimentos, né? Não só o mercado. Existe uma dificuldade de formar essas mulheres, de trazer essas mulheres, porque o mercado de tecnologia demanda muito estudo, né? Demanda um acesso à tecnologia, que ainda tem um custo alto. Por mais que ela vá ficando mais barata à medida que o tempo passa, isso ainda tem um custo muito alto, pra você trazer um número expressivo de mulheres. Mas também tem um lado dessa coisa comportamental, emocional, das mulheres, de não conseguirem se enxergar nessas posições e temerem essas posições, também. Eu vejo isso de uma forma muito clara, porque eu também vivo isso, né? Também não me vejo preparada pra alguns cargos, quando... Nossa, assim, Genivaldo, a minha vida foi isso, basicamente, né? A princípio, lembro quando eu queria fazer meu doutorado sanduíche, eu não sabia se eu ia submeter ou não, porque ficava pensando: “Ai, não sei se eu vou dar conta, não sei se isso, não sei se aquilo” e foram os meus colegas que me empurraram. Eles falaram: “Não, você vai porque tem uma bolsa rolando aí, é pra você e você vai. E você vai escrever esse negócio” e fui meio empurrada. E, pra entrar no mercado de tecnologia, eu também fui cheia de receio e cheia de medo, assim, né: “Nossa, será que eu vou dar conta? Será que isso é pra mim? Será que eu vou… Será que eu tenho o ritmo dessas demandas? Será que eu quero estar na companhia dessas pessoas, que eu vejo de determinada forma?”, foi cheia… Sempre fui permeada por muitas dúvidas. E ainda sou. Posso fazer entrevistas para algumas posições e pensar… Isso acontece todo dia, o dia todo (risos): “Será que eu tô preparada pra ir pra essas posições?”. Ou mesmo [quando] chega um projeto: “Será que eu tenho condições de tocar esse projeto agora?”. Isso acontece o tempo todo. Esse questionamento, essa dúvida que a gente tem é muito grande. E ela vem de uma coisa que é histórica, infelizmente, acho que é da nossa sociedade. A mulher não se vê suficientemente qualificada pra essas posições, por um "déficit" educacional que existe entre nós, infelizmente, mas existe por uma questão social, tudo. E emocional, assim, da gente nunca se achar preparada, da gente ficar se comparando o tempo todo, o que é péssimo. O que é péssimo. Mulher, (risos) eu vejo assim: quando eu estava trabalhado nesse time que era super, assim, com perfis muito diferentes de profissionais e que funcionava super bem, né, eu via o quanto que a gente conseguia trazer "insights" muito legais, visões muito interessantes do problema, do projeto, do processo. Pensar no processo. E o quanto que a gente vinha acrescentar de uma forma completamente… Uma nova visão mesmo, sabe, pro problema, pra tudo isso. E o engraçado é que eu ficava pensando assim: “Mas será que é só a minha visão? Será que é só o meu viés, por eu ser uma mulher que quer promover essa mudança?”. E aí eu conversei com… Estava trocando uma ideia com o meu 'namorido', né - no caso, ele também trabalha como cientista de dados - e ele estava conversando isso comigo, ele falou assim: “O que eu acho mais interessante é que - ele fez uma entrevista com algumas rodadas de pessoas diferentes e falou assim: - as mulheres trazem um ponto de vista que é delas”. E é isso que uma empresa de tecnologia precisa, né? Quando a gente pensa que quer trazer inovação, sobretudo, na tecnologia, a inovação passa por você conseguir enxergar o que as outras pessoas não estão vendo. Então, é por isso que a gente precisa conseguir trazer esses olhares, né, que são diferentes, pra dentro dessas empresas, pra que a gente promova uma mudança social e também para que essas novas visões também consigam promover uma mudança na forma como esses produtos são concebidos. Então, super quero isso, super… A gente está aí, né, todo mundo, (risos) lutando por isso. Todo o mundo não, mas quem é engajado na causa luta por isso, quer isso, com certeza. E quem trabalha vê o ganho que é a chegada, não só de mulheres, né, de mulheres e de grupos minoritários, nos seus times, nos seus processos, nos seus trabalhos e nos seus produtos.
P1 – Você acredita que a diversidade, nesse caso, né, uma equipe diversa, pode trazer resultados inesperados, no bom sentido? Trazer coisas que as pessoas não tinham visto, caso a equipe fosse uma equipe muito homogênea.
R – Exatamente. Existem alguns livros que discutem isso, né? Como que perfis muito homogêneos de profissionais acabam desenhando algoritmos ou soluções de tecnologias cheias de viés. E esses perfis induzem esses algoritmos, porque eles não têm diversidade entre si, né? Eles não conseguem pensar fora do que eles viveram, fora da percepção deles. Então, uma forma da gente conceber soluções em tecnologia, de um modo geral, que sejam realmente orientadas por dados e sem vieses, né, (risos) no caso, muito dramáticos. Porque eu acho que um pouco de viés sempre vai ter, mas viés muito dramático, é trazendo uma diversidade de visões sobre os fenômenos, sobre o mundo que a gente vive e é por isso que a gente precisa de times que são, de fato, multidisciplinares, de múltiplos contextos, diversos de uma forma geral.
P1 – E isso tem uma questão que está se tornando bastante atual, né? Essa questão do viés nos algoritmos. Então, vocês já estão, com certeza, pensando nisso.
R – Ah, sim. Acho que, de uns tempos pra cá, né, eu tenho muito isso, assim. Uma plataforma de "streaming" divulgou uma série de documentários sobre esse assunto: os diferentes impactos que os algoritmos podem trazer pras vidas das pessoas, em diferentes níveis, em diferentes contextos. E aí fica muito explícito. Isso joga na cara de todo o mundo, né, o impacto que algoritmos desenhados sem esse cuidado de viés e de tudo, quanto que isso pode ser prejudicial pra gente como um todo, né? E o legal desses algoritmos desses documentários, é porque são documentários. São documentários, então eles falam a linguagem de pessoas que não necessariamente estão aptas a ler "papers", a ler livros, não querem se debruçar muito tempo sobre o assunto, mas que precisam ser informadas, precisam estar à luz dessa discussão, no caso. Então, super recomendo que as pessoas que podem e que querem e se interessam por esse tipo de conteúdo, de informação, possam assistir, para que entendam um pouco das discussões que estão rolando num nível mais ético, né, social, do uso que a gente faz dessas tecnologias massivas aí, de dados.
P1 – Falando sobre o seu doutorado sanduíche na Inglaterra, eu queria que você comentasse um pouco como foi essa experiência. Você passou um ano na Inglaterra, como foi isso pra você? Que experiências foram marcantes pra você?
R – Nossa, foi a melhor experiência da minha vida, Genivaldo! (risos) Eu lembro, assim… Fui durante o período de 2017 e 2018, né, então tive o privilégio de passar um ano na Inglaterra. Quando eu cheguei no laboratório, as pessoas nem acreditavam que eu ia passar um ano. Porque, mesmo pro padrão de universidade, né, assim, pra… Mesmo considerando que eles recebem um fluxo muito grande de alunos estrangeiros, dificilmente o aluno fica lá um ano. Então, assim, foi uma experiência maravilhosa. E por que foi maravilhoso, né? Bom, primeiro porque eu tinha começado o doutorado aqui, o doutorado é muito difícil, é aquele momento, né, [que] são muitas disciplinas, num nível de complexidade muito alto> Você tem muita dificuldade de perceber o que está conseguindo, de fato, assimilar, de tanta coisa difícil. Você pensa: “Mas o que eu tô aprendendo aqui, meu Deus do céu?”, porque é tudo muito difícil. E, passado esse período, tive a oportunidade de fazer uma parte da minha pesquisa fora e foi um grande presente, assim. Foi um grande presente. Eu tinha uma coisa dentro de mim, que eu pensava assim: “Nossa, tudo o que eu faço é na Estatística, né? Eu escolhi fazer a graduação em Estatística, mestrado, doutorado, tudo o que eu estou fazendo é em Estatística. Eu quero ver outra coisa, quero estar com outras pessoas”. E aí o doutorado sanduíche foi essa oportunidade que eu tive, de estar com outras pessoas, em outra área, lidando com outros contextos, de pesquisa mesmo, porque o que eles faziam como pesquisa era bem diferente do que a gente faz aqui. E outro país, obviamente outra cultura. Então, foi… Putz, foi incrível, assim, pra mim. Fico muito apaixonada pela oportunidade que eu tive. Eu trabalhei… Estive num laboratório que era específico pra Linguagem Natural, né, no caso. Então, era um grupo que lidava com… A gente chama de Processamento de Linguagem Natural ou Linguística de Corpos, no caso. Então, esse é o nome técnico que se dá pra esse grupo de pesquisa. E aí eles trabalhavam fazendo pesquisas que virariam, em algum nível, produtos pra empresas ou pra própria sociedade. Então, também era muito legal, né, não era uma pesquisa tão acadêmica assim. Claro que eles tinham o objetivo de publicar, eles tinham teses, datas para serem obedecidas, enfim, projetos de pesquisa, verbas para serem autorizadas, todas essas burocracias inerentes da pesquisa, mas eles também tinham vários projetos como empresas, como iniciativas diferentes das que a gente tem aqui, né, ou das que eu experimentei durante o meu mestrado e doutorado. Então, por exemplo, eu fui muito colega de uma búlgara que tinha um projeto de pesquisa que era demais. Que era assim: você… Ela fazia, queria ajudar pessoas que têm autismo, a terem uma compreensão melhor de textos lidos, assim. Então, ela fazia vários experimentos com os usuários e eu participei de alguns deles, na troca de um "voucher", lá e que ela via como é que a gente estava lendo, o que a gente estava compreendendo desse texto, porque a ideia era a gente identificar o que era mais fácil de ser compreendido. E aí existiria uma tecnologia que conseguiria pegar de um texto, de um determinado texto, extrair as informações que eram mais relevantes e mais fáceis de serem compreendidas para que uma pessoa com autismo pudesse consumir essa informação, no caso, né? Então, a pessoa ia consumir essa informação, que seria… Acho que é simplificada, numa compreensão mais fácil. Eu achava, assim, o projeto de pesquisa dela incrível! Tinha uma parceria com uma empresa, com uma outra universidade, né, quando ela fazia esses estudos, e eu gostava demais do que ela fazia. Olhava pro projeto de pesquisa dela e pensava assim: “Uau! Meu Deus, olha o que as pessoas estão fazendo!”. Foi muito legal, adorei. Adorei a experiência de estar num país tão confortável, né, tão seguro, tão próspero. Convivi com pessoas de diferentes nacionalidades, assim, todo mundo ali misturado, naquela confusão toda ali, (risos) para as coisas acontecerem. Tive oportunidade de conhecer e viver muita coisa durante o ano. Ai, morro de saudades. (risos)
P1 – Isso acabou impactando a forma como você conduziu o seu doutorado, a sua tese, no retorno?
R – Parte da minha tese foi feita lá, né, então eu tinha um coorientador desse instituto de pesquisa e ele me ajudou, de fato, a entender o que eu estava fazendo, a estruturar minha pesquisa e, enfim, concluir essa pesquisa. Me ajudou a escrever esse texto também, foi muito legal. E uma coisa que... Acho que o impacto bem claro, assim, que teve nessa minha experiência, foi porque lá eu comecei a entender um pouco essas demandas por produtos digitais, né? Porque, por exemplo, essa minha colega búlgara trabalhava com… No final das contas, esse projeto de pesquisa dela, algum dia vai ser um produto, né, vai ser uma ferramenta que vai ser vendida ou doada pra pessoas que tem autismo, né, para que elas possam fazer uma leitura de textos, dos nossos textos que a gente tem, para que eles fiquem disponíveis para essas pessoas. E aí eu comecei a ver o valor que existe em você entregar uma inteligência de dados pra população, né? Eu já havia pesquisas, eu já havia… Enfim, toda aquela coisa minha social, assim, sempre existiu, mas eu comecei a enxergar o quanto os modelos que a gente pode fazer conseguem entregar um valor pra qualquer pessoa, né? Então, foi muito legal, assim. Gostei demais dessa experiência.
P1 – Bom, então a gente está chegando na parte final da entrevista. Primeiramente, eu vou te perguntar: existe algo que eu não te perguntei, que você queria comentar, que não entrou nessa nossa conversa e você gostaria de falar?
R – Ah, eu sempre comento um pouco sobre a Larissa sem ser tão profissional, né, mas é uma… Não são tantas coisas assim, mas poxa, eu gosto muito de cozinhar. (risos) Sou uma pessoa que adora cozinhar, adora receber. Eu tenho uma clara influência dos meus pais, sabe, eles são muito assim, gostam muito de ter a casa cheia, de fazer uma comida legal, de tomar alguma coisa juntos, de conversar a tarde toda. Esses são os meus pais e a Larissa, hoje, se vê assim também. Ainda mais nessa pandemia. Essa pandemia aumentou a minha vontade enormemente de poder estar com as pessoas, conversando, comendo junto, sem máscara, sem nada disso. Anseio muito por esse momento, espero que chegue logo pra todo o mundo. Fora isso, gosto muito de ler. Sou uma pessoa que gosta bastante de ler. E estou sonhando… Estou sempre, assim... Ainda sonho em me encontrar dentro da minha profissão, sabe, Genivaldo. Eu gosto do que faço, gosto de ser cientista de dados, penso em dados sociais, penso em múltiplas coisas e vejo atuações diferentes pro profissional de dados, ainda. Então, outro dia estava lendo sobre carreiras que são pra você conseguir trazer uma cultura analítica para uma empresa, né, que é o que eles chamam de cientistas de dados que são evangelistas, que são aqueles que conseguem trazer uma cultura orientada por dados pra níveis estratégicos, pros níveis do produto, nível da tecnologia, nível da operação, independente do nível, para que todo o mundo consiga trabalhar orientado por dados. E eu achei essas iniciativas super legais. É o tipo de ocupação que eu vejo que no futuro vai bombar, assim, porque a gente vai demandar muito. A gente pensa que os dados vão revolucionar a forma como a gente trabalha e como a gente atua, como a gente toma decisões. Mas, para que isso aconteça, efetivamente, a gente tem que escalar esse uso de dados. E escalar o uso de dados também é escalar a formação dos profissionais que trabalham com dados, né? E talvez porque eu tenha sonhado tanto em ser professora, quando eu era criança, depois dei aula um pouquinho quando eu estava na universidade e eu vejo que gosto muito de falar, que gosto muito de explicar as coisas pras pessoas. Eu também imagino que eu possa vir a trabalhar com isso, sabe? Posso vir a trabalhar nesse sentido de conseguir trazer cultura analítica pras pessoas. Explicar o que são, como é que são esses dados, por que que a gente usa “X”, por que que a gente usa “Y”, quando usar cada coisa, quando que uma decisão é crítica, a ponto de não poder ser tomada exclusivamente ao longo de dados. Então, também me imagino fazendo esse tipo de coisas assim, né, pro meu futuro. É uma atuação que eu sonho, também, em ter. (risos)
P1 – Bom, você já respondeu parcialmente a minha próxima pergunta, que é: “Quais os seus sonhos pro futuro?”. Profissionais, a gente já tem uma ideia agora, né? Mas e os pessoais?
R – Eu sonho muito, Genivaldo, assim, de trabalhar bem, sabe? Eu… Agora que eu trabalho no mercado de tecnologia… Comentei sobre como a gente é demandado por fazer entregas rápidas, por mudar de contexto rápido, por estudar muito. Então, assim, eu sonho muito, acima de tudo, em ter uma cabeça muito boa pra lidar com essas demandas. Quero ser uma profissional longeva, né, assim. Então, quero estar apta a trabalhar ainda durante muito tempo e conseguir fazer isso, passar… Por trabalhar com uma certa serenidade, né, entender o que eu posso fazer hoje, o que eu não consigo mesmo, os pontos que tenho que evoluir e tudo. Então, assim, o que eu mais sonho pra mim é trabalhar com bastante qualidade e saúde mental. Eu sei que pode ser meio clichê falar disso, a gente está vivendo num momento pandêmico e isso virou muito assunto. Acabamos de passar (risos) pelas olimpíadas, Simone Biles lá falando: “Ai, tal, não quero, não vou fazer isso, porque não tô bem o suficiente pra fazer”, mas eu realmente acredito nisso, sabe? Trabalhar em tecnologia me acendeu uma coisa assim, foi uma faísca mesmo, nessa necessidade que eu tenho de, realmente, cuidar da minha cabeça, sabe, para que eu seja uma profissional, uma pessoa melhor. Então, é isso que eu sonho pra mim, enquanto uma profissional. Mais do que posições, assim, né, porque eu sonho em ser uma cientista de dados que consegue evangelizar, trazer uma cultura de dados, mas eu também sonho em ser uma boa profissional pra mim, sabe? Alguém que não vai sucumbir a essa profissão, que demanda tanto da gente. Então, é uma coisa que eu falo todos os dias (risos) com o meu namorado. Acima de tudo, além de entregar, a gente tem que entregar pra gente, né? A gente tem que entregar qualidade de vida e uma satisfação com o nosso próprio trabalho e isso é uma coisa que a gente precisa construir pra gente, também. Então, é mais ou menos por aí que eu tenho pensado, ultimamente.
P1 – E quais as coisas mais importantes pra você, atualmente?
R – Atualmente, é saúde. Eu quero estar bem com a minha saúde, [a parte] física também. Ano passado, assim que a pandemia começou, eu não estava mais no escritório… Esses escritórios de tecnologia, Genivaldo, são muito confortáveis. Mesas muito boas, cadeiras muito boas, né, tudo é muito anatômico, muito propício para que você fique ali horas, trabalhando. E quando eu fui trabalhar em casa, não tinha nada disso. (risos) E foi muito dramático pra mim, trabalhar nessas mesmas condições, então eu tive bastante dor, né, na coluna, tive crises de ansiedade por não estar trabalhando na pandemia. Naquele momento, aquilo acendeu assim pra mim e falei: “Ó, olha aí, você tem que se cuidar bastante. Você está… Tem dois anos que você está trabalhando aí e agora já está com dor, está preocupada e com ansiedade”. Então, a primeira coisa que eu penso pra mim é, sempre, saúde. Minha e das pessoas que estão comigo, assim. Qual era a pergunta mesmo, Genivaldo?
P1 – O que é mais importante pra você hoje em dia. As coisas, não uma só, necessariamente. (risos)
R – Entendi. (risos) Então, a primeira delas é saúde, com certeza. A segunda delas são os meus relacionamentos, relacionamentos com as pessoas que eu amo, senti muita falta disso durante a pandemia. Então, assim, não pude ver os meus pais com a frequência que eu queria, não pude ver os meus amigos com a frequência que eu queria. Perdi… Não tem jeito, acho que nada tira essa sensação de mim, né, que eu perdi vida nesse tempo, assim. Perdi… Poxa, minhas colegas que tiveram neném, eu não pude vê-las gestando, não pude ver os nenéns, não pude ver vários amigos. Então, festinhas, aquela coisa de você encontrar nos aniversários, poder almoçar fora, poder encontrar alguém, enfim, sair para andar de bicicleta com alguém. Sinto muita falta disso tudo. Relações. Depois da saúde, relações humanas. E a terceira coisa que eu prezo muito, assim, e é mais profissional, mas também pra minha vida, é autonomia. Sonho pra minha vida uma vida em que eu consiga fazer as minhas escolhas, né? Que eu consiga, possa ter escolhas e que eu as faça da forma que… Da forma mais livre possível. Quando a gente trabalha com tecnologia, isso é muito forte. Você quer trabalhar com autonomia, significa que você quer ter, escolher qual que é a solução que eu quero dar pro meu problema. Isso é muito forte em dados. Apesar de a gente ver dados como uma atuação analítica, tecnológica, exata, a atuação em dados é uma atuação com criatividade. Você precisa conseguir enxergar um problema e pensar numa solução nova pra aquilo, ou numa solução que dá pra você fazer com o que tem, tipo assim: “Onde eu consegui chegar com a bicicleta que eu tenho”, sabe? Então, é imprescindível que, pra que a gente trabalhe com criatividade, a gente trabalhe com autonomia. Então, eu prezo muito por isso, essa liberdade de escolher como eu vou trabalhar, com o que quero trabalhar e também as pessoas com as quais eu quero trabalhar, né, porque o time faz toda a diferença no ambiente que você está. Eu quero trabalhar num lugar em que eu me sinta acolhida e que possa acolher também, em que existam relações que são horizontais e tal. Então, a autonomia também é um valor muito grande pra mim, nesse momento.
P1 – E, por último, última pergunta: como foi pra você contar a história da sua vida pra gente, hoje?
R – Nossa, foi legal demais, gente. (risos) É muito legal você contar a história da sua própria vida, pra você se reconhecer enquanto uma pessoa que luta, né, que falha, enfim, todas essas coisas. Eu estava lendo outro dia um livro sobre "storytelling", né? A gente fala muito sobre "storytelling" agora, ainda mais com dados, é uma coisa que a gente percebe bastante. Então eu estava lendo um conteúdo sobre isso e o autor falava muito sobre como é importante que a pessoa que vai contar a história se aproprie da sua própria história, né? Então, esse foi um exercício muito legal. (choro)
P1 – Respira fundo. (risos)
R – Eu fico super emocionada e acho que as pessoas olham, assim, né, pra várias profissionais de tecnologia… A gente está dentro de uma pirâmide, né, assim, social, econômica, tal e eu me reconheço, assim, em muitos momentos, em uma situação de muita insegurança, né, por todas essas mudanças que existem na tecnologia e porque a gente está sempre tendo que se provar em algum momento. E aí, quando a gente pode contar a nossa história, é legal pra gente se empoderar dela, como eu tinha comentado, sentir orgulho dela, pra gente se reconhecer e nesse lugar de alguém que luta, né, de alguém que se esforça, que está tentando. Então, foi um super presente pra mim poder conversar com vocês, poder contar a minha história. Eu espero que mais pessoas possam contar as suas histórias também. (risos) É um grande presente. Obrigada!
P1 – A gente que agradece! Em nome do Museu da Pessoa e toda a equipe aqui, a gente agradece muito o seu depoimento. Foi muito legal, incrível. Muito obrigado!
R – Ah, pessoal, eu que agradeço. Vocês são muito simpáticos. (risos) Foram… Foi muito leve. Eu gostei bastante desse esquema de conversar e como eu falei, assim, desde o comecinho, quando o Genivaldo me ligou, eu me emocionei bastante, porque acho que é um super privilégio poder contar a sua história pra quem quer que seja, ainda mais para um lugar que pode alcançar tantas pessoas, então, obrigadão. (choro)Recolher