Querido Diário, no começo do ano, eu estava morando em Milão, porque eu estava fazendo parte, lá, do programa de duplo diploma que existe entre Administração Pública e um curso da Bocconi. E, enfim, estava lá, vivendo a minha vida, e meus pais tinham ido fazer uma viagem de trabalho que iam ...Continuar leitura
Querido Diário, no começo do ano, eu estava morando em Milão, porque eu estava fazendo parte, lá, do programa de duplo diploma que existe entre Administração Pública e um curso da Bocconi. E, enfim, estava lá, vivendo a minha vida, e meus pais tinham ido fazer uma viagem de trabalho que iam estender por um tempo para ficar comigo. No dia 22 de fevereiro (nunca vou me esquecer dessa data, porque, realmente, falo que foi quando tudo mudou) começaram a confirmar aqueles números mais altos de casos (do novo coronavírus), porque o que estava rolando, lá, na Europa, era que havia sido uma ou outra pessoa diagnosticada, mas não estava um negócio muito sério. Então, estava meio que um assunto, ali, de fundo. E, nesse dia, acho que confirmaram cinco casos - foi alguma coisa assim – e as pessoas começaram a ficar meio preocupadas, porque perceberam que, desses cinco casos, devia haver alguns outros e não se sabia o que ia rolar. E, para mim, é muito surreal olhar para trás, porque agora já se passou muito tempo, no tempo cronológico, e muito mais tempo ainda na medida de tempo de 2020, que ele fala para mim, total distorção do que é, realmente, espaço tempo, porque eu achava muito que ia ser uma coisa passageira. Então, foi no dia 22, também, que eu recebi um e-mail da minha faculdade, a Bocconi, falando que haviam cancelado as aulas na semana seguinte, para ver como é que se encaminharia a situação dos contágios. E eu falei: “Não, beleza: por uma semana vão isolar quem está contaminado, e depois volta”. Bom, resumo da ópera: nunca mais voltaram as minhas aulas presenciais, nem na Bocconi, nem aqui na GV. E foi muito difícil de aceitar o que estava acontecendo. E, assim, que é uma coisa de um lugar de muito privilégio, inclusive, de quem estava na Itália, e tudo o mais. Mas eu tive muita dificuldade de aceitar os processos que estavam acontecendo, porque é claro que a gente não fazia ideia, realmente, do que nos aguardava. Mas eu tinha esperança de que tudo ia se resolver muito rápido. Tanto que passou essa primeira semana de aulas canceladas, eles cancelaram a seguinte, e eu falei: “Não, beleza: duas semanas é o tempo da quarentena. Na próxima, tudo certo”. E não foi assim, foi uma sucessão de cancelamentos. E, nesse meio tempo, a situação lá, foi, de fato, piorando, e foi muito triste de ver a cidade definhar, pois Milão é uma cidade muito turística, tem sempre muita gente na rua e, de repente, as ruas se esvaziaram, porque muitas pessoas já haviam começado a ficar em casa por conta própria. Muito turista cancelou viagem. Fechou cinema, fechou o museu. Fechou, enfim. Mudou completamente, apesar da cidade. E tinha um movimento de tentar... como é que fala... de tentar seguir em frente, porque a gente não sabia o que ia rolar, né? Então, foi muito difícil. Meus pais, também, acharam que iam passar uma semana turistando. No fim, a gente aproveitou, enfim, fez as nossas coisas. Porém, foi muito uma mudança total da realidade. E eu lembro que, para mim, o momento mais desesperador, desse primeiro período, foi o dia que eu fui ao supermercado. Logo nesse comecinho, nesses primeiros dias mais caóticos, eu vi aquela coisa das prateleiras vazias, por conta das pessoas que estavam meio surtadas. Enfim, o resumo da história desse primeiro contato com o coronavírus é que eu estava me sentindo em uma realidade paralela, porque, ao mesmo tempo, estava tendo carnaval, aqui, no Brasil. Eu via meus amigos saindo, o Instagram cheio de fotos e a gente: “O que está rolando aqui? Sei lá, mundo apocalíptico, praticamente”, e a galera pulando o carnaval, no Brasil, queria eu! Mas, enfim, meus pais voltaram - porque eles já haviam planejado voltar - e eu fiquei. Mas a gente estava apreensivo, porque a situação estava piorando naquele momento, e já dava para perceber que não ia parar tão cedo. E eu queria muito ficar, porque eu achei que tudo bem: estava ruim, mas ia melhorar. Mas eu acabei voltando, literalmente. No dia em que anunciaram lockdown na Lombardia, região de Milão, foi quando eu cheguei na minha escala. Foi uma sensação muito bizarra porque, realmente, foi o último respiro. Claro, tem muita gente que voltou para o Brasil depois disso, também. Mas foi uma sensação muito esquisita. Eu cheguei, aqui, no Brasil - e eu acho que já excedi os quatro minutos, então, eu vou só dar alguns pontos – e eu demorou muito para a situação vingar, aqui, no Brasil. Queria muito que não tivesse vingado, obviamente, mas ainda teve todo o processo de readaptação aqui. Enfim, juro: eu sinto que eu vivi quinze vidas diferentes, esse ano, considerando todos esses momentos pelos quais a gente foi passando.Recolher