Museu da Pessoa

Um acidente, uma mudança radical

autoria: Museu da Pessoa personagem: Damaris Germana Roberto

Depoimento de Damaris Germana Roberto
Entrevistada por Fernanda e Lila
São Paulo, 14/09/2020
PCSH_HV905
Projeto Mulheres empreendedoras - Zona Norte
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Fernanda Regina

P/1 – Damaris, qual é o seu nome completo, sua data de nascimento e o local em que você nasceu?

R – Meu nome é Damaris Germano Roberto, eu nasci em 10 de outubro de 1949, na cidade de São Paulo, no bairro da Lapa.

P/1 – Como era o nome dos seus pais?

R – Meu pai se chamava Elias Roberto, e minha mãe Ivalda Francisco Roberto.

P/1 – O que os seus pais faziam?

R – Meu pai era mecânico de manutenção e a minha mãe era enfermeira.

P/1 – Você tem irmãos?

R – Eu tive quatro irmãos. Tenho um irmão… Eu sou a filha mais velha do casal. Tenho um irmão que se chama Silas Roberto, tenho outro que se chama Eli Roberto, e tinha uma irmã que se chamava Dorcas Roberto.

P/1 – E como era a sua casa de infância?

R – Bom, a minha casa de infância era a mesma que moro hoje. Moro na casa que era dos meus pais. Era uma casa no Jardim Brasil, na Zona Norte de São Paulo. Hoje o bairro está bem diferente. Eu morava em uma rua de terra. Na minha casa tinha quintal, tinha jardim, pé de lima, roseira… Isso no quintal da frente. No quintal dos fundos, tinha goiabeira, figo, mandioca, ameixa, tinha criação de galinha também, e mais a casa em que nós morávamos. Tinha quarto, sala, cozinha, quintal, uma área. Naquela época, todas as casas tinham o banheiro fora de casa, então na minha também tinha o banheiro fora de casa. Era assim, não sei se respondi.

P/1 – Como era o bairro nessa época?

R – Nessa época, era um bairro bom para morar. Na verdade, sempre foi. Mesmo sendo um bairro periférico, sempre foi um bairro bom para morar, mas as coisas

não eram próximas. Na década de 60 assim, as coisas não eram próximas, nós tínhamos que andar bastante para chegarmos na escola, mesmo no ponto de ônibus. Mas também tinha coisas muito próximas. No fundo da minha casa, por exemplo, tinha uma chácara enorme, e tudo que precisávamos, levávamos da chácara. Sempre teve uma padaria. A gente conhecia a padaria pelo nome dos donos, tudo era pelo nome dos donos. Tinha uma população um pouco forte de pessoas portuguesas e mais as pessoas que estavam chegando para fazer o bairro acontecer. Não tinha torneira, todas as casas tinham poço. Cada casa tinha o seu poço de água. Nós tirávamos a água com cilindro. Tinha uma torneira na rua que era para todas as pessoas. Assim, um córrego, que aliás está lá até hoje (risos). É uma novela aquele córrego do meu bairro. Desde que sou criança, tem essa questão com o córrego. Tinha um tipo de campinho, tinha um parque infantil, tinha um lugar que se chamava Sapê e era tipo um bosque. Naquele lugar, tinha algumas cabaninhas de sapê e as pessoas iam lá para fazer piquenique aos finais de semana. Era muito gostoso morar lá nessa época da minha infância. Nós tínhamos lugar para nos divertir, lugar para brincar, lugar de lazer, e não tinha preocupação.

P/1 – Quais eram as suas brincadeiras favoritas?

R – Bom, eu já disse para vocês que eu era a filha mais velha, né? Então, como filha mais velha, eu tinha algumas restrições para brincar, mas gostava de pular corda, gostava de brincar de pique, amarelinha, jogar queimada… Era dessas coisas que nós brincávamos.

P/1 – Como era a relação com os seus pais?

R – Maravilhosa! A relação com os meus pais era maravilhosa. Meus pais sempre foram muito amorosos, preocupados com a nossa educação, preocupados com a nossa aprendizagem. Eles sempre tiveram aquela preocupação de que nós déssemos prioridade aos nossos estudos. Meus pais sempre diziam que nós não precisávamos ser os primeiros da classe, mas que era para procurarmos estar entre os dez primeiros, é nós obedecíamos.

Era uma coisa muito gostosa. A minha mãe acompanhava o nosso desenvolvimento, e participava das coisas na escola. Naquela época, minha mãe já participava da APM da escola. Eles olhavam os nossos cadernos, então não bastava ir à escola e fazer a lição de casa. Depois do jantar, recolhia os pratos, arrumava a mesa, e era a hora de passar a vista nos cadernos. Todos eram olhados. Se tivesse que chamar atenção, também chamava, de uma letra que não estava boa ou de alguma coisa que não estava de acordo. O carinho… Nós nunca deitamos sem fazer uma devocional, sem que a coberta de cada um fosse ajeitada, aquele beijo de boa noite, o beijo de bom dia… Na minha casa sempre teve isso. Era maravilhoso!

P/1 – E dos seus irmãos, tem alguma história que você se lembre que te marcou que você viveu com algum deles na infância?

R – Ah, tem. História com os meus irmãos… Tem história de travessura, e história triste também. Nós nunca fomos de poder ficar muito na rua, meus pais não permitiam. Apesar de ter a liberdade de sair e de ser um lugar tranquilo, nós saíamos muito em família, e essa história de ficar sozinho na rua, não tinha. Meu irmão Silas era muito terrível na escola, e ele não entregava bilhete da professora, essas coisas que sempre tinham. Acabavam as páginas da carteirinha dele. A professora Dirce, que era a professora dele, ia até a minha sala para que eu entregasse as coisas para minha mãe, e isso era muito ruim. Eu não gostava nem da exposição de ter que parar a minha aula para atender a professora do meu irmão, e também não gostava de ter essa missão de ter que levar o comunicado. Ele nunca gostou dessas coisas, então ele dificultava também as minhas responsabilidades. Tipo, por exemplo, naquela época ninguém tinha enceradeira, era com escovão que nós limpávamos a casa. A gente encerava a casa e tinha que passar o escovão para dar brilho. O que ele fazia? Depois que eu conseguia passar o escovão, ele jogava água, ou seja, eu tinha que fazer de novo. Então, eram essas coisas, essas travessuras do meu irmão. O meu irmão Silas, esse mesmo, cismou de fazer uma fogueira em casa, porque era época de festa junina e a gente não podia ir na fogueira da rua. Enquanto minha mãe lavava roupa, ele foi fazer a fogueira, e meu irmão Eli, companheiro leal dele até hoje, foi ficar perto da fogueira. O que aconteceu? Pegou fogo no pijama do Eli. Foi muito triste. A minha mãe teve que vir apagar o fogo, ele teve queimaduras de terceiro grau… Foi uma traquinagem do Silas, que ele pensou que fosse brincadeira, não viu que foi tão perigoso, e acabou dando sérios problemas. Graças a Deus, pelo conhecimento de enfermagem que minha mãe tinha, ela pôde tomar algumas providências até que pudesse levar a um socorro. Então é uma coisa que lembro da minha infância e é um momento com meus irmãos, mas preocupante. E a minha irmã, era menorzinha, e faleceu com apenas seis anos, então não teve muito tempo de ter essas histórias, mas também era um movimento agradável. A gente brincava muito, nós sempre brincamos entre nós quatro, e isso era gostoso.

P/1 – Você falou que sua mãe fazia enfermagem. Você lembra como ela conciliava o trabalho com a família?

R – Ela não era… Assim, ela trabalhava… Não era enfermagem igual hoje. Ela trabalhava em uma clínica, então era fácil conciliar. No primeiro momento, ela trabalhava com malharia. Depois que nós estávamos um pouco maiores, foi que ela foi fazer esse serviço de enfermagem. Antes de fazer enfermagem também, ela fez comida, porque ela não trabalhava direto na casa das pessoas, mas tinham pessoas que chamavam minha mãe exclusivamente para fazer comida, logo quando começou essa história de freezer. Então minha mãe ia um dia lá, só para fazer várias comidas e algumas sobremesas. Ela sempre conseguiu conciliar. Nesse tempo, nós ficávamos em casa e íamos para a escola, porque tínhamos que ir. Só que o acontece? As casas eram separadas por cercas, ninguém tinha muro. Então, a dona Maria, que era do lado esquerdo, e a dona Luiza, que era do lado direito, sempre nos olhavam, quando nós não estávamos no horário da escola, até que minha mãe chegasse. Então, nem tinha aquela história de ficar fazendo hora na escola. Saía da escola, ia direto para casa, entrava em casa, "não, está tudo tranquilo", a dona Luiza e a dona Maria estavam olhando. Minha mãe chegava, e não tinha problema nenhum, continuava a rotina dela e assim nós vivíamos.



P/1 – Você mencionou que a sua irmã faleceu. Ela faleceu do que?

R – Minha irmã faleceu em um acidente. Minha mãe sempre foi uma pessoa de ajudar as outras pessoas, e não só a nossa família. A minha prima havia feito uma cirurgia, e na época morava perto da estação Ana Rosa, do metrô. Minha mãe foi lá fazer o curativo, porque ela não conseguia fazer sozinha, e levou meu irmão Eli e minha irmã Dorcas, e deixou em casa eu e o Silas, porque meu pai estava fazendo madureza nessa época (que depois se chamou de supletivo e hoje é educação de adultos). Na volta desse curativo que minha mãe foi fazer, elas foram atropeladas. Minha mãe morreu na hora do acidente, meu irmão Eli não sofreu nenhum arranhão, e minha irmã Dorcas morreu também, mas assim, um dia depois da minha mãe. Nós fizemos o sepultamento das duas no terceiro dia. Minha mãe faleceu na quarta, minha irmã na quinta, e na sexta nós fizemos o sepultamento das duas.

P/1 – Quantos anos você tinha nessa época?

R – Ah, nessa época eu era grande, eu tinha 15 anos exatamente, 15 anos e alguns meses.

P/1 – Como foi esse momento para você? Como você se sentiu?

R – Para mim, foi ruim, e é ruim até hoje. Eu queria ter minha mãe e minha irmã. Às vezes eu fico imaginando como seríamos nós duas hoje. Também foi ruim, porque não foi só isso que aconteceu naquela semana. Isso foi em 1975. A minha bisavó morava conosco. A minha mãe foi a única pessoa que ficou cuidando da minha bisavó, sempre alguma das minhas tias tinha algum impedimento. Minha bisavó morava em Uberlândia, Minas Gerais. Minha mãe é natural de lá. Minha mãe resolveu trazer minha bisavó para morar conosco, e ela morou conosco durante muito tempo. Nessa semana de maio, do falecimento da minha mãe e da minha irmã, também foi o falecimento da minha bisavó, então foi uma semana muito, muito triste para nós. A minha bisavó estava internada, teve derrame, ficou lá internada, e enfim, nós sabíamos que ela poderia voltar para casa, mas que também poderia falecer, e ela faleceu no dia 12 de maio. No dia 13 de maio, nós enterramos a minha bisavó, e ela morreu com 112 anos. E na quarta-feira foi a minha mãe, na quinta-feira foi minha irmã, e na sexta-feira o sepultamento das duas, então imagina, foi como se tivesse passado um rolo compressor em cima de mim. É sempre aquela história, porque as pessoas sempre cobraram muito das mulheres, uma cobrança horrorosa. Às pessoas começaram, apesar também de todo o carinho do meu pai, a me colocar como a mulher responsável pela casa e pelos meus irmãos, por conta de eu ser a mais velha. E eu já tinha dito para vocês, que eu tinha mesmo essa responsabilidade de ser a irmã mais velha. Todas as pessoas na minha época que eram mais velhas, tinham essa responsabilidade. Só que ela foi potencializada, e eu tinha só 15 anos. Eu tinha recém terminado o meu ginásio, que era como se chamava o ensino fundamental. Foi ruim, porque aí começou a minha saga, porque até então era tudo alegria na minha infância e na minha pré-adolescência - que nem tinha essa divisão. Minha infância foi maravilhosa, mas a partir dos meus 15 anos, comecei a ter uma carga muito grande. Começou com o que? Começou com o fato de que precisei parar de estudar. Naquele desejo de entrar no colegial, eu fiquei para trás. Eu vi meus irmãos

entrando. Ficou para trás, e por que? Porque eu tinha que dar conta das coisas de casa, eu era levada ao médico e comecei a levar as pessoas ao médico, os tratamentos que meus irmãos faziam, meu pai me ensinou como chegar nos lugares, e eu comecei a levar. Como ele iria faltar no serviço para levar? Não tinha como, era eu. Veio a sobrecarga e eu comecei uma trajetória difícil, mas tudo serviu de aprendizado.

P/1 – Vamos voltar um pouquinho desse momento marcante para trás, para o seu primeiro dia de aula. Você lembra como foi?

R – Meu primeiro dia de aula na vida?

P/1 – Sim.

R – Lembro perfeitamente. Naquele tempo, as pessoas mais abastadas… Só faziam pré-escola as pessoas mais abastadas, e eu não estava entre elas. E só entrava na escola quando você completava sete anos. E em qual mês que eu nasci ainda? Outubro (risos), ou seja, demorou muito para eu entrar na escola. Foi um momento muito esperado. Eu entrei, e sempre gostei muito de estudar, então era aquela coisa, lá em casa a mamãe sempre dava um jeito de estar passando as coisas para nós. No primeiro dia, eu fui bela e feliz para a escola. Se chamava Grupo Escolar Davi Eugênio dos Santos. A escola ainda existe, e hoje é Escola Estadual de Ensino Fundamental Davi Eugênio dos Santos, só tem o primeiro ciclo. Eu fui, andei lá da minha casa até a Vila Gustavo, onde era a minha escola. Não era mochila, eu tinha uma pasta verde. Meus cadernos estavam encapados, que a mamãe tinha encapado. Tinha um estojo verde… E eu não gostava de verde, é que aconteceu a história da mala e do estojo verde. Os lápis cheios de bichinhos desenhados… Foi muito interessante. Eu lembro até o nome da minha primeira professora, Nilza. Foi gostoso demais entrar na escola. Foi gostoso entrar na escola, foi gostoso começar a ler, porque quando nós começávamos a ler, nós ganhávamos um livro. E ganhar um livro, queria dizer que você tinha cumprido uma etapa. Foi tudo muito bom. Lembro perfeitamente da minha escola, da minha felicidade em ir para a escola e de tudo que aconteceu lá.

P/1 – Qual livro você ganhou?

R – O nome do livro, eu vou te dizer a verdade, não lembro. Eu lembro o nome da cartilha que nós aprendíamos, mas o nome do livro, eu não lembro. Eu lembro que era a transição de você ter aprendido, você conseguiu aprender a ler, então você tem o direito de ler um livro. Não era livro de figura, como tem esses livros de criança agora. Era um livro mais ou menos grosso. Eu não lembro o título, mas foi uma data que marcou.

P/1 – Quais histórias você lembra dessa época de escola?

R – Não tinha história na época de escola. Não, não lembro de histórias da época da escola.

P/1 – Histórias que você viveu nesse momento com os seus amigos, algum professor que te marcou...

R – Eu vou falar de mim… Não tinha história. Eu só sei que ia lá para estudar e minha meta era ficar entre os dez, sabe? Isso eu fazia, de ficar entres os dez. Tinha umas tais estrelinhas que a gente ganhava, estrelinha dourada, estrelinha azul, estrelinha vermelha, conforme o seu desempenho. Eu queria saber do meu caderno com estrelinha. As brincadeiras eram as brincadeiras que têm na escola, de pique, de esconde-esconde, essas coisas. Não têm grandes histórias, teve sim o empenho. Ainda hoje eu sou uma pessoa que se cobra muito, então ali não era para brincar. Eu brincava no recreio, e assim mesmo, depois de ter comido o lanche, porque tinha que cuidar da alimentação. A regra era não sair de casa sem tomar café nunca, e é até hoje. Posso até pular uma outra refeição durante o dia, mas o café é sagrado, para mim e para as minhas crianças. Eles não são mais crianças (risos), mas enfim, ainda falo. É aquela história, para você conseguir raciocinar, precisa estar bem alimentado e tem que ter uma alimentação saudável, então, "vamos tomar café e vamos para a escola". "O que você vai fazer na escola? Estudar. Brincar, você deixa para brincar quando tiver em casa". A gente seguia muito isso, então não têm muitas histórias. Tenho a lembrança das professoras, lembro de todas elas. Aliás, todas não, todos, porque teve um professor no quarto ano. Tinha a professora Nilza como eu disse, do primeiro ano, que era a professora que me dava estrelinhas. Ah, depois mudei de escola, porque não sei o que aconteceu na política, que começaram a colocar as crianças em escolas mais próximas. Eu saí da escola da Vila Gustavo e fui para uma na Vila Brasil mesmo, que se chamava Escolas Agrupadas do Jardim Brasil. Qual foi o diferencial dessa escola? A minha professora negra, dona Maria Tereza. Era muito bom ver aquela professora lá. Eu ainda não tinha nem ideia do que viria a ser essa luta de empoderamento da mulher negra, mas ter a professora Maria Tereza naquela época como minha professora, fez toda diferença. Ela era uma professora muito atenciosa. Marcou bastante a dedicação e o empenho da professora. Depois, eu ainda fui descobrir que ela morava perto da minha tia Marceline, e era uma festa ir à casa da minha tia e dar a volta só para passar em frente a casa da professora e mostrar para as pessoas onde ela morava. Teve a professora Jose, que era professora do terceiro ano, ela tinha muitas crianças. Ela era uma professora que exigia de uma maneira diferente, tinha um jeito diferente de cobrar. Ela sempre achava que eu não podia fazer alguma coisa, e quando ela achava que eu não podia dar conta daquela tarefa, aí é que eu dava mesmo para ela saber que eu era sim capaz. Afinal de contas, eu já tinha passado por duas outras amigas e colegas de profissão dela. Se eu não tivesse que estar ali, se eu não pudesse estar ali, as outras duas não teriam permitido que eu passasse, porque quando eu estudava no Grupo, nós repetíamos. Quem não pudesse passar, repetia, então se eu estava no terceiro ano, era porque eu tinha feito por merecer estar lá, então foi marcante a dona Jose. Isso porque eu não tinha história (risos). E no quarto ano, o professor Osório, que também foi um diferencial. Ele era o único professor da escola, é, lá tinha o professor Osório. Ele dava nas pessoas com régua, sabe? (Risos). Era um jeito muito esquisito dele de querer chamar atenção, de impor disciplina, enfim, ele e aquela régua dele. Era uma régua de madeira daquelas enormes. Eu lembro muito dessa passagem da escola. Não lembro só do primeiro dia, lembro de toda minha vida escolar, inclusive de quando ela parou.

P/1 – E você queria ser alguma coisa nessa época, tinha alguma profissão que você tinha em mente?

R – Nessa época, eu e acho que todas as meninas da minha idade, queríamos ser secretárias, não sei porquê. Tinha até um curso de secretariado para fazer com que as meninas fossem. Depois, foi mudando totalmente, e eu sempre desejei também ser professora. Era uma coisa que queria demais. Eu ficava lembrando da professora Maria Tereza, e gostava de compartilhar aquilo que eu sabia, eu tinha essa predisposição. Consegui ser… Depois, me decepcionei também com a caminhada, mas foi uma coisa que busquei, busquei muito, e consegui depois de 50 anos.

P/1 – Agora vamos avançando para a sua adolescência, onde aconteceu aquele momento marcante e sua vida mudou completamente. Você pode me contar como foi a sua vida depois daquele momento? Como ela seguiu, o que você foi fazer…?

R – Bom, depois daquele momento, eu fiquei mesmo só cuidando da casa e dos meus irmãos, e fazendo as coisas da igreja. Como já falei, sou cristã protestante e sempre frequentei a igreja Presbiteriana, então tinha as coisas da mocidade daquela igreja. Eu tive um ativismo lá bem forte de liderança dos jovens e do grupo de mocidade. Tanto liderança local… No Jardim Brasil não tinha igreja, mas nós íamos até a Vila Ede, que é um bairro próximo. Eu também cheguei a liderança a nível regional, que pegava boa parte da Zona Norte, e mais algumas igrejas no Vale do Paraíba. Cruzeiro, Jacareí, Mogi das Cruzes… Também fui líder nacional, fui secretária executiva da confederação da mocidade da igreja Presbiteriana independente do Brasil. Depois que teve esse baque da adolescência, a minha vida ficou voltada para casa e para esses compromissos. Mas eu também viajava para resolver esses compromissos como secretária executiva, e não era nada do meu bolso, as viagens eram patrocinadas

pela instituição. Só que não eram viagens aéreas também, eram todas pela rodoviária. Era desse jeito. Ah, sim! Uma coisa que também aconteceu nessa época foi que meu pai… Eu falei, ele era mecânico de manutenção, e se aposentou como mecânico de manutenção. Só que ele não queria que nenhum de nós frequentássemos o ambiente de fábrica, porque ele achava um ambiente muito cruel. E aí, ele foi nos preparar para nós assumirmos outras profissões. Então, nesse período depois da morte da minha mãe, foi uma época também em que aprendi muitas coisas voltadas para um trabalho administrativo, então tudo que era curso, meu pai me colocava. Eu cuidava da minha casa, não estava na escola, mas fazia esses cursos preparatórios e fazia essa outra militância que acabei de dizer. Era curso de arquivista, datilografia… Tanto que ninguém me pega na digitação. Eu uso todos os dedos, por conta da datilografia. Eu aprendi datilografia na máquina mecânica, depois aprendi na máquina elétrica, depois aprendi na máquina eletrônica… É isso, a mecânica, a elétrica e a eletrônica, que era uma máquina de esfera. A gente não precisava ficar rebobinando, era muito bom. Ter participado dessa capacitação,

me ajudou a entrar no serviço público. Eu comecei a minha vida, vamos dizer assim, economicamente ativa. Primeiro, eu fui estagiária na prefeitura. Depois, eu trabalhei na Secretaria de Turismo e Hospitalidade do Estado de São Paulo. Nesse lugar, eu fui auxiliar de secretária executiva (risos). E aí, passei em um concurso público para trabalhar no governo do estado como escriturário. De uma certa maneira, cumpri aquele objetivo do meu pai de me afastar do ambiente de fábrica. Era só ilusão, coitado, porque eu entrei na secretaria da educação e vi que todo lugar é cruel. Nós não passamos pelas crueldades que ele passou, mas nós descobrimos outras e tivemos que sobreviver a elas também.

P/1 – Fala mais sobre esse momento em que você estava trabalhando. Quais eram essas crueldades? Conta para gente.

R – A crueldade de você ver o mundo como é. Imagina, uma menina protestante, que só saía da casa para a igreja, da igreja para casa, e da casa para a escola. De repente, entra em um mundo que tem todo tipo de competição. É diferente de você… Essa é uma coisa muito ruim que a instituição faz com você. Você não é só todo tempo família. O que eu tinha na minha vida? O que eu conhecia? Eu conhecia o amor. Só que aquele amor que eu conhecia de convivência, de relacionamento, de ajudar o outro, era uma coisa que acontecia dentro da minha casa. É verdade sim que a família… O que eu conhecia? O ambiente da minha casa. Aquele ambiente harmonioso, cheio de amor, de cuidado, de incentivo para você caminhar, e conhecia o ambiente da igreja, onde estava todo mundo ali salvo, todo mundo esperando a rua de ouro do céu… Era isso que eu conhecia. E na verdade, eu não conhecia o que a

vida é. Por exemplo, eu aprendi várias histórias e ensinamentos enquanto eu era criança e adolescente só de gente que se deu bem. Ninguém conta a história de alguém que se quebrou. As histórias dos personagens, eles escolheram a dedo para ensinar só a dos vencedores, e não tinha só vencedor ali, tinha muita gente derrotada, tinha muita gente que lutava para sobreviver, afinal, eram seres humanos. De uma certa forma, nós tínhamos sido ensinados a ser meio que super-heróis, e não existe. Então, é dessa forma que falo. Quando me deparei com o que é o mundo e a realidade, a caminhada foi difícil. Fomos nos adequando, mas aí também fomos descobrindo, entendendo mais, e percebendo que essa história de relacionamento, vai acontecer em todos os lugares, que alguém sempre vai ter que fazer uma renúncia, e alguém sempre vai ter que entregar. Vai ter também o tempo de você fazer meio a meio para a caminhada de vida. Foi muito bom também. Eu não fiquei, saí. Passei em dois concursos, um para ficar em caráter temporário, e um para ser efetiva, mas era muito a mesma coisa… As pessoas não queriam caminhar mais. Para elas, estava tudo muito bem ali. Tinham entrado, eram efetivas, tinham estabilidade, então tudo bem. Eu tenho amigas que ainda hoje estão trabalhando na mesma secretaria da educação, em um cargo semelhante ao que ingressaram. Aliás, semelhante não, é o mesmo. Conforme os anos vão passando, vão tendo uns acréscimos por merecimento se você ficar no serviço

público. O que acontece? Chega no fim da história, e na hora que você se aposentar, aqueles acréscimos de merecimento que você teve, você perde. Uma hora a pessoa fica por comodismo e outra hora fica por não perder o benefício adquirido durante o tempo, porque se ela perder, aquilo que ela nunca conseguiu crescer, não vai ser suficiente para sobreviver. Então na verdade, o servidor acaba ficando lá até morrer. Pouquíssimos são aqueles que querem se aposentar, e eu não queria isso para a minha vida. Eu tratei depois de sair do serviço público. Estou pagando um preço por isso, mas tudo bem, logo logo se resolve.

P/1 – A gente vai chegar nesse momento em que você saiu do serviço público, mas eu queria que você

falasse um pouco da sua militância com a igreja, como eram os cultos jovens, como era essa fase? Você citou bastante.

R – Ah, era uma fase boa, porque você saía, conhecia outros jovens e acabava conhecendo outras pessoas que estavam procurando estudar mais do que tinham aprendido para fazer a história um pouco diferente. Mas você também esbarra na sua história que chega… Como posso dizer? Eu quero ser verdadeira, sem ser grossa. Você esbarra na história do racismo institucional… E tem! Se existe um lugar que tem racismo institucional, é dentro das igrejas, sejam elas quais forem. Eu esbarrei muito nisso, até chegar em uma época em que eu estava em um congresso e ouvi uma pessoa dizer que… Eu ouvi mesmo, estava literalmente atrás de onde estava sendo comentado. Era uma época em que teria eleição para uma nova diretoria, e alguém estranhou o meu nome não estar em nenhuma das chapas que iriam concorrer. E aí, eu escutei uma pessoa que não vou citar o nome, porque é viva ainda… Homem branco, lógico, isso eu preciso falar. "Mas e cadê a Damaris?", "não, a Damaris, não. A Damaris não terminou o colegial, a Damaris é mulher, e está fora dos padrões da juventude atual", e eu estava bem atrás. Só que em tudo isso, ninguém viu porque eu não tinha concluído o meu colegial, ninguém viu a minha história de vida. E não é que não soubesse, não viu mesmo! Não viu a minha história lá naquela semana horrorosa, do quanto doeu, tudo foi passado. A partir daquele momento, eu comecei a enxergar a história de que eu seria sempre colocada para trás. Foi bom e ao mesmo tempo, foi decepcionante. Por outro lado, eu consegui forças… Porque assim, eu tropeço (risos), levanto, caio, sorrio e começo de novo. Eu descobri o que nesse tempo? A existência do movimento negro. Eu descobri, porque descobri jovens, e um grupo de estudantes negros que iriam fazer um congresso em São Paulo. Foi dito, e lá estava eu. Lá eu descobri pessoas negras, estudantes, e cada vez que era descoberto que um não tinha escolaridade, puxavam para que ele viesse, completasse de onde parou e fosse à caminhada. Então, facilitou essa capacidade de diálogo que eu tinha com a juventude e me alegrou estar no meio desse novo grupo. Também foi difícil. Por que foi difícil a caminhada neste grupo? Hoje têm

grupos de negros até em partidos, enfim, mas não naquela época, era só no movimento social. E não era comum uma negra protestante no movimento, mas eu consegui ficar e tenho amigos daquela época até hoje. Foi lá que eles impulsionaram a caminhada de cada um, para sobreviver e ter um futuro diferente. Eu voltei pela primeira vez a estudar. Voltei, e depois acabei parando, porque casei, e optei por parar. Depois, só voltei aos 50 anos, como te disse. Nessa caminhada de juventude, foi que conseguimos sonhar as coisas que estamos vivendo hoje. Sonhamos com um número maior de… Isso no final na década de 1980, em 1988, 1989… Nós sonhamos com uma quantidade maior de negros estudando. Todos os que estavam participando ali… Todos, não, a maioria era de escola privada. Então, tinha os negros da PUC, os da FMU, da São Caetano se não me engano, de Mogi das Cruzes, tinha da FAAP também. E aí, quem estava por trás de nós? Os nossos familiares. "Se nós tivermos filhos, vamos conseguir colocá-los aí? Pode ser que sim, mas vai ser difícil, então vamos lutar para que eles consigam estudar e entrem em universidades públicas". Esse movimento hoje que você vê dentro das universidades, que em quase todas elas tem o grupo de jovens negros e o núcleo dos negros, fazendo a coisa da política pública acontecer lá dentro, nós fizemos antes, só que fizemos de fora para dentro, sonhando que um dia tivesse de dentro para fora, e tudo isso aconteceu. Nós sonhávamos que os nossos filhos pudessem entrar na universidade pública. Eu tenho muito orgulho de dizer que tenho um filho formado pela Universidade Federal de Pelotas, e

uma filha formada pela USP. Tudo isso teve origem lá na minha caminhada sobre a qual você perguntou, de ser militante no movimento jovem da igreja. Quando vi que não tinha espaço

para eu continuar, e não tem até hoje, eu procurei e consegui achar um outro grupo de pessoas onde pude me fortalecer e pude exercer a história da política pública quando ninguém

falava muito sobre isso. Nós lutamos como movimento e sobrevivemos. Hoje, estamos na terceira geração. Eu tenho amigos daquela época, que estavam comigo no congresso de estudantes negros e que é avô. Então, ver o neto do Romildo, o Caleb, é como se fosse meu neto, é um fruto daquilo que nós todos plantamos. Os nossos filhos são todos… Nós somos mais de 30, e do nosso grupo tem só duas pessoas que fizeram a faculdade particular, e isso porque elas optaram por fazer o curso naquele lugar, e graças a Deus os pais delas puderam arcar com as despesas. A minha juventude e adolescência foi sofrida, mas também foi um alicerce. Eu não entendo de construção, mas já vi que quando vão construir alguma coisa, primeiro fazem um buraco no chão e colocam bastante concreto. Depois que colocam o concreto, colocam as colunas, e depois é que eles vão realmente subir as paredes. Eu vi isso, porque acabei construindo casa antes de casar, tive essa felicidade. Hoje, eu moro no Jardim Brasil, porque depois do divórcio, tive que me desfazer da casa… Aquelas coisas. Mas eu vi esse processo. Eu vejo assim a minha vida mesmo. Teve que cavar, tirou aquele excesso, colocou um concreto para fazer um alicerce, para depois fazer as colunas e subir as paredes. Tudo foi importante na minha vida, tudo foi importante.

P/1 – Vou perguntar mais um pouquinho desse grupo, tá? Como você conheceu? Como eram as reuniões? O que mudou em você?

R – O grupo, ele… Foi assim, eu trabalhava no governo do estado, como eu falei, e vi um aviso de que teria um congresso de estudantes negros lá na universidade do Largo São Francisco, e esse pessoal era do centro… Eu não lembro o nome correto, mas… Conselho. O Conselho da comunidade negra. Os jovens que estavam puxando, eram desse lugar, fizeram a chamada e lá vamos nós. Quando a gente estava lá, foi todo mundo se conhecendo, aquela coisa, pega crachá, "de onde você é?" e tal. Teve um pessoal que não se contentou em participar do evento e quis ver mais de perto a história desses jovens negros que estavam fazendo acontecer. Nós começamos a participar das reuniões no conselho da comunidade negra. E aí, nós começamos a acreditar que era possível sim fazer um segundo congresso de estudantes negros. Já existia o MNU, tinha gente caminhando antes de nós, e nós nos espelhamos neles. Nessa época, esse pessoal do MNU, já eram pessoas adultas, e eles também ficaram felizes, porque estava vindo uma nova geração. Nós sempre achávamos quem abraçasse a nossa causa. Não tínhamos lugar para nos reunir, nem nada, então nos reunimos na Igreja da Boa Morte, ali um pouquinho

para baixo da Rua do Carmo (o padre Batista sempre deixava a gente se reunir lá). Estávamos sempre procurando algum lugar para que a gente se reunisse. Fomos nos reunindo, fomos colocando propostas, fomos buscando e incentivando as pessoas a voltarem a estudar, e nos ajudando entre nós mesmos, até que surgiram vários grupos. Surgiu a UNegro, onde a união

negra já era ligada a um partido, mas também existe até hoje. Tinha o Soweto, que era ligado ao povo da PUC. E tínhamos nós, CERCAB, Centro de Estudos e Resgate da Cultura Afro Brasileira, que era uma casa em que entrava todo mundo. Então, nós tínhamos uma ação política muito grande, mas não tínhamos vínculo partidário. Por aí, fomos andando, fomos estudando, até que hoje vários de nós são professores em diferentes universidades. Nossos filhos, como te falei, entraram nas universidades públicas. Continuamos hoje ainda, temos amizade, continuamos uma família, sempre procurando o bem estar do outro e procurando fazer com que as coisas continuem se movimentando para nós, enquanto população negra, porque a gente tem… Eu não preciso falar, é só prestar atenção no noticiário. Aliás, é melhor nem prestar atenção no noticiário, mas ver também o que não sai. Tem muita coisa que não sai. Tem muito para ser feito ainda. Se eu não conseguir responder, você por favor reforce, que eu volto para completar a minha resposta.

P/1 – Só o que mudou em você participar desse grupo.

R – (Risos). Mudou tudo, mudou tudo. Eu me descobri, e descobri que era capaz. Eu aprendi a não dar ouvidos para o que as pessoas falam, porque alicerce de luta e de estudo, eu já tinha lá atrás como comentei, dentro da minha casa. Só que também teve essa quebra com a morte da minha mãe, eu tive uma parada, dei uma estacionada. Quando eu comecei a caminhar com o grupo de estudantes negros, com a juventude negra de São Paulo, eu renasci, renasci para a vida. Depois, veio o desejo de voltar a estudar. Depois, como eu disse, eu mesma optei pelo casamento. Fiz uma escolha errada, mas enfim, cada um que pague seu preço por aquilo que escolheu. Mas depois, retomei a caminhada. Tudo que sou hoje, tirando a minha essência de família, o que consigo realizar hoje, o que multiplicou hoje, o estar aqui hoje, é tudo fruto daquele grupo de estudantes negros, daquela reunião da juventudade negra, de militância, e de busca por política pública, de busca por cidadania, busca por direitos humanos, que fez os meus pés ficarem fincados, que me fez escolher a graduação que eu sempre quis, História. Escolhi minha graduação, não foi por acaso. Hoje, não estou na sala de aula e não é porque não quero. Foi porque pelo tempo que estudei, não consegui prestar concurso. Logo depois que terminei, não teve concurso que eu prestasse. Por conta da política educacional, eu acabei perdendo minhas aulas em 2014, e depois de lá, não voltei mais para a sala de aula. Mas ter participado do movimento estudantil negro, me fez começar a ver novas perspectivas. Eu não posso entrar na sala de aula, mas isso não quer dizer que eu não possa educar. Depois dessa caminhada toda, eu descobri um curso de educador social, então hoje faço com prazer a educação social. Não posso entrar na sala de aula? Vai se reinventar. Onde eu consegui me reinventar? No Centro de Referência da Mulher. Onde que o Centro de Referência da Mulher me trouxe? Me levou a uma psicóloga que me identificou com uma mulher em situação de violência. Eu quase violentei a psicóloga no dia que ela falou isso. "Mas eu não tenho nenhuma marca. Como é que sou uma mulher em situação de violência?", e aí ela me encaminhou para um atendimento específico, particular. Lá, a psicóloga me mostrou onde era a minha violência. A violência que eu tinha passado desde aquela semana para frente, o quanto aquilo impactou, o quanto fui violentada por conta daquilo e das outras coisas que aconteceram, de eu ter deixado muita coisa minha para trás… Tudo isso foi crescendo, e se eu não tivesse achado um grupo, hoje eu seria igual algumas outras colegas e irmãs que ainda vejo, sem um objetivo de vida e esperando sempre a vida futura. Futura do além que estou dizendo, e não futura do amanhã. Foi bem gratificante e mudou a minha história, mudou a minha perspectiva. E me fez sabe o que? É uma frase que é minha. Me desculpe, mas eu vou falar, é assim, "identidade traz sentimento de pertença. Sentimento de pertença, desperta sujeito. Sujeito que desperta, é a gente transformador", então é isso. A importância daquele grupo para mim, é essa frase que acabei de te falar.

P/1 – Muito forte. A gente volta lá para aquela época em que você saiu do trabalho público. Você foi fazer o que? Como seguiu a sua vida depois daquele momento?

R – Então, depois que eu saí do serviço público, fiquei um tempo sem trabalhar, mas depois eu também entrei em uma empresa de capital misto, e foi através de concurso também que trabalhei lá. Eu trabalhei lá com serviço administrativo, secretariando um engenheiro de departamento de trânsito. A cidade é dividida pelas zonas. Cada zona tem a gerência de um engenheiro de tráfego, e cada gerência tem um departamento de engenharia de tráfego. Eu trabalhava nesse departamento, e entrei na Cet 3 na época, que cuidava da Zona Leste. Eu trabalhei em um departamento lá da Cet que lidava mais ou menos com o lado de São Miguel, mas a Cet era no Tatuapé. Então eu fiquei muitos anos trabalhando lá,

depois me casei e fui morar em Franco da Rocha. Enquanto estava trabalhando em Franco da Rocha, trabalhei na Cet, mas ali na Marginal. Depois, o meu pai adoeceu e eu tinha colocado ele como beneficiário do meu convênio. Eu saía de Franco da Rocha para atender o meu pai, e nessa época eu trabalhava na Cet de Pinheiros. Depois eu saí de lá por conta do tratamento do meu pai mesmo. Fiquei meio desesperada, e achei que não teria dinheiro para sustentar o câncer dele - ele foi diagnosticado com câncer de próstata. Então eu conseguia muitas coisas, conseguia no Hospital das Clínicas. Na época, ele tomava uma injeção que vinha da Alemanha, tinha que tomar todos os meses. Esse que era o terror, porque o remédio de alto custo nem sempre… Mas no Hospital das Clínicas, eu sempre conseguia pegar a injeção, só que começou a faltar, eu precisava procurar pela cidade onde tinha, e ela custava caro. Aquelas coisas de grêmio… Essas coisas de grêmio, sindicato, eu sempre fui dessas coisas. Então, o povo das entidades sindicais fortaleciam, mas tinha uma hora que não dava mais. Eu coloquei na minha cabeça que… As crianças também eram pequenas. Se eu pedisse a conta, poderia usar o dinheiro do fundo de garantia para comprar as injeções que meu pai precisasse quando não tivesse no Hospital das Clínicas para eu pegar. Assim eu fiz, saí. Não fiz acordo, eles conseguiram fazer como se estivessem me mandando embora, porque sabiam da necessidade. Também fiz errado, agi por precipitação, e no final das contas, meu pai nem morreu por conta do câncer de próstata, mas eu também não me arrependo, porque foi uma coisa que eu fiz, vendo tudo que ele tinha feito por mim durante a vida dele. Não me lamento por isso, mas estou falando só da minha trajetória de trabalho. Depois disso, fiquei muito tempo sem trabalhar literalmente por conta dele e das duas crianças. Quando voltei, voltei em uma… Fiz algum tempo de pesquisa também, pesquisa de mercado. Não especificamente de mercado de alimentos, mas pesquisa no geral, eleitoral… Trabalhei em vários institutos de pesquisa. Eu trabalhei interna em um instituto de pesquisa, que se chamava _______ [01:11:32]. Depois disso, quando saí de lá, já estava recém entrando na faculdade. Entrei, voltei a estudar, e de lá para cá, foi esse trabalho de lecionar. Leciono não por muito tempo, mas leciono no ensino público e também na rede particular. Depois, eu migrei para essa massoterapia, que também foi uma coisa que descobri enquanto passava no Centro de Referência da Mulher. Você

vê que política pública está em todo lugar. A mulher que quiser estar de pé, tem que conhecer esse universo das políticas públicas. Do que já tem para ela usufruir, e o que ela pode pertencer enquanto movimento, para que a coisa melhore, porque se não, não vai, fica lá assistindo televisão. O Centro de Referência da Mulher me fez enxergar essa condição de conseguir mudar de profissão, mudar de área. Eu mudei de área! Eu mudei da saúde para a educação. Ao contrário, mudei da educação para a saúde. Isso depois de ter me empenhado tanto tempo, fazendo o curso que eu queria, de ter feito uma pós-graduação para ensinar aquilo que eu queria, fui mudar. Foi difícil. Quando eu perdi as aulas no estado, depois de ter me empenhado para conseguir… Era uma questão de satisfação eu ter voltado aos 50 anos para poder estudar. Depois, ter que sair pisando em cima do que eu fiz? Foi muito ruim. Eu fiquei em um estado depressivo. Depois vem aquela psicóloga lá e me fala, "muda! Por que você não pensa em mudar? Você já fez tanta coisa desse jeito, muda agora". Aí que eu também fiquei mais brava e não

acreditei. Em 2016, eu descobri que existia a massoterapia, mas também em 2016 eu fiz por um projeto… Eu dou muito valor aos projetos sociais, dou um valor enorme. Fiz em um projeto, mas aquela que eu fiz, foi a massoterapia voltada para a estética. Quando vi a apresentação e os lugares onde as pessoas iam trabalhar, quem seria escolhido… Porque foi tudo mostrado para nós durante o projeto. Eu não me vi lá, de novo. Não tinha nem eu, nem mulheres iguais a mim. Não tinha nem na recepção, naquelas clínicas de estética. Falei, "meu Deus, e agora?", e falei, "já sei, vou procurar fazer alguma coisa a mais para eu poder mergulhar". Durante o curso, eu vi que tinha um vértice da saúde e um da estética. Falei, "Bom, quero da saúde", e fui atrás. Só que a carga horária era pequena… Aliás, naquele certificado não tinha a carga horária e nem tinha as disciplinas que eu tinha feito, então eu não podia prosseguir, nem workshop aceitava, porque não comprovava que eu era da área. Foi só em um dia de uma feira… Tinha a feira de estética de um lado, e a feira do empreendedorismo do outro. Eu já estava indo embora, quando falei, "ah, vou passar na feira. Estou aqui mesmo, e não preciso vir outro dia". Neste dia, descobri o Sebrae, descobri que eu podia fazer as coisas, e que eu podia ser capacitada, as pessoas iriam me capacitar para eu poder fazer aquilo. Eu falei, "meu Deus, o que é isso? Eu quero isso para mim". Fiz as inscrições, comecei a fazer os cursos e vi de uma forma diferente. Como saúde, a massoterapia abraça todo mundo. Então se você quiser um atendimento estético, até vou fazer, mas primeiro vou falar, "vamos cuidar da sua saúde com massoterapia? Você vai perceber que cuidando da sua saúde e do seu bem estar, o que você quer com a estética, vai aparecer, pelo fato do seu organismo estar em equilíbrio e da sua saúde estar sendo bem tratada. Você vai se sentir bem e vai ver isso em resultados estéticos". Fui, terminava um e eu me inscrevia para outro, terminava um e eu me inscrevia para outro. O professor Fábio Ardone falou, "Damaris, você está se saindo bem e quer realmente trabalhar com isso. Por que você não para de fazer os cursos livres e faz um curso técnico? Faça em qualquer lugar". Eu comecei a tentar lá e era difícil, porque eu queria uma bolsa, precisava de uma bolsa. Nessa época, meus filhos já estavam estudando. Com duas pessoas na universidade, eu iria estudar o que? Eu consegui uma bolsa para o curso técnico de massoterapia, fiz o curso técnico, e me saí muito bem com as histórias das Pics (práticas integrativas complementares em saúde). Mergulhei nessa questão, e foi isso que me fez continuar no Sebrae, porque as coisas foram aparecendo e eu fui imergindo. Aparecia a oportunidade, eu fazia uma imersão. O curso de massoterapia precisa terminar com um projeto integrador, e este projeto precisava ser de impacto na sociedade. Uma coisa que eu não disse para você dessa minha vivência e de eu me achar para conseguir caminhar, manter a minha fé e procurar um lugar em que me adequasse, eu achei um coletivo que se chama Coletivo Latino-americano de Missões. É um povo que vê o ser humano como um todo, então a gente trabalha para conquistar a integralidade da pessoa. É um grupo internacional, e ali eu posso ser quem eu sou, do jeito que eu sou, e fazer o que tem que ser feito: olhar para o outro, fazer por ele aquilo que eu gostaria que fosse feito por mim e atender o outro na necessidade dele, desde que eu tenha condição para isso. Se eu não tiver condição para isso, é só eu olhar para o lado, que alguém que tem mais condição que eu, vai me ajudar e acabamos fazendo uma corrente, cheia de elos. Lá eu me realizo, porque

posso ajudar os outros. Eu faço pelos outros o que gostaria que fizessem por mim, até onde eu posso. Quando eu não puder, olho para o lado, e tem alguém que pode fazer aquilo que eu não posso, e pode me ajudar a fazer aquilo que estou querendo. Nós vamos sendo vários elos e acabamos formando uma corrente. Eu fui representar o CLAM em uma reunião na Secretaria de administração penitenciária, no mês que era agosto lilás, se não me engano, que falava da violência contra a mulher, e falava da mulher em situação de cárcere. Quando vi a palestra e o tanto de estudos que têm

a respeito disso, fiquei, "eu posso fazer mais alguma coisa. Não posso continuar nessa vida sendo professora de História e sendo educadora social, sabendo que existem mulheres nessa situação, sem fazer nada". Qual era a situação? Bem resumidamente, a maioria das mulheres que estão no sistema prisional brasileiro, entram lá para sustentar os filhos. Quando elas se vêem sem rumo, como fiquei lá sozinha, de mãe solo… O filho da gente tem que comer. Uma muda o jeito do serviço, faz outra coisa, mas têm outras que se desesperam e vão fazer o que pode ser que achem mais fácil. Acaba vendendo entorpecentes, acaba sendo pega com pequenas quantidades, acaba pagando por ter sido pega com uma pequena quantidade e é marcada por estar no sistema prisional. Sai do sistema prisional, vai estar carimbada, aí mesmo que não consegue fazer outras coisas, acaba reincidindo e volta para lá.

As crianças abandonadas, aquelas coisas. Eu falei, "bom, se eu mudei, já estou na segunda mudança, me formei já depois de mulher madura, se eu estou mudando agora para conseguir uma realização, elas também podem", e falei, "ah, o meu projeto vai ser focado nessas mulheres". Fiz um projeto integrador pensando nas mulheres no sistema prisional. Quando eu apresentei, lógico, tiveram críticas, muitas críticas, mas eu perguntei de quem era o projeto integrador e de quem era o TCC, "é seu", e eu falei, "então, por favor, quero fazer um TCC e um projeto integrador em cima daquilo que acredito e do que tenho certeza que vai causar um impacto social mais cedo ou mais tarde". Fui. Acontece que quando duas professoras viram o projeto integrador, elas falaram que ele era uma oportunidade de negócio, "Damaris, isso é uma oportunidade de negócio", e eu, "que negócio? Eu estou fazendo uma coisa pensando no impacto social e vou lutar para que vire uma política pública", "não, mas você pode fazer o que quiser, mas é uma oportunidade de negócio". E aí, surgiu o Empreenda Senac, e elas falaram, "inscreve seu projeto, inscreve seu projeto". Fui perguntar por "a mais b" e inscrevi meu projeto. Para resumir, cheguei na semifinal no Empreenda Senac 2019. O projeto me levou à gerência de empreendedorismo e desenvolvimento do Senac. Presta atenção, que tudo isso está interligado. Quando eu estava nessa caminhada de projeto do Empreenda, eu também passei pelo Ela Pode. Quando a gerência tomou conhecimento desse projeto, eles começaram a… Eu estava inscrita no "Empreenda Senac". Começou a aparecer lá nas redes deles, e deu que o Sebrae me mandou na mesma época… O Sebrae me mandou na mesma época… Quando eu me inscrevi no Empreenda, eles começaram a colocar nas redes. Não é vinculado com o Sebrae, mas acabou que na mesma época, o Sebrae me mandou também por email a participação do projeto Mil Mulheres. Quando olhei a participação no Sebrae, voltei em um filme de quando fui representar o CLAM. De representar o CLAM, eu cheguei ao projeto do Empreenda Senac. E aí, o Sebrae me chama. Eu nunca tinha falado nada para o Sebrae, que eu queria fazer alguma coisa de impacto social, que como mulher da periferia eu tinha a vontade de levar um projeto social para as mulheres. Chegou a oportunidade de me inscrever, e eu fui me inscrever. Era por grupos, e eu lógico, queria me inscrever no grupo de mulheres negras, só que ele estava acontecendo em Perus, e o horário

coincidia com o horário do meu curso técnico, então eu não podia frequentar. "Mas eu não posso perder essa chance", e comecei a procurar em um lugar que eu pudesse fazer. Procurei as 50+, e o horário delas também não batia com o meu horário. Eu falei, "eu posso entrar nesse programa em duas categorias e não consigo horário para fazer o curso, para fazer essa capacitação". Foi aí que entrei em contato com o Sebrae, porque eu sou dessas, vejo uma coisa e já vou ver o que preciso fazer para aquela coisa acontecer. Falei para eles que queria, e tinha me interessado, como chegou a mim, mas que eu não conseguia me encaixar nem no grupo de mulheres negras, e nem no grupo de mulheres 50+. Foi quando a Joice do Sebrae Santana na época, conseguiu que eu fizesse junto com as imigrantes. Então eu fiz a capacitação do Mil Mulheres junto com as mulheres imigrantes, por conta dessa dificuldade que eu estava tendo com os outros grupos que eu poderia participar à primeira vista. Fiz no Instituto São José, na Voluntários. Como eu fiz no Instituto São José, o que foi diferente para mim? Não podia ser o meu projeto, aquele do Empreenda, mas eu podia participar da formação, e seria escolhido o projeto… Todas as mulheres que estavam sendo capacitadas, teriam a oportunidade de colocar o seu projeto, seria votado e nós trabalharíamos em cima de um, e assim foi. De todas as turmas… Eram 25 mulheres… De cada turma sairia uma ou no máximo

duas que fariam a aceleração. Lá no Instituto São José, eu fui uma das escolhidas para fazer a aceleração. O projeto que trabalhamos foi um projeto para recuperação de pessoas em recuperação de drogas, cuidados com eles e a recuperação de adictos, que é o nome correto. Mas a formação que tenho, é para vida. Foi aquela formação para participar e cumprir o programa, mas com o meu certificado, eu toco aquele projeto de capacitação para as detentas, eu toco esse outro se quisermos tocar como grupo de Mil Mulheres, eu consigo passar para outras pessoas e sou multiplicadora do saber para que outras pessoas toquem outros projetos. A diferença é essa. A trajetória depois que saí do serviço

público estadual, é toda essa. Você veja que incrível, que eu consigo hoje reunir toda a minha formação, eu consigo pegar as coisas de História, consigo pegar as coisas de educadora social, consigo pegar agente de projetos sociais, consigo pegar a massoterapia, e consigo o que? Trabalhar como empreendedora. O meu curso de massoterapia me proporcionou isso, e a minha formação ajudou, todas essas capacitações que fui fazendo, os lugares que fui abraçando, e a forma como fui crescendo. Hoje aprendi a separar os dinheiros, aprendi a fazer os planejamentos, aprendi a me formalizar. Por que eu ainda não sou formalizada hoje? Porque estou às vésperas de… Aliás, não às vésperas, eu estou atrasada com minha aposentadoria. Me aposentei… Os anos que trabalhei no serviço público do governo do estado de São Paulo, como funcionária pública efetiva da educação, o INSS não reconheceu, então são quase dez anos que estão parados. Na verdade, era para eu estar aposentada desde o dia 10 de outubro de 2019. Fiz tudo direitinho para pegar essa fase da transição. Quando chego lá no dia 10, que vão puxar e dar o "enter" da vida, apareceu que eu não tinha direito. "Como assim? Está tudo okay". Puxaram e o que tem lá? Esse tempo no governo do estado de São Paulo, o INSS não constou. E aí, começou uma luta minha desde o ano passado. Não deu para eu lutar sozinha, precisei colocar nas mãos de um advogado, mas também ainda bem, que foi graças ao Mil Mulheres… No Mil Mulheres, eu fiz um curso sobre o Juntando Pontas, que foi uma parceria do Sebrae com o projeto Juntando Pontas, que capacita pessoas graduada e 50+, para trabalhar com pessoas longevas como empreendedor do cuidado social. Na minha sala, ao meu lado, tinha um rapaz, o Carlos Eduardo, que toda hora estava dando uma opinião sobre previdência. Eu falei, "esse advogado é previdenciário, vou perguntar a ele na hora do intervalo". Perguntei, e realmente ele era advogado e mexia com causas da previdência. Ele pegou minha causa, e desde lá estamos caminhando. Está perto, ele já conseguiu um mandato. Só que aí começou a pandemia, parou tudo e ficou desse jeito. Só por essa questão que estou empreendendo, estou fazendo as minhas coisas, tenho a minha página também… Aprendi isso, a mexer com as mídias, me mostrar e mostrar o meu trabalho através das mídias. Assim que sair a minha aposentadoria, eu me formalizo como empreendedora. Por que não antes? Porque vai pesar em cima de todo esse tempo que tenho, e todo esse benefício vai ficar para trás. Eu vou ter que abrir mão desta minha caminhada, e não quero, porque é um direito adquirido. Com toda essa história também, eu aprendi a pensar em mim, porque não sabia pensar em mim, eu sempre pensava em todo mundo. Tanto que parei de estudar, se eu soubesse pensar em mim, não teria parado de estudar, mesmo com toda a dificuldade e tristeza. Demorou para eu aprender a pensar em mim, mas graças a Deus eu já consigo. Por que não quero abrir mão e me formalizar agora? Porque meus filhos, todos os dois, vão continuar estudando, e aqui no Brasil, não tem mais chance de ninguém sair sonhando com mestrado, e muito menos com o doutorado, vocês sabem muito bem disso. Eles estão sendo orientados, - inclusive todos os dois já têm pré-projeto de mestrado - para sair daqui em alguma hora. Tudo está sendo trabalhado para que eles dêem prosseguimento dos estudos com orientação onde for melhor para eles se desenvolverem. O que vai acontecer? Eu ficarei sozinha. Isso já foi problema, e hoje não é mais. Eu sozinha, tenho que conseguir caminhar. Eu também quero fazer um mestrado, quero fazer em cima de aromaterapia e plantas medicinais, porque tem muito, muito conhecimento afrodescendente para ser explorado. Nós ainda temos quilombos inclusive aqui em São e temos áreas indígenas, inclusive na Zona Norte, que fazem parte da Rede Social Zona Norte também, de pessoas que vão poder me passar saberes que vão me ajudar no futuro mestrado. Eu tenho muita vontade de fazer mestrado, e para fazer isso, tenho que ter uma estabilidade. Como eu sei que essa vida de empreendedor demora pelo menos cinco anos para dar retorno, e no nosso caso, vai ser mais por conta da conjuntura que estamos vivendo, tenho que fazer as coisas muito com os pés no chão. Estou muito feliz com o que consegui, não me arrependo de ter pedido exoneração e não me arrependo de nada do que fiz nessa vida. Quando olho, quero ser exemplo. Tenho a consciência de que essa minha trajetória, pode contribuir para a trajetórias das vidas de outras pessoas. Entre as fotos que eu trouxe para ilustrar a minha entrevista, trouxe uma também apresentando uma palestra lá no Senac. Aquela palestra foi a primeira palestra que apresentei como palestrante graduada em História e pós-graduada em Políticas

públicas no Brasil. Foi também um divisor de águas, eu fiz em uma época bem importante, com algum tema sobre a consciência negra. Eu escolhi um tema gratificante para mim e também é um material que tenho para a vida, que é "A face negra de Sampa, conhecendo para valorizar". Assim, eu pude apresentar uma pesquisa dentro do que eu sabia e também dentro da minha militância, que não vai parar jamais, e mostrar o quanto de face negra tem na cidade de São Paulo, nas quatros zonas e no Centro de São Paulo. É assim.

P/1 – Ai, quanta história que você tem. Essa que você estava falando da aromaterapia… Eu estava tentando ultimamente estudar mais sobre, mas atacou a minha rinite. Acho que preciso estudar sobre.

R – Têm óleos específicos para você cuidar da rinite, cuidar com a sinergia também… Não só com a aromaterapia. Você procura Do-In com o professor Juraci Casado. É uma automassagem e ele vai ensinar você a massagear literalmente aqui assim, você massageia algumas vezes ao dia e também quando você estiver com a rinite atacada, que você vai se sentir bem melhor. Mas além desses, têm mais uns dois ou três pontinhos que dá para você mesma massagear. Às vezes, quando você estiver entrevistando mesmo as pessoas, você consegue massagear. Rinite perturba a ideia, né? Meus filhos também têm. Minha filha sofre menos, porque ela acredita mais. Também tem assim, na aromoterapia, não é igual aos remédios, que você toma para aliviar os sintomas. A aromaterapia você usa para equilibrar o organismo, para que o sintoma não apareça, então você tem que usar todo dia, fazendo de conta que é como se você usasse um hidratante. Usa de manhã, às vezes à tarde, usa à noite, e quando percebe, já equilibrou e você fica livre daquele sintoma que incomoda. É muito, muito bom, muito bom!

P/1 – Muito interessante a aromaterapia, fascinante! Estou tentando aprender,

mas acho que estou precisando de umas aulas particulares. Vou até seguir sua página.

R – Ah

pode seguir, que bom.

P/1 – É no Instagram?

R – Sim, @damarisroberto.pics

P/1 – Eu queria saber como foi fazer o programa Mil Mulheres.

R – Bom, fazer o programa Mil Mulheres foi muito bom, foi gratificante. Um ensinamento para a vida, um ensinamento que não é só para mim, é para a minha vida pessoal, para a minha vida como empreendedora e também para eu poder repartir o conhecimento com as pessoas. O Mil Mulheres fez - e faz, porque o projeto vai continuar e outras mulheres serão alcançadas - um resgate de descobrir aquele potencial que você tem. Às vezes, não é só descobrir, ele faz você valorizar o potencial que você tem e te faz conseguir trabalhar em equipes, conhecer outras histórias e fazer links da sua história com outras histórias do projeto. Você vê que além daquele projeto que é seu, você pode contribuir com o projeto de outras pessoas e vocês podem caminhar juntas, e inclusive fazer novos projetos. Eu tenho uma parceria de projetos e temos uma ideia. Ele começaria a acontecer também a partir de maio deste ano, e estava tudo esquematizado, mas está esperando lá. Sempre o foco são as mulheres. Não é porque você quer ficar levantando bandeira de mulher, é porque a mulher precisa ser cuidada, precisa ser valorizada, precisa ser tratada com respeito, precisa saber da sua dignidade primeiro, precisa dessa identificação, precisa desse sentimento de pertença e de que ela é capaz de realizar as coisas. Então é sempre voltado para ela pela carga, pelo peso que a mulher geralmente carrega e por muitas vezes as pessoas abrirem mesmo a boca para dizerem que ela não é capaz. A mulher é totalmente capaz. Às vezes falam de jornada dupla… Não. Têm mulheres que têm polijornadas. Têm mulheres que precisam saber que elas não têm que ter polijornadas, precisam aprender a dizer "não", têm que conseguir falar "eu não posso", "eu não vou", "eu desejo", "eu quero", "eu consigo"... Tem que voltar o foco para elas. Isso o Mil Mulheres ensinou muito. Você consegue caminhar com todo… Consegue ser plena, para usar uma frase que está muito habitual. Você consegue ser plena a partir do momento em que você vai colocando limites, sabendo as coisas que podem te fazer alavancar e sabendo a hora em que você tem que parar, que não precisa fazer tudo, não precisa fazer de tudo. Você até pode, mas não precisa fazer tudo. Não é tudo que tem que estar sob a sua responsabilidade. Se você fizer só o que é necessário fazer para aquele momento e para o seu limite, você vai ter um tempo para pensar em você, para cuidar de você, para pensar nos seus sonhos, para investir nos seus estudos, e para ganhar o seu dinheiro. É muito bom quando uma mulher consegue ganhar o seu dinheiro.

P/1 – E como você empreende hoje?

R – A minha forma de empreender hoje, é através da aromaterapia. O meu empreendimento é a massoterapia. A massoterapia tem várias técnicas, passa por relaxamento, passa por massagem com óleo, medicina tradicional chinesa, chiasso, Tui na, massagem desportiva… Tudo na massoterapia é com a mão, não tem essa história de aparelho. O máximo que você pode fazer é usar um bambu para fazer bambuterapia, você usa ventosa para fazer aquela massagem que nós fazemos com vácuo, e é isso. Chegou nesse momento, eu não pude mais fazer atendimentos de massoterapia como eu estava fazendo. A última vez que atendi, foi na primeira semana de março. Aliás, minha última cliente, foi literalmente dia 8 de março. Precisei suspender o tratamento dela e suspender os outros que só estavam na verdade… As agendas estavam feitas, mas os tratamentos iriam começar a partir de março. Nesse tempo, foi um novo momento de retomada e de se reinventar por conta da pandemia, então respondendo para você, hoje eu empreendo com a aromaterapia. É o carro chefe do meu empreendimento hoje, porque com a aromaterapia eu posso atender as pessoas através do Whatsapp. Eu mando as perguntas, faço a anamnese, ela me manda as respostas, e a partir delas, eu penso em um tratamento para ela, preparo a sinergia, e dou um jeito de entregar e fazer a sinergia chegar até ela. Ou a pessoa vai buscar, ou um entregador faz esse serviço, ou até dependendo, podemos entregar em alguma estação do metrô, que não seja muito longe. Se for Santana, Tucuruvi, tudo bem, não tem problema. Então eu faço aromaterapia e agrego geoterapia, que é o tratamento que fazemos com argila. No tratamento com argila, eu também tenho condições de mandar a argila e a pessoa fazer o complemento. E a cromoterapia, ela já é reconhecida pelo Ministério da Saúde, é reconhecida pela OMS, e as cores, de verdade, equilibram a saúde e ajudam no desenvolvimento do nosso organismo. A partir das cores que as pessoas preferem, eu também consigo fazer algum diagnóstico. Na anamnese também têm perguntas sobre as cores que as pessoas usam, porque uma coisa são as cores que você gosta, e outra coisa são as cores que você usa. Através das cores que as pessoas usam, eu consigo fazer a anamnese de como está a situação emocional da pessoa… E por aí eu tenho feito, empreendido com muito prazer através das práticas integrativas e complementares em saúde, especificamente

durante a pandemia. Enquanto nós não tivermos uma vacina, assim seguirá o meu trabalho de empreendedorismo.

P/1 – Como surgiu a ideia de negócio?

R – Do negócio com aromaterapia? A aromaterapia, vem junto com o pacote da massoterapia. Agora, com aromaterapia, foi porque eu fui diagnosticada agora durante a pandemia com a síndrome do túnel do carpo, que é uma doença que dá nas mãos, e conforme ela for se agravando, você não pode usar as mãos, dependendo do grau em que ela estiver e do tratamento que você estiver fazendo. E aí, eu fiquei pensando, "como vou parar? Já me reinventei na massoterapia e não quero me reinventar novamente. Vou procurar alguma coisa que eu possa fazer… Não posso me desesperar com esse diagnóstico. Eu não posso me desesperar com as agendas que foram canceladas de massoterapia… Alguma coisa eu tenho que fazer", então foi uma válvula de escape quando parti para esse lado da aromaterapia, para conseguir me realizar. Não deixo de fazer aquilo que gosto, não deixo de atender às pessoas, contribuo com a saúde e bem estar das pessoas, inclusive com o meu bem estar psicológico também, apesar dessa situação que estamos vivendo no mundo hoje. Foi dessa maneira que eu tive a ideia de trabalhar com aromaterapia. Foi muito bom

porque eu gosto de estudar, como eu já falei para vocês, então descobri pessoas e participei de congressos dentro de casa. Eu participei do congresso do Conapics, que é o Congresso Nacional de Pics. Conheci muitos profissionais que estão nessa área, muitos pesquisadores, várias universidades públicas do Brasil estão dedicando tempo,

pessoas e programas para estudar Pics. Também participei na semana passada de um simpósio. O Conapics acabou, e enquanto não acontecer outro, eles estão fazendo as coisas junto com o Coletivo Minerva. O Coletivo Minerva é da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Então depois do Conapics, a cada 15 dias, o pessoal lá do Coletivo Minerva se reúne e usa as plataformas, e vários estudantes, de várias universidades, participam da plataforma naquele dia. É um aprender constante que tenho conseguido. Enquanto estava acontecendo esse Conapics, apareceu também o simpósio de Pics. Ele foi feito há duas semanas, pela Universidade Federal de Feira de Santana. Foi outra grata surpresa. Conheci outros pesquisadores e

conheci pessoas que estão trabalhando lá no Maranhão com a história das plantas. Lá no Maranhão, a professora que coordena o trabalha na Universidade Federal do Maranhão, está direcionando para a população indígena que tem lá, com o uso de plantas conhecidas mesmo do dia a dia, para ajudar na saúde, com aromaterapia mais as plantas medicinais. Aí, no contato com essas pessoas, que me despertou a vontade de fazer um mestrado voltado para o conhecimento da população afrodescente quilombola do estado de São Paulo e também da população indígena em São Paulo. Nós temos inclusive os indígenas lá no Pico de Jaraguá, que está dentro da nossa região, que é a região Norte. Temos muito a agregar. Na verdade, eu ter descoberto e querer ir para o lado da aromaterapia, não foi só para sair da pandemia, não foi só para conseguir uma nova forma de sustento e de empreender. É uma forma de imersão no estudo para não sei o que mais vir aí pela frente. Então, estou muito contente. Foram duas dificuldades que apareceram, a história na pandemia, e a da síndrome do túnel do carpo. Ainda que… Não sei como vai se encaminhar. Eu já estou com um encaminhamento para o Hospital São Paulo. Quarta-feira, dia 16 de setembro agora, vou passar para ver se vai ser necessário cirurgia ou não. Mas ainda que seja necessário, ainda que eu tenha que parar

porque uma das coisas que preciso fazer é repouso… Mesmo que eu tenha que ficar de repouso por um certo tempo, a aromaterapia foi a válvula de escape em que eu consegui pensar naquela aula de chuvas de ideias que teve no projeto Mil Mulheres. Então é só deixar as ideias caírem, para depois você agrupar e direcionar as suas ações.

P/1 – E como é a sua rotina como empreendedora?

R – A minha rotina de empreendedora é primeiramente de estudo. Eu preciso estudar muito para conseguir lidar com a saúde e com o bem estar das pessoas. Na verdade, cada pessoa que chega a mim, é uma responsabilidade muito grande, porque… Primeiro, estudar bastante, porque a responsabilidade da saúde e bem estar das pessoas que confiam no meu trabalho, acaba sendo… Eu sou co-responsável. A minha rotina é assim, primeiro me dedicar aos estudos, me dedicar à pessoa individualmente, estudar o caso da pessoa… A partir do momento em que ela faz o contato, eu envio as perguntas, ela manda as respostas, estudo o caso, e devolvo o diagnóstico para elas, com a indicação daquilo que consegui apurar do histórico de vida delas. Eu faço isso através do Whatsapp e vou acompanhando a vida das pessoas. Eu não entrego a sinergia… Óleo eu dificilmente entrego, porque óleo essencial não pode ser usado sozinho. Têm só dois deles que podem ser usados sozinhos. A pessoa às vezes pode usar… Tem que usar em um difusor pessoal, mas tem que ter cuidado. Muitos deles queimam a pele. Apesar de serem produtos 100% naturais, existem sim óleos essenciais que são contraindicados. Pessoas com algumas patologias não podem usar determinados óleos, crianças quase sempre não podem usar nenhum, grávida nem pensar - só a partir do quarto mês de gravidez e assim mesmo com autorização do médico, e também não são todos os óleos… Essa rotina de proximidade com as pessoas. Eu procuro manter um diálogo com as pessoas, então eu não vendo, passo a sinergia e acabou a história. Eu vou acompanhando o denserolar da pessoa. É literalmente um acompanhamento. Já repeti, mas é isso. Eu empreendo com cuidado, e tiro um tempo do dia para falar com aquela pessoa. Não são várias pessoas também. Como é uma coisa nova, que surgiu depois da pandemia… As redes eu lancei em julho e também não foi de propósito que lancei em julho. Vocês vão sempre me ouvir falar em questão racial. Vai ser muito difícil vocês me encontrarem em algum lugar que eu não fale sobre isso. Toda vez que eu puder contribuir para que as pessoas reflitam na situação da maioria da população brasileira - não sou eu que estou dizendo, quem diz é o IBGE - toda vez que eu puder contribuir para que a reflexão seja feita, eu vou contribuir. Como que eu resolvi fazer as pessoas saberem dessa minha nova empreitada com a aromaterapia? Foi no dia 25 de julho, porque é o dia em que comemoramos o dia internacional da mulher negra afro, latinoamericana e caribenha. Nessas minhas andanças, desde o primeiro curso que fiz… Como disse para vocês, o primeiro curso de massoterapia era voltado para a área estética e eu não me vi, nem vi as mulheres que conhecia nem no curso, nem nos atendimentos. Na saúde e bem estar eu vejo, porque a saúde está para todos, mas nas salas de aulas, eu também não vi. Eu era uma das poucas na sala de aula. Na foto mesmo do técnico que eu trouxe para ilustrar a minha entrevista, vocês vão ver que eu não estou falando nada que não seja verdade, só tem eu lá. Quando eu entrei na pós-graduação de Pics, só era eu também. Eu falei, "então eu vou marcar essa data, do dia internacional da mulher negra latinoamericana e caribenha, em São Paulo, neste ano de 2020, no meio da pandemia, quando não posso trabalhar, vou lançar as minhas páginas, porque vai ser um marco para esse dia, vai ser um marco para mim, vai ser uma superação de uma dificuldade e vai ser um jeito de atender e fazer as pessoas chegarem a mim. Eu poderei usar dos meus conhecimentos, mesmo com nós todos vivendo essa restrição, para realizar algo. É assim". Eu te digo, na verdade, não tem uma rotina cansativa, porque as pessoas estão chegando. Só que está sendo muito bom ver as pessoas chegando, e está sendo melhor ainda elucidar as dúvidas que as pessoas têm, porque de repente parece que falar sobre aromaterapia virou moda. Não é moda. É uma técnica que é usada para o atendimento da saúde das pessoas. Nessa de reinventar, não tem tempo para você cair em uma rotina, tem tempo para você ficar inovando.

P/1 – Para você, o que é ser uma mulher empreendedora?

R – Para mim, ser uma mulher empreendedora é ser uma mulher com liberdade, é ser uma mulher com visão de águia em todos os sentidos, até naquele sentido de que a águia tem hora que tem que arrancar seu bico, suas penas, suas unhas, e se refazer. Mas é um jeito de você voar alto e se realizar. Você cair alto sabendo das dificuldades, porque não é um mar de rosa. Fazer essa caminhada de empreendedorismo, é difícil, sofrido, é uma coisa que exige de você fé, esperança, determinação, resiliência e muita persistência. Ser uma mulher empreendedora, eu posso dizer que é ser uma mulher realizada. Hoje eu sei onde quero chegar, sei o que quero planejar, sei das minhas limitações, sei onde preciso melhorar e cada dia preciso melhorar, não sei tudo. Como esse atendimento é individual, e particular, tenho que me renovar todos os dias, para buscar excelência, porque preciso trabalhar bem para que o meu negócio fique bem também. Então, posso dizer que ser uma mulher empreendedora, é ser livre, com voo alto e também com muita responsabilidade.

P/1 – Queria perguntar qual é a sua relação com a Zona Norte.

R – Eu amo a Zona Norte (risos), eu não consigo me ver fora da Zona Norte. Aliás, eu costumo me perder muito fora da Zona Norte. Apesar de ter trabalhado muito tempo com pesquisa, com a maioria das pesquisas que fiz, tive a oportunidade de trabalhar na Zona Norte. Tiveram épocas em que fui em outras zonas da cidade, mas fiz muito, então amo a Zona Norte, porque é uma zona que tem de tudo. Muitas vezes ela não é usufruída da maneira que merece, não é conhecida da maneira que merece… Às vezes, têm lugares que são mais conhecidos que a Zona Norte, mas ela tem história e muito lugar para gente crescer e fortalecer. Eu creio que ela precisa de mais entretenimento e de mais ações culturais, mas ela é uma zona que impulsiona. Tem a Rede Social Zona Norte, que reúne todos os empresários, ou muitos dos empresários da Zona Norte. Foi um programa que foi pensado pelo Senac há alguns anos. Não posso precisar a quantidade de anos, mas foi pensado pelo Senac Santana. Depois do Senac Santana, teve o pessoal da própria Rede Social Zona Norte que ficou comandando depois que o Senac saiu. Hoje, essa rede está também vinculada junto com o Sebrae. Tem o Instituto Center Norte que tem muitas ações conosco, têm as ações de voluntariado que acontecem na Zona Norte… A Zona Norte é rica, riquíssima. Eu entendo que precisamos de um pouco mais de união. Assim também como ela é muito rica em muitas coisas, ela… Não estou falando de cifrão, estou falando rica de conteúdo. Ela também tem muita coisa para ser alcançada. Eu posso falar mais ou menos do meu lado, que é Jardim Brasil, depois tem o Jaçanã… São comunidades e bairros que estão prontos para serem trabalhados, para que as coisas possam acontecer e serem despertados para o potencial que a região toda tem. Então

eu amo muito a Zona Norte, é uma zona que tem saída para você realizar várias coisas na sua vida. Às coisas são próximas, a condição de acesso é muito próxima… Mas é uma região como todas as outras da nossa cidade que precisa ser vista com mais zelo e com mais cuidado do poder público. Por melhor que seja um lugar, ele sempre precisa de atenção e sempre pode ser melhorado. Não sei se foi aqui que comentei ou um pouco antes de eu entrar, do córrego que tem na minha rua, no final da minha rua. Esse córrego sempre foi uma história lá na minha rua. O sapê já não existe mais, perto do córrego tem uma creche… Graças a Deus, o córrego ali naquele pedaço, não transborda, mas é uma luta a respeito da higiene, do próprio saneamento, da proliferação de insetos… Eu nasci na Lapa, mas meus pais já moravam naquela casa em que eu moro. Tenho 60 anos, e ano que vem, se Deus permitir, vou fazer 61 anos, e a minha vida toda aquele córrego está lá, e ninguém nunca deu jeito nele. Então, a Zona Norte é maravilhosa, tenho um belo relacionamento com ela, lá tem de tudo, é uma zona promissora, mas é uma zona também que em muitas coisas, o poder público deixa a desejar. É nessa hora que falo que precisamos nos unir, porque tudo que a gente consegue de benefício no lugar onde a gente mora, é através de política pública. Você não perguntou, mas também não posso deixar de falar por conta do meu histórico e da minha formação de tudo que faço nessa vida, que todo mundo faz muito alarde com a eleição presidencial no nosso país, mas eu não vejo as pessoas se preocuparem… Tinha o tempo em que os movimentos populares eram fortes, hoje em dia não são mais. Isso lá para a década de 80 e 90, hoje em dia os movimentos populares não são mais fortes. As pessoas não falam para os cidadãos que a eleição mais importante para nós, são essas que vão acontecer agora. As eleições mais importantes para todo brasileiro são as eleições municipais, e as pessoas não sabem nem em que vereador votaram na eleição passada. Estou falando de um assunto que muitas vezes incomoda, mas as pessoas querem ficar olhando pelo lado de partido. Não estou olhando pelo lado de partido, estou olhando pelo lado do governo, da manutenção e administração da cidade, da câmara dos vereadores do seu bairro, da sociedade Amigos de Bairro que você precisa participar, das reuniões de condomínio… Porque é ali que a coisa acontece. Então, a partir do momento em que as pessoas forem se conscientizando de que a esfera política que mais atinge a vida delas, que a feira na cidade delas, o córrego, a pavimentação, o número de linhas de ônibus, o pronto socorro, o atendimento do Sus, tudo ali está relacionado às eleições municipais, muito vai melhorar a cada eleição, e eu vou amar ainda mais, meu relacionamento vai ser ainda melhor com a Zona Norte.

P/1 – A gente falou sobre muita coisa aqui, mas teve um tema que passou, tinha muita coisa para falar. Eu queria que você falasse um pouco do seu casamento, dos seus filhos, a maternidade na sua vida.

R – Do meu casamento, eu não tenho muito que falar, porque foi uma coisa que eu esperei tanto. Eu não casei nova, casei já por volta de 30 anos. Eu desejei, como disse, eu escolhi casar, parei inclusive de estudar, porque na época já fazia História. Eu parei, porque na época nós decidimos comprar terreno, construir casa, enfim, viver um pouquinho fora, em Franco da Rocha, que apesar de ser uma região mais periférica do que onde eu morava, em questão assim, de ar, era melhor, com menos poluição para as crianças. Eu também não conseguiria comprar um lugar na Zona Norte, e não iria ficar morando na casa do meu pai. Lógico, o casamento foi bom, se não eu não teria casado. Eu quis casar, então estava acreditando, colocando uma fé naquilo que estava fazendo. Só que também, do mesmo jeito que coloquei fé, acabei me decepcionando muito. Foi uma história que não durou nem mesmo cinco anos. Também não acabou porque eu quis, tem mais esse agravante. Eu não quis acabar com esse casamento, até porque eu tinha sido criada entendendo que o casamento era para sempre, então foi uma situação muito dolorosa de ser deixada. Meu ex marido entendeu que ele não tinha nascido para casar, só que ele entendeu isso quando nós já tínhamos dois filhos. Ele decidiu sair de casa, saiu em outubro de 1998… Passou 1998, 1999, 2000… Em fevereiro de 2001 que nós nos divorciamos e eu fiquei com as duas crianças.

Os meus filhos são maravilhosos, eu amo meus filhos. Eu sempre quis ser mãe também. Eu sou mãe do Naum Roberto Gomes, ele nasceu no dia 21 de fevereiro de 1995, e sou mãe da Dara Roberto Gomes, que nasceu no dia 26 de setembro… Minto, falei a data de aniversário do Naum errada, deixa ele me pegar. O Naum nasceu no dia 21 de fevereiro de 1994, e a Dara nasceu no dia 26 de setembro de 1995. Então, os meus filhos são uma realização muito grande para mim. Durante muito tempo, eu vivi em função deles. Errei, mas vivi em função deles… Eu tinha um objetivo para isso… Na verdade, eu também tinha muito medo de perdê-los, e me esforcei ao máximo para cuidar muito bem deles, e enquanto cuidava deles, deixei de cuidar de mim, essa é a verdade. Eles não têm culpa disso, foi também uma escolha que eu fiz. As duas gravidezes foram de risco. Na gravidez do Naum, eu também fui agredida e muito violentada pelo médico, porque ele achou que minha barriga estava muito grande. E era médico de convênio, para ver que quando o profissional não está com vontade, ele não está. Ele pediu para que eu fizesse um ultrassom, porque achou que minha barriga estava grande demais, e acontece que na família do meu ex marido, tem muito histórico de gêmeos. Eu disse isso para ele, e nós pensamos que poderia ser gêmeos. Fui fazer o ultrassom, e quando fiz, deu que era mioma. Não eram duas crianças, estava grande daquele jeito, porque era mioma. O médico queria, porque queria que eu fizesse aborto, porque engravidar, eu poderia engravidar de novo, então era para eu abortar. Eu saí de lá arrasada do consultório e falei, "não pode ser assim, tem que ter alguma alternativa", uma porque era uma coisa que eu queria demais, estava muito feliz com a minha gravidez. Eu cheguei na Cet aos prantos e as meninas pegaram e me indicaram um outro médico, ali na Avenida Angélica, o doutor Flávio Roberto que tem meu respeito até hoje.

Ele conduziu totalmente diferente, pediu outros exames, me deu uma vitamina, deu um remédio para o meu útero não contrair… Realmente existia o mioma, mas ele fez de tudo para que eu conseguisse cuidar bem de mim e do bebê. Então está lá o Naum, graças a Deus com 26 anos, formado. Então, não precisei fazer aquela violência, que para mim

na época, era assim, uma violência. A história era de que eu deveria fazer um tratamento depois que o Naum nascesse durante dois anos, depois passar por uma cirurgia, e só depois pensar em uma gravidez, só que não aconteceu assim. Eu engravidei da Dara quando o Naum tinha uns dez

meses mais ou menos (eles têm um ano e sete meses de diferença). Foi muito complicado, mais difícil ainda. Na gravidez do Naum, eu fiz muito repouso, fui internada antes para fazer a cirurgia… Depois da cirurgia, eu fui para casa ainda com o mioma. Quando eu engravidei da Dara, engravidei em cima do mioma de novo, e foi uma gravidez conturbada também. Foi na gravidez dela que desenvolvi a hipertensão, então deu um pouquinho de trabalho, mas eu sou extremamente feliz com eles. As pessoas falam que é difícil achar uma paulistana, uma paulista que nasceu no bairro da Lapa… Uma área central de 60 anos atrás, mas os meus filhos também passaram por isso. Eles também nasceram no Hospital Santa Catarina, então eles são paulistas, paulistanos, que ainda se deram o luxo de nascer em um hospital na Paulista (risos). Eu amo meus filhos, eles são pessoas responsáveis, foram muito comprometidos com o estudo deles também. Como eu disse, me esforcei muito para isso. O meu bairro é um bairro que como a maioria dos bairros periféricos de São Paulo, é muito voltado para comércios ilícitos. Na minha rua, não é diferente. Eu com essas duas crianças, a minha preocupação era como fazer com eles para protegê-los, já que eu tinha que trabalhar, e não queria deixá-los. Passou aquele tempo que eu tinha que cuidar deles e do meu pai. Na hora que meu pai faleceu, em 2001, ficou bem complicado para mim. Eu tive que me reinventar para entrar no trabalho, foi quando eu entrei naquele trabalho de pesquisa. Eu tinha que guardar meus filhos em segurança. Primeiro eles ficavam um tempo com familiares, mas depois, as pessoas não gostavam muito, ainda mais que no trabalho de pesquisa, eu não tinha tempo para voltar. Enquanto eu não conseguia terminar aquele tanto de pesquisa que tinha para fazer, eu não podia voltar. Quando as pessoas viram que eu dava conta de fazer as pesquisas, colocaram mais. Na época, como recebíamos por pesquisa, para mim era vantagem trabalhar mais, porque eu teria mais condição para sustentá-los. Eles ficavam junto com pessoas, e isso era ruim. Até que eu descobri que existia um lugar chamado Centro da Juventude, que era como se fosse uma creche para crianças maiores, acima dos sete anos. Muda o governo e muda de nome, mas elas existem até hoje. Então, é um lugar onde as mães podem deixar seus filhos em segurança, e que vai no contraturno da escola. Eles iam para a escola, da escola a perua levava até esse lugar, eles passavam a tarde no CJ da Vila Medeiros, minha prima ia buscar, levava para a casa dela, deixava eles lá até que eu voltasse do trabalho, eu voltava a noite, passava, saía arrastando para casa, e assim foi. Eles podiam ficar lá no CJ até 15 anos, mas eles não aguentavam mais essa rotina e eu tive que tirá-los de lá, mas também não os deixei em casa. Eu descobri o Centro de Línguas, que é um programa que tem do governo do estado de São Paulo, onde as crianças podem aprender outro idioma, também no contraturno escolar. A partir do sétimo ano, elas podem fazer isso. Se elas não trabalharem… No sétimo, oitavo e nono ano, elas fazem uma língua. São três anos de curso para cada idioma. No primeiro, segundo e terceiro colegial, eles podem fazer outro idioma. Coloquei os dois, então eles faziam o curso, depois iam para o curso de línguas no colégio lá no Tucuruvi. O Naum é fluente em francês por conta do centro de línguas e a Dara fluente em espanhol, também por conta do centro de línguas. Eles já escolheram cada um a língua que queria fazer, já com a perspectiva do curso que queriam para se encaminhar na vida. Quando acabou essa época do Centro de Línguas, eles entraram no Colégio Caetano de Campos. Também tinha essa, eu procurava os melhores colégios para que eles entrassem, porque queria que eles estudassem o que tivesse de melhor para terem uma qualidade de ensino. Eu tinha aprendido lá no grupo de estudantes negros, que para entrar na universidade pública, eles tinham que ter um ensino de qualidade. Um ensino de qualidade, eu conseguia nas melhores escola públicas e fiz de tudo para os meus filhos entrarem. Eles entraram no Colégio Caetano de Campos… A Dara não, ela não entrou de primeira. Depois, no ano seguinte, ela entrou. Eles fizeram o ensino fundamental, fizeram o idioma, e entraram no ensino médio no Colégio Caetano de Campos. Naquela época, para fazer o técnico… Depois do primeiro ano do ensino médio, eles podiam concorrer ao técnico, e eu não os queria em casa, lembra? Falei, "podem escolher o técnico para vocês fazerem". Eles fizeram um outro Vestibulinho e fizeram o técnico lá também. Eles faziam o ensino médio e o técnico ao mesmo tempo. Eles terminaram o médio, e o Naum é técnico em audiovisual pelo colégio Caetano de Campos, e a Dara é técnica em cozinha, com ênfase em gastronomia, também pelo colégio. E ainda sobrava um espaço de tempo. Eles gostavam de tocar e eu não podia pagar aula de música para eles, mas eu descobri o projeto Guri. Coloquei os dois no projeto Guri, então o Naum toca bateria e a Dara toca violão. Os dois são formados pelo projeto Guri. A Dara fez audição na Sala São Paulo, eles dois participaram do CD de gravação e do livro de 15 anos do projeto Guri, porque foi na época em que estavam lá. A Dara até já tocou também no Ibirapuera, com o projeto Guri. Eu amo meus filhos, você foi mexer em um lugar que eu adoro falar. Depois disso, eles fizeram cada um seu médio e seu técnico. Eu falei, "se der algum tropeço na vida, pelo menos já estão formados em um curso técnico, em uma coisa que vocês gostam e que vão desempenhar bem". Depois, cada um escolheu seu curso. O Naum fez Cinema de Animação na Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Eu estava achando tudo muito bom, até que fui descobrir onde era, que se ele espirrasse em Pelotas, alguém iria ouvir o espirro no Uruguai, mas até aí eu já tinha concordado. Aqui em São Paulo, o único lugar que tinha o curso que ele queria, era em uma faculdade particular, e não tinha como arcar. Ele passou no vestibular tanto em Pelotas, quanto na Federal de Minas Gerais. Depois, a Dara fez o vestibular dela e passou na USP. Ela é formada em Lazer e Turismo, e também fez bastante disciplinas de políticas públicas, porque ela dá essa condição de fazer outras disciplinas que você queira, tem mais esse benefício na universidade pública. Ela é formada também, aliás a colocação de grau dela foi na semana passada. Foi só ela, por conta da situação, então foi um pouco triste, porque no ano passado conseguimos fazer uma festa nós três lá na formatura do Naum, e esse ano não deu para fazermos a festa lá na formatura dela (choro), mas foi uma caminhada premiada, e eu estou feliz com a realização dos dois, com o que eles representam na minha vida, com o que eles fizeram. O Naum foi monitor lá Federal de Pelotas, chegou a substituir um professor na época em que o professor precisou ir para um congresso. A Dara já participou de um programa que auxiliava os jovens estudantes negros nos seus projetos de mestrado. Então, o projeto de mestrado dela está preparado e supervisionado. O do Naum também,

tem supervisão do projeto de mestrado dele lá dentro da própria universidade. Na universidade, ele também pôde melhorar o francês dele, teve cadeira específica para isso. Então, é uma alegria. Todo mundo ficava me perguntando porquê eu não colocava eles para trabalhar e eu dizia, "porque não me interessa. O que eles vão ganhar ali fazendo um serviço… Sem desmerecer o serviço das pessoas, mas o que eles vão ganhar, não vai resolver a nossa situação, então eu prefiro que eles estudem, que consigam boa formação, que consigam ter alicerce e consigam fazer um bom currículo. Que façam estágios dentro da formação deles, e depois prossigam o caminho". O Naum, com essa coisa do audiovisual, fez um curso no Senac Santana, em que eles preparavam jovens no mercado de trabalho. Ela também fez, mas ele começou a trabalhar… Nessa época, eu estava na graduação e descobri o Instituto Criar, que é um instituto de TV, cinema e novas mídias. Ele entrou, e o que tinha aprendido, aprimorou lá. Foi lá que ele decidiu fazer Cinema de Animação, e já começou a trabalhar também. Ele saiu do estágio, pronto para entrar na universidade e descobrir novos horizontes lá. A Dara, a mesma coisa, saiu lá, e ela passou… Eu fui levar as domas dela para lavar, porque lavava e engomava e como eu não tinha tempo, tinha que pagar para fazer isso. Quando eu venho andando com todo cuidado, falei "vou perguntar se eles aceitam estagiário, não custa nada". Perguntei com essa cara que Deus me deu se eles aceitavam estagiários e eles aceitavam. E mais, o Rodrigo tinha estudado lá, além do mais. Eu falei com a minha filha, ela levou o currículo lá, enfim. Então, eles têm coisas de peso. Eles já saíram do ensino médio, formados, com idioma, e saíram com estágios em lugares que só tinham para alavancar. A Dara foi estagiária do Mocotó, quer dizer, todo mundo sabe o que é aquele lugar, o que é a Zona Norte, o que é uma pessoa ali dentro da Zona Norte ter estudado. Meus filhos mãos são ets, eu não sou et. A gente só saiu atrás das oportunidades, fomos abraçando as oportunidades que a vida nos dava e procurando fazer cada vez melhor. Eles estão então os dois, por enquanto, sem contrato, porque os contratos recém acabaram. Agora, tem que ver para onde que as coisas vão se encaminhar, mas os dois estão trabalhando. O projeto de mestrado da Dara é de lazer e turismo dentro da periferia, esse é o TCC e projeto de mestrado dela. Ela tem o projeto Mulungu, o projeto Artistas Vivos que já aconteceu dentro da Casa de Cultura Vila Guilherme. Poxa, a colação foi semana passada, e essas coisas já aconteceram desde 2019. O Projeto Mulungu, o projeto Artistas Vivos, aconteceram dentro do Programa Jovem Monitor, dentro da Biblioteca Vila Maria. Foi pensado em uma outra capacitação dela também. O que é mais legal nessa história? Eu deixei de fazer muita coisa por eles, falei que tinham que estudar e não precisavam se preocupar com trabalho, porque eu conseguia aguentar, mas foi até essas coisas que estou falando. A última coisa que fiz foi mostrar onde era o ________[02:43:20]. De lá para cá, eles estão caminhando com a perna deles. Cada vez, eles arrumam um novo curso, um novo grupo de estudo… Os contatos que eles estão fazendo, já não dependem mais de mim. Foi uma semeadura, cuidei da terra. Foi difícil cuidar dos dois sozinhos? Foi muito difícil. O próprio pai deles falava que eu não era classe média para ficar incitando as crianças a entrarem em uma escola pública. Então foi bem difícil arar a terra. O Naum foi para longe, sem conhecer ninguém. De primeira, eu era louca de comprar as coisas, mandava, porque sabia que até ele aprender a andar por lá e ver como as coisas aconteciam, até sair… Quando eu descobri… Quando eles entraram, não sabia que existia essa história de permanência estudantil para os jovens. Alunos de lá que contaram para eles e aí foi mais suave a caminhada dele dentro da universidade, por conta disso, da permanência estudantil, que é permitida por lei para os estudantes. E ver onde meus filhos chegaram... De uma certa forma, eu me emociono muito quando falo, mas ver meus filhos formados e onde estão, é a coroa daquela caminhada, daquele congresso de estudantes negros que falei para você que eu participava em 88, 89. Então, eu tenho muito prazer, amo ser mãe, gosto demais dos meus filhos… Lógico, me estresso com eles, são pessoas diferentes. Principalmente meu filho que saiu e ficou seis anos e meio morando fora. Agora, ele voltou e parece que é uma pessoa nova dentro da minha casa, mas enfim, são os caminhos por onde a vida nos levou também. A minha filha também é muito diferente. Eles têm todos os valores que eu passei, mas cada um tem a sua personalidade, cada um tem o seu jeito de ver a vida, cada um fala "não, mãe, não é assim", de um jeito que às vezes não estou nem esperando e de um jeito que eu jamais falei com o meu pai, e muito menos com a minha mãe. Apesar de ter vivido com ela só até os 15 anos, jamais eu conversava com a minha mãe do jeito que eles conversam comigo, mas eles têm essa liberdade. Eles têm principalmente essa coisa de não ter as coisas só para eles, sempre estão sendo multiplicadores. Eu já vi pessoas entrarem na universidade por conta do exemplo deles, já vi pessoas dialogarem com eles… Assim como tiveram outros jovens para nos falar a respeito da permanência estudantil, eles também têm tido oportunidade de instruir outros jovens, sabe? E isso é muito gratificante. É isso.

P/1 – Eu queria saber o que você achou desse projeto para mulheres empreendedoras contarem a sua história.

R – Olha, esse projeto para mulheres empreendedoras contarem as suas histórias, eu achei o máximo. Vou falar, já sabia que existia o Museu da Pessoa. Uma vez, quando vi em uma reportagem, fiquei cheia de vontade de contar a minha história, porque eu amo contar a minha história, amo mesmo. Uma

porque consigo recordar, e outra porque tenho absoluta certeza de que a minha história ajuda outras pessoas. Achei muito interessante, porque precisa ser contado, precisa ficar o registro. Isso não é só um projeto, é um registro histórico, é um documento histórico. Isso aqui é uma coisa que vai ficar para sempre, mesmo que não fique exposto todo tempo, mesmo que seja uma coisa sazonal, esse acervo está para… Nem sei quantas pessoas vão ter acesso a esse acervo. Se não estiver exposto, mas tiver a curiosidade de procurar, se despertar a curiosidade, as pessoas vão se atentar, vão crescer, vão admirar, muitas vezes vão chorar, vão se descobrir e vão saber que é possível sim, que as coisas acontecem. Assim, vão ver as histórias, toda vida, toda caminhada, ver que toda pessoa tem dificuldade, mas a sua não é maior do que a minha, a minha não é menor do que a sua. As pessoas se completam, as histórias se fortalecem, as histórias fazem alavancar e engrandecem também a cidade. Às vezes as pessoas estão fora da sua cidade. Eu sou privilegiada por ter um museu que existe dentro da minha cidade, de ser paulistana, de estar participando, mas têm pessoas com outras histórias, pessoas que vieram de outros lugares, que passaram por outras situações, que passaram por outras dificuldades, dentro desse grupo desse projeto de mulheres empreendedoras da Zona Norte. Achei que vocês foram extremamente felizes de tocarem esse projeto. Estou muito feliz e lisonjeada. Sou uma privilegiada de ter sido uma das escolhidas para dar a minha contribuição para esse projeto, de estar falando de mim e da minha vida, com muito prazer.

P/1 – E o que você achou de contar a sua história?

R – Eu amo contar a minha história. Eu achei muito bom. Eu amo! E têm coisas ainda que acabei passando, coisas que não lembrei de falar, coisas que não estão dentro daquilo que vocês estão perguntando… Tem muita coisa ainda que não falei. A minha história é meio assim mesmo, vou, volto, relembro, reinvento… Eu gostei demais. Têm outras caminhadas de outros movimentos de mulheres. Eu tenho minha história contada em um livro, como eu disse. E não é só a minha, foram as histórias de 14 mulheres contadas no livro "Pérolas Negras". Eu até tomei a liberdade de trazer um exemplar e vai ficar aqui. Assim, é muito bom contar a história, eu amo contar, e amo a minha história também. Têm tanta coisa triste, tem tanta coisa que eu consegui superar, têm coisas que descobri, coisas em que me aceitei… E quando a minha psicóloga me falou que o que me segurava era o meu medo? (Risos). Falei, "como que com tudo isso que eu fiz, ela vem me falar de medo?", todos esses questionamentos eu fazia depois da sessão, não fazia para ela. Não sei se vocês já fizeram terapia. Você não tem esse espaço de ficar questionando com ela. Elas jogam a pergunta, você responde, e no final das contas, nas suas respostas, você encontra a resposta para sair dali de onde você está. Quando eu ia para casa, perguntava, "que história é essa?", e quando eu assumi que sim, tinha medo, que era medrosa… Aliás, até aqui eu falei que tinha medo, que quando me separei, tive medo de perder os meus filhos, então achava que tinha que me desdobrar para ter tudo ali. Além do meu amor por eles, além da minha responsabilidade, eu ainda tinha medo de alguém da família deles virem e levarem as crianças para viverem em uma "condição melhor". Então, teve essa história do medo, teve a história de eu aprender a dizer "não", e às vezes têm pessoas que não sabem fazer isso, têm muita dificuldade. Eu sempre gostei de ajudar as pessoas. Nas minhas fotos para ilustrar a entrevista, eu trouxe algumas que mostram isso. Meu próprio trabalho de envolvimento no CLAM, é de ajudar as pessoas. Só que durante muito tempo, eu passei por cima de mim para ajudar as pessoas, e aí já não é bom, aí você já não pode fazer. Isso tudo eu fui aprendendo em cada lugar que fui passando e me capacitando. Nesses programas de mulheres, nessas oportunidades que dei para a vida de me enxergar, e quando comecei a parar, me ouvir e também ouvir o que as pessoas estavam falando. A coisa que acho que fiz de errado e também não sei se as pessoas vão entender, foi parar. Porque na verdade, quando voltei para a faculdade, foi quando as crianças já estavam meio que terminando o ensino médio. Isso, acho que não deve... Se alguma mulher tiver um filho em idade escolar, eu vou dizer para ela que a vida escolar dos filhos dela é deles, e a dela é a dela. Então, se tem vontade de estudar, que vá e faça enquanto eles estão estudando, porque vai ser melhor para ela, do que esperar a caminhada deles, e depois fazer. Vamos supor, "meu filho vai para a escola de manhã e eu não consegui terminar minha oitava série, não consegui terminar meu ensino médio"... EJA! Lembrei! Você acha um EJA que funcione de manhã, quando voltar a funcionar, e faça de manhã. Manda seu filho, e vá você também. Agora, não

mande seu filho, volte, faça alguma coisa e acabe se deixando para trás. Não vai também sair, trabalhar o dia inteiro, deixar seu filho sozinho… Você precisa fazer alguma coisa para o seu crescimento. Eu gosto de contar a minha história, gosto que as pessoas vejam a dificuldade, gosto que as pessoas vejam a saída, e gosto de hoje conseguir enxergar uma saída antes de me desesperar. Aí é que está. Como eu consegui depois de encarar essas duas dificuldades simultâneas? A pandemia, o novo diagnóstico, e pensar… Foi treino. Não foi de uma hora para outra, não foi dentro de casa, e com todo respeito, não foi assistindo receita de bolo, sabe? Não foi falando de uma vizinha aqui e outra vizinha ali. Eu já tenho essa vantagem também, que nem muitos vizinhos eu tenho. Eu moro na casa que era do meu pai, mas os vizinhos antigos, ou morreram ou se mudaram, então são todos novos. E também com aquela vida que eu tinha de estudar, sair cedo, sair da escola e emendar com trabalho, vir direto para casa… Não tinha muita chance, não tem essa história. É, "bom dia", "boa tarde", "olá, tudo bem?", "está bem de saúde?", a política da boa vizinhança. As pessoas precisam saber que o tempo pode ser empregado de uma maneira melhor. Por exemplo, eu fiz há pouco tempo… Eu estava na Rede Social Zona Norte. Estava o pessoal da rede, e a Joice do Sebrae também mandou, uns cursos online que a Puc do Rio Grande do Sul está fazendo. Eu fiz o que o professor Karnal lecionou… Coisa de três semanas. Ele chamou atenção para uma outra coisa, de que às vezes as pessoas ficam falando que não têm tempo. Tanto ele falou, quanto a professora Luiza também falou muito disso, de que as pessoas acham que não têm tempo de fazer e mudar sua história, mas têm tempo de ficar no Whatsapp. Você sabe… Eu fiz um teste comigo dos grupos que pertenço e que são grupos que gosto. Mas só do grupo de mães, eu vi quanto tempo eu gastava para ler todas as mensagens, para ler a mensagem na hora que chegava e estar antenada com as coisas. Um dia eu não vi e contei… Contei não, porque mostra quantas mensagens chegaram. Eu fiquei pensando, "meu Deus, quanto tempo eu gasto para ler cada mensagem dessa e para responder, ou interagir, se achar que devo interagir?". Então uma coisa que já descobri, eu vou separar um horário para fazer isso. Não importa se perdi alguma coisa que passou, não está importando nada, o meu horário de ver isso vai ser, sei lá, 21 horas, então 21 horas eu vou passar pelos grupos. "Tenho que fazer alguma coisa urgente", então, aquela coisa urgente eu vou fazer a hora que precisar ser feita, e as demais, vão ter que entrar dentro de um esquema, de um planejamento. Foi uma coisa que aprendi também a fazer nessa história de aprender a empreender, de aprender a melhorar o tempo, de aprender a otimizar e de aprender a estar sempre buscando conhecimento. Vamos supor, umas 150 ou 180 mensagens que deixo de ler e que deixo de responder naquela hora que mandaram, e que não seria uma coisa tão importante assim, é um tempo que posso aplicar em outra coisa. Ver um filme, assistir um documentário, ver alguma coisa que realmente vai agregar valor à minha existência. Não dá para gente ficar fazendo de tudo, e deixar uma interação que acontece fora do tempo que ela precisa acontecer, te prejudicar. Você tem que saber falar "não", se posicionar, dizer "eu quero", "eu desejo", "eu vou", "eu não vou", "isso é bom", "isso não é", "isso me dá medo", vencer o medo… Ter medo também é bom, mas não pode ter aquele excesso de medo para te paralisar. Tem medo que vai te fazer querer vencer e você vai passar por ele, então ele é bom. Só não pode deixar te paralisar. É cuidar muito do emocional. Eu gosto de falar para as pessoas que a gente precisa saber que a gente é corpo

alma e espírito. Você tem que cuidar do espírito. Não… Cuidar de espírito é uma coisa diferente de cuidar de religião. Se você quiser cuidar de religião também, você cuida, você tem a liberdade de querer ou não. Às vezes você até não quer, mas como já acostumou, acaba cuidando. Mas do espírito, você tem que cuidar, tem que se conectar, tem que fazer uma meditação, tem que agradecer pelo dia, pela vida, pelas coisas que você conquistou, pelas coisas que você conheceu, você tem que cuidar disso. Você tem que cuidar do seu emocional, você tem que cuidar do psíquico, você tem que cuidar do seu corpo, você tem que cuidar da alma. A alma é uma coisa muito preciosa e você não pode deixar que matem a sua alma. De repente, se você não tomar cuidado, você mesmo faz isso. Tem tanta cobrança, tanta coisa e você mesmo… Você faça isso e terá história para contar. Você vai ter prazer de contar a história. Pode até chorar enquanto conta, mas tem prazer de ver que conseguiu passar por aquilo. Muito interessante.

P/1 – Muito obrigada, Damaris, eu adorei ouvir a sua história.