Quando morei na penitenciária, quando meu pai foi diretor penal, me sentia livre para brincar. Isso porque antes, quando eu morava numa rua de bairro comum, eu via diante de meus olhos, “atrás dos muros de minha casa”, crianças brincando, mas não podia participar. Tinha que ficar só...Continuar leitura
Quando morei na penitenciária, quando meu pai foi diretor penal, me sentia livre para brincar. Isso porque antes, quando eu morava numa rua de bairro comum, eu via diante de meus olhos, “atrás dos muros de minha casa”, crianças brincando, mas não podia participar. Tinha que ficar só no quintal, ao som dos “passarinhos” livres. Maluco não? Mas atrás daqueles altíssimos muros tinha um enorme parque, onde ficavam as casa dos diretores, do padre e, mais além, dos funcionários menos graduados. A loucura era que podíamos brincar livremente com outras crianças e sumir pelo parque mesmo quando os presos estavam cuidando dos impecáveis jardins e da horta que ficava aos fundos de minha casa. Eles trabalhavam vigiados sob a mira dos guardas armados de fuzis, prontos para disparar. Resignados, não nos dirigiam nenhuma palavra, sabiam quem éramos e nós achávamos, na nossa ingênua infância, tudo absolutamente natural. E ali me sentia livre. Podia correr, me “misturar” com outras crianças que lá moravam, aprender a andar de bicicleta, inventar morros e pontes de terra, colher verdura na horta, apanhar jabuticaba no pé, fazer lição e brincar de escolinha com as presas do presídio feminino, minhas vizinhas, assistir os filmes do Chaplin, que meu irmão passava na sala de casa, onde um lençol fazia a vez de tela de projeção, pular fogueira nas animadas festas juninas que fazíamos, enfrentar o desafio de entrar no porão que ficava sob a casa toda e muita coisa mais. Lá fui um passarinho que pode voar. (História enviada em 6 de outubro de 2009)Recolher