Projeto Medley
Depoimento de Silvia Lipantin
Entrevistada por
Local
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Camila Inês Schmitt Rossi
P/1 – Você por favor, podia começar falando o seu nome completo, data e local de nascimento?
R – Claro! Bom dia! Me chamo Silvia Lipantin. Eu nasci no di...Continuar leitura
Projeto Medley
Depoimento de Silvia Lipantin
Entrevistada por
Local
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Camila Inês Schmitt Rossi
P/1 – Você por favor, podia começar falando o seu nome completo, data e local de nascimento?
R – Claro! Bom dia! Me chamo Silvia Lipantin. Eu nasci no dia 14 de setembro de 1970, em Montevidéu, Uruguai.
P/1 – E qual o nome o nome dos teus pais?
R – Meu pai se chama Elias Lipantin Furmam e a minha mãe Rebeca
Beatriz Lipantin.
P/1 – E qual que é a origem da tua família?
R – É... a família do meu pai veio da Lituânia e a família da minha mãe veio da Polônia, um pouquinho antes da segunda guerra. Ambos chegaram no Uruguai e lá se conheceram.
P/1 – Ah, foram eles próprios que vieram não foram os teus avós...
R – Mentira, foram os meus avós! Os meus pais já nasceram no Uruguai.
P/1 – E você sabe alguma história dos seus avós?
R – É, na verdade os meus avós... por parte de pai, eles vieram antes da guerra e já vieram casados, tiveram quatro filhos no Uruguai, e o meu avô trabalhava com móveis, ele era marceneiro. Então, a minha infância inteira com relação aos meus avós por parte de pai, eu me lembro dessa questão de ter uma marcenaria, daquele cheiro de madeira né, de serragem, bem interessante. Os pais da minha mãe, os meus avós por parte de mãe, vieram da cidade de Lódz na Polônia, eles eu não conheci, mas eu sei que primeiramente eles chegaram em Buenos Aires. Meu avô trabalhava com relógios, arrumava relógios, concertava relógios, e acabaram vindo morar em Curitiba mais tarde, por conta que a minha tia – uma das filhas – acabou se casando com um curitibano. Então, eles acabaram se mudando pra Curitiba. Meu avô trabalhava com frangos em Curitiba.
P/1 – E teus pais? Eles faziam o que quando você era pequena?
R – Bom, o meu pai é formado em Arquitetura, então ele é arquiteto. Logo que nós chegamos no Brasil – porque eu nasci no Uruguai e vim com praticamente um ano já para o Brasil, pra Curitiba – logo que nós chegamos no Brasil, o meu pai participou de um concurso e o projeto dele acabou ganhando esse concurso, e por isso que a gente acabou vindo ficar de vez mesmo. O concurso que ele ganhou, tava na época da construção da usina de Itaipu no Paraná, então o projeto dele acabou ganhando e ele ficou trabalhando anos em Foz do Iguaçu na construção da vila onde moram os engenheiros que trabalham na Usina de Itaipu. A minha mãe sempre trabalhou em casa, criou os filhos, cuidou da casa, do marido, de tudo.
P/1 – E quantos filhos eles tiveram?
R – Três filhos, nós somos em três irmãos. Eu sou mais velha, Silvia, tem o meu irmão do meio, Daniel, e a minha irmã mais nova, a Michele.
P/1 – E eles fazem o que?
R – Meus irmãos? Meu irmão também é arquiteto. E a minha irmã, hoje ela trabalha com moda e design de moda.
P/1 – E como você lembra da tua infância, da tua casa que vocês moravam, do bairro?
R – Bom, eu quero te falar que eu tenho lembranças muito profundas da minha infância lá no Uruguai. Porque foi onde eu passei todas as férias da minha vida, praticamente até eu ter uns 13, 14 anos, né. Principalmente porque me trazia muito essa coisa muito íntima, porque o Uruguai ele tem isso, né, as crianças brincam na rua. Então pra mim era muito maravilhoso quando eu chegava, eu tinha uma turma de crianças no bairro, que nossa, era só ter a notícia de que a brasileira tava chegando, as crianças se reuniam todas na frente da casa da minha avó. E a gente passava o dia brincando na rua, coisa que eu não fazia Curitiba, né, porque o Brasil já tinha essa coisa mais fechada, né. Então isso pra mim me marcou muito porque eu passava a minha infância brincando na rua. E também sempre rodeada de animais, gato, cachorro, passarinho, ir brincando sempre com coisas muito simples, pega-pega, esconde-esconde, pega-ladrão.
P/1 – Tem algum momento dessas férias no Uruguai que você lembra especificamente, alguma história?
R – Várias histórias, não sei nem por onde começar, Lila! Bom, uma coisa que sempre me chama muito a atenção da minha infância no Uruguai, era sempre o dia que eu ia embora. Eu me lembro isso, assim, muito claramente, o meu tio que trabalhava na marcenaria tinha um caminhão com uma caçamba atrás e todas as crianças do bairro subiam na caçamba e a gente ia pra rodoviária. E a gente ia cantando na caçamba do caminhão, todas as crianças chorando porque eu ia embora, e eu mais ainda. Chorava todo mundo na ida, chegava na rodoviária, todo mundo chorava junto, e isso era uma coisa muito legal para mim, ter essa sensação de ser querida, né!
P/1 – E a tua casa em Curitiba? Como foi quando você chegou? Você lembra desse momento, de quando você chegou e dessa mudança?
R – Sim. Eu lembro porque, primeiro que foi uma grande diferença da família que a gente tinha lá no Uruguai, que era uma família grande, e nós chegamos no Brasil, em Curitiba, aí eram pouquíssimos, né. Na verdade, no Brasil só morava minha tia (irmã da minha mãe) e o meu tio (irmão da minha mãe também). E logo que nós chegamos no Brasil, a gente passou por muita dificuldade e uma coisa que me lembra muito, assim, eu não tinha boneca, eu não tinha brinquedos, mas em compensação eu morava na esquina de um terreno baldio. E nesse terreno baldio paravam todos os circos que vinham pra a cidade. Então, eu tenho uma lembrança, assim, dessa minha casa mais como um circo, porque eu vivia no circo. Chegava o circo e eu ia para lá, sempre, ver como é que montava o picadeiro, né, porque ainda tinha os animais né, então eu lembro que uma coisa que me marcou muito foi eu ter andado num elefante, porque o circo trouxe um elefante, eu era bem pequena e aquilo me marcou muito, a pele do elefante, né, tão diferente da gente, assim, tão grande, com aquela sensação de como a gente é pequeno, né. E a casa era muito simples e a coisa mais linda que eu lembro, era assim, quando meu pai voltava de viagem ou saía, ele trazia balas, bala dadinho, bala sete belo escondida no bolso, e isso era sério, era a alegria da vida!
P/1 – E você foi com que idade morar no Brasil?
R – Um ano. Já vim pequeninha, né.
P/1 – Ah, então você não tem essa lembrança do dia que chegou. Você já meio que viveu aqui, nasceu quase que no Brasil.
R – Sim, amor. Eu gosto de falar que na verdade eu sou brasiguaia, por que, né, eu to aqui mas o meu coração é meio uruguaio, meu sangue é meio uruguaio. Mas a minha história de vida é brasileira.
P/1 – E da escola, da tua primeira escola, qual é a tua lembrança?
R – Ah, a minha primeira lembrança, da minha primeira escola, foram anos maravilhosos na escola. Primeiro que a escola era uma escola muito pequena e nós éramos em onze na sala, e isso foi do maternal até a oitava série. Nós éramos os onze amigos, sempre na mesma sala, estudando juntos e isso criou relações muito profundas que vêm até os dias de hoje, né, amizades que eu carrego comigo pra sempre. Então por ser uma escola muito pequena, a gente tinha uma ligação muito forte com os professores, né, eles sabiam, conheciam nossa família, de onde a gente era, de onde a gente vinha, porque inclusive, eram professores que ficavam da quinta à oitava série, né. Nos acompanhavam, na verdade. O professor de matemática foi a mesma professora da primeira até a oitava série, a de português a mesma coisa. Então, era muito maravilhoso, assim, ter o contato com eles, muito íntimo, muito próximo.
P/1 – E teve algum professor que te marcou mais? Que ficou na tua memória?
R – Sim. Eu tive uma professora de português que me marcou muito, porque ela pegava muito no nosso pé com relação à redação. Eu aprendi a amar ler e escrever por causa dela, acho que pelo fato de a gente ter essa intimidade e ela já conhecer muito a forma da escrita, que acaba sendo uma coisa muito pessoal, ela me incentivou bastante a escrever. E até hoje eu gosto muito de escrever, eu tenho muito o lance de escrever, escrever pensamentos, memórias, ter um diário, e isso acho que eu aprendi, peguei bastante com ela.
P/1 – E dos amigos desse momento dessa primeira infância na escola, teve alguma situação que você lembra? Alguma situação importante que aconteceu? Sabe aquelas histórias que ficam porque a gente conta?!
R – Sim! Com relação à época da escola, uma coisa bem interessante é que eu tinha uma amiga – é uma história bem engraçada – que sempre quando a professora, essa de português, chegava na aula e falava assim “hoje a aula é de redação”, ela ia lá e escrevia o tema da redação no quadro, sempre eu tinha uma amiga que dava dois segundinhos e jogava um papelzinho amassado em cima da minha mesa “Sil, me dá uma ideia”. Eu escrevia a redação dela e depois eu escrevia a minha redação. É claro que ela tinha que chegar lá na frente e mostrar a redação pra professora, e a professora sabia claramente a forma de escrever de cada um, e ela olhava e falava assim “não foi você que escreveu esta redação”, e essa minha amiga ficava nervosa, jogava o caderno no chão e falava assim “como não fui eu, professora? Eu escrevi aqui!” E sempre era essa mesma coisa, toda aula de redação acontecia essa mesma situação: a professora escrevia o texto, o nome, o tema, essa minha amiga mandava o bilhetinho e daqui 10 minutos, era ela chorando na frente da professora, jogando o caderno no chão “como não fui eu que escrevi isso?” É uma coisa muito forte da minha vida, que eu lembro sempre. E é uma amiga que eu carrego comigo até hoje, muito perto de mim, só não me manda bilhetinho ainda porque ela já não tem mais redação para escrever, mas quando tem, ela me liga “Sil, me ajuda!”
P/1 – E na adolescência, você continuou nessa escola? Como que seguiu como foi esse início de adolescência?
R – Bom, essa minha escola só ia até a oitava série. Então, quando a gente começou a entrar na adolescência, a gente saiu da escola. Eu acabei indo pruma escola maior, onde abriu meus horizontes muito, fiz novos amigos, novas relações, mas aquelas minhas relações daquela escola de infância ficaram e continuaram comigo. Mas também foi bem importante pra mim essa nova abertura, porque eu passei a ver um mundo diferente, um mundo novo. Então eu aprendi que existiam outras culturas, outras formas de pensar, outras brincadeiras, outras formas de agir, de se comunicar, outras experiências.
P/1 – E desse momento da adolescência, daí começaram os namoros? Começaram as relações mais íntimas? Conta um pouco.
R – Muito bem, eu nunca fui muito namoradeira, mas a gente sempre é apaixonada, né. Sempre tive muitas paixões, mas não muitos namorados, porque eu sempre gostei de circular muito entre vários grupos diferentes. Acho que nessa época eu aprendi que eu gostava mesmo de ser uma metamorfose ambulante. Porque já naquela época eu descobri que eu podia circular por vários, várias tribos. Então, eu tinha os meus amigos de escola, mas na época eu já fazia dança, então eu tinha os meus amigos da dança, e daí eu já fazia teatro, e daí eu tinha meus amigos do teatro, que eram tribos bem diferentes, e eu podia circular por todas. Então eu na verdade nunca me fixei muito em um namorado porque se não, não ia poder ter essa liberdade de ir e vir, circular, né. Mas a paixão pela vida, sempre!
P/1 – E como começaram as transformações no corpo, como você percebia isso?
R – Então muito bem, de uma forma ou de outra, eu sempre me movimentei muito, sempre fui uma pessoa muito ativa, e comecei na dança já muito cedo (como toda criança, toda menina). Mas como desde cedo eu descobri que era isso que eu queria fazer, eu queria trabalhar com o corpo, todas essas mudanças físicas, essas transformações sempre foram muito perceptíveis, muito conscientes, do meu corpo, da minha posição, da minha forma de caminhar, de me locomover, de me posicionar no espaço. E já na verdade quando eu tinha 15 anos, eu já comecei a trabalhar com dança, já virei uma professora de sapateado, digamos assim, que naquela época não existia muito essa questão de ter uma formação acadêmica pra você ser professor.
P/1 – Você estava falando que era professora de dança, de sapateado...
R – Isso! Então minha paixão começou por aí já, né. De uma forma ou de outra eu sempre trabalhei o meu corpo. De uma forma sutil.
P/1 – E você fazia dança, foi uma coisa sua, assim, uma escolha sua ou alguém te colocou na dança? Como foi essa sua entrada na dança?
R – A minha entrada na dança foi como todas, sonho de mãe “vamos pôr a filha na aula de dança”, acho que a minha mãe e meu pai jamais imaginavam que era por esse caminho que eu ia enveredar, ia querer seguir. Apesar de o meu pai ser um amante da arte e um profundo conhecedor da história da arte e eu sempre conviver desde pequenininha com pinturas, música, eles jamais imaginaram que na verdade eu ia querer enveredar pra essa profissão. Mas isso despertou em mim uma paixão, uma certeza de que eu não poderia jamais fazer outra coisa que não fosse trabalhar o meu corpo. Eu acho que foi graças a isso que hoje eu to onde eu to, que eu to aqui.
P/1 – E o que você costumava fazer nas férias?
R – Bom, minhas férias eu ia para o Uruguai sempre, até hoje eu vou ver minha família que mora lá. E na minha época de adolescência eu participei do grupo juvenil que tinha jovens do Brasil todo, da mesma idade que a minha, e sempre nas férias nós também nos reuníamos, sempre passávamos uma semana juntos num acampamento. Isso também pra mim foi muito marcante na minha vida, essas relações que a gente criou com esses amigos de fora, que eram tão diferentes mas ao mesmo tempo tinham coisas tão próximas. Então as minhas férias na verdade eram assim: uma semana eu tava no Uruguai, e na outra eu tava num acampamento com meus amigos.
P/1 – E tem alguma história mais marcante desses acampamentos?
R – Bom, histórias você sabe que nunca faltam, né. Mas tinha uma coisa que eu adorava nesses acampamentos... porque nesses escapamentos a gente aprendia de tudo um pouco sobre coisas da vida, sobre situações que a gente poderia vivenciar fora dali. Numa das vezes, uma história que me pegou muito, foi quando nós tivemos que ficar no meio do mato e tínhamos que sobreviver com aquilo que a gente tinha, e a única coisa que a gente tinha era uma galinha viva. E aí a gente teve que matar a galinha para comer a galinha, eu quero te falar que aquilo foi tão forte pra mim que eu não consegui comer a galinha de jeito nenhum, sério, frango na minha vida foi uma coisa que ficou muito a desejar. Até hoje quando eu vou comer um frango eu me lembro daquela cena da galinha correndo e a gente correndo atrás pra gente ver o que que a gente fazia, como é que ia comer aquela galinha.
P/1 – E você pode falar um pouquinho mais sobre esse movimento que você participou, o que que era...?
R – Claro. Ele era um movimento juvenil sionista de jovens judeus, que tem como intuito, após um contato de acampamentos nas férias, tem o intuito de levar esse grupo pra vivenciar um ano em Israel. Então, esses acampamentos já aconteciam antes pra que a gente criasse um vínculo, conhecesse um pouco o outro, saber como é que a gente ia lidar com isso lá fora, porque depois ia ter que ficar um ano convivendo com esses amigos, né. E na verdade foi muito especial, porque também são amigos que até hoje eu tenho um vínculo muito forte, a gente pode ficar meses sem se ver, sem se falar, mas sério, quando tem uma notícia é uma ansiedade, uma necessidade, uma vontade de querer saber de um amor profundo, de uma amizade eterna.
P/1 – E aí como foi pra você, assim, qual a importância de participar dele e que movimento era esse?
R – O movimento na época se chamava bonin droc. Foi um movimento que pra mim me ensinou a vivenciar e a experenciar sempre situações de peito aberto, principalmente por ser uma infinidade de culturas, pessoas diferentes, que vinham de cidades diferentes, com histórias diferentes e que de repente a gente passava uma semana junto desde de manhã, até a hora de dormir. Como as relações são importantes, né, como a gente precisa aprender a respeitar o outro, pra que o outro também nos respeite, como a gente precisa conhecer a história do outro, porque é tão fácil julgar o outro, mas a gente nem sabe o que o outro viveu e o que ele trouxe lá de traz. Então, ter essa experiência, ter essa permissão de vivenciar e experenciar o outro, longe dos pais, né, longe daquela rigidez educacional que a gente vivia, né... uma semana entre jovens. Então isso realmente foi muito especial, ter essa possibilidade de viajar pra outra cidades, conhecer gente de fora, foi muito bom. Foi muito importante até pro que eu sou hoje como pessoa.
P/1 – E como foi a tua decisão, como que você chegou a saber que profissão você queria? Como foi essa entrada na profissão?
R – Então, muito bem. Então, eu já dançava numa academia, e um dia a dona da academia me disse “Silvia, eu acho que você leva jeito”. Ela tinha que viajar, ficou um tempo fora, e acabou me dando algumas turmas dela pra eu dar aula, para eu suplementar o lugar dela enquanto ela tivesse fora. E aí que eu me descobri. Descobri que era disso que eu amava, eu precisava mesmo era lidar com o corpo e lidar com gente. Não era só o corpo físico, mas o corpo emocional. E uma coisa que eu trago comigo, assim, é observar o outro, é perceber o outro através da sua imagem corporal. Então com 15 anos, quando ela me chamou pra eu começar a dar aula, eu só dava aula pra crianças no começo, e depois começou a aumentar turmas, os horários, aumentar a procura (as pessoas queriam fazer aula comigo). E isso foi tão incrível porque na época inclusive, nós não tínhamos a consciência psicológica da influência de um professor na vida de um aluno. A capacidade que um professor tem de botar um aluno para cima, ou de simplesmente, sério, destruir a vida do outro, que é muito fácil, né. E isso pra mim foi uma coisa muito interessante. Anos depois eu vim a perceber toda essa psicologia que a gente tinha que ter, e a gente tinha, e era uma coisa muito instintiva, intuitiva na verdade.
P/1 – E aí você decidiu fazer vestibular? Como que foi a sua decisão e ingresso na universidade?
R – Na verdade eu decidi que eu queria fazer vestibular pra Dança, para Faculdade de Dança. Na época eu fiz a prévia, porque tinha uma prova prática, passei na prévia, mas o meu pai não me deixou fazer faculdade de dança. Então meu primeiro vestibular, mesmo que eu tivesse passado no prévia, eu acabei fazendo vestibular para Engenharia Civil. Passei e fiz um ano da faculdade de Engenharia Civil. Mas o mais incrível é que uns meses após eu ter passado no vestibular da Engenharia Civil, eu tive um acidente de carro, eu fui atropelada e fiz uma lesão bem grave no joelho, tive que fazer uma cirurgia na época, tive que colocar pinos, parafusos no joelho. E de uma forma ou de outra aquilo me impulsionou a falar “não! Eu quero fazer dança mesmo”. Então quando chegou no final do primeiro semestre do curso de engenharia civil, eu estava me recuperando da cirurgia do joelho e falei “não! Eu vou fazer dança”. E foi aí que eu tranquei a faculdade de engenharia civil, me recuperei o máximo que eu pude da cirurgia de joelho e fiz o vestibular novamente para daí fazer a faculdade que eu queria, que era a Faculdade de Dança.
P/1 – Me conta um pouquinho como foi esse período da faculdade de dança.
R – Na época da faculdade de dança, eu tava recém saída da cirurgia do joelho, né. Eu também já trabalhava, continuava trabalhando com o sapateado. Na época foi muito incrível pra mim eu perceber como eu podia lidar com meu corpo, como eu podia superar as limitações que aquela cirurgia no joelho tinha causado na minha vida, e como eu podia superar aquilo. Porque pra mim a faculdade de dança foi isso, uma superação. Porque no último ano da minha faculdade de dança, eu resolvi abrir a minha própria escola dança. Então, eu tinha um joelho que era mais ou menos, mas ninguém jamais percebeu, porque eu aprendi a lidar muito bem com essa questão de controle da dor, controle do que eu posso, do que eu não posso, do que eu devo, de amolecer ou enrijecer quando precisa. E no final da minha faculdade de dança eu abri a escola e junto com a escola eu dançava em uma companhia da Universidade Federal do Paraná de dança contemporânea. E nesse período da faculdade, até o final da minha vida como bailarina, digamos assim, que foi até 1999. Então foram praticamente 10, 11 anos de escola. Eu fiz quatro cirurgias no joelho nesse período, porque é claro, meu joelho não era bom, mas como eu trabalhava o corpo, com essa energia vital, eu retornava pra isso com uma vontade, uma ânsia de retomar aquilo que eu amava fazer. Mas é que é um pouco sério, meu joelho apodrecia de novo, então ‘vamo lá de novo, vamo fazer uma limpeza, tem que melhorar aqui, melhorar ali’. E pra mim, sempre foi recomeçar, porque daí eu ia pra cirurgia do joelho, ficar um pouco parada, fazia fisioterapia, trabalhar toda essa questão psicológica, e ‘vamo embora, vamo para frente, não dói’, e voltava a trabalhar, voltava a dançar. E isso pra mim me deu uma força, uma força interior, uma força de vida, uma força de “sério, todo mundo é capaz, basta a gente querer”.
P/1 – E aí durante esse período de dança você participou de vários grupos, participou de festivais? Conta um pouquinho.
R – Sim. Durante esse período de dança, trabalhei como bailarina de dança contemporânea da Companhia de Dança da Universidade Federal do Paraná (UFPR), dancei um tempo na Orquestra Brasileira de Sapateado do Rio de Janeiro, também dancei em uma companhia de dança que se chamava “ Companhia de Dança Marquina” de sapateado em São Paulo, e formei a minha própria companhia de sapateado junto com a minha sócia Cynthia Chameki. E essa companhia foi realmente um sucesso na vida da gente. Durante o período da escola nós fomos pro festival de dança de Joinville, que se não for o mais, é um dos mais importantes festivais de dança do mundo. A nossa coreografia tirou primeiro lugar durante três anos consecutivos que nós fomos. Então isso foi muito incrível porque eu era uma menina de 20 anos, e foi maravilhoso, foi incrível, isso abriu portas a gente, porque a companhia depois foi convidada a ir dançar no Show da Xuxa, nós fomos pro Rio de Janeiro, convidadas, participamos do programa dela, dançamos em vários festivais no Rio de Janeiro, São Paulo, inclusive no Colorado que nós fomos uma vez prum festival só de sapateado que teve em Boulder no Colorado, e acabamos montando uma coreografia e também dançamos lá, foi muito especial.
P/1 – E daí, nesse período você... Quando você casou?
R – Muito bem, eu casei no ano de 1999. Nessa época eu tava indo pra minha quarta cirurgia do joelho, o meu joelho não ficava bom, não ficava bom de jeito nenhum, o médico falou para mim “Silvia, agora chega. Não dá mais. Trabalhar com dança pra você vai passar de ser uma paixão pra ser um sofrimento”. E realmente era isso que tava acontecendo. Então, de uma forma ou de outra, eu parei de trabalhar com dança, casei e alguns meses depois eu engravidei já do meu primeiro filho.
P/1 – Como que vocês se conheceram?
R - Nós nos conhecemos numa viagem. Eu fui fazer uma viagem de barco com uns amigos e acabei atracando na Ilha do Mel. Tava uma neblina naquela noite, que depois a gente não conseguia nem enxergar onde tava o nosso barco ancorado. E acabamos conhecendo o Sérgio, meu marido, que nos ofereceu pra gente passar noite na casa dele, e foi aí que tudo começou. Logo depois que eu voltei dessa viagem ele já entrou em contato comigo, a gente se encontrou, e pensa em uma história de amor, linda.
P/1 – E vocês fizeram festa? Como foi o casamento?
R – Sim! O casamento foi incrível, porque eu era judia e meu marido espirita, e já de comum acordo a gente combinou que ninguém ia se converter, que ninguém iria optar por religião nenhuma, porque afinal de contas, todas eram muito importantes, né. E aconteceu uma cena muito engraçada no nosso casamento, porque acabou sendo um culto ecumênico e um amigo do Sérgio que tava estudando para ser Testemunha de Jeová, perguntou se ele poderia falar algumas palavras no nosso casamento, e a gente na inocência, falou que poderia, sem problema nenhum. E realmente foi muito engraçado porque ele entrou e ele veio com o livrinho dos salmos e ele escolheu recitar pra gente no nosso casamento o Cântico dos Cânticos, que é uma ode de amor que o Rei Salomão escreveu pra sua esposa. Mas é... como é que eu posso te explicar... ela é uma ode de amor muito sexy, muito sensual. E principalmente, ela é uma ode de amor na qual o Rei Salomão compara a Sulamita às terras do Líbano. E foi muito engraçado porque parecia que tudo que ele falava “teus seios são como os montes do Líbano, e o véu que escorre pelo teu ventre é como o mel do Libado, e o leite que sai das tuas pernas é como o leite do Líbano”, e aquela coisa, parecia que ele só gritava “Líbano”. Eu meu pai, como bom judeu, não tava entendendo nada, porque que aquele homem tava gritando “Líbano” toda hora, afinal de contas era um casamento ecumênico, né. Mas foi lindo, porque no final ele fez uma correlação com os quatro ‘S’, que ele gostaria, que ele desejava, que o Sérgio sentisse pela Silvia a mesma paixão que o Salomão sentiu pela Sulamita, mas é que até a gente entender a questão dos ‘S’ e desse amor, aquilo levou tanto tempo, tanto tempo, que sério, foi engraçado. A gente vê a filmagem hoje, a cara das pessoas, né, ninguém tava entendendo nada, o olhar das pessoas e o nosso próprio olhar, olhava pra ele como dizendo “meu deus! O que você está falando? O que você tá querendo falar com isso?”. Mas foi muito legal, foi bem bacana, principalmente porque ali já mostrou que, realmente, a religião é uma coisa muito pessoal, eu partir dali criei a minha própria religião, porque hoje eu acredito em fadas. E então tá tudo certo. Mas foi um casamento bem divertido, quero te contar.
P/1 – E daí depois de quanto tempo você teve filho? Como que foi pra engravidar?
R – Bom amor, quero te contar que nove meses depois praticamente, acho que eu voltei da nossa lua de mel já praticamente quase grávida. Na verdade a gente já tava juntos fazia muito tempo, e eu parei de tomar anticoncepcional, sério, acho que no mesmo mês eu engravidei. Não foi programado, mas foi muito amado e foi muito esperado, o nosso primeiro filho.
P/1 – Mas você parou de tomar por que você queria engravidar ou por algum outro motivo?
R – Não, eu parei de tomar porque na verdade eu tive um spot no meio da cartela, que é quando você tem o ciclo menstrual no meio da cartela quando você ta tomando o anticoncepcional. E como o meu marido é ginecologista-obstetra, eu perguntei para ele “o que você acha que eu devo fazer?” e ele falou assim “olha, para de tomar, espera vir a próxima menstruação e você recomeça”. Muito bem, esperei a próxima menstruação e já não veio mais porque, você vê que aquele primeiro spot já era o meu Enzo querendo chegar no planeta.
P/1 – E como você passou a gravidez? Como foi o parto?
R – Naquela época eu não trabalhava mais com dança, mas um grande amigo meu na época estava fazendo curso de pilates em São Paulo. E eu, como amante do corpo, procurei-o e nós começamos a trabalhar um pouco do pilates no comecinho da minha gestação. Então a minha gestação inteira eu me preparei de uma forma ou de outra pro parto normal. Fazia o trabalho de pilates duas vezes na semana, e caminhada três outros dias da semana. Passei muito bem na minha gestação eu amei ficar grávida. E o Enzo nasceu de parto normal, um trabalho de parto que levou aproximadamente 10 horas. E como eu agradeço todo trabalho corporal que eu fiz antes disso pra poder aguentar essas 10 horas de trabalho de parto, né. Mas foi muito bom, foi muito tranquilo pra mim.
P/1 – Conta um pouquinho desse parto normal.
R – Muito bem. Eu comecei a ter as contrações era um pouquinho antes do almoço, comecei a sentir uma coisa muito estranha. Inclusive falei pro meu marido e ele disse “não conta para ninguém. Fica calma, nós vamos falar com o médico, vamos lá no consultório”. Eu nem almocei praticamente, já tava com o estômago todo embrulhado. E quando nós chegamos lá, o médico olhou pra minha cara e disse falou “não tá com cara de quem vai ganhar”, mas eu tava! Ele me examinou, falou “olha, acho bom você ir pra casa, descansa um pouco, e lá pelo fim da tarde a gente se encontra na maternidade, porque eu acho que é tempo o suficiente para você ter a dilatação”. E eu passei a tarde fazendo exercícios respiratórios em casa, me preparando psicologicamente, quando eu cheguei na maternidade foi muito rápido meu trabalho de parto, foi incrível, foi muito sossegado, e foi muito lindo. Na época, o Sergio meu marido, trabalhava com acupuntura, então a gente fez um trabalho com acupuntura enquanto eu aguardava o nascimento, isso também me relaxou bastante. Então, toda essa minha questão de trabalho corporal, respiração e acupuntura foi muito interessante no meu trabalho de parto, acho que me ajudou muito.
P/1 – E a maternidade, o que significou para você? Como foi ser mãe?
R – Eu acho que praticamente é uma quebra de tudo aquilo que a gente acredita antes. Porque passa a ser um mundo completamente novo, um planeta novo, no qual você explode em mil partículas. Então amamentar pra mim foi muito especial, eu amamentei meu filho durante dois anos. Tive uma relação com a maternidade maravilhosa porque eu me dediquei praticamente a vivenciar essa maternidade. Então a gente fez aula de música, aula natação, ele bebezinho, né, a gente teve uma interação muito muito profunda. Então a maternidade pra mim foi uma coisa incrível, foi realmente essa questão do amor incondicional, de você deixa de ser “você” para ser “nós” agora, tudo é em função do outro, de você... não é de abrir mão das tuas coisas, mas sim priorizar que existe alguém que precisa de você nesse momento, né, e criar essas relações é incrível. Eu agradeço por ter tido essa possibilidade, essa oportunidade de criar laços tão fortes e tão afetivos com o meu primeiro filho.
P/1 – E depois você teve outro né?
R – Sim. Três anos após, o Enzo, meu primeiro filho, perguntou pra mim “mãe, sabe o que eu queria mesmo?” / “que filho?” / “eu queria um irmãozinho” / “sério? Vou conversar com seu pai pra ver o que a gente acha, né”. E para ele foi tão incrível que parecia que era ir lá no shopping comprar um irmão, porque quando eu fui buscar ele na escola, já tava todo mundo me dando parabéns que o Enzo ia ter um irmão. “Sério, como assim? A gente acabou de conversar”. E foi incrível porque depois dessa conversa, dois meses depois, eu tava grávida do meu segundo filho. Que também foi uma gestão maravilhosa, já tendo que me dividir entre a gestação, um filho e o marido, mas isso também mostra pra gente como a gente consegue expandir, como a gente consegue dividir, se repartir. E o parto do meu segundo filho foi muito incrível. Porque o parto do meu segundo filho, fui eu que fiz, praticamente. Quando eu cheguei na maternidade o médico pergunta pra mim se eu gostaria de fazer um prato participativo,
falei “mas como assim doutor?” e ele “não, se tiver correndo tudo bem, eu vou tirar a cabeça, eu vou tirar os ombros (que é a questão da clavícula que é uma parte super delicada), e nós te levantamos, você faz o gancho na axila do neném e puxa ele para fora”. E realmente foi assim, Lila, eles me levantaram e, sério, pensa numa sensação indescritível. Porque, sério, eu tirei ele, na hora que eu peguei aquele bichinho quentinho, tirei ele de dentro de mim. Como é que eu posso te explicar? Mais uma vez eu agradeci, entendi a beleza do corpo humano, a força do corpo humano, da sabedoria do corpo humano. E foi incrível também perceber que a gente pode tudo, controlar tudo na verdade. Não ter controle de nada mas o mesmo tempo eu no controle de tudo.
P/1 – Nossa deve ser muito lindo isso né! Você tirar...nossa!
R – É foi realmente...Não tem palavras, só emoção.
P/1 – Você precisa ficar de cócoras? Como que é?
R – Não amor, porque eu tava deitada na cama obstétrica, né, mas eles me elevaram, me levantaram como se eu fosse sentar, e me sustentaram como se eu tivesse sentada pra que eu pudesse olhar em baixo e puxar ele pra cima e depois me recostar novamente, já com ele aqui, né, colado em mim.
P/1 – Nossa, lindo isso! E depois como que você foi conciliando os dois filhos, você voltou a trabalhar? Quando? Se voltou...
R – Muito bem, perfeito. Quando o meu filho menor, o Yuri, estava com seis meses, esse meu amigo que era professor de pilates me deixou louca, falou “Silva, sério, ensinar tá em você. Então eu acho que você tem que fazer o curso de pilates”. Só que a minha formação em dança não me capacitava a fazer o curso de pilates em São Paulo, eu precisava ter a faculdade de educação física ou de fisioterapia. Então, quando o Yuri, meu filho menor, tava com seis meses, o meu maior tava com dois anos e meio praticamente, eu fiz vestibular de novo. E passei. E fui fazer faculdade, com dois filhos! O que que eu posso te contar? Que um mês que eu tava na faculdade, eu tive um segundo acidente de carro. É... eu tava voltando pra casa, um carro invadiu a rua, fez uma curva, me pegou de frente na verdade. E eu fraturei duas costelas, fraturei o nariz e escalpelei a testa. E pensei “e agora? Agora, meu amor, vamo tocar o barco pra frente”. Depois de ter passado a madrugada inteira no hospital, a primeira coisa que eu fiz quando eu cheguei em casa foi dar de mamá pro meu filho, pro meu bebê que tinha seis meses, pra ver se ainda eu tinha leite. Eu tinha. Então aquilo também me deu uma força. Eu falei “se depois de tudo que eu passei eu ainda consigo amamentar o meu filho, eu vou tocar minha vida pra frente”. E fiz a faculdade de Educação Física, junto com o curso de pilates em São Paulo. Então, eu passava o dia com crianças em casa, à noite eu ia pra faculdade, e no final de semana eu ia pra São Paulo pra fazer o curso de pilates. E assim foi durante três anos e meio. Então muito bem, faltando oito meses pra me formar, eu fui diagnosticada com câncer de mama. Eu tava com 36 anos. E tinha parado de amamentar o meu segundo filho Yuri fazia fez quatro meses, cinco meses. E na verdade foi muito interessante, porque quando o Yuri nasceu eu coloquei um DIU normal de cobre, mas eu tava tendo muitas reações. Então eu optei por colocar o Mirena, trocar o meu DIU pelo Mirena, e na descarga do hormônio do Mirena na minha corrente sanguínea, eu tive um inchaço nas mamas, na verdade como se eu fosse menstruar. E quando eu apalpei aquele inchaço e eu percebi que eu estava com uns carocinhos, mas como eu tinha amamentado durante dois anos, o segundo filho também, achei aquilo estranho e acabei indo no médico. Ele até no primeiro exame falou assim “olha, isso aqui tá parecendo resquício de leite.” Mas optou em fazer uma pequena pulsão pra tirar da frente a responsabilidade caso... E realmente, passou 10 dias ele me ligou e falou “olha Silvia, todas as lâminas que foram, vieram diagnosticadas com um câncer de mama já em grau dois e que eu preciso que você marque uma consulta com oncologista” E lá fui eu, a tiracolo, acabei tendo que fazer o protocolo todo, fiz a cirurgia de mastectomia total, todo o tratamento de quimioterapia e radioterapia. Posso te falar, com meu filho pequeno de um ano e meio, quase dois, o meu outro com quatro e meio, quase cinco anos, fazendo curso em São Paulo e fazendo faculdade de educação física. Na época foi bem forte pra mim porque a minha primeira ideia era parar tudo. Mas como te falei no começo, como o professor pode motivar o aluno ou pode destruir a sua vida, né, eu só tive grandes mestres que só me motivaram. Então eu conversei com cada professor em particular e ninguém me deixou parar, falaram “Silvia, faça como você conseguir, vá fazendo aos pouquinhos”. E eu fiz assim, eu voltava de fazer químio, e eu tinha que fazer prova prática de atletismo: “muito bem professora, eu posso fazer andando?” / “ah, como é que se faz um salto em distância?” / “posso mostrar caminhando?” / “salto em altura?” / “eu posso mostrar falando?”. E foi assim que eu me formei na faculdade, ainda tava carequinha, me formei no curso de pilates, e voltei a trabalhar, com o corpo. [estão me ouvindo?]
P/1 – To ouvindo! E aí você voltou a trabalhar já com o pilates?
R – Já. Após seis meses que eu parei o meu tratamento, o médico quis fazer um estudo genético, porque ele pegou as características do meu tumor, a minha idade, a minha raiz, e ele descobriu que eu tinha uma mutação cromossômica, num cromossomo específico que se chama BFCE2, que predispõe a câncer em todas as gônadas sexuais, digamos assim. É uma mutação muito interessante que geralmente da em mulheres, judias, acho que Naci (que são oriundas da Europa), e que isso realmente predispunha a ter, e não só ter, porque eu já tinha tido, como a ter uma rescindida. Então ele achou que eu deveria, que eu tinha a obrigação com a vida, fazer uma nova cirurgia pra poder retirar, tirar da frente essa possibilidade. Então nunca vou esquecer, porque eu fui com meu pai na consulta, e quando nós entramos na consulta o médico tava com o exame genético aberto na frente dele “ó, Silvia, agora é a hora que a gente precisa fazer a cirurgia, porque a possibilidade do câncer voltar passa a ser 70%”. E eu sai da consulta e meu pai falou “por que você não quis marcar a cirurgia?” Eu falei “olha pai, eu vou te contar uma coisa, vou conversar uma coisa que eu nunca conversei nunca nem com você, nem com meu médico, nem com meu marido, nem com a minha irmã (e na época minha irmã tava querendo engravidar e não conseguia). Então, pai, eu não me sinto à vontade de fazer essa cirurgia, de tirar o útero, meus ovários, minhas trompas, sabendo que a minha irmã não tem a possibilidade de engravidar e ter um filho, que ela quer tanto. Porque eu posso ser uma barriga pra minha irmã” Inclusive o meu pai falou “mas você vai transar com o marido dela?” Eu disse “não, mas a gente pode fazer uma inseminação artificial, porque eu já tive dois filhos, eu posso”. E foi incrível, porque eu saí de lá e a minha me ligou logo em seguida pra me contar que ela tava grávida. Então eu falei “bom, você está grávida, então eu posso ir pra minha cirurgia”, que eu tava adiando, né. E no final ela teve uma filha, que eu sou madrinha, e alguns meses após eu fui pra cirurgia pra tirar os ovários, as trompas, o útero e a outra mama. E todo esse tempo eu continuei a trabalhar, continuei a dar aula de pilates, atender as pessoas, porque eu achava que sempre todo mundo precisava muito mais que eu. Porque na verdade trabalhar o corpo das pessoas me ajudava muito a trabalhar meu corpo também, a minha mente, a minha energia vital.
P/1 – Quais foram as maiores dificuldades que você encontrou para enfrentar?
R – Muito bem, amor, então... Acho que a primeira grande dificuldade que a gente encontra é o emocional, é o medo do desconhecido “meu Deus e agora?” E quero te falar que em nenhum momento eu tive medo de lidar com esse medo, pra mim sempre foi muito forte a sensação de que “vamo embora, serio, eu to aqui nesse planeta, eu preciso viver e eu vou fazer de tudo para viver, mesmo que pra isso eu precise depender de alguém”. Porque em vários momentos eu dependi de alguém pra me levar no banheiro, pra me ajudar tomar banho, pra me ajudar me vestir, a comer, a me levantar da cama. E todas essas coisas, de uma forma de outra, são muito difíceis de lidar se a gente não observa essas coisas com gratidão, com resiliência, porque é fácil a gente virar numa tristeza, virar numa “sério! Por que comigo?” Mas não pode ser assim. Porque o outro que está nos ajudando, está nos confortando, está fazendo isso de tão bom agrado e de coração, que a gente só pode ser grato, e pode só a aceitar as coisas e agradecer que o outro está se dispondo a fazer isso pra você, tá te ajudando, né. Então pra mim era muito incrível porque eu tinha dois filhos pequenos, e o meu filho menorzinho, quando ele acordava, a primeira coisa que ele fazia era ir lá na minha cama “mãe, você tá boa hoje?”, tinha como eu falar que não? Sério! “To boa, filho! O que nós vamos fazer hoje? Vamos na piscina? Vamos no passeio público?” E ele fechava as mãozinhas e dizia “eba! A mamãe ta boa hoje”. Sério, eu só tinha que ta boa, só podia estar bem, forte. Mesmo que tinha dias que eu acordava, olhava e pensava “meu Deus, que roupa que eu tinha que vestir hoje?” Serio. Sensação de que se eu levantasse da cama pra caminhar pra ir ao até o banheiro, eu tinha que parar no meio porque eu não tinha forças. Mas eu tinha força. Eu ia buscar essa força onde quer que fosse pra poder estar bem, estar em pé. Mas eu acredito que tudo isso foi pela forma de vida que eu escolhi, pela trajetória que eu trilhei, pela forma como eu me nutri, como eu me alimentei. Não só da parte de comida, mas como eu me nutri de bons amigos, boas emoções, bons sentimentos. Jamais parei a atividade física, mesmo quando eu não tava boa, eu ia lá, nem que fosse para fazer um pouquinho, porque aquele pouquinho já era bastante, já era o suficiente pra me movimentar, pra mexer com a minha energia, pra me encarar na frente do espelho. Porque de repente eu tinha um corpo de bailarina e de repente eu não tinha mais; de repente eu tinha um cabelo loiro longo comprido, e de repente eu não tinha mais, eu era careca sem nenhum pelo no corpo. E trabalhar com essas energias de frente pro espelho corporalmente, fisicamente e espiritualmente foram de uma grande valia. Acho que foi o que me manteve em pé mesmo.
P/1 – Como que durante o tratamento, não sei se você se incomoda em contar... Conta um pouquinho como é que era, o que você tomava, o que você fazia depois?
R – Perfeito, muito bem. Na verdade, a fase da quimioterapia que eu acho que é a fase mais difícil do tratamento todo, eu procurava chamar de curaterapia, já pra não ficar com aquela sensação de que a coisa era ruim, a coisa era boa. É claro que eu me sentia muito mal, inclusive eu mudava de cor no primeiro dia eu tomava a quimioterapia, eu era vermelha, porque a quimio era vermelha e na medida que ela ia entrando nas minhas veias, o meu corpo ficava inteiro vermelho. E logo depois que eu fazia a quimio, eu participei de um grupo de estudos e pesquisas no Hospital Sírio Libanês, e eu participei de um grupo de pesquisa de um protocolo novo de tratamento. Porque geralmente o ciclo é a cada 21 dias. Então é o tempo no qual quimioterapia mata as células e o teu organismo então começa a se recuperar, pra daí, quando você tiver forte novamente ir pra outra sessão de quimio. Nesse grupo de estudo, nesse grupo de pesquisa, eu tomava uma vacina 24 horas após a quimio. Era uma vacina que fazia com que os meus leucócitos, meus glóbulos brancos, tivessem uma ação maior de reproduzir. Então, ao invés de fazer a químio a cada 21 dias, eu fazia a cada 14 dias. De uma forma mais intensa, mais forte, mas de uma forma ou de outra diminuía, digamos assim, o tempo de tratamento: ao invés de eu ficar seis meses fazendo químio, eu ia ficar quatro meses, faria os oito ciclos normais, mas em um período de tempo menor. Então sempre depois que eu voltava da quimioterapia eu fazia vários tratamentos alternativos, digamos assim. Eu frequentava um grupo que fazia imposição energética com as mãos, eu tomava muita homeopatia, eu buscava caminhar bastante, bastante que eu falo, assim, na quadra, mas aquilo fazia com que a minha energia e o meu ar circulasse de uma forma mais intensa pra que eu me sentisse melhor. Também fazia acupuntura no sentido de melhorar essas ações, esse mal-estar, essa dor muscular, essa dor no corpo que dá. E também me entregava, no sentido de que no dia que eu precisava dormir, eu dormia. Sempre respeitando muito o que meu corpo tava pedindo de mim: “precisa dormir? Dorme”. Eu sempre tive um anjo da aguarda que ficava me cuidando: “Agora depois do almoço, vai dormir, vai. Mas aí vai ter que tomar uma vitamina. Depois daqui a 2 horas vai ter que comer uma fruta, né”. E eu sempre tinha de uma forma de outro alguém que estava me cuidando, me alimentando, me ajudando a ficar forte. Isso que, eu quero te contar, que eu também estava acabando a faculdade, então eu também tinha trabalhos escritos pra fazer, pesquisas, e vamo embora, né. Então, assim, eu dividia muito assim meu dia, no sentido de ‘agora vamos caminhar’, ‘agora vamos nutrir a alma’, ‘agora vamos nutrir a educação’, ‘agora vamos movimentar’, ‘agora...’ Precisa ter uma rotina. Isso é bem importante eu acho, precisa ter uma rotina, e precisa ter um respeito de como você vai se posicionar nessa rotina, as vezes também você quebrar essa rotina é maravilhoso, é excelente.
P/1 – E aí como foi teu marido nesse período? Como foi o suporte?
R – Quero te falar que nesse momento a gente era realmente entende o valor da família. O valor da família no sentido de... o meu pai, o meu marido (o meu pai também foi uma figura muito forte)... Meu pai e meu marido me acompanharam em todas as consultas, todas as sessões de quimio. Pra que a minha mãe e o meu irmão pudessem me dar um suporte pra atender os meus filhos porque eles eram pequenos, muito pequenos. Como eu fiz o meu tratamento em São Paulo, no Sírio Libanês, e eu morava em Curitiba, eu tinha que ir à São Paulo, eu tinha que viajar para isso. Então eu sempre precisava de um suporte de alguém que ficasse com as crianças. Então foi muito importante sentir a família nesse momento porque eles atendiam as crianças pra que meu pai meu marido pudessem me acompanhar pras consultas. E quando eu voltava eu tinha ainda a questão do apoio dos amigos, que vinham
sempre me fazer um pouco de alegria, me dar um pouco de... “vamos fazer isso, vamos fazer aquilo, vamos para um churrasco, vamo!” Então é muito importante quando tá passando por um momento desses, a gente realmente ter com quem contar, porque só assim a gente consegue dar conta da gente mesmo, né. Então assim, o meu marido foi muito presente, muito companheiro, a minha família, meus pais, meus irmãos, meus amigos. Como esse entorno realmente é importante, é importante a gente sentir que tem esse apoio, pra que a gente possa se curar e ficar bem.
P/1 – E o que você fazia para cuidar da sua saúde mental?
R – O que eu fazia? Tudo! Eu não deixava de fazer nada. Nunca deixei de ir em algum lugar porque eu estava com uma dor cabeça, nunca deixei de frequentar os ambientes porque tava assim ou tava assado. Sempre busquei meditar, muito, ouvir meu coração, ouvir todas as palavras sempre de apoio que as pessoas tinham e têm para me dar, pra nos oferecer, sempre e a toda hora, mesmo a gente nem precisando, como a gente pode acolher, porque na verdade o mundo é um reflexo, é um espelho de como a gente se posiciona. Então sempre estar rodeada de pessoas que me faziam bem, sempre meditar, sempre ouvir música, sempre que eu pudesse eu tava em movimento eu tava querendo ver gente, eu tava querendo ir pra natureza, ver pôr do sol, procurar fazer coisas que me traziam felicidade. Porque é isso, a gente consegue trabalhar o nosso mental desse jeito, buscando coisas que nos façam felizes. E as vezes é tão simples, é tão pequeno o que a gente precisa, que a gente não acredita que é disso precisa. Então, a partir do momento que a gente descobre essas pequenas coisas que nos fortalecem, a gente tem que buscar fazer mais delas no nosso dia-a-dia, pra que a gente possa ficar mais forte mesmo.
P/1 – E hoje, como é o seu a dia?
R – A minha saga não acabou. Ano passado eu tive um outro problema na mama e tive que passar por outra cirurgia que não ia ser nada, que eu ia ficar boa em dez dias, e to lindando com essa questão até hoje. Eu tive um problema na prótese, tive uma infecção muito séria, na qual eu tive que tirar a prótese, tive que passar por três cirurgias enormes novamente num espaço de seis meses. Então de uma forma ou de outra hoje eu to afastada do meu trabalho de dar aula, porque eu ainda to aguardando pra fazer a última cirurgia, que se Deus quiser será em breve, pra fazer uma nova reconstrução nas mamas. Então hoje eu tenho me dedicado muito a me fortalecer pra que o quanto antes eu possa fazer essa cirurgia, estar bem fisicamente, pra que eu possa fazer essa cirurgia, pra que eu possa voltar pra minha realidade, pra minha vida normal. Então hoje eu continuo meditando muito, fazendo meus exercícios de pilates em casa, que hoje eu não to indo ao estúdio né, então hoje eu estou faço meus exercícios em casa, principalmente porque eu sou do grupo de risco, então com relação a essa pandemia eu preciso me cuidar. Mas eu tenho buscado fazer coisas que eu gosto, tocar um pouco de violão, ver por do sol, me alimentar, me nutrir, cuidar da minha família, dos meus amigos, é pra que eu possa logo em breve fazer a última cirurgia que eu preciso.
P/1 – E o que foi essa história da prótese? Tem como descobrir antes? O que aconteceu exatamente?
R – Na verdade a prótese que eu coloquei há doze anos atrás quando eu tive o primeiro câncer é um expansor, como foi uma região que tomou radioterapia, e a radioterapia ela judia muito internamente – a quimoterapia ela tem um efeito colateral a curto prazo, você faz a quimio e dois dias depois você já sente que está tudo aí – a radioterapia em compensação, os efeitos vêm com o passar dos anos, então essa era uma prótese que o meu médico sempre disse que ele não gostaria de mexer, porque era um lugar como se fosse um ninho de vespa. Era uma pele irradiada, com necroses, com aderências, mas eu acabei tendo um linfedema no ano passado, eu tive um inchaço no braço, o qual me incapacitou de trabalhar, né, porque eu trabalho muito com as mãos. E já se vê que esse linfedema já era alguma questão, alguma pequena infecção que tinha tido ali na prótese. No final, o médico que não queria mexer na prótese, teve que acabar tirando a prótese. Na primeira cirurgia ele não mexeu, não quis mexer mesmo, mas como a infecção veio a tona, e foi uma extensão muito grande, ele achou que a única forma de eu melhorar seria retirando a prótese. E realmente, a infecção estava de baixo da prótese, se ele não tivesse mexido, a gente nem teria como ver. E eu posso te falar, que talvez o ano passado tenha sido a fase mais difícil psicologicamente, como mulher, para mim. Porque após muito tempo no qual eu já tinha me redefinido visualmente e fisicamente, tem uma mutilação muito grande. E isso me pegou muito, me pegou bastante. Mas uma vez eu aprendi que a vida é uma luta de você com você mesmo, todo dia, que todo dia a gente tem que olhar no espelho e falar “tá tudo bem, você tá forte, tá saudável, você tá aí, você tá viva, respira, e toca o barco para frente”, porque o visual, meu amor, a gente se recria, a gente se reinventa. E é isso que aconteceu. Novamente eu to me reinventando e to firme e forte.
P/1 – Incrível! Como você vê essa resiliência das mulheres? As mulheres são muito resilientes...
R – Muito bem.... Eu vejo essa resiliência das mulheres porque nós somos o único veículo que traz o ser humano pro planeta, a gente só chega no planeta terra através do corpo de uma mulher, então o significado da resiliência já começa por aí. E já começa nessa questão de você acolher um novo ser dentro de você, alimentar, nutrir, acolher. Então a gente tem força que a gente não sabe nem de onde é que vem, mas que a gente consegue, só a gente pode. Só a gente pode deixar a gente um pouquinho de lado para atender o outro, para acolher a família. Então, eu não vejo a nossa resiliência como uma submissão, você deixar de existir para atender o outro, porque você na verdade se transforma, as prioridades passam a ser diferentes, e aquilo que você achava que era tão importante, passa a não ser tão importante. Porque depois você vai fazer aquilo, então agora nesse momento, que nesse momento te pedem uma outra postura, uma outra necessidade, mas daqui a pouco você vai lá, se fortalecer de novo como pessoa, como mulher, porque a gente cria, a gente que nutre, a gente que toca o barco pra frente, porque, sério, a gente sabe que se a gente não fizer pela gente, dificilmente alguém vai fazer. Eu acho que a mulher ela tem isso hoje, porque a mulher hoje ela vai pra rua, ela trabalha fora, ela cuida da casa, ela cuida do marido, ela atende os filhos, e ela ta aí e não tem meio tempo, a gente tem que estar, a gente é forte, a gente só precisa descobrir onde tá essa força dentro da gente, porque tá dentro e não fora.
P/1 – E hoje como é que está a tua vida? Conta um pouquinho de hoje.
R – Hoje eu estou em um novo momento da minha vida após 25 anos casada, eu resolvi que eu precisava de um tempo pra mim, precisava me reencontrar como mulher, como pessoa. Eu acho até pelo que eu passei no ano passado, nessa questão de pela primeira vez em todos esses anos, foi a primeira vez que eu não consegui me recuperar da cirurgia, então isso pra mim teve um valor de “serio! Você tem que ser feliz, e estar em paz para isso”. E eu senti uma necessidade muito grande de me reencontrar sozinha, saber quem a Silvia era de novo, né, porque durante todos esses anos eu era mãe, eu era esposa, eu era filha, eu era profissional, eu era... e no meio disso tudo, eu precisei me fortalecer novamente. Então eu busquei, um novo na minha vida. Eu fui para a Índia, fiz uma viagem para a índia, na qual toda essa minha questão filosófica, espiritual, energética, eu trabalhei de uma forma muito intensa, muito maravilhosa, até no sentido de recuperar valores nessas prioridades do respeito, na humildade, na gentiliza, na caridade, no desprendimento, no desapego e isso tá fazendo com que hoje eu seja uma nova Silvia, porque todo dia a gente é uma nova pessoa. E isso para mim foi muito importante. Está sendo uma redescoberta interna. Poder passar essas coisas pros meus filhos, também, é muito lindo, e sentir que ele estão aprendendo, porque eu vejo pelos atos deles. O quanto a gente vai deixando de marcas na vida do outro, e como é importante que essas marcas sejam positivas nessas relações. Então a Silvia tá hoje, como todo dia, como sempre, se reinventando, se refortalecendo para encarar essa vida lá fora. E pensar que eu também, hoje eu acredito que eu passei por várias situações na vida pra também deixar alguma coisa pros outros. E pra mim acho que a coisa mais incrível que aconteceu, após o câncer e após a minha família e principalmente a figura do meu pai, ter presenciado a forma como eu lidei com a doença, despertou nele um desejo, uma necessidade de poder, como ele fez por mim, fazer alguma coisa pelo outro. Então essa minha vida eu acho que ela culmina num ponto que foi uma doação que a minha família fez pra construção de um centro de diagnóstico e tratamento de câncer de mama em um hospital público em Israel. Pra que a gente possa oferecer pras pessoas que não têm condições, a mesma oportunidade que eu tive de tratamento, de cura, de diagnóstico com tempo hábil para você fazer alguma coisa. Eu acho que isso foi realmente muito forte. Eu acho que esse é o meu legado de vida.
P/1 – O que você acha desse projeto das mulheres contarem suas histórias, esse projeto de memória da saúde da mulher? O que você acha de ter esse espaço?
R – Eu vejo isso como um presente de divino, porque é através de projetos como esse que a gente consegue alcançar, não vou falar o coração e a alma das pessoas, mas que a gente consegue chegar no outro, viabilizar a nossa experiência pra que ela possa ajudar de alguma forma a outra pessoa. Porque tem alguém que vai passar por isso, sempre a gente vai conhecer alguém que vai ta passando por alguma situação, qualquer uma dessas que eu te contei hoje, você sempre terá alguém que passou por um acidente, que passou por uma decepção, que passou por uma limitação. E a gente ter o exemplo de outras mulheres reais, tá vendo, frente a frente, cara a cara, você estar podendo contar a tua história de forma tão sentimental, tão intimista, de uma forma tão espiritual, diria assim, porque você tá revivendo tua história, de uma forma ou de outra também trás isso para você, você está lembrando das coisas que você viveu e fala assim “nossa! Sério?!” e isso também é maravilhoso, por que isso faz parte da nossa história, que as vezes a gente esquece, deixa para trás, a gente como mulher esquece, o que a gente viveu, as dores que a gente sentiu, porque a memória é assim, né. Então eu acho muito importante que a gente tenha a possibilidade de contar pro outro um pouquinho da tua história, pra que isso possa deixar alguma marca em alguém, uma pessoa que vai ouvir a nossa conversa, fala assim “Epa! Poxa, que legal”, “Sério? Aquela menina conseguiu? Eu também vou conseguir!” É isso.
P/1 – E para você? Como você se sentiu contando sua história?
R – Uma revisitação, dentro me mim mesma. Como se eu tivesse me revisitando, e de uma forma ou de outra me fortalecendo mais naquilo que eu acredito, me fortalecendo mais nos valores daquilo que eu acho que a gente tem que viver e passar nesse planeta. Esses sentimentos, essas memórias, de que a gente é aquilo que a gente... um pouquinho de tudo aquilo que a gente viveu lá trás, que a nossa história é o que nos construiu hoje, né, o que nós somos hoje.
P/1 – Tem alguma história que você não falou que você se lembra, sei lá, alguma coisa com as fadas... Alguma história?
R – Com as fadas eu tenho várias histórias, né, inclusive eu até já falei pro rabino. O rabino foi na minha casa, e eu falei pra ele “rabino, o negócio é o seguinte: aqui na minha casa, a gente tem todas as religiões, porque eu inclusive tenho a minha, que eu acredito em fadas” E aí o rabino arregalou o olho desse tamanho e falou assim pra mim “mas você gosta de fadas, né?” e eu “como assim? Não só gosto, rabino, eu acredito, como eu acho que eu inclusive sou uma delas!” E ele caiu em uma gargalhada, e até hoje eu brinco com ele com relação as fadas. Inclusive a esposa do rabino, quando vê qualquer coisa de fadas ela bate foto e me manda. Ou ela me dá de presente. Outro dia ela me ligou falou assim: “Sílvia, eu tenho um presente pra você, um chocalho, que o cabo do chocalho é uma fada” e eu perguntei pra ela “mas, serio? O rabino sabe que tudo que você vê de fada, você manda pra mim?” (risos). Porque é isso, eu acredito mesmo, eu sou fada, eu sou amante da natureza, sou amante das flores.
P/1 – Ta bom Sil, obrigada por ter compartilhado essa sua história incrível.
R – Mais louca que o Lobão, né?! Adoro falar isso, que eu sou mais louca que o Lobão. Eu que tenho a agradecer, eu quero agradecer essa oportunidade. É incrível a gente ter essa abertura pra poder falar sentimentos tão profundos da gente. E que isso chegue, de uma forma ou de outra, até o outro até uma outra pessoa, que ela possa escutar e tirar alguma coisa disso, de bom.Recolher