Depoimento de Carolina Galvão Reis
Entrevistada por
São Paulo,
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Camila Inês Schmitt Rossi
R – Então vamos começar. Carolina por favor você podia começar falando seu nome, local e data de nascimento.
P/1 – Meu nome é Carolina Galvão Reis, ...Continuar leitura
Depoimento de Carolina Galvão Reis
Entrevistada por
São Paulo,
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Camila Inês Schmitt Rossi
R – Então vamos começar. Carolina por favor você podia começar falando seu nome, local e data de nascimento.
P/1 – Meu nome é Carolina Galvão Reis, minha data de nascimento é 27/06/1977.
R – E qual o nome dos seus pais?
P/1 –
Meu pai se chama Jenival Souza Reis e minha mãe Marialva dos Santos Galvão.
R – E você sabe qual a origem da tua família?
P/1 –
Sei, mais ou menos, assim, né. Na verdade minha família é toda do interior da Bahia, então os meus avós são de uma cidadezinha chamada Jiquiriçá e Ubaíra. Meu avó paterno, minha avó paterna é de Ubaíra, Jiquiriçá, e o materno é de Ubaíra, entre Ubaíra e Brajú, eles eram da área rural. Sendo que meu avô paterno era neto de uma índia que foi capturada, na verdade era filho de uma índia. A minha bisavó era índia, foi capturada no mato e foi levada pra cidade e se tornou parteira nessa cidade, e ela teve meu avô que era um homem mestiço, índio, de olho azul, pele bem escura e de olho azul. Então foi bem aquela história mesmo do português junto com a índia. E a minha família materna já era bem da área rural mesmo, meu avô, enquanto meu avô paterno já tinha mais uma condição de vida melhor, era fazendeiro, tal, meus avós maternos eram extremamente pobres e da área rural. E um deles, um avô que eu tinha, era extremamente intelectual, ele adorava jornal, adorava revista, adorava ler, adorava conhecimento. E o outro era festa, amava festa e dava várias festas na cidade. E é muito interessante como que isso se apresenta, assim, nas gerações seguintes, são características muito presentes na família da gente.
R – E o que é que teus pais faziam?
P/1 – Tá. Minha mãe, ela se formou em Recursos Humanos. Ela saiu de casa muito cedo, com três anos de idade, ela foi pra... na época eles moravam na área rural, eram muito pobres, minha avó teve muitos filhos, e os filhos eram dados pra irem pra cidade, irem pra colégio interno, pra casa de tios, então minha mãe saiu de casa com três anos de idade, foi pra um colégio interno e ela, de lá, com 13, 14 anos de idade ela foi morar no Rio de Janeiro, e ela trabalhou em casa de família no Rio de Janeiro e levou todos os outros irmãos que sobraram ainda em casa pra o Rio, também pra trabalhar. Minha começou a estudar Recursos Humanos mas era apaixonada principalmente por teatro, minha mãe adora a parte artística, adora arte, música, poesia, tudo isso. E ela se envolveu muito com o teatro, e apesar de sempre ter um trabalho mais tradicional, ela sempre sempre teve um trabalho dentro da comunidade, dentro da comunidade, dentro dos lugares, trabalhando como professora de teatro, desenvolvendo alguns projetos culturais, algumas coisas do tipo. E o meu pai ele é um comerciante, quando eu nasci ele era bancário, e aí na época ele ficou desempregado e depois ele começou a trabalhar como comerciante, como empresário, e passou a trabalhar muito com empacotamento de farinha, de feijão, dessas coisas assim aqui em Salvador. Minha mãe passou um tempo trabalhando com ele quando eu era pequena, então era uma empresa bem familiar. Eu saía da escola, ia pra empresa, fui criada lá dentro, o que também me trouxe um monte de experiência. E depois eles se separaram, na verdade eles já eram separados, depois eu vou poder contar um pouquinho dessa história deles aí, que é bem uma história bem bagunçada, mas eles se separaram da empresa, eles montaram uma empresa e depois de tá casado, depois de separado, na verdade, eles montaram uma empresa depois da separação, e se separaram depois da sociedade. E aí minha mãe resolveu que ela ia voltar pra comunidade onde ela nasceu, que ela ia plantar flores e que ela ia cuidar da comunidade que ela nasceu. Eu tava na adolescência. E aí ela passou a trabalhar lá, desenvolveu um projeto, uma ONG na época, na época a gente ainda tava no governo de Lula, e aí ela fez um projeto ambiental, o projeto foi aprovado e aí ela desenvolveu o projeto com 1003 famílias com agricultura orgânica, com um trabalho bem voltado assim pra questão de sustentabilidade da comunidade, inclusive implantando uma universidade rural. Hoje ela... aí depois de um tempo ela começou a ser ameaçada de morte aí ela voltou, morou um tempo comigo e hoje ela voltou a morar... que minha mãe me teve bem mais velha, né, ela morou a voltar na área rural, tá bem mais velhinha, e tá trabalhando lá, plantando, fazendo as coisas que ela gosta, tá aposentada.
R – E você tem irmãos?
P/1 – Tenho (risos)
R – Quantos?
P/1 – Então, minha mãe antes de me ter, ela adotou duas crianças, mais velhas, e foi um desafio quando ela engravidou de mim porque uma das crianças sentiu muito ciúmes do fato de minha mãe estar grávida, agora de uma filha biológica, e pediu pra voltar pra casa. Então minha mãe perdeu uma filha quando descobriu minha gravidez, então pra ela foi muito difícil. E eu tenho mais dois irmãos por parte de pai, só que esses dois irmãos que eu tenho por parte de pai eu só conheci depois que eu tinha quase dez anos, eu tinha nove pra dez anos de idade, justamente por conta dos conflitos do meu pai e da minha mãe. Meu irmão tem um ano de diferença de mim, então foi uma traição, uma história assim supercomplexa, e aí foi muito difícil pra eles, os dois escondiam que eu tinha um irmão, que eu tinha irmãos, e aí eu só descobri um pouco mais velha, na verdade eu nunca descobri, eu sempre soube, de alguma forma eu já sabia, mas eu só consegui pedir pra conhecer meus irmãos com nove anos de idade.
R – E hoje você tem contato com eles?
P/1 – Tenho
R – Qual o nome deles e o que eles fazem?
P/1 – É Felipe e Gabriela. Filipe ele se formou em Administração, na época ele começou a trabalhar, fazer estágio na Odebrecht, aí a gente começou a trabalhar junto, é assim, que ele tava na faculdade, meu pai me colocou e botou ele pra trabalhar ni um mercadinho de bairro que meu pai tinha, e a gente trabalhava juntos. E aí Filipe fez Administração, começou a estagiar na Odebrecht, e fez carreira dentro da Odebrecht, até vim a crise de agora, né, o que aconteceu com
a lava jato, e aí agora ele saiu e tá montando a empresa dele. Minha irmã acabou de se formar tem um ano e pouco em Biomedicina e trabalha em uma clínica para mulheres.
R – Então na infância você era meio filha única, até os dez anos...
P/1 – É, eu era e não era, sabe Lila, porque a minha mãe sempre teve uma coisa muito do social, então, minha mãe, a regra lá de casa era compartilhar, era ser... era cooperação. E ela tinha umas coisas, minha mãe era uma pessoa muito diferente, então assim, ela... primeiro que eu morei com primos quando eu tava com 11 pra 12 anos, eu passei a morar sozinha, sem minha mãe, então ela montou uma casa, que era ali um formato que era de... não lembro o nome agora, de pensionato, tipo um pensionato, não, minto, ela fez a placa “República estudantil”. E aí morava eu e mais dois primos, que eram mais novos do que eu. Então isso eu tava no sexto ano, na sexta série, e o meu primo mais novo, um tava na quinta e outro ainda não tinha sido alfabetizado. E a gente morava sozinho, tinha uma pessoa que ia cuidar da casa, cuidar da comida mas que ia embora quatro horas da tarde, a gente ficava sozinho em casa. Então eu tive esses dois primos que eram quase como irmãos. Eu sou a única menina de 20 netos mas eu convivia muito com meus primos, porque como a família era da área rural, a gente ia muito pra fazenda, passar férias na fazenda, então a gente passava praticamente as férias todas lá, a meninada toda junta. E fora isso a minha mãe sempre teve um trablaho muito forte, social na época, em orfanato, nessas situações, e que ela tinha na época, ó a cabeça que as pessoas tinham lá diferente de hoje. Que que acontece, elas sempre pegavam as crianças que moravam nesses lares e levavam pra passar as férias com a gente, Natal, Ano Novo, tudo isso, então as vezes ela pegava, quando dava as férias, ela pegava duas, três crianças, ás vezes ela já pegou dez, quinze crianças de vez, e elas iam passar o Natal com a gente, o Ano Novo, as férias todas com a gente. Hoje a gente sabe que isso é terrível, né, porque tira eles daquela realidade, depois leva de novo praquela realidade, mas eu cresci nesse ambiente assim, minha mãe sempre proporcionou muitos ambientes comunitários pra mim. É uma coisa meio diferente.
R – E o que mais você lembra assim da sua infância, essas histórias da fazenda, deve ter acontecido muita coisa quando você era pequena e ia passar as férias lá
P/1 – Sim
R – Conta um pouco
P/1 – Minha mãe era professora de teatro, Lila, então assim, minha mãe é uma pessoa que gosta de contar histórias e fazer histórias né, então, eu digo que até a história do meu nascimento minha mãe conseguiu fazer uma história diferente pra mim porque ela fala que eu fui feita, ela e meu pai, falam que eu fui feita no Morro de São Paulo, numa noite de lua cheia, na praia, em um lual. E aí eles tavam cantando a noite inteira nesse lual, aquela música “Tenha fé no azul... ” e, depois que eles namoraram eles sentiram uma corrente caindo na barriga, minha mãe sentiu uma corrente caindo na barriga e falou pro meu pai: “to grávida’’. Eu falo ‘’mãe, você deu golpe no meu pai, você sabia que você ia engravidar e você criou essa história toda’’, mas ele confirma a história dela, e aí o mais engraçado é que eles estavam lá, no Morro, estavam na casa de alguns amigos que eram médicos, o amigo deles era obstetra era casado com uma anestesista. E foram eles, eu nasci em São João. Santo Antonio de Jesus é a cidade mais tradicional de São João aqui, e foram eles que fizeram a cesária do meu nascimento. Então, eles contam que era copa do mundo, eles entravam com um radinho de pilha, começaram a assistir o jogo do Brasil, enquanto estavam fazendo a cesária. A anestesista tinha como hobbie a fotografia, e não sei se você vai entender depois, depois eu vou te contar um pouco sobre isso, ela era anestesista e gostava de fotografar, estudar fotografia, então ela levou a câmera pra tirar fotos do meu nascimento. Então assim, eu tenho fotos, de 1977, profissionais, de um parto, e diz que quando eu tava nascendo foi intervalo do jogo e aí cantou a mesma música “Tenha fé no azul....”, todo mundo caiu na risada, enfim, e o meu nascimento foi essa festa, e a partir daí eu lembro de muito pouco dos meus pais juntos porque eu sei que foi muito conflito. Meus pais são muito diferentes, meu pai é filho de uma familia tradicional, é filho de coronel do interior, muito mais novo do que minha mãe. Minha mãe me teve depois dos 40, meu pai é mais de 10 anos mais novo do que minha mãe, e minha mãe é uma passoa assim muito..., ó, meu pai chama minha mãe de graúna, porque diz que era o nome de um pássaro que tinha, enfim, e ele tem a ela assim até hoje uma admiração com ela, daquela pessoa diferente, daquela pessoa que é livre, que é cheia de ideais, mas que pra eles era muito louco eles conviverem. E a partir daí eu sei que assim, até meus 4 anos, eu sei que eles tiveram muitas brigas, muitos conflitos, por conta dessa outra relação, que eu passei minha vida achando que na verdade meu pai traiu minha mãe com uma outra mulher, quando tava na adolescencia descobri que a história não é bem assim. Eu descobri que meu pai namorava esta mulher desda época de escola e num término ele conheceu a minha mãe, e depois ele voltou. Então já tinha aquela história que não era alguém de fora que chegou depois, mas era alguem que já existia. E na família de meu pai tem muito, todos os homens têm mais de uma mulher. Meu avô tinha tres mulheres, meu pai até hoje tem tres mulheres, e meus tios também. E a minha mãe nunca tolerou, nunca aceitou isso mas também nunca conseguia se separar, ou se separava dele e as vezes se tornava amante, e aí quando não era, ela se separava e todo meu aniversário eles ficavam juntos. Então, toda festa de aniversário minha, minha mãe e meu pai ficavam, e aquilo era o fim do mundo pra mim. E eu com 4 anos fui morar no Rio de Janeiro com minha mãe, né, nessa história de tentar separar de meu pai, minha mãe me pegou e a gente foi morar no Rio. Mas tem um detalhe assim: eu nasci e meu pai tava desempregado e a minha mãe trabalhava muito, então, o meu pai ele tem mais essa relação de cuidado, essa relação de carinho, de toque, acho que até pelo que ele teve de familia e o que minha mãe passou um monte de perrengue. E o que eles contam é que eu mamava no peito do meu pai, porque minha mãe não estava em casa e meu pai pra me acalmar me botava no peito dele e eu mamava até eu me acalmar no peito dele. Eu tive uma babá que foi lá pra casa, miha mãe tava com oito meses de gravidez e essa babá ela ficou lá em casa até, ela saiu algumas épocas porque minha mãe morria de ciúme também, mandava ela embora e aí depois ela retornava, mas Hilda ficou lá em casa muitos anos, trabalhou até eu ficar adolescente e depois eu convidei ela pra ser madrinha do meu casamento e ela hoje é madrinha dos meus dois filhos. E a minha relação assim muito de cuidado e de afeto também foi muito através de Hilda, porque minha mãe era muito mais do mundo, de trabalhar, ela proporcionava coisas fantásticas pra mim, de experiencias, mas pra ela era muito dificil cuidar do dia a dia, então o cuidado comigo era muito por parte do meu pai e também terceirizado pra Hilda, que é uma mulher negra, né, então, que era a dadá, a babá, a mãe preta, que todo mundo dizia que era assim, né. E na verdade com 4 anos a gente foi morar no Rio, Hilda foi com a gente, e meu pai... eu fiquei sem poder ver meu pai, eu via meu pai de 3 em 3 meses, só que eu tinha uma relação muito forte com meu pai, eu tinha um vínculo até mais forte com meu pai do que com minha mãe. E pra mim foi muito dificil. Minha mãe conta que eu adoeci muito no Rio, que começou a encontrar problemas cardíacos e um monte de coisa, até que o cardiologista falou com ela: “ela tá tendo questões emocionais, volta pra Salvador com ela”. Mas eu não sei assim, sabe, eu não sei o que que de fato é verdade porque eu sei que meu pai sempre teve algo muito presente relacionado à doenças, se ele soubesse que alguem estava doente ele se fazia muito presente, e eu acho que essa era uma forma também de minha mãe de trazer meu pai pra perto. Assim, depois eu pude ver isso se repetindo um pouco mais velha, mas o fato é que quando eu tava um pouco mais velha, com 4 pra 5, não, quando eu tava com 7 pra 8 anos a médica disse assim pra minha mãe, e eu lembro que a gente estava voltando pra Salvador, meu pai e minha mãe estavam voltando pra essa nova empresa e me parecia que eles estavam voltando. E foi quando minha mãe descobriu que a outra mulher de meu pai estava grávida novamente, e aí veio minha irmã, né, a segunda, que eu também não conheci cedo, e aí quando a gente retornou eu meu lembro que tinha muito conflito entre eles. Eu me lembro que era dificil ser criança porque eu tava sempre muito envolvida com as historias deles, eu me lembro de viver a minha infancia quando eu ia pra fazenda, quando eu passava um mes lá na casa dos meus tios, geralmente eu tava de ferias, minha mãe me mandava para lá e aí lá sim, eu me lembro, lá e em Jauá, que é uma casa de praia de uma outra tia minha, que eu me lembro que era mais fácil pra mim, mas eu era uma criança muito quieta, muito sensível, e que tava... eu me lembro de estar muito no mundo adulto, não me lembro de gostar de desenho animado, eu não me lembro de gostar de nada disso, aliás, minha mãe conta incluisive que era muito dificil me levar pra cinema, pra tudo isso, porque eu tinha uma sensibilidade muito forte com qualquer história que, por exemplo, Rei Leão: minha mãe tinha que me catar debaixo da poltrona, porque eu não aguentava o Simba lá sofrendo, Free Willy, minha mãe começou a desligar o filme antes da Willy ir embora, porque se eu visse Willy indo embora, o dia acabava pra mim. Ela teve que mudar várias histórias, ela contava histórias de Dona Baratinha e ela mudava a historia, que Dom Ratão sobrevivia, porque era muito dificil pra mim lidar com as perdas já ali. Eu acho que eu já tinha perdido muita coisa na vida assim, porque essa coisa de mudar pro Rio eu perdi muita coisa, eu me lembro assim o quanto foi dificil deixar minha cachorrinha aqui, essa é a única cena que eu lembro assim mais forte de 4 anos, que foi quando a minha cachorra ficou, e eu lembro da saudade do meu pai. Mas quando eu voltei do Rio eu também perdi coisas porque eu também tinha criado vinculos lá. E eu me lembro que no Rio minha tia me deu um ursinho de um abajur assim de presente de Natal, com um cartão, e eu nunca esqueci esse presente. Nesse cartão ela dizia, era um ursinho com carinha de abandonado, e ela dizia que ela achava que era uma ótima pessoa pra cuidar daquele ursinho, que eu saberia cuidar muito bem dele, é incrível, como eu me reconhecia naquele ursinho naquela época, eu acho que... minha mãe tava passando muitas perdas, muitas situações tavam acontecendo, e assim eu tava um tanto que abandonada também e pra minha mãe era muito difícil cuidar. Eu me lembro que pequena minha mãe não falava muito do cuidado, ela falava que assim, né, ela não conseguia me beijar, ela não conseguia me fazer carinho, ela não conseguia me tocar, só se eu tivesse dormindo, mas que ela não fazia carinho comigo acordada. Mas por outro lado ela tinha uma coisa lúdica, então eu vivi muitas histórias, ela levava a gente pra fazenda e ela tinha uma coisa de que assim, presente nunca podia ser individual, não podia receber presente meu, tinha que receber presente coletivo, então a gente ganhava teleférico, a gente ganhava campo de futebol, a gente ganhava casa na árvore, que eram presentes que eram dados para todos os netos. Então tinha sempre... mas eu cresci, eu sou a pessoa que mais gosta de dar presente, personalizadíssimo, e de receber presente personalizado, meus presentes são todos cheios de significado, eu não gosto dessa coisa de presente coletivo ou presente não seu, pra mim presente precisa ser hoje em dia super pessoal, eu sempre passo um tempo pensando na pessoa, buscando um significado pra pessoa. E eu acho que de história mais assim da infância, eu me lembro muito da experiência da fazenda porque na fazenda a experiência de subir em árvore, de estar, de fazer comidinha na panelinha, no foguinho que a gente fazia no tijolo, é, eu me lembro também que eu era a única menina, e é muito louco, muito louco assim, porque o fato de ser a única menina eu poderia ter me tornado muito dengosa ou muito diferente ou ter sofrido muitas coisas, mas por incrível que pareça eu acho que isso foi bom, assim, de certa forma eu precisei entrar um pouco no rito dos meninos, então enquanto as meninas são mais superprotegidas, eu não era superprotegida ali naquele meio, muito pelo contrario, eu corria risco ali junto com os meninos, eu experimentava as coisas junto com os meninos, eu era mais de entrar como se fosse menino na brincadeira do que de ficar num lugar de menininha, como não tinha outra menina pra brincar comigo, só me restava ser menino mesmo. Então eu acho que eu vivi muitas experiencias boas, tinha um lugar de cuidado, um pouco mais velha eu fiquei muito num lugar de cuidado dos meus primos, tinha uma coisa que assim, a maioria dos meus primos só tinham a mim pra se apaixonar então eles eram apaixonados por mim, só me tinha de prima mesmo, então geralmente o primeiro amor é uma prima, acho que eu fui muito dos amores assim, da maioria dos meus primos, sabe.
R – Então, da tua infância, e da fazenda, teve alguma história que te marcou mais na fazenda nesse período de férias?
P/1 – Ah, eu acho que tem algumas sim, eu acho. São João minha mãe fazia uma festa de aniversário pra mim que era a festa da cidade, que eu acho que é isso que puxou muito o avô paterno, ao pai, é, ao avô paterno dela. Eram tres dias de festa, então assim, eu faço aniversário dia 27, então ela pegava o feriado de 2 de julho e simplesmete ela fazia tres dias de cantor, de fogos, de mata boi, de povo dormir dentro do carro. E ela começava a festa com os familiares já no São João, então ela começava a ficar, ela não estava namorando, mas ela ficava com meu pai nessa época, e aí uma das vezes, meu pai trabalhava com essas coisas de feijão, de farinha, tal, então meu pai tinha um caminhão, tinha essas coisas, então a gente foi pra essa festa, aí era... na verdade não era uma festa, era uma padariazinha assim que tinha alguem tocando, e a gente foi com os meus primos, com tudo. E minha mãe e meu pai, namorando, tal, todo empolgado lá, nessa época do ano, eles foram embora e esqueceram a mim e meu primo na festa, e aí eu saí correndo atráz do carro loucamente, eu e meu primo, e eles foram embora. Eles só se deram conta quando eles chegaram na fazenda que era uns cinco quilometros dessa padaria, e eles voltaram pra poder buscar a gente. Eu me lembro também, algo que me marcou muito foi a morte da minha avó e do meu avô, porque lá, pra eles, é muito importante, pra minha família, era muito importante levar o corpo para a fazenda, pra ser velado na fazenda. Então eles morreram em Salvador mas eles foram velados lá na fazenda e eu me lembro muito do ritual, sabe, assim, do enterro, aquilo foi uma experiencia que eu digo assim que foi muito importante para a minha vida. Hoje eu estudo muito luto, trabalho com luto principalmente mas, me aproximar da morte daquele jeito, eu falo que eu tive uma educação para a morte a partir dessas mortes dos meus avós lá, porque o corpo deles iam pra lá, a comunidade toda ia visitar eles, rezar, passar por todo aquele processo, e eu vivenciava o luto de perto, aquela noite, aquele dia, eu lembro de um dia eu chegar e perguntar “mas por que que demora tanto?” e eu me lembro que uma mulher, uma amiga da minha avó disse “porque a gente precisa de tempo pra poder acreditar, pra poder se despedir, e ela precisa de tempo também nessa casa pra poder ir embora”. E eu me lembro que aquelas noites eram recontando as histórias, ó, chega me arrepiar, dos meus avós, então quando minha avó morreu eu pude ouvir, naqueles dois dias ail, né, muitas histórias deles, desde criança, da família deles, até o que eles fizeram, o que deixaram de fazer, como que eles eram engraçados, como eles não eram. Então, assim, não ficou pra mim só a sensação de dor e de tristeza com a morte, mas chegou pra mim o ritual de despedida, de recontar as histórias de quem tava indo embora. E, eu me lembro do cheiro, impressionante, minha mãe enchia o caixão dos meus avós de flores, que eles gostavam muito de flores, plantavam muitas flores na fazenda, e eu me lembro como que esse cheiro me remete, até hoje, mas não é uma memória no sentido de ruim, mas no sentido do que pra mim foi natural conviver com a morte, com a despedida, com o eterro, com a tristeza daquelas pessoas ali na despedida, eu acho que isso me marcou muito, minha história, da minha intimidade, da minha proximidade que eu pude ter com esse momento de morte, com o corpo do meu avô e da minha avó. Eu vivi muitas coisas na fazenda e depois da morte do meu avô e da minha avó, a família toda brigou, por conta, hoje eu sei, e inclusive estudando o luto, que eles não brigaram por conta de herança, nada disso, eles brigaram pelos sentimentos que o luto e o rompimento de vínculos causam, mas foi muito dificil pra mim porque, a partir da briga deles, engraçado, há uma semana atraz eu tive que ir fazer essa viagem pra poder buscar meus filhos que tinham ido passar uns dias na casa de minha mãe, e eu fui sozinha na estrada, 300 quilomentros, e eu fui chorando muito, conseguindo encontrar sentido e significado pra o que eu passei a viver durante muito tempo depois das brigas familiares que se deram a partir dali, pensando o quanto que um lugar que tinha sido tão rico pra mim passou a significar o lugar do vazio, o lugar de dor, porque a família já não se encontrava mais naquele espaço e revisitar aquele espaço vazio doía muito, e eu precisei de muitos anos pra compreender isso o quanto eu sentia raiva de ter que voltar lá, se era um lugar tão especial pra mim, por que que eu sentia tanta raiva. E aí eu fui entendendo o quanto que a minha raiva era de ter perdido algo que pra mim que tive uma infancia muito vivenciada nos conflitos de separação e de brigas, e era surreal porque eu era envolvida muito fortemente, assim, eu digo que na minha infancia a bruxa da minha historia era a outra mulher do meu pai. Eu ia passar ferias na casa do meu avô e da minha avó paterna, e numa dessas ferias aconteceu da mulher de meu pai chegar com os dois filhos e dizer “olha, esses aqui são seus irmãos”, e um dia depois eu tive herpes pelo corpo inteiro, e a partir daquele dia eu tinha muito medo, era como se fosse uma bruxa chegar perto de mim, porque eu cresci ouvindo sobre ela ser a seca, a outra, a… enfim, tinha varios nomes que eram dados pra ela, e na raiva da miha mãe, e na fantasia, e eu enquanto criança não conseguia diferenciar nada daquilo, e eu tinha um panico, um medo, e as vezes ela ligava pra empresa, onde meus pais, pra poder falar com meu pai, eu atendia o telefone, eu tava muito envolvida nesse conflito dos meus pais. Mas quando eu ia pra fazenda, era quando eu podia andar de cavalo, quando eu podia ficar com meus primos, quando podia, é, eu me lembro assim, de escorregar, sabe, o gado passava de manhã e fazia cocô na ladeira e chovia e misturava com lama e tinha dias que a gente ia prali, a gente brincava de escorregar naquilo, e a gente eu me lembro de sentir a natureza, de sentir, é…, de sentir mesmo! de sentir uma mão, sentir conforto, uma coisa muito mais voltada pra infancia, que eu não tinha de experiencia, quando eu tava na escola, quando eu tava em outros lugares, por mais que eu tivesse estudado em escolas bem alternativas na época, estar perto dos meus pais era estar muito conectada com o mundo adulto, eu tinha que estar muito alerta de tudo que tava acontecendo em volta. Quando eu me afastava deles eu podia ir pra lá, eu podia ser criança, eu podia me sentir livre dessas historias, desses conflitos, e eu adorava andar de cavalo, então eu corri muito, meu pai tinha o maior prazer de me ensinar a andar de cavalo. Eu me lembro a sensação de liberdade correndo assim, sabe, em cima de um cavalo. O quanto eu me sentia poderosa, o quanto eu me sentia capaz, o quanto eu me sentia livre de muitas coisas que eu vivenciava na escola, eu tive muitas outras situações. A sensação de subir num cavalo me dava a sensação de correr risco, mas de correr um risco que eu sabia
correr, de que eu podia, de que dava conta, sabe, era uma sensação de experimentar coisas diferentes, que me davam muita sensação de poder mesmo, de liberdade, de empoderamento, eu acho que essas vivencias que eu tive na fazenda me trouxeram muito esse lugar, que eu acho que enquanto mulher a gente é muito atravessado pela superproteção, pelas questões de genero, e quando eu tava na fazenda não, quando eu tava na fazenda eu podia ser bicho solto, eu não precisava ser menina, eu podia ser uma criança simplesmente.
R – E como foi, qual a tua primeira lembrança de escola?
P/1 – Eu não lembro muito da primeira escola que eu estudei, que foi em Santo Antônio, a segunda escola que eu estudei eu lembro muito pouco, que foi em Niterói, eu me lembro, é engraçado, um dia eu lembrei disso, falei “mãe, eu estudei numa escola chamada isso? Era assim, a cor era assim” e eu falava “mãe, eu odiava essa escola”, ela disse assim “filha, você chorava meses sem parar até que a gente desistiu”. E aí depois a terceira escola é a que eu lembro mais, que era uma escola de freira que eu estudei, lá no Rio, mas engraçado, o que eu mais lembro dessa escola é o quanto que as pessoas falavam, apertavam as minhas bochechas e o quanto as pessoas falavam dos meus olhos, porque eu tenho um olho que é um verde meio mel e todo mundo falava “você sabia que você tem uns olhos lindos? Você sabia que você tem uns olhos lindos?” E eu me lembro muito dessa fase de eu ter que responder umas dez vezes que “não, tá”, eu achava aquilo um porre, um saco. Não lembro muito assim dessa fase de quais eram as experiencias na escola, eu lembro muito mais, eu tava muito mais conectada com os conflitos dos meus pais nessa época. Quando eu vim, voltei pra Salvador, que eu já tava maiorzinha, aí eu fui pruma escola muito bacana daqui, que é uma escola mais alternativa, construtivista, e teve um olhar super bacana pra o que tava acontecendo comigo, botou minha familia toda pra fazer terapia e eu me lembro de dormir na escola: a escola tinha noite que todo mundo dormia na escola, e era muito especial. E essa escola é muito especial na minha vida, de diversas formas, porque eu hoje entendo, estudando Psicologia e principalmente estudando Teoria do Apego, que a gente estuda muito a questão dos vínculos, a gente sabe que quando um sistema, ele falha, outros sistemas podem oferecer uma sustentação pra criança, então quando uma família falha, a escola pode ser um lugar de segurança, pode ser um lugar de vínculo, pode ser um lugar de cuidado, e eu acho que essa escola representou muito isso pra mim, por mais que eu não pudesse viver tanto, não conseguisse viver tanto a infância, essa escola ela me acolheu, ela me deu colo, ela me trouxe pra perto, ela olhou pra mim, ela tentou sim me levar pro mundo infantil mas também respeitou o lugar que eu tava de dor, sabe, não foi tipo “empurra pro mundo infantil que ela precisa brincar”, ela foi muito respeitosa de entender o quanto que eu tava envolvida em um monte de conflitos. E foi muito interessante porque no ano que eu me separei, a minha filha passou a estudar na mesma escola, e foi um ano muito dificil pra mim, pras crianças, e por acaso, a minha professora era coordenadora dessa escola assim, e no primeiro dia de aula que eu cheguei lá com a minha filha, ela olhou pra mim e eu falei assim “eu preciso da sua ajuda”. Aí ela fez assim “é a mesma coisa d’eu te ver chegar aqui. Você era uma menina que todo mundo queria brincar e os meninos estavam super interessados mas você nem conseguia perceber ninguém. Você estava tão envolvida no mundo adulto que você nem conseguia se dar conta do que acontecia em sua volta”. Mas essa escola, eu brinco assim, que ela me deu muito, hoje eu tava até... eu comecei a escrever, antes de começar a entrevista, hoje é dia dos professores né, o quanto que eu admiro os professores que além de ensinar conseguem preservar ou despertar o desejo pelo aprendizado. Eu acho que essa escola respeitou muito o meu tempo e principalmente me deu a oportunidade de querer aprender, e manteve preservado esse desejo pelo aprendizado. Isso pra mim foi fundamental, porque nos piores momentos da minha vida, o meu recurso sempre foi conhecimento. Então, como minha família era muito desestruturada, o livro pra mim sempre foi um recurso, então era pros livros que eu ia pra poder entender o que que eu tava vivendo, tava sentindo, era nos livros que eu encontrava recurso pra viver as coisas. E eu acho que essa escola me deu muito disso, assim, da sede de aprender, da possibilidade de ver o conhecimento e a leitura como algo bacana, legal. Eu me lembro dos livros, assim, eu já passei a reler vários livros que eu li na escola, nessa escola, com os meus filhos, eu tenho vários titulos de livros, eu lembro de Marcelo Marmelo Martelo, da Fadinha que tinha ideias, das Fábulas Italianas, foram livros que eu comprei inclusive pra reviver esses momentos com os meus filhos. Eu lembro que essa dormida na escola, eu levei um bolo de chocolate, que cada um levava um prato, e que o bolo de chocolate foi o prato que todo mundo mais gostou da escola, e é impressionante como que aquilo foi especial pra mim, que depois, quando minha filha passou a estudar na escola, eu passei a esperar o dia que ela ia dormir na escola, que ela ia viver aquele mesmo ritual que eu. E essa escola me deu um outro presente, assim, ela tinha um ritual de formatura que era escrever a nossa autobiografia, então no ultimo ano da escola, que era quarta, a gente saía da quarta pra quinta série, eles faziam um processo de que a gente olhasse pra nossa história e que a gente pudesse escrever uma autobiografia, e aí foi muito organizador, pra mim e pros meus pais também, de que… pra que essa história fosse vista de uma maneira diferente, pra que eles pudessem também repenssar. E foi muito doido, assim, porque minha mãe falava disso, o quanto que ela, me vendo escrever minha autobiografia, ela conseguiu ter uma perspectiva de coisas que ela não via antes, sobre mim, e sobre as coisas que eu tava sentindo, mas ao mesmo tempo eu também vivi esse processo com a minha filha, e também foi... foi no momento do meu divórcio, e foi algo muito divisor de águas na minha vida, eu acho que é por isso que, também, eu entendo, o processo de renarrar histórias seja algo tão importante pra mim e seja algo que eu venha estudando, porque verdadeiramente transformou.
R – Como era o nome dessa escola?
P/1 – Lua Nova
R – Rua nova?
P/1 – Lua Nova. Era muito bacana. Ainda é.
R – E então era a mesma professora, que era professora e hoje é diretora.
P/1 – A professora da minha alfabetização ela se tornou coordenadora lá. E, não sei, assim, eu reencontrei algumas pessoas dessa escola. No primeiro semestre de Psicologia eu acabei entrevistando uma das minhas professoras. Essa escola traz um sentimento muito de família pra gente, então é muito doido porque todos os nossos colegas a gente continua se falando, ela faz festa pros ex-alunos, então a gente, de ano em ano, a gente tem um momento que a gente se reencontra, na escola, uma festa da escola pra gente, e ela é um vínculo, assim, foi algo muito importante pra mim.
R – Bom, depois que você saiu dessa escola, daí você foi... já era que série?
P/1 – Era na quarta série. Eu saí de lá na quarta pra quinta série, eu fui pra outra escola porque lá só era até a quarta. Nessa época também, algo importante eu acho, que precisa ser dito, é que quando a escola me mandou pra fazer terapia e pediu pros meus pais fazerem terapia também, e eu só soube disso mais tarde, quando eu procurei a minha psicóloga da infância pra, enfim, na verdade eu cheguei lá com um diagnóstico de depressão infantil, então, eles tinham achado uma carta comigo, quando eu tava aprendendo a escrever, dizendo que eu não queria mais viver. Aí eu procurei essa psicóloga já na vida adulta e perguntei qual foi o processo, o que que tinha acontecido, e ela trouxe pra mim que ela me atendeu e que ela tinha certeza assim que eu tava num processo de depressão infantil, e que foi um trabalho muito profundo que a gente fez juntos, e é muito interessante também que ela trabalhava na época com a psicologia Junguiana, com as caixas de areia, e ela me deu de presente o meu album, das minhas caixas de areia, da infância, e é muito mágico, assim, revisitar essas caixas de areias porque tão lá todos os personagens da minha vida e tudo, porque enquanto eu contava histórias pra ela, inventava historias pras caixas de areia, eu tava recontando as historias que tavam acontecendo na minha vida, né, então, várias caixas de areia minha aparecem com vários casamentos acontecendo ao mesmo tempo, que era muito reflexo da vida dos meus pais, que principalmente minha mãe dizia que eu não podia conhecer meus irmãos, que eu não podia conviver com meu pai, porque, a partir do momento que minha mãe proibiu que eu convivesse com meu pai na vida dele, porque meu pai tinha muitas mulheres e ela queria me proteger dessas mulheres do meu pai. Então eu sentia muito o fato de não ter uma vida íntima com meu pai, porque era praticamente uma coisa muito pontual assim, meu pai me via um dia de semana, às vezes passava dias dizendo que ia me ver e não ia me pegar e não ia ver, e eu precisei depois entender também como era dificil pra ele a relação comigo que não podia passar pela vida dele, né, então era aquela coisa assim, era pai, minha mãe obrigava que fosse pai de visita, que fosse aquela coisa assim, era comigo exclusivamente, não podia fazer parte da vida do meu pai, do dia a dia do meu pai, de nada disso, e tá lá assim, completamente em todas as caixas de areia todos esses meus conflitos familiares.
(acertos técnicos)
R – Como foi a tua decisão pela tua profissão?
P/1 – Eu não sei nem te dizer como é que foi muito, porque eu me lembro de chegar na adolescencia muito perdida, adolescência foi muito difícil pra mim, porque foi quando, principalmente a minha avó, que foi a última a falecer, e a partir daí foi punk porque, até então, meus Natais, Ano Novo, minhas viagens de família eram todas com meu tio que era pai dos meus dois primos e que viaja eu, minha mãe e os meus tios. Então a gente era uma família. O Natal era com eles, minha vida era com eles, minhas férias era com eles, tudo isso eu vivia lá. E aí, quando minha avó morreu, meu tio e minha mãe brigaram, e da noite pro dia me separaram dos meus primos. Então a gente morava na mesma casa, alugaram uma outra casa, e eu fui morara em uma outra casa e eu passei 15 anos sem ver meus primos, e foi muito dificil (voz embargada), porque se eles, a fazenda, o meu tio, era onde eu me agarrava, eles... eu tinha perdido o pouco que eu tinha, né, de recurso pra dar conta das coisas. E a briga foi muito feia, foi uma briga que eles foram pra justiça, enfim, teve agressão, teve muita coisa, e eu me sentia mais uma vez obrigada a ter lealdade com minha mãe. Eu passei anos sem conhecer meus irmãos e quando eu conheci meus irmãos eu não consegui bancar com a minha mãe permanecer tendo relação com os meus irmãos, porque pra minha mãe era muito difícil. Então eu me lembro que a primeira vez que eu fui ver meus irmãos, quando eu cheguei em casa minha mãe quase que não falava comigo, ela passou uma semana sem me olhar na cara, sem me reponder direito. Então eu me sentia muito ruim, uma filha muito mal, e eu não conseguia ali naquela hora entender nada. E quando minha mãe brigou com os meus tios, foi assim, eu também não podia não estar do lado da minha mãe na briga, e eu já entendia que minha brigava, tinha conflitos assim muitos conflitos, que eu não concordava, mas eu me achava na obrigação de ficar ali do lado dela. Mas eu sentia raiva, muita raiva, e eu me lembro de ter ficado muito sozinha, a minha mãe que nunca tinha encostado a mão em mim - a minha mãe nunca me bateu - foi nessa época que ela tava vivendo tudo isso, que ela passou por um monte de problema, que ela me deu um tapa na cara, e eu não tinha feito nada, assim, não tinha justificativa, muito pelo contrário, como na briga entre eles sempre diziam que minha mãe não cuidava direito de mim, que minha mãe me largava a toa, que eu ia dá o que não prestasse, que eu ia usar drogas, que eu não sei o que, que eu ia engravidar, pra mim sempre foi uma coisa muito de honra, sabe Lila, que eu ia provar pra todo mundo que eu não ia ser aquilo. Então eu fui pra um extremo oposto que é muito um lugar de muitas meninas, que é do lugar da perfeição, que é do lugar de mostrar que eu não vou ser nada disso, até porque isso significava salvar minha mãe, né, não dar razão pra o que aquelas pessoas estavam dizendo. E ela foi muito cruel, assim, na época comigo, não porque ela queria, mas porque, enfim, as dores do luto dela, da mãe dela, de tudo que ela tava passando, mas eu passava tres meses sem ver minha mãe, as vezes dois meses, ela morava no interior, eu tava morando em Salvador sozinha e quando ela vinha me ver, eu morava em apartamento de escada, ela subia a escada assim, eu nunca me esqueço, eu abria a porta e ela tava no meio da escada, ela olhava pra mim e dizia assim “minha filha, como você tá horrorosa, como você tá enorme de gorda. Minha filha, onde você vai parar, seu namorado deve ter vergonha de sair na rua com você”. Nossa, e como era difícil, porque eu já estava me sentindo horrrorosa, eu já estava me sentindo gorda e eu tentava engolir o mundo pra não sentir o vazio que eu tava sentindo, e eu sentia culpa de comer mas eu não conseguia parar de comer, e eu engordei 30 quilos em um ano. E minha mãe chegava querendo ser a mãe que ela não foi, que ela não estava ali durante os tres meses, dois meses, então ela chegava e se ela encontrasse meu guarda-roupa bagunçado, ela pegava TODAS as peças do meu guarda-roupa e botava no meio do quarto e dizia “agora arrume”. E pra mim que já tava sem mãe há tanto tempo, quando ela começou a voltar e ela voltava nesse sentido da briga, e pra fazer, falar, como eu tava horrível, como eu tava desorganizada, tudo isso, começou a ser aversivo pra mim. Então a minha mãe dizia que tava vindo pra Salvador e eu tinha pânico, eu já não queria mais encontrar minha mais, não queria mais, eu tinha medo, e eu não tinha mais ninguém, eu não podia conviver com a família do meu pai, porque minha mãe não deixava, minha mãe brigou com toda a família dela, são dez irmãos e minha mãe brigou com todo mundo, e no final ela brigava comigo, e eu não podia brigar com ela porque eu sentia culpa de deixar ela sozinha, mas ela também não tava nem disponível pra mim. E chegou nesse momento da adolescência foi quando eu entendi que eu poderia ter outros vínculos, principalmente que poderia me salvar daquilo, e aí eu mergulhei principalmente em relacionamentos, namoro, né, que foi o que eu me agarrei pra conseguir mesmo sobreviver, porque era muito louco assim, eu falo que eu cresci vendo os meus pais brigando pra ver quem não ia ficar comigo, eu não sofri violência durante boa parte da vida, mas eu sofri negligência. Meu pai não comprava briga com a minha mãe porque não queria o conflito, mas a minha mãe também não conseguia cuidar de mim. Então eu fui emancipada com 16 anos, minha mãe me levou no cartório e me deu emancipação pra que eu não tivesse que fazer minha matrícula na escola, pra que ela não tivesse que fazer absolutamente nada pra que eu pudesse me virar sozinha. E eu não tinha condições de me virar sozinha e eu pedi ajuda a ela uma época, assim, que eu tava muito mal, muito mal mesmo, e ela falou pra mim que isso era frescura, e sim tinha uma coisa assim que eu acho que é algo que marcou muito a minha vida e explica muito do que eu vivi depois também, eu só fui entender há pouco tempo, que é o seguinte: minha mãe era uma pessoa que cuidava de comunidade, que queria cuidar do mundo, queria cuidar das pessoas pobres, e de tudo isso. Então todas as vezes que eu chegava pra minha mãe demandando qualquer coisa do tipo “to com dor de ouvido”, e minha mãe dizia “mas você não tem o que reclamar, porque Paulinha que passou o Natal com a gente, ela tinha um pau dentro do ouvido porque ela morava no lixão, e você tem tudo, você tem o dinheiro pra botar o remédio, você tem o direito, dinheiro de fazer tudo”. E isso era em tudo na minha vida, e fora as situações de que, teve um tempo que minha mãe trazia as pessoas do interior, ainda quando eu era mais nova, pra poder ir lá pra casa pra poder fazer tratamento. Então teve Rafael, por exemplo, que teve um câncer de garganta com uns 6, 7 anos de idade, e minha mãe me levava pra o hospital Santa Isabel pra poder a gente, pra que eu fosse ver o tratamento do câncer, pra que eu convivesse com a miséria e com a pobreza e com tudo que tinha, que acontecia, pra que eu não vivesse num mundo de conto de fadas. Mas ela não se dava conta de como aquilo era mais difícil pra mim do que pra ela, porque talvez ela precisou mesmo durante muito tempo, com 3, 4 anos sair de casa, e conseguiu se virar, e tinha criado um monte de mecanismo de defesa, mas pra mim era extremamente sofrido eu ter que lidar com Rafael com câncer em casa, e o medo de perder Rafael, o medo da morte, o medo, as vezes eu ia pro hospital com câncer aí eu chegava lá e tinha crianças que tavam fazendo tratamento e não tinha comida, aí minha mãe me levava no mercado pra gente comprar comida pras crianças que iam comer pra depois fazer o tratamento e tal, e as vezes eu ia convivendo com essas crianças, e aí eu chegava na semana seguinte a criança tinha morrido, e eu vivi muitas histórias assim, inclusive de pessoas que vieram do interior de Minas, que vieram que tavam com tumor no cérebro e foram fazer exame e sofreram abuso sexual lá em casa, assim... de... sofreram na clínica, no hospital onde foram fazer exame, mas tava hospedada lá em casa e minha mãe foi na delegacia e aí, enfim, minha vida sempre passou por muitos desses conflitos de sofrimento, e sempre presenciando essas histórias mas ao mesmo tempo sem lugar pra reconhecimento das minhas dores, sejam as dores do que eu vivenciava presenciando ou seja as minhas dores particulares. É, então pra ela eu sempre fui a criança que teve tudo e por ter tudo eu não tinha direito de sofrer, e aí quando eu tava na adolescência eu comecei a viver minha vida muito independente, assim, fui buscando saídas que eu não dependesse do meu e da minha mãe. Eu tinha muito medo de depender deles, principalmente porque nessa fase da adolescência meu pai faliu, a empresa de meu pai faliu, e meu pai quis se matar, e eu soube disso, então eu tinha muito medo de ser um peso pro meu pai, e eu sabia que nenhum dos dois tinham condição de me sustentar nem financeiramente nem emocionalmente. Então muito cedo eu comecei a tentar dar conta de mim mesma, mas era aquela época que eu deveria ta tendo algum suporte pra escolher profissão, pra poder ir pra vida, ir fazer as coisas, mas eu tinha muito receio que meu pai não tinha condição de pagar minha faculdade, eu tinha muito receio, eu tinha medo de tudo na verdade, e na época eu fiz os cursos mais fáceis que tinham das Federais, pra garantir que eu passasse, independente do que eu queria, até entender que, aí eu passei, mas eu não queria nada daquilo, até eu entender que eu queria de verdade Psicologia, mas assim, pra você ter idéia, eu não me lembro nem que eles se preocuparam comigo de saber o que que eu queria, ou se eu não sabia o que eu queria, assim, não tinha muita importância assim, sabe, eu não lembro muito assim, eu me lembro de não saber, assim, eu lembro de que eu botei Agronomia em um, Veterinária em outro e Psicologia em outro, e eles, eu acho que eles nem souberam o que eu coloquei. Quando eu comecei a fazer Psicologia, antes na verdade, eu tinha muito receio de meu pai não conseguir pagar então eu falei “eu vou fazer cursinho pra tentar passar na Federal em algum curso que eu queira”, mas assim, eu nem sabia, eu tinha passado em Agronomia e Veterinária mas eu nem sabia o que eu queria. Aí foi quando meu pai me chamou pra poder trabalhar. Eu tava com 15 pra 16 anos, um dia ele me liga e fala assim “eu mandei a pessoa da administração do mercadinho embora e você vai começar a trabalhar lá a partir de amanhã”. Meu pai tinha uma outra empresa, e aí esse mercadinho ficava na favela de Salvador, e meu irmão cuidava da parte logística e eu cuidava da parte financeira, mas assim, pense num mercadinho desorganizado, numa coisa desorganizada, eu caí de paraquedas, sem saber o que fazer, não tinha ninguém pra me orientar, não tinha absolutamente nada e nessa época eu tive que conviver com meu irmão, que eu nunca convivi, e foi bem difícil, a gente tinha uma guerra meio velada, uma coisa assim velada, mas eu lembro que nessa epoca eu me aproximei mais do meu pai. Pra meu pai trabalho sempre foi muito importante. Na familia de meu pai trabalho é dignidade, então assim, ninguém precisa ficar rico, ninguém precisa ter dinheiro, enquanto na família de minha mãe ter dinheiro é feio, na verdade pra minha mãe, ter dinheiro, o dinheiro é a culpa da pobresa. Na família do meu pai, o trabalho é dignidade, então também não importa muito ter dinheiro, porque pra eles o que importa é ter que trabalhar de domingo a domingo. E na época eu passei a trabalhar de domingo a domingo, e isso me trazia uma validação muito grande do meu pai em relação a mim. Então tanto eu como meu irmão a gente trabalhava de domingo a domingo com 15, 16 anos de idade, estudava nas melhores escolas de Salvador, e meu pai dizia que a gente não ia ser igual ‘filho de papai’ que estuda nas melhores escolas e não fazem nada, que ele ia ensinar filho a trabalhar como o pai dele ensinou eles a trabalhar. Meu avô era coronel mas botava todos os filhos pra trabalhar e pegar, enfim, e meu pai fez a gente, todos os tres filhos, principalmente os dois primeiros, começarem a trabalhar muito cedo. Eu gostava de trabalhar. Pra mim prejudicou um pouco a minha parte acadêmica mas ao mesmo tempo me deu tempo pra poder sentir o que eu queria de verdade, e aí nessa época eu tive certeza que eu queria Psicologia. Aí quando eu entrei na Psicologia eu fiz um, dois semestres, mas era muito dificil porque meu pai não tinha dinheiro pra pagar as mensalidades, na verdade eu não sei nem se não tinha, ele era muito desorganizado financeiramente mas pra mim era muito dificil ver ele sem pagar a mensalidade e a do meu irmão, meu irmão não se importava, meu irmão ele ia, no final de seis meses que meu pai não tinha pago, meu pai resolvia, pagava tudo de vez pra poder matricular no semestre que vem. Mas eu sentia uma culpa imensa de fazer meu pai desembolsar aquele dinheiro, meu pai não tinha condição, sempre a coisa de meu pai era muito de negócio árduo, aí eu desisti da faculdade durante um tempo, já tava namorando, já tinha um relacionamento estável com meu ex-marido, e aí foi quando chegou uma época que meu pai vendeu o mercadinho e eu arranjei outro emprego, e eu tava no segundo emprego, que assim, foi muito fácil de arranjar também porque as proprias pessoas do mercadinho automaticamente que já me conheciam, tal, falaram “não, a gente vai querer, venha trabalhar com a gente”. Eu fui trabalhar e aí eu já tinha, desde muito pequena eu tinha um sentimento muito forte de que eu precisava ser mãe, era como se fosse assim, como eu não tinha tido, eu tinha perdido tudo de família pra mim de referência, era como se filho fosse uma coisa que fosse meu, que ninguém ia me tomar mais, e que era aquela relação que eu ia viver um amor de verdade, que não fosse dor. Então eu já tinha cinco anos naorando com meu ex-marido e aí eu resolvi engravidar, com 20 anos, 19 pra 20 anos. Ele tinha uma história bem complicada, o pai dele tinha morrido assassinado, foi torturado, então também vinha de uma história muito complicada de dor, a família, eu conheci ele logo depois da morte do pai, a mãe dele tava muito machucada ainda dessa história mas me adotou como filha e aquilo foi muito importante pra mim porque eu tive durante aquele tempo tudo o que eu não tive na minha família. Então ela era uma mãe extremamente protetora com os filhos, então uma forma inclusive dela proteger o filho era me ter perto, então ela me trouxe completamente pra perto dela, a minha relação eu digo que era mais forte com ela inclusive do que com ele. Ela dizia direto “você é a filha que eu não tive. Ele eu não escolhi, ele veio na minha barriga, mas você foi a filha que eu escolhi”. E me ajudou muito. E aí foi uma época da minha vida que foi mais tranquila, de certa forma, quando o marido dela morreu ela tava tetando engravidar, e depois quando ela casou novamente ela engravidou duas vezes e perdeu os dois bebês. E eu cheguei na família nessa época, entre um e outro. E ela meio que me adotou como a terceira filha e a gente viveu uma relação muito
forte, assim, feminina, é muito difícil o que eu passei depois muito por conta disso também, porque de certa forma eu acho que eu sobrevivi a muito fdo que eu tinha vivido de falta de antes, a partir dessa relação da família, mais até do que meu marido, assim, era a família dele, a família dele, ele tinha um irmão quando eu cheguei que era da idade de um dos meus primos, então era como se eu tivesse recuperando os irmãos, eu falo que assim, eu perdi irmãos algumas vezes na vida. Eu perdi dois irmãos que eu não tive direito de ter porque quando eu conheci a gente já era grande, e a gente não tinha desenvolvido intimidade, e infelizmente não foi possível desenvolver intimidade depois, melhorou muito depois que inha filha nasceu, eu falo que eu não nasci irmã deles e eles não nasceram meus irmãos, mas os meus filhos nasceram sobrinhos deles, e eles já nasceram com meus irmãos de tios, então quando meus filhos nasceram eles tiveram, é como se reconectasse alguma coisa que nunca tinha sido conectada, mas eu tinha perdido aqueles dois irmãos antes mesmo de ter. E eu perdi dois irmãos também quando aconteceu a briga da minha família eu perdi meus dois primos. E uma das coisas que eu constatei também, assim, é que quando eu me separei, meu ex-marido era muito mais um irmão pra mim que eu cuidava, também como esse lugar do irmão mais novo que eu tinha perdido, e o irmão dele, também, e eu acabei perdendo de novo o irmão dele principalmente que pra mim era um menino que quando ele tinha 6, 7 anos, eu sentava pra poder estudar, eu sentava pra poder dar aula, pra poder estudar com ele pra prova, pra tudo. Então eu fui vivendo pedaços de família muito em outras famílias, e fui perdendo essas famílias, diversas vezes na minha vida (choro), e eu acho que pelas perdas interiores que eu tinha vivido e por dores que não puderam ser reconhecidas, porque eu não tive direito de chorar, de ficar com raiva, de nada, eu tive que continuar seguindo. Eu tinha muito medo de perder essa familia, e por ter muito medo de perder essa familia, eu tolerei muita coisa no casamento. A falta de outros vínculos que me fortalecessem dentro da minha família me fez dar absolutamente tudo o que eu podia e o que eu não podia pra ser amada e me fez principalmente tolerar o intolerável pra poder não perder. Ainda dói muito me conectar com tudo isso porque eu digo que tudo que eu passei da minha sepração pra cá eu só consigo entender que foi necessário assim de tal forma porque seria muito dificil romper, pra mim, se as pessoas não fizessem coisas muito cruéis, e mesmo com toda situação do que aconteceu e que eu entendo hoje que aconteceu também pela dificuldade que foi pra mim e pra ele romper esse vinculo, ainda existe muito amor e muita gratidão, muita.
R – Quando você fala que aguentou muito o intolerável, você tá falando de quê?
P/1 – Eu conheci o meu ex-marido na escola, eu tava, eu doida assim, né, eu tive um primeiro namorado antes dele, né, quando eu ainda morava com meus primos. E meu primeiro namorado era da escola, e eu tinha descoberto na escola, pela fofoca de grupo, de tudo, que ele tinha me traído com uma colega minha. Então foi o primeiro baque assim, e eu terminei o namoro, mas, é isso assim, eu só fui compreender mais os processos depois, estudando mesmo, acho que eu fui estudar psicologia também muito pra buscar um recurso pra entender o tanto de coisa assim louca, porque era dificil pra mim entender que eu tinha tido muita coisa na vida, que eu não tinha tido uma vida de miséria, de tudo isso, mas que eu tinha tido dores de ausencia muito grande. Eu me lembro de um dia que um psicólogo que eu admiro muito falou bem assim: “a pior dor que uma criança pode sofrer não é a violência, mas é justamente a negligência, porque ainda que seja na raiva e na agrassão, existe um eu me importo com você, mas quando você não tem a raiva, e você não tem a agressão e aviolência, você tem o abandono, e o abandono afetivo ele pode ser tão cruel quanto a violência”. E isso foi muito libertador assim pra mim, pra eu entender de onde vinha a minha dor, porque eu só sentia, mas eu não conseguia dar significado pra ela, e quando aconteceu tudo isso, pra mim foi muito dificil romper com esse namorado por que, porque eu já tava rompendo com um monte de coisa na minha vida, porque eu tinha acabado de perder dois primos, eu tinha acabado de perder tios, eu tinha acabado de perder dez tios de vez, eu tinha acabado de perder a fazenda, eu tinha acabado de perder várias coisas. Então eu descobri algo que eu não podia aceitar, e que tava ali regalado pra escola inteira, mas eu não conseguia terminar, e aí o que que eu fiz, eu peguei a minha emancipação, sem falar com meus pais, e pedi transferencia da escola, e fui pruma outra escola. E aí nessa outra escola eu conheci Sávio, que me casei, depois, né, mas naquele momento, não sei assim, não sei, pra te falar a verdade, o quanto que já tinha um lugar de vulnerabilidade, um lugar de cuidado, que é muito do feminino també, eu lembro de um dia que ele despertou mais assim alguma coisa em mim no dia que ele chegou e me contou que o pai dele tinha morrido. E é como se eu quisesse cuidar dele, e depois estudando também eu entendi que eu era uma excelente cuidadora, porque eu já cuidava do meu pai, da minha mãe, há bastante tempo eu já estava num lugar de cuidado deles, né, eu não podia estar num lugar de vulnerabilidade porque na verdade eles não davam conta de cuidar de mim, eu precisava cuidar, precisava cuidar pra não demandar, precisava cuidar pra que meu pai não se matasse, cuidar pra que minha mãe não ficasse com raiva, eu precisava cuidar o tempo inteiro, e quando eu via ele eu achei que ele era uma pessoa que precisava de cuidado também e é como se assim, nisso eu tenho habilidade, né, eu posso ajudar ele, e enfim, a gente ficou junto. Até que logo no começo houve uma situação também de traição que ficou assim implicita, mas que eu não dei conta de romper, principalmente porque era mais uma perda na minha vida e de que era perda de algo que tava sendo muito importante pra mim que era a mãe dele. Nisso a gente foi, acho que teve ainda mais umas duas situações na época de namoro que eu desconfiei, mas a gente ia levando a vida. Quando eu saí de um trabalho pro outro, eu fui me mudar de apartamento, e aí a mãe dele, olha que interessante, a mãe dele falou pra mim assim: “Carol, você... por que que vocês não moram juntos? Você já tem tudo, sabe, vive na sua casa, voces já moram praticamente juntos. Por que que vocês não oficializam isso e vão morar juntos?” E foi com a mãe dele que eu decidi morar com ele, não foi com ele. Na verdade eu acho que ele nunca decidiu nada na vida dele, sempre quem decidia era eu e a mãe dele. E aí a gente foi morar juntos, e pouco tempo depois que a gente tava morando juntos, ele chegou pra mim e falou que ele achava que a gente tinha virado irmãos, e que ele me amava muito como irmão, mas que não fazia sentido pra ele mais ficar junto. Só que a gente tinha tentado, tinha começado a pensar em engravidar um mês antes, falei meu Deus, e se eu tiver grávida. Fiz o teste, não tava grávida, falei graças à Deus. Mas ao mesmo tempo já tinha um sentimento assim muito ruim em
mim de que eu queria muito estar gravida, principalmente naquele momento que eu tava perdendo, um filho assim não me importava se com ele ou sem ele, era algo meu, que ninguem mais ia me tirar, mas aí eu me lembro que eu sofri muito quando ele pediu pra terminar, muito, absurdamente, ele tinha pedido uma vez anterior e a mãe dele mandou ele pra outra cidade, antes de a gente morar junto, e eu fiquei na casa dela, pra você ter idéia assim, ela mandou ele pra outra cidade pra que ela pudesse me dar suporte. E aí quando chegou a segunda vez desse termino, foi muito dificil pra mim, e ela mandou ele pruma viagem também, e ela me ofereceu um suporte, tal. Só que ele começou a querer voltar, e eu já tava, eu não queria perder a família dele, não era mais ele, mas abrir mão dele era abrir mão da família dele. Eu sabia que em algum momento eu ia começar a namorar e fazer outras coisas, e ele começou a pedir muito pra voltar, e eu decobri que eu tava grávida, e aí que o primeiro teste tinha dado um falso negativo, e aí foi quando eu contei pra ele, ele ficou feliz da vida que eu tava gravida e que enfim, e tudo, e a mãe dele começou a falar “então, eu acho que vocês deviam casar na igreja”. E eu falei “não…”, eu fiquei meio assimna época, e aí ele chegou, ele voltou, a gente voltou a morar junto. Foi quando eu peguei uma mensagem no celular, que meio que parecia uma traição, não, minto, a gente tava mudando de apartamento por conta do bebê, e aí começou o telefone dele tocar sem parar, tocar sem parar, tocar sem parar, e eu falei “por que que você não atende o telefone, por que você não atende”, e ele “não, que não sei o que, tal”, deu algumas desculpas e na época me veio um negócio assim... ele saiu pra pegar uma coisa da mudança eu troquei os chipes de aparelho, e eu atendi o telefone, e aí não era uma mulher, era um homem, dizendo “Carol, tudo bem”, eu falei “oi”, “aqui é o marido de Luiza, não sei se você sabe, Luiza e ele tão tendo um caso”, aí ele entrou em casa eu falei “Olha, não posso falar agora”, anotei o número do telefone, porque ele tinha mania assim de todas as vezes que ele desconfiava de alguma coisa ele dizia que eu era louca, que eu era maluca, que eu tava imaginando coisas, eu queria ter muita certeza dessa vez, e aí eu fui pra casa. De noite eu saí, tava indo pra faculdade, quando eu peguei o telefone, botei pra gravar a ligação, pra depois eu não ficar pensando que eu tava imaginando coisas, que eu era louca, que eu era maluca, e aí nisso o cara me contou mais ou menos que tinha chegado em casa, tinha pego os dois juntos, enfim, e aí eu voltei pra casa, e aí já voltei virada no satanás, e aí ele, só que era interessante porque assim, quando eu me vi grávida, eu já me sentia mais livre dele, como se aquele filho já me desse um amor mais forte que eu pudesse me agarrar. E aí a partir daí, aí eu enlouqueci, ele virou pra mim e me falou que, aí ele me contou mais ou menos na época, mas ele disse que foi no tempo que a gente tava separado, que eles não tavam juntos, que não foi traição, tal. Que que eu fiz, aí ele me trancou dentro de casa pra eu não ir embora, ligou pra mãe dele “mãe, agora é sério, Carol quer terminar e que não sei o que”, e pediu pra ela intervir porque a relação passava muito pela mãe dele. E e eu não queria falar com ninguém e aí ele saiu e me trancou dentro de casa, pra que eu não saísse de casa, e foi nesse dia que eu pedi o extrato da conta bancária dos ultimos seis meses e da conta de telefone. Nesse meio tempo a gente marcou a data do casamento na igreja, comigo tendo a certeza do que ele dizia que ele tinha ficado com a ex-mulher enquanto a gente estava terminados. Faltando dois dias pro meu casamento, Lila, dois dias, a familia toda já tinha chegado, assim, a minha familia do Rio de Janeiro, a familia dele do Espirito Santo, a gente já tinha recebido presentes, tava tudo certo pro casamento. Chegaram os extratos das contas telefonicas, e aí quando eu abri, tinha assim, há meses, ligações de duas as quatro, às cinco da manhã, que era um período que ele dizia que ele tava estudando, que ele dizia que tava jogando video game, que ele dizia que tava um monte de coisa e eu tinha ido almoçar na casa dela quando a gente ainda estava junto, quando eles estavam tendo um caso ele me levou pra almoçar na casa dela. E aquilo foi um baque, eu falei “pronto, agora vou cancelar o casamento, não tenho... não vou casar”. E eu só pensava na minha mãe, porque se minha mãe se separou de meu pai várias vezes, se tornou amante, eu agora pensava: “eu não posso virar as costas, não vai ser que nem o meu outro ex-namorado que eu troquei escola, fiz tudo e tchau, porque eu to gravida, então eu vou ter que olhar pra ele várias vezes”. E aí eu pensava o tanto de julgamento que eu tinha tido da minha mãe, que eu tinha feito da minha mãe durante minha vida, de que se ela era tão apaixonada pelo meu pai, por que que ela não tentou de verdade, por que que ela não quis de verdade, por que que ela não lutou pelo que ela queria, por que que ela não perdoou a primeira traição e perdoou verdadeiramente. Então, é como se eu tivesse revisitando aquele lugar de filha, mas agora do outro lugar, e eu só pensava assim “eu não posso terminar um casamento e depois voltar, porque eu vou ter que dar satisfação a todo mundo, e daí se eu der satisfação a todo mundo, depois de seis meses, tres meses, eu aparecer com a minha car de pau com ele de novo, vai ser bizarro. Então eu preciso decidir, tomar uma decisão definitiva”. E o que eu pensava era assim “eu posso casar e depois eu posso não dar conta e me separar, vai ser melhor do que eu fazer um escandalo dois dias antes do casamento e depois ficar com ele de novo”. Mas nesse meio tempo eu descobri uma coisa que pra mim foi muito mais dificil até, foi quando eu descobri que a mãe dele sabia de tudo, que a mãe dele sabia da história. Porque ela tinha me ligado, há um tempo atras ela tinha dito “ei, pega o dinheiro que você recebeu da recisão, vai fazer uma viagem, tira você e Sávio daqui, que não sei o que, tal”. E eu me dei conta de que aquele pedido dela era de quem já sabia dessa história, e aí quando eu coloquei em xeque foi confirmado, então pra mim foi uma tração dupla. Por mais que ela tentasse cuidar, eu também tava sendo enganada por ela. E aí a gente casou, a gente foi pra lua de mel, e eu me lembro que assim, a gente tava numa praia e eu chorava muito porque eu sentia muita raiva, e ele dizia assim “olha onde você tá, olha só, você sempre sonhou ser mãe na vida, você tá grávida, do jeito que você sempre sonhou, olha onde a gente tá, Carol, vive um pouco isso”. E naquela época essa frase fez muito sentido assim pra mim, e eu me lembro que no dia que minha filha nasceu eu disse pra ele, assim que a minha filha saiu da barriga, eu disse “valeu
a pena só de ter vivido esse momento”, e o sonho de todo mundo né, ressignificar a propria infancia, então era o meu sonho, eu queria a família feliz que eu não tive, eu queria dar a família feliz pra minha filha, eu queria oferecer pra ela tudo que me faltou, e eu consegui durante um bom tempo. Eu mergulhei no mundo da maternidade profundamente, trabalhei com parto humanizado durante muitos anos, eu tinha vivido uma cezária, e ao contrário do meu nascimento que era uma história linda e cheia de emoção, a cesárea que eu tive, o médico foi bem desrespeitoso, foi com muita violência obstétrica, e como eu tinha uma referência anterior do meu nascimento, aquilo foi muito dificil. Eu comecei a estudar o que que era humanização do parto e partir dali eu entendi que a humanização era uma luta que eu queria travar, e aí eu comecei atrabalhar com muitas mulheres, conversar com outras mulheres, com familias, com tudo, então fui fazer curso de educação perinatal, de doula, de doula pós parto, de educadora perinatal, de consultora amamentação, passei a coordenar grupos, então eu conheci dois psicólogos de família daqui que se tornaram muito meus amigo, e durante quatro anos da nossa vida foi muito importante o que a gente viveu e assim, depois que Sofia nasceu a gente foi morar em uma outra cidade, e foi muito bom, porque apesar da mãe dele ser muito importante pra mim, a mãe dele tinha muita interferencia no nosso casamento. Então quando a gente foi pra outra cidade a gente pôde viver mais a vida enquanto casal... Só que ele entrou num processo ´lá de reviver a morte do pai, de reviver um monte de coisa, de depressão, enfim, e ele quis voltar, e aí a gente voltou e eu tava gravida do meu segundo filho quando a gente voltou. Eu tinha voltado a fazer faculdade lá, tinha voltado pra faculdade de psicologia lá, tava super animada assim, muito feliz, e aí quando a gente voltou pra cá, meu filho nasceu no parto que eu sonhei em casa, nasceu na água, um bebê enorme, gigante. E simplesmente poucos dias depois eu descobri uma outra traição, e essa traição foi a mais dificil de descobrir porque já era na época de troca de mensagem, então eu peguei audio, eu peguei fotos, eu peguei todo histórico de whatsapp, peguei absolutamente tudo, então tinha coisas muito intimas minhas postas na conversa dele com ela, e meu filho tinha poucos dias de vida, e para completar, eu sabia que tinha várias limitações que eu assumia enquanto sozinha, então quando era uma filha só, muito do que muitas mulheres fazem, a gente assume toda a sobrecarga, a gente da conta de um monte de coisa, o cara se compromete muito pouco e ok, mas quando o Cauê nasceu eram duas crianças, tinha Sofi que tinha acabado de fazer 4 e tinha Cauê recém nascido. E pra completar depois de uma mamada de Cauê, Cauê gofô e ele acabou sufocando e eu acabei precisando ir pro hospital correndo, Cauê roxo no colo, e quando eu cheguei lá eu descobri que Cauê estava sem plano de saúde porque ele não foi responsável suficiente para, por mais que eu e a mãe dele tivessemos insistido, pedido pra ele, que ele tinha que ter feito o plano logo, e ele não fez o plano. E ele tinha vários históricos de irresponsabilidade desse tipo. Então eu me vi com uma criança nos braços, a médica dizia que tinha que fazer uma cirurgia naquele momento, sem plano de saúde e com muita raiva dele, de tudo aquilo, e ainda acabando de descobrir uma traição, super chateada. E aí foi que a coisa começou a desandar mais ainda. E aí eu comecei a me dar conta de que eu não queria mas que eu precisava voltar a trabalhar, que eu precisava dar conta das coisas pra que eu tivesse direito de escolher. E aí eu voltei a trabalhar com parto, principalmente com fotografia de parto e na época eu tive um reconhecimento muito grande, consegui alcançar um patamar muito bom dentro da fotografia, ganhei premios, ganhei várias coisas assim né, abri, fechei congresso internacional com trabalho meu e fui muito reconhecida enquanto fotografa de parto, e isso é muito significativo tá lá na minha história que era quando meu album de nascimento é o album onde eu tenho essa relação de família. E a partir daí eu comecei a enchergar um outro Sávio, eu comecei a enxergar um cara que não se comprometia com nada, eu comecei a enxergar um cara que fazia o que queria, eu comecei a enxergar um cara que era muito frio e calculista, que ele não se importava em me trair, ele não tinha culpa nenhuma e eu comecei a entender que o lugar que eu colocava ele de cuidado era um lugar de muito conforto pra ele e que assim, todos os cuidados que eu cercava ele - “ah, ele tá com depressão, tá com isso” - e de entendimento e de cuidado, na verdade ele tinha muitas mentiras, e aí eu comecei a descobrir várias coisas, do tipo, ele voltou pra fazer uma faculdade depois e eu descobri que ele não tinha aula vários dias mas ele mentia dizendo que tinha aula, e eu ficava que nem uma louca pra dar conta das crianças, pra dar conta de tudo, e eram muitas mentiras, e tinham mentiras que eram surreais, assim, eu comecei a descobrir mentiras no sentido de coisas que eram banais até. Aí eu comecei a desconfiar de tipo “com quem é que eu to vivendo? Então eu não sei com quem que eu to vivendo? Quem é essa pessoa que tá comigo?” E a mãe dele começou a falar também assim “por que você aguenta isso minha filha? Por que você passa por isso? Você não precisa passar por isso. Carol você faz tanta coisa, você é tão inteligente, você é tão competente, por que que você tolera essas coisas de Sávio?” E pra mim era muito surreal, assim, quanto mais eu trabalhava e me empoderava e tinha contato com feminismo e tinha contato com varias coisas, eu tinha um cara que não se comprometia com a relaçao, que não se implicava com a relação, que não se implicava com os filhos, que não se implicava com nada e que tava pouco se lixado pra tudo. E isso começou a gerar muito incomodo até que minha filha adoeceu, quando minha filha adoeceu aí foi o primeiro baque que eu tive, ele tinha ido fazer um curso na Italia, minha filha teve uma doença que aqui foi diagnosticada errada, que ficou suspeita como uma doença neurodegenerativa, que teria tres anos de vida, e eu precisei ir pra São Paulo com ela, ela ficou internada em São Paulo, e até sair o resultado foi um caos na minha vida, mas que me deu um baque de dizer assim “tem mais pessoas adoecendo nessa relação, não tá bom”. E eu entendi que tinham questões emocionais passando por minha filha. Eu chamei ele e disse “olha, se você não se tratar, se você não se cuidar e se você não se melhorar, agora chegou nela, e aí eu não vou mais aceitar”. E aí ele deu uma melhorada na época, mas depois ele começou novamente com os mesmos comportamentos, vieram mais trições, vieram mais situações, vieram um abuso. Eu falo que assim né, hoje eu sou casada de nvovo, meu novo parceiro é uma pessoa muito mais, mais agressiva inclusive, mas a violencia dele, a agressão dele é visível, e eu consigo ver, consigo me defender. Essa eu não tenho medo. Essa pra mim é muito mais facil de lidar porque eu sei botar limite. Ele não é essa coisa de te fazer de louca, sabe, ele, quando ele fala, quando ele se coloca, eu entendo quando ele tá sendo agrassivo, quando ele tá sendo violento e eu não tomo isso pra mim. Mas na relação com ele era uma violencia invisibilizada muito louca, que era a sensação de que eu tava maluca, de que eu não sabia o que que tava, ele passava mensagens muito duplas, que a gente chama na psicologia de duplo vínculo, era uma mensagem que parecia que era uma coisa mas aí quando você descobria era outra, era muito maluco. Eu comecei a ver varias situações de violencia dele com a minha filha mais velha principalmente e que eu não conseguia compreender, e aí eu comecer a ver um Sávio que era muito violento principalmente com Sofia, e as violencias que ele fazia comigo, que eram muito dificeis de serem percebidas. E aí foi quando, é muito doido porque eu tive a diclopia, que foi a visão dupla, então um dia antes de ir pra terapia de casal, eu já tiha 40 dias de enxaqueca, já tinha ido pro neurologista, já tinha paralizado um lado da face porque na verdade assim, eu tava trabalhando muito na época, muito muito muito, acho que tava trabalhando também pra fugir dessa realidade, porque tava muito dificil me deparar com ela então quanto mais eu trabalhava mais eu fugia, mas eu acho que eu colocava toda culpa da enxaqueca e dos sintomas que eu tava sentindo no stress e na sobrecarga. E no final de semana que paralizou, que eu tive paralizia de face, desde que Sofia adoeceu eu tinha prometido que eu não iria mais sair pra parto em nenhum dia de festa, porque assim, trabalhando com parto eu tive que trabalhar Natal, Ano Novo, eu tinha que trabalhar dia de aniversário deles, não tinha dia, não tinha horário, eu já saí da mesa 11 horas da noite de natal pra ir trabalhar. E aí nesse dia, depois que Sofia adoeceu, eu disse que não ia mais fazer isso, e aí uma cliente minha, que era terceiro filho, me liga no dia do aniversário, na noite do pijama do aniversário de minha filha e diz “Carol, eu estou tendo um bebê”, e aí eu falei pra ela “olha, eu vou ter que chamar um beckup”, ela disse “não quero beckup, eu combinei com você”. Ela disse “Carol, se você puder vir você venha até o horário do aniversario da sua filha, se você não puder, eu prefiro nem ter fotografia”. Aí eu larguei tudo, eu tava organizando o aniversário, aí eu larguei tudo e fui pro parto. Quando eu cheguei no parto, o histórico dessa mulher era um parto muito rapido, os outros partos dela tinham sido muito rápidos, e eu parei na porta pra poder mandar uma mensagem sobre a organização do aniversário, quando eu ouvi - já tinha tendido mais de 300 partos nessa época - quando eu ouvi que aquilo parecia um expulsivo, e só tinha eu chegado da equipe, e aí eu pedi pra abri a porta, quando eu entrei eu falei assim “você não me engana não, você tá em trabalho de parto ativo e você não chamou a galera?” ela fez “não, que não sei o que”, eu brinquei com ela “ah, você não vai me enganar dessa vez não”, e aí veio uma outra contração, uma outra contração, ela disse “Carol me ajuda”, quando eu levantei o vestido a cabeça já tava saindo, e só tinha eu acostumada com parto, aí eu disse “meu Deus, e agora”. E aí eu me dei conta de que eu ia ter que fazer aquele parto. Aí foi um stress enorme pra mim porque, enfim, era um parto domiciliar e uma coisa é eu estar num parto domiciliar como eu sempre trabalhei com médica, com enfermeira, com equipamento, com tudo, e outra coisa era que EU estaria responsável por aquele parto, eu teria que pegar aquele bebê, eu teria que fazer tudo e eu sabia os riscos que eu corria. Enfim, o bebê nasceu, nasceu bem mas depois que o bebê nasceu eu não sentia metade do meu rosto. E aí eu saí do parto e fui pro aniversário da minha filha, que foi um aniversário da noite do pijama, e aí, o que que aconteceu? A primeira criança dormiu 8, a última foi dormir 4, a que dormiu 8 acordou 5, então eu passei uma madrugada, mais uma madrugada, acordada e quando a ultima criança no dia seguinte foi embora, eu tinha dito “eu vou pro hospital”, e aí acabei de entregar a última criança pro pai, meu telefone toca, era um outro parto. E aí era um outro parto, e esse parto era de uma mulher que tinha uma história que tinha vivido uma cesaria anterior, e que tinha toda uma relação comigo, porque eu também tinha vivido uma cesárea anterior antes do parto, e que ela tinha toda uma idealização em relação a mim, e aí o que que a gente faz enquanto mulher: agente se conecta com a necessidade do outro e vai. Ao invés de ir pro hospital, pra emergência, eu fui pro parto. Esse parto durou 56 horas, esse parto virou um parto hospitalar e aí quando acabou esse parto a médica que estava comigo no parto disse “Carol, você vai direto pra emergência”. Eu liguei pro meu ex-marido e disse assim “olha, eu to aqui no parto, terminou o parto, agora eu to indo pra emergência.” Ele disse “não, você não vai pra emergencia. Hoje é o seu dia de levar a Sofia pra terapia, se o parto acabou, você volte pra casa, leve Sofia, cumpra suas obrigações e depois você vai pra emergência, porque eu não vou poder assumir isso pra você”. Que que eu fiz? Larguei tudo, fui pra casa, fui mais uma vez no lugar de mulher sobrecarregada e que dá conta de tudo e de todos, não importa o que esteja sentindo, peguei Sofia, levei pra terapia. Quando eu cheguei na emergência, o pessoal achou que eu tinha tido um AVC, e aí fez todos exames, não acharam nenhum AVC, eu não sentia a face mas ao mesmo tempo eu tinha todos os movimentos da face, não foi uma paralisia de que não tinha movimento. E aí foi o problema, porque eu voltei pra casa e fiquei como se nada tivesse acontecido “ah, não, vai pra casa, é stress, é isso, é aquilo”, e aí eu sentia muita dor, começou a doer lombar, começou a doer isso aqui, passou mais uns dez dias, e eu fiquei fazendo fisioterapia, e aí achavam que era TI, achavam que era, enfim... eu fui fazer... eu esqueci o nome... osteopatia, e aí na osteopatia a fisioterapeuta virou pra mim falou assim “Carol, sabe o que eu to achando? Que eu mexo e coloco tudo no lugar, e é como se a gente tivesse cuidando do sintoma mas é como se tivesse alguma coisa que no outro dia tá tudo desorganizado de novo. Então a gente não tá cuidando da ATM, a gente não tá cuidando de nada disso, é algo que tá causando tudo isso”. E aí no dia seguinte eu tinha terapia de casal, ela colocou tudo no lugar e ela disse “amanhã se você não estiver bem, amanhã você vai procurar o hospital de novo, vai internar e falar com o neurologista que tem alguma coisa de errado”. E aí quando eu cheguei no dia seguinte que eu tinha terapia, que eu acordei, que eu levantei da cama eu não enxergava, e aí meu mundo caiu né, porque eu era fotógrafa, e eu perdi a visão. A diclopia ela não te tira completamente a visão, mas ela embaralha, ela cria uma imagem dupla, tripla, quase assim, uma por cima da outra, que não te permite ver nada bem, direito, e causa uma angustia muito ruim, porque a diclopia ela faz com que você tente assim, você encherga aquela imagem e você tem a impressão que vai conseguir focar e você não consegue focar, e fica nessa ansiedade pra tentar e não consegue, né. Aí eu saí de casa e fui pra terapia de casal mesmo com a diclopia. Quando eu cheguei na terapia, eu tava em pânico. Eu já tinha entrado numa crise de pânico que eu estava ficando cega, e aí o psicólogo me atendeu sozinha, fez um trabalho pra me acalmar e disse “você vai sair daqui e vai imediatamente pro hospital”. Chamou meu ex-marido e disse “lugar nenhum, ela não tem como tolerar mais nada. Hospital”. E aí quando eu cheguei no hospital era de noite já, e aí um oftalmo fez assim “você já teve herpes?” eu falei “hein?” ele disse “herpes ostea, você já teve?” eu falei “tive, na infancia”. Porque na minha infancia quando eu conheci meus irmãos, pipocou isso aqui tudo de herpes. Ele falou “você está com encefalite, provavelmente você está com herpes no cérebro”. Aí eu achei muito louco um oftalmologista dizer aquilo pra mim, aí eu disse assim “como assim?” ele disse “sua paralisia é facial”, aí eu disse “mas eu não to com paralisia facial, já fiz exame, já fiz AVC, já fiz tudo”, aí ele pegou o ifone, ligou, e botou em camera lenta, e ele mostrou que eu piscava meu olho numa diferença minima entre um e outro, então existia uma paralisia facial que as pessoas não tavam enxergando, e aí ele fez assim “a gente vai entra com antibiotico, imediatamente pra herpes, sem exame sem nada, eu só vou mandar colher o exame, porque não vai dar tempo de esperar o exame porque a herpes mata muito rapido e aí a gente vai entrar com antibiotico pra herpes, enquanto isso você vai ser internada aqui - que era no mesmo prédio - você vai ser internada, e a gente vai colher liquor da sua medula e ver sua pressão intracraniana porque provavelmente todo essa diclopia que você tá tendo é em relação a uma hipertensão intracraniana, a gente só vai descobrir se é da herpes ou se é de um tumor cerebral”. Aí eles chamaram um médico de fora, colheram liquor da minha medula e quando o medico tava colhendo liquor ele falou pra mim, ele disse “olha, normal de uma pressão craniana é 13, você tá com 29, eu preciso tirar imediatamente a maxima quantidade de liquor que eu conseguir pra pelo menos aliviar essa hipertensão”. Aí ele explicou que ia doer um pouco, tal, tirou, não conseguiu aliviar muito, foi pra 23, não me deu nenhum conforto de visão, mais nada, eu pedi pra que tapassem os meus olhos porque eu não conseguia enxergar, eu ficava muito angustiada. E aí foi um outro problema porque o plano de saúde precisava autorizar minha tomografia pra que fosse feita a tomografia pra descobrir se eu estava tendo um tumor cerebral ou não. E aí o plano, isso foi uma quarta ou quinta feira e o plano passou vários dias pra liberar essa autorização, chegou o final de semana e o plano não liberou e eu já estava numa angustia terrível porque você já tá vivendo ali o caos, e quando eu fiquei esses dias, a mãe, a minha ex-sogra ela tava viajando, ela tava numa viagem pra fora, então tinha o meu filho pequeno, que eu não tinha com quem deixar, eu pedi pra minha mãe vim ficar com ele, sendo que não era... minha mãe nunca foi muito assim de ter cuidado com criança, não tinha muito jeito. E Cauê adoeceu na época, então foram dias de muita angústia. Outro dia eu peguei uma foto que tiraram nesses dias do hospital e eu tava fazendo nebulização, eu deitada com soro com tudo, Cauê no meu colo e eu fazendo nebulização nele, e atraz tem meu ex-marido jogando video game, ele levou um playstation pro hospital. E tipo, eu perguntava “você não tá com medo? Você não se preocupa?” E hoje eu entendo, assim, em parte. Ele viveu um trauma muito forte na adolescência que fez ele se desconectar de muitas coisas. Mas pra mim era muito dificil me ver naquela situação e ele jogando videogame dentro do hospital todos os dias, e eu não conseguia nem conversar com ele sobre minha angustia, porque pra ele era “ah, é nada”. Minha prima entrou em trabalho de parto e eu iria fotografar o parto dela, no mesmo hospital, e é tão louco como as mulheres ultrapassam os proprios limites, é tão surreal, porque em algum momento eu ainda criei a fantasia de sair do meu quarto, pegar a câmera e ir para o parto! Sabe, sem enxergar! É tão louco o quanto que a gente... eu acho que a gente não aprende a respeitar os nossos limites, né, a gente aprende o tempo inteiro a atender as necessidades do outro, desrespeitando os nossos limites. E eu tava ali, tava internada, cuidei de outra criança e ainda estava querendo atender uma outra necessidade. E eu acho que, eu falo hoje, que a herpes salvou a minha vida, porque eu precisei de alguns dias naquele hospital pra poder me dar conta de que eu tava adoecendo, e que eu tava adoecendo muito, de uma forma, comprometendo muito a minha saúde, porque eu já nem sentia, eu já não sentia o meu corpo direito, eu acho que o meu corpo tava comunicando como que os meus limites tinham sido ultrapassados há muito tempo, e sempre ultrapassados pra atender as necessidades alheias. Eu não sabia quais eram as minhas necessidades, eu não sabia como é que eu tava, eu já não sentia mais, eu tinha desligado os meus sistemas de tal forma que eu já não conseguia mais nem sentir cansaço. Eu não sentia cansaço, as vezes eu passava varias noites acordada, uma atraz da outra, eu não sentia cansaço, não sentia absolutamente nada. Eu já não sentia raiva, eu já não sentia…, eu acho que a minha única necessidade tinha se tornado atender as necessidades dos outros, porque assim era uma forma de não perder as pessoas, assim era a forma de garantir que eu não iria perder ninguém. E aí eu me dei conta que eu estava me perdendo. Eu recebi uma carta de um amigo psicólogo naqueles dias e ele falava com muito afeto pra mim assim, de como cuidar do meu ex-marido estava inclusive…, que demandava muitos cuidados, uma série de coisas, da dificuldade dele de lidar com a realidade. Eu tinha que fazer muito, como é que eu posso dizer… é como se eu traduzisse uma parte do mundo pra ele, assim, é como se eu tivesse que dar limites pra ele, também, além dos meus filhos. Eu ia pros lugares eu tinha que dizer como é que ele se comportava. Era uma coisa muito doida. E eu tive que cuidar da relação dele com a mãe dele, eu tive que cuidar de tudo, e a mãe dele também me colocava muito nesse lugar de me responsabilizar por fazer ele trabalhar, por fazer ele querer fazer as coisas, por tudo, então eu… e o quanto que essa auto-demanda já tava me fazendo inclusive descuidar dos meus filhos que eu precisava cuidar. E o quanto que tinha hora eu precisava olhar e perceber que eu não tava dando conta, e reconhecer a minha humanidade de não dar conta. E eu recebi uma visita de uma amiga médica que tinha 70 anos, e ela olhou pra mim naquele dia e ela disse assim “Carol, eu me arrependo tanto de não ter me separado na hora certa, porque se eu achava…” - e ela tinha uma história também de um marido que era assim parecido com o que o meu marido era, é que o marido dela hoje tá com 70 anos - e ela virou pra mim e falou assim “hoje eu não posso me separar dele com 70 anos, pra mim é muito mais dificil deixar ele hoje do que deixar ele antes, pra mim é muito mais dificil recomeçar hoje”. E aí eu parei pra pensar e me vi, assim, por dez minutos eu fiquei pensando em mim com 50 anos, com 60 anos. E eu já tinha me visto naquele casamento há 14 anos e há 14 anos, uma coisa era eu namorar com a pessoa que não trabalhava, que tava com a vida completamente comprometida, assim, que não fazia nada, mas com 20 anos, com 15, com 23. Eu iria fazer 30 anos e ele também, então os dois tavam chegando com 30 anos. Eu trabalhava, eu tinha uma vida super agitada e algo que me apaixonava mesmo, eu adorava o meu trabalho, eu lidava com pessoas fantásticas, e eu chegava em casa e eu não tinha o que conversar, porque ele tinha passado o dia inteiro assistindo Netflix e jogando videogame. E ainda assim, os conflitos que eu tinha era de traição, era de pegar traição em joguinhos de celular, pra mim chegava uma hora que eu falei assim “gente, que nível que eu cheguei, né”, porque assim, que eu pegasse uma traição de verdade pelo menos, porque eu me sinto conversando com um filho adolescente, de que assim, “olha, não pode mandar nudes, não pode fazer isso, não pode fazer aquilo”. E aí chegou um ponto de que eu me dei conta de que eu já nem me sentia bem naquela relação, de que eu não queria porque eu queria uma vida. E aí no dia que eu saí do hospital, só tava eu e ele, e eu pedi pra ele parar o carro no caminho, e a gente parou assim na beira da praia, a gente desceu, sentou num banco e eu falei pra ele “eu vou me separar de você”. E ele não acreditou, porque no fundo eu acho que nem ele nem ninguém, nem eu mesma acreditava que eu era capaz de me separar, porque pra mim era tão importante ter uma família, e eu dava tudo - e hoje eu entendo o quanto que o dar tudo foi justamente a minha responsabilidade no problema, porque dando tudo eu nunca deixei ele se responsabilizar por nada. Ele nunca precisou se responsabilizar. Que eu cheguei ao ponto de ‘como assim, se eu sempre lutei pra dar tudo, se eu nunca…, se eu fiz tudo, como que eu tava desistindo agora’. Mas a herpes me mostrou um monte de coisas que eu não conseguia ver, e a partir daquele dia eu me separei dele. Foram dias pra eu me mudar assim. E a gente se separou e aí foi a pior parte, porque a separação não foi fácil, não foi fácil pra mim, não foi fácil pra ele. Eu lembro um dia que ele me disse assim “você tá me pedindo divórcio, você sabia que o papel do divórcio vai ser o segundo atestado de óbito que eu vou receber na vida”. E ali eu me dei conta de algo que eu já sentia também: ele tava anestesiado desde que o pai dele tinha morrido. E a dor de perder a relação comigo talvez seria a única dor que faria ele acordar, só que acordar 15 anos depois não era fácil. E quando ele se deu conta que ele estava perdendo, ele foi muito agressivo, muito violento, então eu passei a viver cenas que assim, se eu tinha um marido banana, se eu tinha um marido que não fazia nada, se eu tinha um marido que era pacífico, passivo, que era o que todo mundo jamais esperava, eu passei a ter um marido que me perseguia, que invadia meu carro, que eu precisei deixar carro no meio da rua, que eu precisei fugir. Eu passei a viver uma outra situação. E a mãe dele perdeu a cabeça completamente no momento que viu que também não tinha controle por trazer Carol de volta pra vida dele, pra o que Carol ocupava, e também esse lugar de super proteção do filho, em que… ela poderia oferecer, ela sempre acabou provendo tudo pra ele, e eu talvez fosse a primeira coisa que ela não tinha mais o poder de dar pra ele, então foi a primeira coisa que ele de fato perdeu depois do pai. Depois disso, depois da morte do pai, ela conseguiu proteger ele, dar tudo de tal forma que ele não passou necessidade de nada, mas ela também me perdeu, e pra ela foi muito duro e pra mim também. Quando ela soube que eu tava num novo relacionamento ela surtou porque pra ela até aceitava que eu me separasse do filho dela, mas ela achava que eu precisava continuar dormindo na casa dela, precisava continuar passando Natal com ela, passando férias com ela, passando… Eu que levava ela em médico, mesmo depois de separada, então ela foi se dando conta, por exemplo, no meu aniversário, que eu ia estar com meu namorado, que eu não ia estar no meu aniversário com ela, e ela não suportou isso também. Então eu falo que eu me separei duas vezes, eu tinha dois casamentos, eu tava terminando dois casamentos, e o casamento com ela foi o mais dificil de terminar, o casamento com ela foi, nossa, assim, ainda é um processo difícil com ele, eu ainda ressignifiquei um monte de coisa, mas com ela ainda é uma ferida aberta pra mim e pra ela. Ela… na separação eu comecei a descobrir várias coisas, e a partir dessas coisas que eu descobri de como que ele já não dava conta de coisas normais da vida, que eu era a pessoa que tava sempre ali, fazendo o meio de campo, no momento que eu saí, ele passou a não dar conta com os meus filhos. Então ele esqueceu meu filho no carro, e ele não percebeu que ele esqueceu meu filho no carro, quem percebeu foi a babá. Ele chegou da escola com as duas crianças, sentou na mesa pra almoçar só com minha filha, a babá perguntou “cadê Cauê?” e aí a babá começou a procurar Cauê, eles começaram a procurar Cauê pela oficina da casa, por tudo, até que eles se deram conta de que Cauê estava dentro do carro trancado e ele não se responsabilizou. Ele mandou chamar Sofia e disse que a culpa era da minha filha mais velha, que ela deveria ter aberto a porta pro irmão sair. Eles viram o pai se jogando na piscina com o corpo pegando fogo, ele foi tentar acender uma churrasqueira a gás e aí deu um problema e o fogo explodiu em cima dele, e a sorte que ele tava muito perto da piscina e ele pulou imediatamente na piscina, queimou uma parte da sobrancelha, da barba, tal, mas não teve uma queimadura tão grave, mas eles prezenciaram essa situação. A dentista dele já me ligaram contando que o pai foi pra a consulta, que ela não pode atender os meninos porque o pai foi barrado no prédio porque tava sem sapato e os meninos não podiam ser atendidos sozinhos, enfim foram muitas histórias. Sofia presenciou a namorada dele usando drogas, e aí foi quando eu decidi que eu iria pedir a guarda dos meninos na justiça. E aí quando eu decidi pedir a guarda dos meninos na justiça eu fui surpreendida - eu já tinha meio que assinado o divórcio, abrindo mão de tudo porque eu não queria viver mais uma vez o que eu vivi na minha família materna, de briga por conta de bens, então eu tinha perdido todos os meus tios e primos por conta disso, então eu não estava disposta a isso. E na época minha sogra falou “não se preocupe, você vai ter todo o suporte, tudo que você precisar”, e de fato, no divórcio que a gente assinou eu abri mão de qualquer tipo de bens, mas ela lá ficou acordado que ele teria obrigação de pagar escola, plano de saúde, enfim, tudo que tinha que pagar, e o aluguel do apartamento, de um apartamento pra gente. E acabou que quando eu comecei a pensar na justiça pela guarda, eu fui surpreendida com uma queixa, na verdade recebi meus filhos e aí eles me contaram que eles tinha andado de trem, e aí a partir do momento que eu perguntei “de trem como?” e aí a minha filha falou “não, mãe, a gente andou de metrô, a gente foi pra Brotas”, “Brotas, fazer o que?”, “a gente foi prum lugar muito feio, um lugar muito ruim, que tinha muita gente velha, que tinha carro de policia, que as pessoas ficaram me perguntando se você maltratava a gente, se você colocava a gente em situação de risco, e que não sei o que”, aí eu “como assim…” Aí eu botei na internet na hora aí eu vi que tinha uma delegacia de proteção à criança nesse bairro, e eu me dei conta que eles tinham ido para a delegacia. Eu cheguei em casa, meu marido tava em casa com o filho dele, eu falei “você pode ficar com eles dois aqui um pouquinho pra mim”, ele disse “o que foi?”, eu digo “eu já volto”. E aí eu saí de casa, liguei pro meu ex-marido, perguntei “você pode falar comigo agora?”, ele fez “posso”, eu falei “você tá em casa?” / “estou” / “posso conversar com você?” / “pode” / “agora? - eu falei - estou aqui na porta”. Aí ele fez “tá”, ele abriu a porta como se nada tivesse acontecido. Eu entrei feito um trator, gritando, enlouquecida. “Por que você fez isso comigo? Por que você fez isso com eles? Por que você levou os nossos filhos pra dar uma queixa contra mim?” E ele fez “pra me proteger”. Eu falei “como?”. Ele disse “você ia me botar na justiça, e eu precisava te desmoralizar”. E aí eu descobri que ele tinha pego fotos do grupo da escola de um passeio de barco que a gente tinha feito com as crianças, e no passeio de barco todas as crianças estavam sem colete salva-vidas, porque era uma lancha grande, que ninguém usa colete salva-vida, e tinha uma foto dos meninos na beira da praia, assim dentro de um bote. E tinha uma foto de todos os adultos brindando com champanhe. E aí ele deu uma queixa de maus tratos, dizendo que eu coloquei os meninos em risco, que estavam sem usar colete salva-vida, que os adultos estavam bebendo e que eu não passei protetor solar nas crianças, sendo que todas as mães passaram protetor solar nas crianças em filinha, a gente fez uma fila e uma mãe foi passando, depois outra mãe foi passando e tal. E aí isso deu uma queixa na delegacia, de maus tratos, eu precisei responder um processo criminal e os meus filhos precisaram ir prestar queixa e não tiveram escuta especial. Os pais dos coleguinhas dos meus filhos precisaram prestar depoimento, e a gente passou a viver um inferno mais ainda a partir daí. Porque, primeiro, a violência era tão invizibilizada que ele nem nunca acha que ele fez algo de mais, a tal ponto que nessa briga que eu que tive na casa dele a mãe dele chegou no meio, porque ele mora no mesmo condomínio que a mãe, e alguem avisou que eu estava lá, e a mãe dele chegou que nem um trator também, dizendo “saia da casa do meu filho, que não sei o que, eu não quero você aqui”. Eu falei “ó, deixa eu falar uma coisa, eu não sou - porque eu acho que ela falou assim ‘eu não sou da sua laia’, daí eu digo - realmente, eu não levo duas crianças pra delegacia pra prestar uma queixa falsa contra a mãe pra poder proteger um filho de 30 anos”. E aí eu fui sair e ela tava na minha frente, eu falei “dá licença, eu quero sair”, e aí ela fez “venha, me bata, eu estou louca pra você me bater que eu estou doida pra dar uma outra queixa sua”. E é muito doido, assim, porque eu nunca fui agressiva na minha vida, e eu falo que graças a Deus, porque muitas pessoas eu tinha voado no pescoço delas, mas nesse momento minha raiva era dele. Eu saí daquela casa e eu disse “eu não mereço isso na minha vida”. Eu já viha num processo de terapia de entender quanto que o amor dela por mim era também pra cuidar desse filho dela, que era também controle a esse filho dela, que era muito atraves do que eu proporcionava, e que eu me colocava pra porporcionar tanto a essa familia por medo, porque eu achava que eu tinha que oferecer muito pra ser amada. E aí eu saí aquele dia daquela casa e eu me tranquei no quarto escuro por semanas, e eu só pensava que eu não queria mais viver, mas eu pensava que não tinha como, porque se meus filhos já tinham toda essa história, eu ainda ia deixar eles com uma história ainda pior de sofrimento ainda mais cruel de que a mãe se matou, isso não era uma opção pra mim. Eu ia pra delegacia chorando, imaginando que eu passei anos, foram dez anos trabalhando com maternidade, dez anos onde meu nome estava em revista, em jornal, em documentario como ativista na maternidade, eu era uma mãe agora respondendo processo criminal. E aí foi que eu me voltei pra o grande recurso que eu tenho na vida. Eu falei “eu preciso entender o que tá acontecendo”, e aí eu fui estudar. Alguem tinha... eu tinha visto um post no instagran sobre alienação parental, e problematização da alienação parental, eu peguei varios artigos de alienação parental pra ler, e aí eu comecei a entender que os advogados usavam a lei da alienação parental como estratégia de defesa, e eu tinha um processo também que eu tava respondendo de alienação parental. Que que acontece, eu passei a estudar alienação parental, consegui compreender todo problema, que é muito doido assim, né, como que a sensação de ter me culpabilizado muito em relação a minha família, a minha mãe, à situações, de me responsabilizar pelos meus pais me fizeram me responsabilizar durante muito tempo por muitas coisas que não eram minha responsabilidade. Então eu funcionei como muitas mulheres funcionam, no sentido de que a gente precisa ser perfeita, compreensiva, não dar motivos. Então qualquer coisa que tivesse dado de errado, é porque eu não tinha sido perfeita o suficiente, inclusive se tivesse um conflito, se dois não quer, se um não quer, dois não brigam, então eu também errei. Então eu me responsabilizava por mim e pelo outro, eu não me responsabilizava só por mim, eu me sentia culpada de tudo que era dito de mim eu me sentia que eu tinha que me defender, como se eu precisasse me justificar pra tudo, como nós somos enquanto mulheres, né, a gente precisa, a gente tem essa coisa de justificar. Hoje, na psicologia, eu preciso conversar milhares de vezes com mulheres pra eu poder dizer que elas não precisam se justificar o tempo inteiro, elas podem dizer 'não' sem ter que se justificar. E eu não tinha aprendido a dizer 'não' sem me justificar, eu não tinha aprendido a me escolher sem ter que justificar porque eu tava me escolhendo, eu não tinha aprendido que eu podia escolher atender as minhas necessidades, eu não tinha aprendido nem que eu tinha direito a ter necessidades. Até porque, coisas muito importantes pra mim eu me sentia culpada, então quando eu conheci meus irmãos eu me senti culpada porque eu fazia minha mãe sofrer com isso, e eu fui aprendendo ao longo da minha vida que eu precisava cuidar das pessoas pra não ficar sozinha. E aí foi um processo muito difícil nessa situação dessa queixa foi entender que eu não tinha culpa. Porque ali talvez foi o lugar que eu fui mais injustiçada na vida. Então, eu tinha provas de que aquele cara tinha esquecido o filho no carro, tinha cometido um monte de atrocidades, e quem tava respondendo processo criminal era eu, porque inclusive eu nunca tive coragem de dar uma queixa contra ele, nem quando eu precisei deixar meu carro no meio da rua, com ele me perseguindo. Então foi muito doido assim, a sensação mais uma vez de enlouquecimento. Era muito fora da realidade, a situação de 'o que que eu fiz pra merecer isso... como que eu deixei isso acontecer...' E eu acho que essa dificuldade que a gente tem como mulher de ser acertiva no 'não', no que a gente não quer ou no que a gente quer, faz com que a gente tenha a ilusão de que a gente controla pelas beiradas, de que a gente controla com jeitinho, de que a gente controla fazendo tudo e que a gente vai ser reconhecida. E ali ficou revelado na minha cara de que nada que eu tenha feito ou deixado de fazer, dado motivo ou deixado de dar motivo, inclusive abrindo mão de patrimonio, de tudo, me dava controle de nada. Eu não acho que eu fui vitima, eu não acho que simplesmente não existe uma responsabilidade minha naquela situação toda, eu acho inclusive que é minha responsabilidade ter chegado naquele ponto, porque eu não soube estabelecer limites antes, porque eu deixei e eu permiti que muitas coisas fossem feitas comigo até chegar ali. E um dia depois que eu descobri a queixa, ele me ligou. Eu ia viajar com meu novo parceiro, ele falou "é, to sabendo que você vai viajar, não custa nada você me trazer um termometro de viagem pra mim porque eu to precisando comprar e lá é mais barato". Naquele dia eu tive a certeza absoluta de que eu era casada com um altista, com um psicopata, com qualquer outra coisa que eu não tinha me dado conta, porque assim... E aí que foi caindo a ficha também de como que eu precisei de muito tempo de distancia pra perceber aquele homem sem mim, pra perceber o trabalho que eu tinha com ele, porque a desconexão dele com a realidade era tão grande a ponto de ele achar natural, depois de eu descobrir tudo, d' eu chegar na casa dele feito uma louca, de tudo, de me ligar no dia seguinte me pedir um favor pra eu trazer uma coisa de viagem. E eu percebi o quanto que durante anos da minha vida o meu trabalho foi conectar ele com a realidade, como que era dificil e como que isso demandava energia minha. E aí eu fui pra delegacia duas vezes, e eu peguei a disciplina de Psicologia Jurídica nesse semestre, e a professora pegou e falou assim, ela sabia do meu caso, ela era uma juiza que depois de juiza foi estudar psicologia, e ela tava me dando aula de psicologia juridica, e ela falou pra mim assim "Carol, você vai ficar com a parte da discussão, dialogando psicologia com alienação parental”. E eu falei "meu Deus do céu - né, tipo assim - não dou conta". E fazer a faculdade de psicologia é muito foda porque parece que você vai pegando, revivendo coisas da sua vida, e ao mesmo tempo nessa situação eu passei por matérias que era, eu tinha que aplicar testes, e eu tinha que aplicar testes em mim mesma, então tinha teste de escala de risco de suicídio, de ideação suicida, e eu tava aplicando teste em mim, então tipo assim, eu olhava e dizia "velho, depressão, escala de depressão". E eu me deparava com tudo aquilo assim, sabe, quantitativamente. Aí eu pegava uma disciplina de Direitos Humanos, que falava de violência contra a mulher, e eu tinha que fazer um trabalho de violência contra a mulher vivenciando aquilo. E eu acho que de certa forma, e eu tive professores que falavam assim "Carol, sai, você não vai dar conta, você precisa respirar, você precisa ser gentil com você", e eu falei "eu preciso disso aqui". A única certeza que eu tinha é que assim, se as coisas mais dificeis da minha vida tinha sido perder o vinculo e ficar presa a um unico vinculo, eu não podia perder a faculdade, porque a faculdade era aquele vinculo que me fazia ter que dar conta, me fazia levantar. Era a faculdade e as crianças. Então, isso eu sei hoje que foi muito importante porque quando tudo tava dando errado, a faculdade dar certo, passar nas materias, ser reconhecida dentro da faculdade de psicologia, como eu vinha sendo, como hoje as pessoas me reconhecem em psicologia, era assim, era dizer que algo estava dando certo na minha vida. Era algo que eu podia me agarrar. E era algo inclusive em relação ao futuro, porque eu tinha certeza de que nada ia dar certo. Eu tinha certeza de que essa guerra ia durar a vida inteira, inclusive porque os meus advogados diziam, eles diziam "Carol, seu filho vai estar se alistando no exercito e vocês vão estar brigando na justiça". E aí foi que eu sofri mais violencia, e essas foram as piores pra mim, assim ainda. Os advogados pediram que eu conseguisse um relatório dos profissionais pra que eu entrasse na justiça atraves de liminar pra conseguir a guarda imediatamente. Os meus filhos estudavam na escola que eu tinha estudado na infância. Os meus filhos estavam com os melhores psicólogos de Salvador, e todos os profissionais se negaram a dar o relatório. E aí é que a revolta vem de uma forma, porque assim, esses mesmos profissionais me ligavam e diziam assim "Carol, os meninos chegaram na escola sem lanche. Carol, os meninos chegaram na escola sem mochila. Carol, Sofia chegou na escola com sapato de adulto. Carol, Cauê tá vindo pra escola sem higiene básica". Mas na hora que eu pedia um relatório, eles diziam "Eu vou precisar conversar com o advogado". E aí quando eles conversavam com o advogado, eles diziam "Carol, a gente presta depoimento, a gente vai falar tudo o que é necessário, mas a gente não pode dar o relatório". E aí eu pros advogados e os advogados diziam "Carol, até eles serem chamados prum depoimento, são anos". Aí eu ia pro psicólogo e pedia. Aí o psicólogo "Carol, o relatório que eu posso te dar, eu não posso descrever as coisas, eu vou te dar um relatório que não vai te servir pra muita coisa". É frustrante, e principalmente é frustrante porque se você não tem um relatório, você é uma mãe alienadora, você confirma a estratégia de defesa do advogado. Se um profissional não endossa o que você está dizendo, você está alienando seus filhos, e o processo é muito dolorido pra uma mãe. Um dia meus filhos chegaram em casa com uma mordida, na bunda, meu filho mais novo, no dia do meu aniversário. Chegou em casa doente, teve uma época que era terrível, eu só entregava ele no hospital. No dia que Cauê tinha que ir pra casa do pai, um dia antes, dois dias, ele começava com uma dor de garganta, e da dor de garganta dava uma febre alta, e aí eu tinha que ir pro hospital. Ele chegava no hospital ele ficava internado, e aí desse internamento era o dia de ir pra casa do pai. Ele recebia alta já no dia de ir pra casa do pai. Aí eu pedia notícias do meu filho, os prints eu guardo até hoje, que eu tinha guardado pra botar no processo. Eu perguntava pra ele "Sávio, como tá meu filho?" E aí ele me respondia "Seu filho? Só vou responder se você perguntar pelo nosso filho". Eu era chantageada o tempo inteiro. E eu perguntava "como está o nosso filho?" E aí ele me dizia..., eu falava "você vai me negar notícias de Cauê?" e ele dizia "magina se eu faria isso com você", ele me respondia duas horas depois "magina se eu faria isso com você". E aí quando chegava no outro dia ele "desculpe, Carol, eu acabei esquecendo de te dar notícias, mas Cauê tá bem, tá assim, tá assado". Era essa violência que ela é muito doida, sabe assim, que ela enlouquece. Chegou um ponto de que minha filha disse pra mim "mãe, você acha que é papai que fala aquelas coisas no celular pra você? Na maioria das vezes é a namorada dele respondendo, ele entrega o celular pra namorada e é ela que responde". Só que, detalhe, na época que ele começou a namorar com ela, teve um dia que eu precisei deixar os meninos, era um dia dele, e ele me pediu pra ficar com os meninos e eu tive parto, e eu precisei deixar os meninos com ele, ele não atendeu o telefone. E eu fui levar os meninos na casa dele, na verdade eu ia pegar os meninos pra levar na casa dele, mas antes eu fui avisar ele que eu ia ter que pegar na escola e deixar na casa dele. Aí eu cheguei na casa dele, ele tava com essa menina lá na casa dele, só que foi logo depois da separação quando ele queria voltar. E aí quando ele me viu, e que ele me viu que eu vi a situação, ele se desesperou, e ele saiu me gritando pelo prédio "Carol, Carol, volta", e eu saí, falei "esquece", porque ele também tava bebendo e usando drogas, mas ele não usava drogas comigo. E aí "eu não vou deixar meus filhos aí nessa situação com você", e aí ele "volta, pelo amor de Deus, volta. Carol, não é nada disso que você tá pensando". Então essa menina tinha um ódio mortal de mim. Por essa situação que ela tinha vivido lá atraz. E aí na relação, quando eles ficaram juntos de verdade, de fato, era do tipo comprar biquini, roupa pra minha filha, mãe e filha com ela, e tirava foto e postava no Instagran pelo Instagran de alguém que eu ia ver. E simplesmente era, assim, eu ia pra festa de escola dos meus filhos e ela pegava os meninos, jogava pra cima, fazia, eu quase não conseguia chegar perto dos meninos. Aí teve uma segunda situação, que foi um dia que era aniversário de minha filha, e ele me chantageava muito pra me encontrar, e os meus advogados diziam que não era pra eu me encontrar com ele, que era pra que eu recebesse os meninos na porta de casa, do prédio, ou que eu pegasse os meninos em atividades. E aí no aniversário dela ele me obrigou, ele queria porque queria, que eu pegasse ela três horas da tarde num determinado local, eu falei que não ia pegar. E aí eu dei pra ele tres opções, ele não aceitou nenhuma das tres, eu falei "então você não vai pegar ela no aniversário", o dia era meu. Aí eu fui pra escola. Quando eu cheguei na escola, peguei meu filho mais cedo na escola e fui pra pegar ela mais cedo na escola, e eu tava no telefone com um dos advogados. E aí eu disse assim "ela tá em aula, eu retiro ela da aula?", ele disse "não, você não pode retirar ela da aula, você fique aí, espere ela sair da aula, você retira". Eu disse "e se ele chegar?", ele fez "não importa, você vai pedir ajuda da escola e vai sair com ela". Quando ele chegou, aí eu fiz o que: eu peguei meu filho pequeno, que já tinha saído, falei "vai pro parquinho", pra não ver confusão minha com ele. Quando ele chegou, eu tava no telefone com o advogado, advogado perguntou assim "Carol, cadê Cauê?", eu disse "Cauê tá lá embaixo", ele fez "desça imediatamente, eles vão retirar Cauê da escola, Cauê está sob sua guarda, e eles vão dar uma queixa contra você". Quando eu cheguei do lado de fora, quando eu cheguei no parquinho, Cauê já não estava no parquinho. Quando eu olhei pra porta da escola, Cauê estava sendo passado, pela namorada dele, pra fora da escola. E aí tava ele, de dentro da escola, e ele passando Cauê pra fora, digo "ele tá passando Cauê", ele fez "pegue imediatamente". E aí eu fui pra pegar Cauê, quando eu fui pegar Cauê, Cauê se agarrou no meu pescoço e ele ficou puxando Cauê pelo outro lado, isso na hora da saída da escola. No dia do aniversário de minha filha. E a escola tinha dois portões, e aí eu passei com Cauê pelo portão, Cauê agarrado, e Cauê pedindo pro pai soltar e ele se agarrou em mim, e aí a gente ficou entre um portão e outro, e aí veio a mãe dele com o celular na mão, e aí começou a dizer "vem pra vovó, bebê, vem pra vovó, sua mãe tá desequilibrada, sua mãe tá louca, sua mãe tá muito desequilibrada", e aí a namorada dele fez "entregue ele, que não sei o que" e ele fechou a entrada da escola de novo, então eu fiquei nesses dois portões com os três em cima de mim e com o celular gravando, e aí eu já tava desesperada, e aí eu comecei a gritar por socorro, pedir socorro pra dentro da escola, "me ajudem, me socorre, me socorre", foi aí que a escola veio e me levou pra uma sala, que eu fiquei protegida com os meninos nessa sala, aí teve polícia, aí eu não pude sair da escola, aí a escola precisou que ele saísse e depois que alguém viesse me buscar pra que eu saísse com segurança com as crianças. Ele foi na delegacia e deu uma segunda queixa. Teve uma terceira queixa que ele deu, que ele falou que eu estava impedindo os meninos de conviverem com a família dele, que ele simplesmente queria que eu deixasse Sofia faltar a aula pra um aniversario de um tio, e eue disse que eu não ia deixar. E aí, e era no meu dia. Aí ele foi lá e deu uma queixa de alienação, enfim, simplesmente no dia que Cauê chegou com a bunda machucada, e no dia que Sofia chegou, foi o mesmo fim de semana, toda machucada, tinha ido andar de patins, sem equipamento de proteção e ele mandou ela descer uma ladeira. E aí ela chegou com esfoliação no corpo inteiro, e aí os advogados disseram "essa é sua chance, você precisa prestar uma queixa na delegacia", e a babá também me contou que a namorada do pai estava tomando banho com Cauê, e aí o advogado disse "agora a gente tem uma estratégia perfeita: a mordida na bunda, o depoimento da babá - que eu tinha gravado - então você vai dar uma queixa, a gente vai acusar ela de abuso sexual, e aí a guarda reverte pra você. Antes disso você vai ter que ir na delegacia dar uma queixa da situação do patins de Sofia". E aí foi surreal, porque pra mim foi levar meus filhos pra fazer o que ele fez com meus filhos, e o advogado disse "eu acho que você não tá querendo a guarda dos seus filhos, porque se você quisesse, você ia dar um jeito, porque essa é sua chance". E aí eu fui dar a queixa, de Sofia primeiro, quando eu cheguei na delegacia, a delegada disse "agora você vai ter que levar ela por IML". Quando eu cheguei no IML, na hora que... Sofia fez tudo o que tinha que fazer, eu só pedi pra Sofia "entra no carro, fica um pouquinho aí", e eu liguei pra uma amiga minha e disse "eu vou me matar, eu não dou mais conta, eu não consigo, eu não consigo, eu não tenho como ser uma mãe que vai viver com os filhos hora indo pra delegacia com o pai, hora indo pra delegacia com a mãe. Nada é pior do que isso pros meus filhos". E, a de abuso sexual eu só pensava que eu não podia fazer, porque eu não queria que meu filho crescesse com essa sombra, e que eu não podia, porque a namorada do pai fazia direito e tava estudando porque queria fazer concurso, e com essa queixa eu ia roubar o sonho da menina. Por pior que fosse, eu me sentia muito injusta. E aí foi que Sofia chegou na outra semana machucada de novo e ela me contou uma mentira, ela disse pra mim que ela caiu da cama, e a babá me disse "mentira, Carol, ela tá mentindo, o pai dela bateu nela". E eu enlouqueci, porque ele não batia nela, nem eu, nunca encostamos a mão nela, e eu enlouqueci principalmente porque ela mentiu pra mim pra proteger o pai. Aí eu fui pra cima dela "filha, por que você tá mentindo?" Aí ela virou pra mim e fez "eu não to mentindo por causa do meu pai, eu to mentindo por causa de você". E aí quando ela falou isso pra mim... eu disse "por que ela fez isso" / "porque você acha que eu não vejo como você fica? Você acha que eu não vejo como você se sente quando essas coisas acontecem? E você não sabe que tudo tá piorando?" E aí quando ela me disse isso eu falei "gente, toda minha tentativa na justiça pra proteger os meus filhos só tá tornando eles mais vulneráveis". A tal ponto que a minha filha não conta nem com o meu apoio, com aminha possibilidade de cuidar dela, de apoiar ela, de conversar com ela, poque ela precisa esconder de mim. E aí nessa semana chegou o último processo, que foi o processo onde ele pedia a guarda unilateralmente pra ele, me acusando de alienação parental, me acusando por trabalhar, e esse processo pra mim é muito significativo, porque esse foi que me deixou 'sangue nos óio' assim, porque, quando eu vi no processo, 2019, dizer que vai tirar a guarda de um filho de uma mulher porque ela trabalha... Aquilo foi "como? como?" Eu sou casada, com um advogado, que era o escritório que toma conta do meu processo, e os advogados de lá, e eu simplesmente saí com o processo na mão para o escritório do meu marido. E aí eu cheguei lá com esse processo e eu falei "não vai ter processo". E aí ele fez "como assim?" Eu falei "não vai ter". E o oficial de justiça tinha vindo deixar um negócio aqui em casa. Eu falei assim "a partir de hoje, ninguém vai me defender mais, eu não vou mais pra lugar nenhum, a guarda é dele". Ele disse "mas Carol, nesse processo tá até mais fácil". "Não quero saber de estratégia jurídica, não quero mais saber de nada, eu não vou mais viver pra me defender. Meus filhos não vão mais passar por isso". E aí ele ficou muito assustado, e eu falei "esse processo não é seu, esse processo não é de ninguém daqui desse escritório, esse processo é meu, esse processo é dele, e simplesmente não vai - porque tinha virado uma guerra também pessoal entre os advogados, eu tinha me dado conta que tinhauma guerra muito pessoal entre os advogados, inclusive porque nesse processo veio tipo um recadinho da advogada para os advogados do lado de cá, e aí eu falei - esse processo não é de vocês. Isso aqui pode ser trabalho pra ela, pra você é vida pessoal, você tá comigo. Mas esse processo ele é da minha família, e apartir de agora, quem vai resolver sou eu". E aí o pai tava na Inglaterra na época, eu liguei pra ele falei "olha, é o seguinte, recebi o processo. Pior coisa que pode acontecer pros nossos filhos é crescer numa delegacia, hora comigo, hora com você. E se eu tiver que me defender desse processo, eu vou ter que levar meus filhos pra delegacia, e você também. E eu não acho que você tem condição de cuidar dos meninos, eu não acho absolutamente nada, mas a guarda é sua. Que dia você chega? Eu to entregando os meninos pra você. E eu vou te dizer uma coisa: os meus filhos não vão crescer e acreditar na sua história, de que eu abri mão deles ou de que eu não quis a guarda deles" Eu entendi em algum momento que a minha maternidade estava sendo usada como opressão, era a forma que eles conseguiam de me oprimir. Esse lugar da mãe que não pode desistir, da mãe que luta até morrer, ele é um lugar que mantém mulheres presas. Eu não estava me divorciando desse casamento porque eu estava vivendo esse divorcio 24 horas por dia. Eu estava vivendo esse vínculo 24 horas por dia, porque eu só pensava no divórcio, eu só pensava na guerra, eu só pensava no problema, então eu não tava tendo condição de viver a minha nova vida. E aí eu me dei conta de que eles não iam mais utilizar a minha maternidade como arma e que eu não precisava ter essa vaidade que eu não vou desistir dos meus filhos, e eu falei pra ele "a única coisa que você precisa saber é que eu vou guardar todos os documentos dos meus filhos, todos os documentos do processo e de tudo que aconteceu vão estar guardados, e quando eles tiverem idade, eles vão ter acesso à história deles. E aí você vai ter que acertar contas com eles, inclusive do que eles foram impedidos de viver comigo. Eu não vou mais viver nessa guerra". E aí ele fez "peraê, não é bem assim, vamos conversar, a gente pode entrar num acordo, porque, veja bem". Eu disse "você quer entrar num acordo? Então pra começar você precisa entrar num acordo comigo e agente precisa tirar sua mãe da história" A advogada era paga pela mãe dele, era orientada pela mãe dele, e a mãe dele tinha uma relação comigo que era, depois do divórcio proncipalmente, e durante o casamento também, a mãe dela nunca se colocava se indispondo comigo, muito pelo contrário, era "filhinha pra cá, filhinha pra lá, meu amor, meu isso, meu aquilo". Mas quando chegava a hora de tomar uma decisão, alguma coisa do tipo, ela botava Sávio na frente, e aí a última briga que eu tinha tido com ela, que eu deixei de falar com ela, eu falei pra ela, eu falei "olha, eu não tenho problema nenhum, mas eu quero que você chegue pra mim e você fale, porque aí a gente pode..." / "ah não me meta nos seus problemas com Sávio pelo amor de Deus". Eu falei "olha, deixa eu falar uma coisa, eu vivi 14 anos na sua família, 14 anos pra saber que o seu filho não toma decisão de absolutamente nada, que o seu filho não paga a advogada dele, que o seu filho não vai nem para conversa da reunião com a advogada dele, então eu não tenho problema nenhum, agora você não me liga dizendo que 'eu te amo e que eu sou sua filha' e por traz está fazendo isso. A gente pode conversar sobre isso abertamente, e você inclusive me dizer que me ama e que eu sou sua filha, agora se for desse jeito eu não quero uma relação". E a partir desse dia eu nunca mais falei com ela. Eu sabia que essa advogada representava ela, e aí foi que eu fiz o acordo com ele de que eu ia sair, qua a gente iria chegar a um acordo eu e ele, e que na audiência, que a gente teria nos proximos dias, a gente não iria deixar nem os meus advogados, porque eu também entendi que os meus advogados estavam representando o meu marido também, que estava envolvido na queixa, porque ele estava no barco comigo, e a queixa também foi contra ele, então isso virou uma guerra pessoal também pra eles. E aí eu falei "eu vou tirar o meu lado e você tira o seu, e aí entra em acordo eu e você. E aí quando a gente chegou na audiência, a advogada pediu pra gente conversar antes, e aí ela começou a falar "ah, veja bem, mas eu quero que vocês pensem..." eu falei "ó, deixa eu te dizer uma coisa, primeiro eu quero te dizer que a gente não quer mais brigar pelos nossos filhos - eu falei pra ele e pra ela - eu entendo que vocês ganham dinheiro com nossos conflitos, e que talvez vocês não tenham o mínimo interesse de resolver esse conflito aqui, mas a gente tem interesse de resolver. Pelos nossos filhos e pela nossa própria vida". E aí eu já fui dando patada nela logo na entrada. E aí quando a gente entrou na audiência, que a juiza começou a falar eu fiz "eu gostaria de conversar só eu e ele sozinhos, sem advogado, é possível?" Aí ela disse "é". Eu falei "eu só queria falar duas coisas pra advogada antes. Aí eu perguntei pra ela "você teve filhos?" Aí ela fez "tenho". Aí eu falei "quantos?". Ela fez "dois". Eu falei "onde eles estão?". Ela fez "em casa". Eu fiz "com quem". Ela "com a babá". Eu fiz "e você colocou no processo que eu deveria perder a guarda dos meus filhos porque eu trabalhava e deixava meus filhos com a babá". Aí ela olhou pra baixo, não conseguiu falar nada. Aí eu falei "eu quero te dizer uma coisa: estratégia jurídica tem limite, e o limite é a ética. Quando você escreve um processo ou quando você orienta um cliente seu a ir numa delegacia com duas crianças dar uma queixa falsa contra a mãe dele, você não sabe como essas crianças vão ficar depois, você não sabe como que a mãe dessas crianças vai ficar depois pra cuidar dessas crianças, mas eu vou te contar. Porque quando você bateu a sua porta seis horas da tarde do seu escritório, depois da sua orientação, os meus filhos eu coloquei pra dormir, enquanto eu colocava minha filha pra dormir ela dizia 'mãe, enquanto eu tava lá eu senti bichinhos andando pelo meu corpo inteiro'. São duas crianças. O seu ego, a sua estratégia jurídica, o seu o que seja, não pode passar por cima de duas crianças. O ódio de um casal se separando, pelo que seja, não seve ser inflamado por essas questões”. Aí ela não falou nada, saiu da sala. E aí foi que a gente ficou com o juiz, ele questionou um pouco o fato porque a gente foi despejado do apartamento que estava no divórcio que ele deveria pagar o aluguel, ele não pagou, a gente foi despejado, eu tive que vim morar com meu novo parceiro, que não era uma opção pra mim naquele momento, mas eu tinha que vim porque eu não tinha pra onde ir, e aí ele disse que ele não tinha que mais pagar essa parte porque eu já estava morando com meu parceiro. Aí a juiza foi pra cima dele, disse que não é assim, que não é obrigação dele, mesmo que seja, que eu queira morar aqui, que então a gente tinha que dividir que a parte das crianças ele teria que pagar. Aí ele não entendeu muito bem, mas ela foi muito firme com ele, e no final ela obrigou ele a pagar tudo que não pagou anteriormente, inclusive a parte onde a gente foi despejada e todos os meses que a gente precisou vim pra cá, ele foi obrigado a pagar retroativamente. Ela colocou todo o valor da pensão e todo o valor do aluguel dentro da pensão, ou seja, hoje mesmo que eu queira continuar morando aqui o valor do aluguel precisou ser revertido pra que eu possa contribuir com a casa. Ela entende inclusive, o fato de ter sido uma juiza mulher foi muito importante, porque ela colocou claramente pra ele: "inclusive pela qualidade da relação dela, ela não pode depender por conta dos seus dois filhos desse marido, ela não pode mais uma vez vivenciar vulnerabilidade e violência" E aí ela botou no processo que ele teria que pagar todo valor de antes, inclusive do aluguel e de tudo, obrigou a pagar o meu plano de saúde por conta de todos os problemas de saúde que eu havia tido e considerando que eu tive que parar de estudar diversas vezes porque eu parei nas duas maternidades também de estudar, então quando os meninos nasceram eu parei de estudar pra poder ficar com eles, e porque eu tive que acompanhar ele no interior pra poder ir trabalhar. Aí ficou acertado que quando eu me formasse eu teria mais um ano para assumir meu plano de saúde, então assim, o fato de ter sido mulher foi de muito mais sensibilidade, e é muito louco isso, porque nesse processo, enquanto eu tava nessa guerra, todos os advogados diziam pra mim "você precisa parar de trabalhar". Porque eles não sabiam qual juiza eu ia pegar pela frente e que o juiz que eu pegasse, que visse que o pai não trabalha e tem condição de cuidar dos filhos e que eu trabalhava e estudava, podia tornar o processo muito dificil pra mim, inclusive dando a guarda pra ele. Que a gente não sabia o que a gente ia encontrar pela frente. Então foi uma época inclusive que eu tive que parar com meu trabalho com parto que era algo que eu era apaixonada, porque eles diziam que o fato de eu trabalhar com parto era algo que não tinha uma rotina, que eu tinha que sair no meio da madrugada, que tinha um monte de situação. E me tornou muito mais insegura, apreensiva e vulnerável porque eu tava numa... imagina, se eu cheguei numa nova relação, com dois filhos, com toda uma situação caótica de divórcio, sem ter nem onde morar. Já não tinha suporte de pai e de mãe, e assim, completamente desmoronada emocionalmente, e eu acho que o final desse processo foi muito importante pra mim, por mais que..., assim, eu não posso dizer que eu ganhei o processo, não ganhei a guarda, a guarda continua compartilhada, apesar de que a guarda hoje é mais unilateral do que qualquer coisa porque o prórpio pai foi deixando e faz questão de deixar, mas foi muito importante, eu senti, pra mim foi uma vitória. Foi uma vitória porque eu não passei dez anos da minha vida definhando num processo na vara de familia. Foi uma vitoria porque eu entendi que eu verdadeiramente venci um sistema, que confiar no sistema pra me defender, não ia acontecer, eu ia passar muitos anos. E a juiza não tinha como naquele momento determinar o que ia fazer pra fechar o processo, o processo só foi fechado porque a gente já tinha entrado em acordo previamente, então eu saí daquele dia e sensação que eu tive foi muito louca, eu disse assim "eu sobrevivi, eu sobrevivi, desde muito pequena. Eu sobrevivi quando eu não tinha recursos, eu sobrevivi a negligencia, eu sobrevivi a todo tipo de vulnerabilidade, eu sobrevivi a um relacionamento extremamente abusivo, eu sobrevivi a um processo bizarro, mas eu sobrevivi". E o fato de eu ter chegado até aqui sem recurso nenhum, me faz entender que eu sou muito mais forte do que imagino, porque eu literalmente fiz muitas limonadas de ? E hoje euposso, porque hoje eu tenho uma adulta. Escrevi uma carta pra minha criança esse dia das crianças dizendo isso: hoje eu sou a adulta que eu posso cuidar dessa criança que eu fui lá traz. Eu sou uma criança que tem recurso, que tem recurso emocional, recurso de competencia profissional. Eu consegui me formar assim passando por tudo isso. Então hoje, eu não tá vivendo o inferno do que se vive nesses processos, é também mérito meu. E com tudo que eu conquistei eu não me vejo com uma história que me torna vítima no sentido que me limita, que 'olha como ela é sofrida, olha, coitada dela'. Muito pelo contrário, no dia que eu saí me enxergando como sobrevivente dessa história, eu olhei pro futuro e falei "velho, sem nada eu vivi tudo isso aqui, agora ninguém me segura mais, ninguém". E ressignificar isso tem sido principalmente olhar pra uma psicologia a partir do que mulheres passam, porque a gente tem uma psicologia construida para homens, a gente fala de uma saúde mental observada por homem e escrita por homens. Então a raiva da mulher é patologizada. A gente tem histérica, boderline, tantos outras psicopatologias que a gente fica o tempo inteiro patologizando porque a mulher não é autorizada a sentir raiva, e a raiva ela é importante pra que a gente construa limite, pra que a gente diga não, pra que a gente não se submeta. Mas a gente nem sequer é autorizada a sentir e reconhecer a nossa raiva, a gente só sabe viver de ressentimento. E o ressentimento ele causa algo que é a sensação de injustiça, a sensação de que eu não deveria passar por isso, e essa sensação de injustiça faz com que a gente vá minando a nossa auto-estima. E essa, minar essa auto estima faz com que a gente se submeta a coisas que a gente não deveria se submeter, e que a gente vai tolerando cada dia mais. Então, olhar pra uma outra psicologia, eu não posso pensar num apsicologia escrita por homens, sobre mulheres, eu preciso pensar numa psicologia que enxergue como que as mulheres passam por uma socialização que adoece mulheres, que nos faz cuidar da saúde alheia e nos faz descuidar das nossas saúdes, das nossas necessidades.
R – Carol, com tanta coisa, né, tua vida foi, né, recheada aí de tantas vivências, como que você cuidou da tua saúde mental, como que você foi mantendo o equilibrio, como que cê vê isso?
P/1 – Então, eu fiz terapia, eu acho que uma das coisas muito boas, minhas mãe tinha uma cabeça muito aberta, e em algum momento ela me colocou cedo na terapia por conta da orientação da escola, e isso me deu recurso, porque a terapia me ajudou a entender, dar significado, sentido a muita coisa naquele momento lá traz. E em outro momento eu busquei a terapia novamente, mas nesse caos, era muito dificil inclusive a terapia, porque eu não tava tendo dinheiro pra pagar a terapia. E é isso que eu venho lutando muito, e conversando muito com muitas mulheres, que é assim, né, eu vejo muitas pessoas, Lila, falando de mulheres que vivenciam relacionamento abusivo, mulheres em situação de violência, vitimas de violencia. A gente precisa ter cuidado quando a gente fala da saúde mental das mulheres, e das soluções que a gente propõe pra essas mulheres. Pelo seguinte: a gente tá falando de questões sistêmicas, a gente tá falando de questões complexas demais pra soluções simples. Então dizer pra uma mulher que vivencia abuso ou que é vítima de violência: "precisa cortar a relação com o agressor", é uma solução extremamente simples pra coisas, pra fenômenos muito complexos, porque assim, quando a gente olha, como que essa mulher que vivencia violência, ela já teve a vida dela afetada pela violência de tal forma que é, violência física não traz só consequencia física, violência emocional não traz só consequencia emocional. E dificilmente uma vem sem outro tipo de violência, então quando a gente pensa nessas mulheres elas estão vivendo uma situação que traz sintomas de apatia, de tristeza, de baixa auto estima, que vai afetar em situações da vida dela que é nas atividades diárias, no sono, na alimentação, que vai afetar na competencia profissional dela sim. Porque quando você tá sofrendo violência doméstica, você tá sofrendo algum tipo de violência, como que você dá conta de manter suas outras atividades. E aí você tem uma mulher que muitas vezes tá vivendo isso há algum tempo e que tem várias áreas da vida já prejudicada, e aí você diz pra essa mulher que ela tem que sair, que ela tem que cortar o vínculo. Ok, tem. Mas como? Quem vai pagar as contas dela? Onde ela vai fazer? Onde é que ela... ela tem outros vínculos? Porque inclusive o que a gente observa é, em relacionamentos abusivos, a mulher o que é, qual é o grande fator de proteção de uma mulher que vivencia violência, inclusive um fator de proteção pra não cometer suicídio? É rede social. Só que as mulheres que vivenciam situação de violência, elas têm uma situação que a rede social sofre muito impacto, porque justamente na rede social, primeiro que o abusador muitas vezes impede que ela acesse, e que já tem ali um trabalho que já boicotou essa rede social há muito tempo, a família e os amigos, e outra coisa: a família e os amigos passam a julgar essa mulher e passam a trazer soluções do tipo, que quando essa mulher não atende, é tipo "nossa, mas ela não quer", e essa mulher passa a se sentir julgada a cada conversa e passa a deixar de procurar. Então a gente olha e fala 'gente, a situação é mais complexa'. Aí você me pergunta: "como que eu consegui, sem ter dinheiro no momento, sem poder fazer terapia, sem ter outros vínculos..." Assim, primeiro eu tinha tres amigas que eram muito... que são muito importantes na minha vida, e que foram rede, assim de me ouvir todos os dias. Mas mesmo assim eu sentia que eu saturava elas em algum momento, você se sente pesada pras pessoas quando você passa por questões assim. Mas em um momento eu me toquei que eu precisava me conectar com diferentes lugares. Se o relacionamento abusivo, ou se esse tipo de violência, a gente acaba vivenciando principalmente porque a gente fica dependente de um único relacionamento, ao inves de tentar resolver como me desligar desse relacionamento, eu comecei a entender que eu deveria me vincular a novos relacionamentos, pra fragilizar justamente esse vinculo. E o 'me conectar a novos relacionamentos' não quer dizer a pessoas somente, quer dizer a hábitos, à coisas que me tragam prazer, à coisas que me façam sentir realizada. E cada vez que eu conquistava um pouquinho, eu me sentia um pouco melhor, eu me sentia um pouco mais capaz. E pra mim, o que funcionou de verdade foi estudar. Estudar o que que as mulheres passam, estudar co-dependencia, estudar dependencia, estudar questões de genero na psicilogia, estudar abuso, estudar chantagem emocional, estudar dinamica de relações abusivas, porque quando a gente fala de relações abusivas, a gente fala sempre... que que a gente faz: a gente foca no abusador, a gente fala do comportamento do abusador, do comportamento do abusador, do comportamento, e a vítima é vítima, e quando a gente estuda codependencia, quando a gente estuda dinâmica dessas relações, que que a gente perceba, que existe algo que é retroalimentado. Então, não que a vítima deixe de ser vítima, mas foi estudando com esse desejo pelo conhecimento que eu nunca perdi, que me fez entender que não, que na verdade a vítima as vezes ela já é uma presa, que as vezes o abusador é a vítima que ela morde. Porque, que que acontece, o agressor, o abusador, ele simplesmente estabelece uma relação com alguém que já está disponível pra dar demais, ou seja, na maioria das vezes, e isso é muito comum pras mulheres, as mulheres já entram no relacionamento porque já vivenciaram tanta vulnerabilidade atraz, na propria casa com os pais, porque a gente vivencia também. Eu falo que os primeiros relacionamento abusivos não nascem em relacionamentos amorosos, a maioria das vezes a gente teve nossos limites violados na infancia, e aí eu já tenho relacionamentos abusivos e violados, meus limites violados na infancia, eu já não consigo estabelecer limite, como eu não consegui estabelecer atraz. E aí quando eu entro nos relacionamentos, eu entro no sentido do que muitas mulheres fazem que é assim, né, 'eu vou me salvar nisso aqui'. É quase como que uma valvula de escape pra fugir da opressão que vive em casa. Quando não é opressão é uma superproteção mas que também sufoca, ou seja, quantas mulheres saem de casa sem condição de conquistar autonomia verdadeiramente, porque a gente não aprende a conquistar autonomia, a gente não é criada pra autonomia. A gente é criada pra dependencia, porque na verdade a superproteção, o mundo é tão perigoso pras mulheres, a gente tem tanto risco de sofrer abuso sexual, de tantas coisas, que os pais nos ensinam a evitar riscos. Os pais nos ensinam a prever riscos, e não a lidar com o medo e enfrentar o medo, e não a correr riscos. Só que pra gente construir autonomia a gente precisa aprender a correr risco. Só que pra gente ir pro mundo explorar o mundo e construir essa autonomia a gente precisa assumir riscos. E aí o que que a gente faz na maioria das vezes, a gente sai da casa dos pais e vai pra um relacionamento. E aí nesse relacionamento a gente acha que se a gente der tudo, que se a gente for perfeita, que se a gente oferecer e for maravilhosa, tá tudo resolvido, e aí a gente entra nesses relacionamento oferecendo o MUNDO pro outro, que tem os seus desejos in-con-ten-tá-veis, que resolve fazer desta pessoa que está disposta a oferecer absolutamente tudo, alguém onde eu posso depositar todas a minha frustração, toda a minha angustia, toda a minha raiva... E a gente do outro lado que se acha o tempo inteiro que precisa atender as necessidades alheias, que é o que a gente aprende na própria família, as meninas aprendem, elas são reforçadas quando elas são bem comportadas. Então assim, quanto mais obediente, quieta e bem conportada uma menina, mais ela vai ser reforçada socialmente. A gente aprende desde muito cedo a gradar o outro, a fazer o que é esperado da gente, e aí a gente sai e vai fazer isso nos relacionamentos, e esse outro começa a pedir mais, e mais, e agente vai dando, e a gente vai dando, até que a gente não tem mais nada pra dar. Nem pra o outro nem pra gente. E a gente faz isso não é só nos relacionamentos conjugais, e aqui contando a minha história isso fica muito claro. As mulheres fazem isso desda relação com a família. As meninas começam a assumir sobrecarga da mãe, quando tem mais filhos, muito nova, seja de limpar a casa, seja de cuidar dos irmãos. A gente sai de casa e a gente simplesmente vai, se a gente vai trabalhar, como são as mulheres trabalhando? A gente sempre dá, é extremamente competente, sempre muito esforçada, sempre dando muito. Quando é que a gente negocia salário? Quando é que a gente pede por mais salário? Quando a gente corre o risco de pedir? A gente tem medo de ser mercenária, a gente tem medo de ser tida como alguem que tem interesse em dinheiro, a gente quer mudar o mundo, a gente quer cuidar do mundo e das pessoas. Só que a gente não vai percebendo o quanto que esse tipo de comportamento que é em todos os ralacionamentos da nossa vida, vai minando a nossa capacidade de desenvolver autonomia. E aí eu acho que estudar isso foi extremamente importante inclusive pra não repetir nesse meu novo relacionamento. Porque eu me via também na sensação de que eu estava num novo relacionamento fazendo tudo de perfeito pro outro. E porque que a minha vida não tava perfeita? Por que que ele não considerava que eu tava sendo perfeita? Por que que ele ainda continuava insatisfeito? Porque a insatisfação é uma condição humana. Porque todos nós precisamos lidar com nossos vazios. E simplesmente quando a gente tem alguém pra projetar, se torna muito mais fácil. E aí eu me sentia incompetente, porque eu não conseguia tornar a outra pessoa, fazer a outra pessoa se entir plena, e nem me cuidava. Então eu comecei a parar pra entender toda essa problemática que envolve os relacionamentos e as mulheres, e aí eu fui me dar conta de como isso afeta o relacionamento das mulheres, a saúde mental e também a física, porque a gente tá falando de mulheres que ultrapassam limites, no sentido de que vão pedir do corpo muito além do que a gente dá conta, e corpo e emocional se misturam, eu entendi que na realidade e a gente não se responsabiliza por a gente, a gente não se responsabiliza pelas nossas realizações. Porque a gente começa a entender que a nossa única necessidade é atender as necessidades dos outros. A gente se torna especialista em entender a necessidade de todo mundo, mas a gente não consegue entender a nossa, porque a gente nem lembra qual é a nossa necessidade, a gente nem sabe. A maioria das vezes, eu me lembro que quando eu casei meu marido falava assim "Carol, que que você quer fazer final de semana", eu falava "não, eu acho que pros meninos..." / "Carol, que que você quer fazer?" / "não, eu acho que pra todo mundo vai ser melhor..." / "Carol, eu não to perguntando dos meninos, eu não to perguntando... eu to perguntando o que que você quer". Aí eu parei dois minutos e falei "eu não sei o que eu quero". Ele fez "como assim?". Eu falei "eu não sei, eu nunca sei o que eu quero, porque eu to sempre me perguntando o que que é o melhor pra ser feito". E entender isso me libertou. Me libertou inclusive pra que eu pudesse me dedicar, pra que eu pudesse fechar a porta e dizer "agora não, agora ninguém vai entrar aqui, porque agora eu vou construir o que é importante pra mim... eu vou construir a minha autonomia, eu vou construir a minha independencia". E quando eu consegui estabelecer esse limite pro outro, porque não é fácil tem a resistência do outro. O outro tá acostumado a ter tudo. Mas quando eu entendi a importancia disso, eu pude estar mais realizada, eu pude estar mais plena, e o melhor de tudo, hoje eu vejo que como mãe, eu estou oferecendo pros meus filhos algo muito mais profundo do que eu estava com a presença o tempo inteiro e atendendo as necessidades deles o tempo inteiro. Tem ausência? Tem. Outro dia eu escrevi uma carta pra eles dizendo isso também. Mas eu vou poder conviver com a ausência deles porque eu to construindo a minha vida. E mais do que isso, a minha filha, ela está aprendendo não por um discurso verbal, porque a gente diz pras mulheres "você tem que ser independente, você tem que ter seu próprio trabalho", a gente diz, mas o que que elas assistem dentro de casa? Como é que elas assistem as relações dentro de casa? Elas aprendem que o pai é competente, é o que sai, é o que faz, é o que acontece, e a mãe é o que assume toda sobrecarga. Então hoje meus filhos presenciam uma mãe que diz "eu tenho direito". Eu digo pra eles inclusive que eu tenho direito de dormir de tarde, descansar. Porque eu quero principalmente minha filha entenda que ela tem direito de descansar, de lazer, de hobbie. Aqui em casa, antes era assim: eu saía do trabalho, da porta do escritório, "ah, mas você..." / "deixa te falar uma coisa, eu não tenho que justificar nada, eu não tenho que justificar. Eu tenho direito de curtir a vida, de ler um livro que não é minha obrigação, de fazer além do meu trabalho como todo mundo dentro dessa casa". Eu quero que os meus filhos, os dois, um menino e uma menina, saibam que mulheres tem direito disso.
R – Carol, como foi pra você contar tua história aqui, hoje?
P/1 – Eu acho que foi uma experiencia diferente, porque eu venho revisitando minha história há bastante tempo, mas o convite que você fez inicialmente pra pensar a minha história a partir lá dos meus avós, de onde que eles vieram, me deu um panorama muito maior. Porque de uma avó india raptada pra uma mãe que saiu de casa aos tres anos pra um colegio interno, e pra uma mulher hoje que tem uma fillha, que ensina ela a se priorizar. São muitas histórias, muitas batalhas que a gente venceu. A minha mãe venceu as dela me apresentando a arte, a literatura. Minha mãe venceu as dela me apresentando o mundo, me apresentando a possibilidade de cuidar do outro, do mundo. Eu venci as da minha mãe aprendendo que a gente pode cuidar da gente. Hoje mais do que nunca eu entendo quanto que é difícil pra mulheres entenderem que a gente pode cuidar da gente. E a gente ressignifica não só a nossa vida, a gente ressignifa mitos familiares, a gente ressignifica histórias que vão desde muito antes da gente, vão muito além da gente. Eu sempre vejo minha filha hoje em dia, minha filha ela estabelece limites como ninguém , eu falo, gente, ela é realmente muito melhor do que eu, é uma versão muito melhorada de mim. E eu digo, gente, ela vai poder ir muito além do que eu fui, porque eu pude ir um pouco além da minha mãe. E eu acho que isso me conectou muito com o lugar de história de mulheres, e que não é, nossa vida ela não é fácil, seja como índia, como negra, como mulher branca, cada uma apresenta seus desafios, uns mais outros menos, mas ser mulher é resistir. Resistir, diferentes formas de resistência, sabe Lila, a minha mãe tava resistindo do jeito dela, a minha vó resistiu do jeito dela. As mulheres que comem pelas beiradas elas resistiram do jeito que dava no momento delas. Então eu acho que cada geração nossa tá dando um passo. Eu acho que a gente precisa se responsabilizar, mesmo, de verdade, e acho que a nossa geração tem um passo muito importante a ser dado, eu acho que a geração anterior à nossa conquistou e avançou muito nas barreiras externas, a nivel social, eu acho que nossa geração precisa conquistar de avançar nas barreiras internas, porque tem um monte de barreira interna que a gente precisa quebrar, e principalmente a gente precisa, como que entrega assim, sabe, uma... sei lá, uma competição de Olimpíada que a gente vai entregando o bastão pro próximo, eu acho que a gente precisa entregar pra próxima geração que vem, pra que a gente tenha saúde. E assim, é sistêmico. Os relacionamentos, as dinâmicas, elas não tão adoecidas só pras mulheres, isso também adoece nos homens. Então a gente precisa pensar numa cura da humanidade. Eu trabalhei muito tempo com maternidade, discutindo como cuidar das crianças, e hoje eu levanto uma bandeira muito diferente, desde um dia que eu vi um psicólogo que ele diz uma frase que eu amo muito, o Jonh Bowlby ele estudou teoria do apego, estuda a formação e rompimento de vínculo, e ele diz "se você deseja cuidar das crianças, cuide dos pais das crianças". E eu passei muitos anos conversando com os pais sobre como cuidar das crianças, até entender que a gente precisa cuidar dos pais. Não só, não é falar sobre como cuidar das crianças, mas se a gente desenvolve as competencias necessárias nos pais, quando eu me curo de atender as necessidades alheias, quando eu me curo de um monte de coisas, eu to curando a minha filha também. E eu não preciso tá sentada do lado dela pra fazer isso. Investindo em mim, é cuidando de mim que eu cuido dela. Quanto mais saúde mental eu tiver, mais condição de saúde eu posso oferecer pra minha filha, mais cuidado adequado eu posso oferecer pra minha filha. Eu acredito muito que a gente precisa cuidar dos adultos. As crianças, elas serão bem cuidadas quando a gente tiver adultos bem cuidados, mulheres bem cuidadas. Eu digo que, assim, uma frase que eu botei na miha cabeça e que eu não tiro nunca mais é que "por traz de toda criança bem cuidada ou mal cuidada, existe uma mãe exausta". Existe. E aí o problema não é olhar como essa mãe tpa cuidando dessa criança, mas é olhar o que tá faltando à essa mãe. Jonh Bowlby fala o quanto que é difícil uma só pessoa dar conta de uma criança. A gente precisa de rede, a gente precisa de suporte social. Tem um provérbio africano que diz
que "é preciso toda uma aldeia pra cuidar de uma criança". E a gente perdeu o suporte comunitário de cuidar de crianças. Então a gente tem uma psicologia que culpabiliza a mãe, a relação com a mãe o tempo inteiro. Cadê o pai? Qual é o impacto desse pai, da ausência desse pai? Não é só diretamente com a criança não, mas como que isso impacta nessa mãe sobrecarregada pra cuidar dessa criança? A gente precisa cuidar das mulheres para cuidar das crianças.
R – Muito bom, muito bom! Puxa, to aqui, assim, inebriada com...
P/1 – Discussão forte, né, isso
R – Muito forte, muito forte
P/1 – Eu tenho estudado muito cuidar de quem cuida, tem sido uma busca minha assim.
R – Tá bom. Eu queria te agradecer muito por ter compartilhado tua história que é um super exemplo pra muitas mulheres, né, que é bom que fique compartilhada mesmo.
P/1 – Vocês que testemunharam aí
A – Obrigada por poder ouvir a sua história muito forte e cheia de momento impactantes. Eu adorei te conhecer.
P/1 – Brigada vocês gente! E obrigada pela oportunidade. Eu acho que esse trabalho é muito importante. Acho que histórias de mulheres normais, humanas, precisa ser contadas. A gente enquanto mulheres a gente assume muitos papéis sabe, Lila, assim de heroína. E uma bandeira que eu levanto todos os dias é que a gente não vista a fantasia de heroía nenhuma, que é esta fantasia que aprisiona a gente nesse lugar. A gente precisatirar a roupa, tirar a capa, a gente precisa tirar esses lugares aí, ó, essas fantasias, e assumir a nossa humanidade. Porque na nossa humanidade que a gente pode sentir a raiva. que a gente pode sentir absolutamente tudo. E que nos liberta desse lugar de perfeição. Então parabéns por esse trabalho de vocês, eu acho que é muito importante, no sentido de recontar, renarrar a história mesmoe poder revisitar e reorganizar muita coisa, mas principalmente que histórias humanas, de mulheres humanas, sejam contadas por aí.Recolher