Projeto Identidade Santander
Depoimento de João Alberto de Moura Livi
Entrevistada por Fernanda Prado e Laura Lucena
São Paulo, 01 de dezembro de 2011
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número BST_HV030
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 – Para começar, diga o seu nome comple...Continuar leitura
Projeto Identidade Santander
Depoimento de João Alberto de Moura Livi
Entrevistada por Fernanda Prado e Laura Lucena
São Paulo, 01 de dezembro de 2011
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número BST_HV030
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 – Para começar, diga o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome completo é João Alberto de Moura Livi. Eu nasci em Nossa Senhora do Belém do Grão-Pará, em Belém do Pará, no dia 12 de maio de 1965.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Ênio Wolf Livi e Maria Delfina de Moura Livi.
P/1 – Você sabe da origem da família, de onde eles vieram?
R – O meu pai é Wolf, alemão e Livi, italiano de Porto Alegre no Rio Grande do Sul. A minha mãe é natural de uma cidade chamada Dom Pedrito, no Rio Grande do Sul, descendente de portugueses. Eles se encontraram em não sei quais circunstâncias, se casaram e foram morar logo depois na cidade onde eu nasci.
P/1 – Conta para a gente como era Belém, quais as suas lembranças da casa?
R – As minhas primeiras lembranças de Belém são de quatro anos atrás. Porque apesar de ter nascido em Belém eu fui para Porto Alegre com os meus pais mais ou menos um ano e meio depois de eu nascer. Teve um período difícil para o meu pai, porque a minha mãe adoeceu e faleceu e isso nos manteve distantes de Belém por toda a vida. A cinco anos atrás o meu pai ainda estava com saúde eu falei: “Cara, tu vai ter que me levar lá para me contar as coisas. Me mostrar onde era o hospital, onde morava.” Então, há quatro anos e meio atrás foi a primeira vez que eu lembro de Belém. Fui para lá passar uma semana e, na medida que a energia dele deixava ele me mostrou tudo o que podia mostrar e foi super bacana. Eu tive a sorte de reencontrar alguns amigos dele que moraram lá naquela época. Essas são as minhas lembranças... Conheci lá o apartamento... Tem uma história espetacular. Eu conheci o apartamento onde a gente morava, o hospital onde eu nasci, o quarto onde a minha mãe ficou até receber alta do hospital quando eu nasci, o lugar onde o meu pai trabalhava e várias outras coisas, que nessa descoberta de alguns amigos remanescentes do meu pai, que por conta dessa viagem ele retomou o contato lá. Ele procurou. Falou para mim: “Acho que morreu todo mundo. Eu vou tentar...” E achamos as pessoas. Fomos visitar a casa desse arquiteto e dessa socióloga e tivemos uma tarde deliciosa conversando e lá pelas tantas essa senhora me chamou: “Sabe, eu tenho uma coisa para te mostrar.” Ela me levou até o quarto dela. A casa era grande, ela foi me levando até o quarto, abriu a porta, disse o tradicional “desculpe a bagunça... Está vendo essa cama?” Falei: “Estou.” “Foi nessa cama que você foi gerado, porque essa cama era do seu pai e da sua mãe. Quando eles voltaram para Porto Alegre eu fiquei com a cama e é minha até hoje.” (risos) Como tudo volta, né? Teve esse fato interessante das coisas que eu conheci lá, inclusive a cama em que os meus pais dormiam quando estavam esse período em Belém do Pará.
P/1 – Qual era a atividade dos seus pais?
R – A minha mãe era dona de casa e o meu pai era arquiteto recém formado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Não existia faculdade de arquitetura em Belém, de forma que quando ele e a sua turma se formaram os foi oferecido a oportunidade de fundar a faculdade de arquitetura. Era uma turma de quatro ou cinco destemidos aceitou e foi para lá. Ainda bem jovens, na faixa dos 24 ou 25 anos. Fundaram a faculdade que existe até hoje, de maneira intrépida e divertida, com passagens interessantes. Por ser arquiteto recém formado ele foi chamado para fundar a faculdade e morou lá por quatro anos, até a minha mãe adoecer.
P/1 – Conte-nos da sua infância lá no Sul. Como era e o que você se lembra de lá?
R – Quando os meus pais voltaram para lá a minha mãe já estava doente; ficou internada. Ela teve um câncer fulminante. Foi tudo muito rápido, acho que uns três ou quatro meses depois ela faleceu. Nesse período, como o meu pai não tinha casa em Porto Alegre mais e não tinha grana ele me deixou com a minha tia e o meu tio que tinham cinco filhos e eu era o mais jovem. Durante quatro anos eu morei nessa casa, a casa dos meus tios com os meus cinco primos e o meu pai passava o fim de semana lá comigo. Ele estava batalhando para reconstruir a vida dele, refazer as finanças e seus relacionamentos e procurar formar outra família. É um período que eu tenho bastante nostalgia; Eu me lembro de algumas coisas, apesar de ser um período bem tenro. Eu lembro de algumas coisas: lembro claramente da arquitetura dessa casa, dos seus espaços, de como a gente vivia lá. Eu vivia emprestado durante uns quatro anos quando o meu pai casou de novo e comprou um apartamento. Eu voltei a morar com ele, então com uma mãe nova, porque nesse período, de quando eu deixei a casa da minha tia e voltei a morar com o meu pai a minha tia passou a ser chamada de mãe velha (risos). Agora eu tinha uma mãe nova. Essa tia está viva e até hoje eu a chamo de mãe velha (risos). Tem a mãe velha e a mãe nova. Curiosamente a mãe velha sobreviveu à mãe nova (risos). Com cinco anos e meio, mais ou menos eu voltei a ter uma família, um lar. Mais tarde nasceu um irmão. Aí foi uma família normal até os 20 anos.
P/1 – Conta como foi essa mudança e encarar essa nova realidade? Um menino que está começando a entender as relações, a formatar os pensamentos, o seu modo de agir... Como foi essa mudança?
R – Eu não sei. Acho que foi bastante normal, corriqueiro, cotidiano, talvez com uma coisa muito primitiva, de talvez ter o pai separado da mãe com um ano e dois ou três meses... Talvez eu tenha demorado um pouco para entender... “Tá bom, meu...” Eu nunca chorei e sofri por isso, mas eu rezava toda a noite para a minha mãe que tinha morrido. Eu nunca fui religioso. Um dia eu falei: “Cara, esse hábito não cabe mais em você.” Acho que eu já era adolescente. Deixa a memória lá no passado. De qualquer maneira eu só tenho a agradecer. Acho que tem uma coisa que não é do nível do racional em tua mãe desaparecer quando você é criança. Não é racional e não dá para contar, descrever, fazer esquemas, prós e contras. Tem alguma coisa ali que te revolta de alguma maneira e te entristece mas que é um treinamento para a vida e você vai ter que superar isso. Eu tenho filhos agora e penso como esses caras são fortes. Geralmente eu falo isso com geração a doenças: Gripe, Sarampo ou o que seja. Esses caras são muito mais fortes do que eu. Quando eu tenho uma gripe fico de cama. Uma gripe eles ficam ranhentos, entupidos. No mais é super normal: primos, amigos, escola pública, depois particular. Na escola pública também foi um aprendizado delicioso porque não era uma escola pública de bairro bom, classe média. Era uma escola pública, bem pública. Todos os meus colegas eram mais velhos do que eu. Rolava uma certa violência. Era importante você se impor com esses caras mesmo sendo menor. Para todos os efeitos, para os caras eu era louco. “É melhor não se meter com esse baixinho porque ele é maluco. Ele enfia dedo no olho...” Foi um jeito de dizer: “Aqui... se for muito coitadinho, tá ferrado.” Nas duas primeiras brigas, e tinha muitas, era uma atividade bastante corriqueira nessa escola – briga de turma, de esperar na saída da escola para dar porrada e tal... Nas duas primeiras demonstração de força que me deram eu dei demonstração de loucura: dedo no olho, fazer sangrar, fazer algum mal... Aquilo me deu um passaporte... “Esse cara aí... deixa ele quieto porque ele é perigoso.” Eu acho absolutamente normal. Não tive grandes reviravoltas, pessoas que morreram, mudanças de cidade. Quando eu mudei de cidade foi porque eu quis. Foi bastante corriqueiro e feliz.
P/1 – Conta para a gente do que você gostava de brincar? O que você fazia para se divertir quando não estava na escola?
R – Judô era uma coisa que eu adorava fazer. Mais tarde eu fui jogar basquete, eu era um bom jogador e basquete até o crescimento me trair. Outras pessoas que jogavam comigo começaram a crescer mais do que eu e a minha altura começou a ficar insuficiente para jogar basquete. Enfim, coisas de criança: aprender a andar de bicicleta e querer andar de bicicleta o tempo todo, numa cidade menor e numa época que não tinha tanto carro e que não era tão perigosa a rua. Ficava na rua, num bairro populoso, andando de bicicleta com as crianças a tarde inteira, coisas que os meus filhos só têm hoje quando estamos num condomínio, quando estamos numa casa de condomínio eles podem fazer isso, porque as coisas ficaram mais complicadas e violentas. Não se tem mais direito ao espaço público. Uma pena, mas é verdade.
P/1 – Você tinha algum sonho de menino, de ser alguma coisa quando crescesse, uma profissão?
R – Isso foi mudando com o tempo, com as fases da vida. Eu já quis ser veterinário, dentista, advogado, e isso antes de escolher. Acho que toda criança ou adolescente pensou em ser piloto de avião, jogador de futebol... Mas isso ainda mais jovem. Quando eu cheguei mais próximo a idade de escolher eu fiquei num conjunto bastante heterogêneo e louco, que incluía arquitetura, psicologia, publicidade, economia, sociologia... Mais humanas, mas tinha odontologia no meio. Ia colhendo impressões e sensações pensei que poderia... Eu fiz um grupo de possíveis profissões – estou falando de quando eu tinha 15, 16 anos de idade, e na época se escolhia muito por profissão e não por empreendimento. Não era uma época de empreender. Fui lidando com as sensações durante um ano, um ano e meio, me imaginava fazendo uma coisa e vendo se gostava, me imaginar fazendo outra... Meu pai era arquiteto, então eu sempre gostei muito de arquitetura e gosto até hoje, é uma das coisas que eu gosto de ver, estudar, dar “pitaco”, construir – eu já construí uma casa, daqui a pouco eu vou fazer outra, não como arquiteto mas como cliente e um bom palpiteiro. No final eu fui fazer Economia na (Universidade) Federal e Publicidade na Puc.
P/1 – Antes de você contar sobre esse período de faculdade, conta para a gente da mudança da escola pública para a particular, o que você sentiu? Como eram as aulas?
R – É um mundo completamente diferente. Eu estava numa pequena escola pública meio barra pesada e no ano seguinte fui estudar numa escola enorme, jesuíta. Era muito grande, parecia uma universidade, era lá em Porto Alegre e essa escola existe até hoje, chama-se Colégio Anchieta, onde as pessoas iam de carro, as mães levavam. Algumas pessoas, ainda adolescentes, iam de mobilete, iam estudar de moto. As pessoas moravam em casas enormes, faziam intercâmbio... O próprio colégio era nababesco, era muito grande... Eu lembro do meu primeiro contato, dos primeiros dias de aula em que eu ficava completamente fascinado e perguntando se eu merecia aquilo. Claro, teve alguma adaptação, gostos, tipo de gente, maneira como as pessoas se relacionavam, mas eu gostei muito, eu me adaptei. Eu me adapto muito bem, tanto para me proteger quanto para atuar, para trabalhar, agir. Eu me adapto muito bem nos cenários. Eu não me lembro de gostar muito. Não ficava com saudade da escola anterior e que não desgostava, era só ficar mais ‘de olho’ e ver esse mundo, que eu arrisco dizer, de uma classe social mais privilegiada do que a minha naquela época e até de saber: “Bom, o que eu posso e o que não posso fazer aqui...?” O que dá e o que não dá? E poder achar o meu lugar lá e era um lugar muito bacana. O ano que vem vai ter... Já está programado a festa de trinta anos de saída da escola. Foi uma coisa construída nesses seis anos que eu fiquei na escola particular. Uma deliciosa escola porque quando você fala “Escola Jesuíta”, escola de padre, você pode pensar numa escola rígida e tal mas os padres eram completamente loucos. Eles estimulavam uma coisa que eu sempre tive muito, que era a irreverência, a criatividade, numa época que isso era muito difícil. Estimulavam uma postura bastante crítica em relação à aula, ao professor, a eles mesmos, à escola, à sociedade, a pobreza. Era uma escola em que por você ser esperto e irreverente nunca te puniria, pelo contrário. E eu sempre gostei muito disso. Claro: ser violento, vândalo, passar dos limites, é claro que isso poderia te custar algumas coisas. Mas ser irreverente, fazer uma boa piada, desafiar inteligentemente um professor ou o diretor, isso lhe rendia créditos, porque eles gostavam muito disso. Os padres eram muito irreverentes. Eu posso ter demorado um ou dois anos para descobrir isso, mas quando eu entendi: “Os caras estão estimulando!” Inclusive, aquele aluno muito certinho, ‘cdfzinho’, muito certinho, eles... De vez em quando eles pegavam um cara da frente e falavam: “Olha, não estou te aguentando, você vai sentar lá atrás agora porque você tem que aprender um pouco de malandragem.” E eles eram assim, ou pelo menos é a minha visão sobre eles, mas eu conseguia atuar super bem, conseguia me mexer bem dentro da escola e foi um período super bacana. Os amigos que sobraram não foram da primeira escola, tem dois ou três conhecidos que de vez em quando eu encontro em Porto Alegre, a gente conversa cinco minutos. Mas os amigos desta escola particular dá pra ficar bebendo e comendo um churrasco e conversando o dia inteiro.
P/1 – Conta para a gente desse seu momento mais jovem, adolescente, o que você gostava de fazer com a turma? Saía pela cidade? Quais lugares frequentavam?
R – São as descobertas que se faz nessa época: descobrir a mobilidade, em que se podia sair à noite e caminhando, seguro, sair com os amigos e andar meia cidade para tentar entrar e penetra numa festa – você ficava sabendo e se divertia com isso. Descobrir que dava para sentar num bar e tomar uma cerveja e jogar conversa fora, descobrir as viagens que você podia fazer com os amigos, mesmo sem veículo próprio, dava-se um jeito, descobrir que podia dizer para os pais que havia pego um ônibus para ir a Santa Catarina e, na verdade, ter ido para a estrada pegar carona, porque aí você economizava um dinheiro que você ia usar lá, era muito mais divertido. Pegava um gravador, um toca-fitas mesmo, com músicas do Rush, Yes, Led Zeppelin e colocava ele em cima da mala e ficava ouvindo Rush e pedindo carona por duas horas lá, até acabar a pilha ou até alguém dar carona para mais 200 quilômetros. O meu pai achando que eu estava dentro de um ônibus, descobertas de um pouco de liberdade, um pouco de mobilidade, de transgressão, um pouco de sexo também, enfim, as descobertas dessa época. A formação de uma camaradagem diferente, de pessoas que tinham os mesmos interesses que você e não era mais infantil e tal, com todas as experiências que isso trazia: ‘roubadas’, ficar sem grana, doente, fora de casa, depender de amigos, não tinha celular e tinha que fazer fila na companhia telefônica para ligar pra casa, carona, hotel, hotel nada, pousada de última qualidade, dormir em casa de pescador, barraca, ir para um camping, ser roubado, ser ajudado... Lembro que uma vez estava eu e um amigo num camping em Santa Catarina e a gente foi com um dinheiro tão contado que a dieta lá era basicamente patê, pão e ali tinha um almoço e cerveja, sempre. E aí, as pessoas da barraca do lado perceberam essa dureza toda e elas começaram de um jeito muito amável e quase não planejado a sempre nos oferecer alguma coisa, tanto é que no último dia: “Hoje nós vamos fazer um churrasco, lá na churrasqueira e vocês vão com a gente.” Acho que eu nunca comi tanto churrasco na vida, porque eu estava com déficit de proteína, cansado e esfomeado... E também ser roubado por alguém numa pousadinha, num camping ou alguma coisa e ser ajudado por outras pessoas, descobertas que se faz quando se sai do ambiente protegido da família e da casa. Foi uma época muito divertida, com alguns perigos. Essas caronas sempre eram inofensivas mas eu peguei carona em que eram três traficantes dentro, cheio de pó e maconha e quando eu descobri e os caras me falaram, eles ficavam tensos a cada vez que passavam... Mas me deram uma carona e 200 quilômetros e quando eu desci daquele carro eu pensei: “Pô, eu vivi de novo!” Porque eu sei lá o que aconteceria se eu fosse pego com esses caras aqui. Bastante roubadas também.
P/1 – Conta como foi o momento de começar a faculdade? Com toda aquela gama de possibilidades que você tinha na mão e escolhendo duas para fazer.
R – Eu tive facilidades e passei bem fácil, fui bem colocado nos vestibulares de Economia na (Universidade) Federal e na Puc. Eu comecei a cursar Comunicação pela manhã e Economia à noite. Era legal. Eu não me formei em Economia, fiz até o terceiro... Metade do quarto ano, sétimo semestre, mas não me formei porque eu já estava como profissional de propaganda, já tinha salário e gostava do meu trabalho. Durante um tempo levar essas duas faculdades foi uma coisa interessante pois eram duas turmas diferentes, com pessoas de origens diferentes, em horários e locais diferentes. Era a luz e a escuridão: a faculdade de Comunicação era pela manhã na Puc, num prédio novo com um jardim onde as pessoas ficavam, tinha festa o tempo inteiro e oito mulheres para cada cara, era muito lúdico. À noite, já cansado, era na Federal, num prédio todo quebradinho, caindo aos pedaços, com pouca luz, lúgubre e basicamente só machos. Se já estava cansado no final do dia... A luz ficava tremendo… A gente tinha algumas cadeiras, como a de Cálculo que eram dadas em outro prédio, na Medicina, numa sala que era um anfiteatro, exatamente na frente com a porta de cadáveres da faculdade de Medicina. Não tinha como comparar o mundo da manhã e o mundo da noite. O mundo das oito meninas para cada menino e o mundo da sala de cadáveres, a alegria e a energia da manhã com o cansaço e a escuridão da noite e obviamente a faculdade da manhã era muito mais divertida. Mas eu continuava porque nessa época eu queria ser economista. Depois fui percebendo que a Economia era um curso e, depois, uma profissão técnica demais para mim. Muito cálculo, estatística e uma coisa que eu não tenho alergia, mas não é o que eu estava afim mesmo. Talvez o que eu tenha procurado na Economia estivesse mesmo na Sociologia. Eu não ia deixar de me formar por causa do ambiente mais tristonho da noite, eu deixei de me formar em Economia porque eu pensei: “Não é aí que eu vou me divertir.” Tem aquele ditado: “trabalhe em alguma coisa que você ame e você não vai ter que trabalhar em nenhum dia da sua vida.” A Publicidade estava já me tragando, me puxando e então eu falei: “Bom, é isso aí.” E mais: namoros, festas, greve de estudantes toscas, projetos, música, esportes, essas coisas aí que eu sempre gostei bastante.
P/1 – Tá certo. Você falou que o mundo da publicidade foi lhe puxando. Como foi esse seu primeiro contato com o mundo e a prática de publicidade?
R – Ainda na faculdade o meu tio meu conseguiu um estágio para mim numa produtora de uma afiliada da Globo, a RBS e eles tinham uma produtora que fazia alguns dos comerciais que passavam na própria emissora. Aí a rotina ficou divertida. A faculdade de Comunicação pela manhã, a tarde dava para dar uma descansada, uma estudada ou fazer um esporte, a faculdade de Economia à noite e às 11 horas (da noite), quando eu saia da faculdade eu ia para essa produtora acompanhar as produções noturnas que varavam a madrugada adentro – terminavam às três, quatro horas da manhã. Eu ia para lá... Nessa época você tem toda a energia do mundo e qualquer dormidinha de uma hora te deixa bem. Não era nada sofisticado. Eu carregava caixas, a câmera para alguém... “Põe essa câmera ali”, então ia lá e colocava a câmera; Busca a “três tabelas lá”, que é uma caixa, “busca uns quatro daqueles pequenos”, eu ia lá no caminhão, buscava e trazia, mas sem nenhum glamour. Era isso mesmo: carregar coisas, mas para mim eu estava assistindo atores e atrizes e vendo como é que se fazia as coisas. Como se iluminava, gravava, na época era o Video Tape. Foi útil a observação. Quando acabou eu naturalmente comecei a pensar – isso foi no início da faculdade. “Eu vou fazer algo ligado à produção. Tentar ser diretor, fotógrafo...” Eu já tinha alguma familiaridade com esse assunto. Um ano depois, acho que foi lá pelo final do segundo ano da faculdade, em dezembro e eu sempre duro, eu queria tirar férias e viajar em Janeiro. Um amigo me ligou e disse: “Pô, tem um estágio numa agência novinha, o cara paga um pouquinho, você não quer tentar lá de redator?” Eu falei: “Pô, mas eu não sou redator, eu não sei fazer isso.” “Vai lá, bicho, vai lá.” Esse cara até ia viajar comigo. Eu falei: “Ah, legal. Não vou fazer nada em dezembro. Em vez de ficar morgando no clube como a turma toda fazia... Eu vou pegar isso aí.” Aconteceu que eu entrei lá e nunca mais saí. Não nessa agência, que eu trabalhei uns seis meses, mas nunca sai desse ofício, o de ser redator. Hoje eu sou Diretor executivo de criação numa agência grande mas continuo redator. Acoplaram outras funções mas... Ou seja: Eu não virei um criativo de propaganda por alguma coisa que eu sonhei ou almejei. Acho que o que foi me levando para isso (foi o fato de ser) muito legal estudar comunicação, era bastante humano para mim, ao contrário da Economia que era muito técnico. Apareceu esta oportunidade e eu descobri que eu escrevia até um pouco melhor do que eu pensava. Isso era um estágio ainda. Aí eu não viajei em janeiro, eu estava achando legal, eu não viajei em fevereiro, em março, fiquei lá nessa agência e em junho, mais ou menos, uma agência maior e mais badalada me chamou. “O cara ouviu falar bem de você.” “Como ouviu falar bem de mim?” “Ah, tem um amigo meu que trabalhou com você...” Me contrataram e uma coisa foi puxando a outra, foi funcionando. Eu recebi algumas propostas lá... Tem gente que, como o Agassi que começou a jogar tênis aos cinco anos de idade e se tornou o maior tenista do mundo. Eu com cinco anos não tinha nenhum pensamento em fazer propaganda ou escrever. Nem com 10 nem com 12... 16 anos também não, com 18 um pouquinho... Talvez com 19 ou 20, por conta desse acaso, o convite para um estágio remunerado foi que aconteceu. Não era uma coisa que eu estava febrilmente perseguindo.
P/1 – Quando se deu a sua mudança de Porto Alegre? Foi por opção? Como seu deu essa mudança e para onde você foi?
R – Bom, dos 20 aos 25 anos de idade eu fui fazendo coisas profissionalmente lá em Porto Alegre que me levaram até mais ou menos o topo do mercado, porque eu era diretor de criação de uma grande agência de lá e não tinha mais espaço para cima, a não ser que eu fosse fazer uma agência, mas nem dava para fazer isso com 25 anos, eu não entendia tanto do assunto. Eu era estritamente criativo e não pensava em assuntos estratégicos e da administração de uma empresa, de atendimento ao cliente. Isso não estava no meu repertório. Só que eu tinha chegado perto do teto daquele mercado e percebendo que tinha muito mais coisas para fazer em propaganda. Tinha muito mais coisas para buscar e para aprender, clientes muito maiores para atender, coisas mais grandiosas, mais caras e importantes para fazer e ao mesmo tempo que eu fui percebendo isso eu percebi que eu trabalhava numa empresa que tinha ligações não muito saudáveis com coisas de governo, rolava lá uma troca de favores que tanto revolta a gente hoje. Eu era muito jovem ainda, mas percebi que alguma coisa não estava normal e então eu decidi sair dessa agência. Um dia eu conversei com o dono – foi por causa de um fato específico relacionado à equipe que eu liderava lá, eu fui falar com o cara numa boa, e disse: “Eu vou procurar outras coisas e quero ir para São Paulo, onde está o centro do mercado. Vou procurar alguma coisa lá.” Ele entendeu. Eu saí de lá numa sexta-feira e na segunda-feira eu viajei para São Paulo com o trabalho embaixo do braço, visitei algumas agências. Na quinta-feira eu fui numa grande agência e o cara falou: “Quando você pode começar?” Eu falei: “Eu moro em Porto Alegre e preciso organizar a minha vida.” Ele falou: “Você pode começar na segunda-feira?” “Será? Segunda-feira? Hoje é quinta-feira...” “Porque eu estou com muita pressa de colocar alguém aqui e gostei muito do seu trabalho...” Então falei: “Vai ser segunda-feira.” E na segunda-feira eu estava lá trabalhando. Toda essa mudança de sair de uma empresa e ter a idéia formada, digamos assim, de que eu deveria sair de Porto Alegre para aprender mais o que eu estava fazendo... Era uma idéia sem prazo, elástica. De repente em uma semana eu estava morando aqui, trabalhando. Foi uma época bastante espartana. Eu cheguei em São Paulo, se eu não me engano no dia 12 de fevereiro de 1990. No dia 28 de fevereiro, 16 dias depois, o Plano Collor. Foi uma época super difícil para todo mundo. Eu estava aqui começando, super motivado, estava super divertido, só que totalmente sem recursos. Eu tive que improvisar muito. Se você imaginasse a minha dieta nessa época... Realmente era... Isso durou uns seis ou oito meses, até que eu me re-estabeleci um pouquinho. Era tudo na conta do: “Eu tô começando e está divertido.”
P/1 – Eu queria saber quais foram os trabalhos que você trouxe debaixo do braço e como foi a chegada em São Paulo? Qual a sua primeira impressão da cidade?
R – A memória que eu tenho da primeira impressão da cidade, a mais concreta, mais impressionante não foi visual. De uma maneira ou outra, Jornal Nacional, livro, jornal... Você já tem uma pista. Eu nunca tinha vindo a São Paulo antes de fazer essas apresentações – acho que uma vez só, mas ainda criança, adolescente. A minha memória mais clara dessa mudança não foi visual. Eu já imaginava como São Paulo era visualmente: Cinza, enorme, cheia de prédios. Foi olfativa: pegar a marginal e sentir o cheiro de São Paulo, o cheiro da poluição, que a gente que mora aqui não sente mais. A poluição tem um cheiro e para quem vem do ar purinho de Porto Alegre isso para mim foi: “Cara, como conseguem?” Sei lá, uma mistura de CO2, metano... Isso eu nunca esqueci. Eu nunca mais reproduzi, porque de alguma maneira eu acostumei com esse olfato, com esse cheiro de São Paulo e eu nunca mais voltei a sentir isso pela primeira vez. Se eu vou viajar hoje eu volto e ok, já tem uma regulagem lá que o cérebro diz: “Certo, você vai entrar numa cidade mais poluída.” Também outros lugares no Brasil ficaram tão poluídos quanto. Mas isso eu me lembro concretamente. Dá pra cortar o ar sentir o cheiro. Essa para mim foi a chegada e a minha mudança de sintonia, de rádio. Eu lembro disso pois nunca mais voltei a sentir esse estranhamento, o cérebro acostumou. Outros trabalhos que eu fazia lá... Porto Alegre era um mercado menor, se fazia muito anúncio, muito menos comerciais. A maioria dos anunciantes lá é o governo e o varejo. Eu sempre procurava fazer um varejo diferente e isso me deixou com um trabalho melhor. Eu fiz alguns filmes bacanas, ganhei alguns prêmios que não me tornaram especial, mas me deram o suficiente para alguns diretores de criação importantes da época olharem para o meu trabalho e disserem: “Legal, acho que aqui vai.” Nada demais. Aliás, um dos primeiros anúncios que eu fiz está no meu portfólio como um dos melhores trabalhos da minha carreira até hoje. E não é só uma questão afetiva, era bom mesmo. Quem olha, fala: “Nossa, esse anúncio aqui era muito bom.” Então vivi uma vida espartana aqui procurando melhorar o padrão desse trabalho que eu tinha lá. Essa agência que era a (Macan?), que era uma agência grande e possibilitava trabalhar num nível mais alto de produção: produções mais caras, de maior inteligência na mesa, pessoas mais experimentadas que já viram problemas de comunicação semelhantes, e aí também era tudo descobertas e eu trabalhava bem mais do que a galera lá. Acho que tem uma coisa que eu acho, na média, muito verdadeira, que é a questão do espírito de imigrante. O imigrante quando ele vai para um lugar ele não tem a chance de errar, porque senão ele vai ter uma vida miserável. É diferente de você ter uma família num lugar, ter uma estrutura, um patrimônio, alguma garantia financeira e que você pode demorar um pouco mais, pode estar numa zona de conforto por um pouco mais de tempo. Não estou dizendo que as pessoas que moram numa cidade e tem a família lá e tem um pouco mais de dinheiro todas fazem isso, mas na média... Quando você é imigrante você diz: “Cara, é tudo ou nada.” Soma a isso o fato de você não estar ambientado no lugar, de não ter amigos ainda, não conhecer muita gente. Isso é um prato cheio para se trabalhar que nem um louco: Urgência, espírito de imigrante e falta de conhecidos. Eu trabalhava e ficava triste quando chegava o fim de semana: “Pô, não tenho o que fazer aqui. Não tenho nem grana, não conheço ninguém. É muito mais legal ficar trabalhando.” Então vamos trabalhar. Essas coisas foram muito marcantes no início: o cheiro, que é a minha memória do “cheguei em São Paulo” e o espírito de imigrante.
P/1 – E qual foi o desenvolvimento de sua carreira? Por quais outras agências você passou antes de chegar na Talent?
R – Aí teve uma coisa interessante. Eu brinco que quem me contratou na Macan foi o Washington Olivetto, porque ele não era o diretor, ele era dono da W/Brasil na época. Só que eu fui a um amigo que me marcou um horário com ele. Eu fui lá, mostrei a minha pasta e ele tinha tanto poder na época – casualmente hoje ele é presidente da Macan, mas ele tinha tanto poder na época que ele olhou a minha pasta e falou assim para mim: “Eu gostei da sua pasta. Eu não tenho lugar aqui. Pode ser a Macan?” Eu falei: “Como assim?” “Eu vou te indicar para a Macan. Eles estão precisando de gente lá e eu acho que vou indicar você.” Eu fui no mesmo dia, ele telefonou lá para o cara e falou: “Você pode ir lá agora”. Peguei um taxi e fui até lá. O cara olhou rapidinho e fez a pergunta: “Você pode começar na segunda-feira?” Eu sempre falei que quem me contratou na Macan foi o Washington Olivetto, porque ele tinha tanta influência que ele me mandou assim: “Ó, tô contratando um cara para você. Ajeita ele aí porque...” Eu fiquei um ano e pouco lá e os acasos são interessantes. Eu sempre sonhava com a DPZ, que é uma agência espetacular, querida, linda, charmosa. Eu trabalhava na Macan, que era uma boa agência mas não era nenhum sonho de profissão e consumo. Resolvi ligar para esse cara que era diretor de criação da DPZ, que se chamava Paulo Birolli. Liguei e falei com a secretária dele. A secretária dele marcou um horário e disse: “Semana que vem você me liga... Ele marcou na quinta-feira que vem mas você me liga antes?” Eu fiquei uns bons três meses ligando para ela e ela cancelava. Cancelava, cancelava, cancelava... “Essa mulher está me enrolando. Eu nunca vou fazer essa reunião.” Um dia ela marcou: “Vai ser na terça-feira à tarde mas você me liga na terça-feira de manhã.” E eu não liguei de propósito. Eu dei outra sorte porque eu não fui barrado na portaria da DPZ. Passei na portaria direto e ninguém me barrou. Passei, fui lá no quinto andar, saí do elevador e quando eu saí do elevador esse diretor de criação, o Paulo estava sentado na mesa dele, aqui, e a secretária dele, aqui. Ela falou: “Pois não?” “Eu vim falar com ele. Eu tenho uma hora com ele.” “Ah, você é o moço da Macan, o João.” “Sim.” “Mas você não me ligou para confirmar?” Eu falei: “Não.” Ele ouviu isso e disse: “Deixa eu falar com ele.” Eu sentei lá, ele viu a minha pasta e me contratou na hora. E essa moça, a secretária, até hoje ela me encontra e fala: “Não esquece de mim. Eu te ajudei.” Eu não quero falar isso para ela, mas “Você não me ajudou, pelo contrário, tentou me atrapalhar de todo jeito.” (risos) O que me ajudou foi a minha cara de pau de ir lá sem confirmar. Bom, se ela se sente bem assim, eu não vou desfazer a convicção dela de que ela me ajudou. Tudo bem. Então trabalhei na DPZ, que era uma agência espetacular e com um espírito enlouquecido, eles eram bem loucos, ousados, bonitos, tinham uma estética bonita. Um comportamento bonito. Às vezes aloprado, agressivo, onde a minha irreverência me ajudou muito. Tinha uma pessoa lá, um dos donos, que se chama Francisco Petit, que é meu amigo e eu adoro, que é uma pessoa totalmente emocional. O Petit é um cara fascinante, adorável, divertido mas na primeira semana ele decide se vai gostar de uma pessoa ou não e nunca mais você vai desfazer isso. Eu já vi gente chorar – homem de 40 anos chorar dizendo: “Pô, não sei porque o cara não gosta e mim. Eu faço tudo e o cara me trata mal pra caramba.” Eu não sabia disso na época. Talvez eu teria ficado mais tenso e talvez não tivesse dado certo. Ele me testou umas duas ou três vezes no primeiro mês e eu fui bastante irreverente com ele a ponto das pessoas ficarem meio assim. Um dia ele chegou pra mim assim: “Escuta, você é de Porto Alegre, não é?” “Sou.” “Hum. Tem jornal bom lá?” “Tem o Zero Hora, que eu não vou dizer muito bom, mas tradicional.” “Zero Hora? Hum... Tá bom.” Ele pegou... ele falava muito isso: pegava uma coisa, deixava no meio e ia embora. A partir da manhã seguinte até eu sair da DPZ, todos os dias de manhã eu chegava lá tinha uma Zero Hora na minha mesa. Ele foi lá e falou para a secretária dele: “Põe lá uma Zero Hora na mesa dele todos os dias.” Isso não tem preço. Coisa maravilhosa. Não tem preço a agressividade com que ele tratava algumas pessoas. Não tem nexo. Muito emocional e imprevisível mas o fato é que ele sempre gostou muito de mim e da maneira “mal-educada” da forma que eu respondia as loucuras dele. Almocei há dois meses atrás com ele e é sempre muito divertido. A DPZ era assim. Ela era a cara dos donos. Era sexy, louca, atrevida, diferente. Cada coisa boa que acontecia na agência eles estouravam fogos e todas a vizinhança das agências na Cidade Jardim ficavam sabendo: Ou a DPZ tinha ganho uma conta ou algum prêmio, ou atingido alguma meta, uma etapa, porque eles soltavam fogos lá de cima. As outras agências ficavam “putas”, porque eles faziam um carnaval daquilo e essa, sem dúvida, foi a agência que eu mais me diverti na vida. Era sensacional trabalhar lá. Desorganizada, maluca, com os defeitos que vem junto com esse atrevimento. De lá, estava sendo aberta na época uma agência que hoje é grande chamada F/Nazca Saatchi & Saatchi, de um cara interessante que se associou a uns ingleses nessa agência. Ele já estava há uns seis meses me convidando para trabalhar nessa agência, mas ainda uma coisa meio abstrata, mas aí um dia ele me falou: “Tô abrindo uma agência e seria super legal ter você aqui”. Eu falei: “entre uma agência que já é famosa, está estabelecida, é rica e não sei o quê, e uma agência que é um risco total, é óbvio que eu vou escolher o risco total (risos).” Aí eu fui para lá. Quando eu comecei tinha um cliente nessa agência. É claro que eles, Fábio, estava procurando outros. Eu entrei, tinha uma turma de três ou quatro criativos... Era o décimo primeiro dia da agência. A gente começou a trabalhar às 9:00h da manhã... Trabalhando e trabalhando a madrugada inteira para entregar uma campanha para esse único cliente. Trabalhamos a noite inteira, varamos a noite e pela manhã estava pronta a campanha. O pessoal levou, o cliente odiou e deixou a agência (risos). Que lindo começo (risos)! Todo encanto e pavor de um negócio novo. O cliente não te conhece, não sabe se o seu trabalho é bom, ele está te dando uma chance. Então tínhamos um cliente quando eu comecei e no dia seguinte não tinha nenhum. Mas foi indo super bem. Cinco anos depois eu saí de lá porque a agência já estava estabelecida, já tinha clientes grandes... Já estava com a Ambev, Toyota... Tinha clientes muito legais e era uma agência super bacana e eu tenho uma memória muito boa de ter trabalhado lá e me formou muitos critérios. Aí teve um convite da Talent, mas não era para a Talent que todo mundo conhece hoje. Era para um negocinho da Talent chamado Talent Biz, que era uma agência da Talent mas que ninguém dava muita bola, era uma segunda unidade, quase como uma casinha de praia. Os recursos não iam muito para lá, ninguém dava bola, ela fazia o trabalho que a Talent não queria fazer... Era pequenininha e tal... Eles me convidaram para ir pra lá. E entre uma agência que cresceu, que conquistou clientes e que eu tenho um lugar legal, que todo mundo me conhece e que me deu nome no mercado – A F/Nazca, e uma agência que é um ‘cocozinho’ desses que ninguém dá bola, é óbvio que eu vou escolher o ‘cocozinho’ deste tamanho que ninguém dá bola. Daí fui para lá e no ano seguinte a gente ganhou vários prêmios, numa agência que não ganhava prêmios, fomos a segunda agência mais premiada no Brasil em trabalharmos para a televisão, foi surpresa, ninguém esperava. Depois fui promovido para diretor de criação. Fiz um trabalho bastante consistente. Lá eu estava começando a ficar maduro profissionalmente, mas não pronto. Aí um cliente muito grande saiu da Talent e os tomaram a decisão de juntar as duas agências. A Talent que já era famosa com essa Talent Biz e por uma questão de economia de custos foi juntar essas duas numa só. Me convidaram para ser co-diretor de criação dessa coisa maior que é a junção das duas juntos. Nessa época eu estava com uma proposta; Eu cheguei a comunicar que eu já estava saindo. E porque eu estava saindo? Dentro da Talent tinham pessoas muito medalhadas, como o Mauro Perez, o Aragão, o Peralta, a Ana Carmen, o Alemão, que num plano sucessório estavam na minha frente. Eu falei: “Vou procurar um lugarzinho mais...” Comuniquei que estava saindo e o Júlio me convidou para almoçar, fez um pacote de remuneração e me falou: “As coisas às vezes, não são como a gente acha que são. Talvez tenha lugar.” Eu não sei se já estava com uma idéia na cabeça mas um ano depois algumas dessas pessoas já não estavam lá e mais seis meses depois nenhuma dessas pessoas estavam lá. Ele me chamou e falou: “Bom, lembra daquele papo de dois anos atrás? Agora você é o vice-presidente de criação da Talent. Vou te dar todo o apoio. Vamos conversar e ver o que você precisa.” Aí que veio uma posição. Foi até rápido e surpreendente. Acho que lá sempre teve uma troca muito boa: eu ajudei muito a Talent em momentos bem difíceis, ajudei muito com trabalho de qualidade e não com dedicação, fidelidade e... Botar coisa na rua capaz de atrair anunciantes e eles foram bastante justos na remuneração, em premiar essa ajuda. Por isso eu estou lá há doze anos, apesar de ter recebido algumas propostas nesse meio do caminho. É muito bacana. Hoje eu sou um pouco associado, não só associado pelo mercado a ser um cara da Talent. Isso tem uma lado ruim mas tem um lado bom também. Essa coisa do mercado publicitário, de todo mundo pular o tempo inteiro eu acho que lhe inibe, poda muito o seu crescimento, que é ter mais intimidade com o cliente, com as pessoas e participar de processos mais longos. Os criativos têm uma capacidade de frustração muito pequena. Ficou difícil aqui, com esse cliente ou agência o cara já quer ir embora e ir para outra. Eu sempre tive uma capacidade de frustração alta. “Ah, não, tudo bem. Vou dar um jeito nisso aí.” E aqui estamos.
P/1 – Eu queria saber mais especificamente como se dá esse relacionamento da Talent com uma empresa grande como o Santander? Como é o relacionamento? Como são os trabalhos?
R – Antes de tudo, é um relacionamento entre pessoas. Já daí vai... E você subentende: Imperfeito, às vezes de comunicação imperfeita, de entendimentos de coisas, às vezes frustrante. Mas, por outro lado, belo, porque poder conversar com as pessoas e poder trocar idéias e voltar atrás e construir pensamentos e ser reconhecido pela contribuição que você dá é muito interessante. Eu não estou falando do Santander, mas da maioria dos clientes da Talent. Nós temos com a maioria dos nossos clientes uma relação muito boa. Eu acho que, até, não é a relação mais comum no mercado. Os anunciantes geralmente reclamam muito das agências e as agências reclamam muito dos anunciantes. A gente não é a única exceção mas é uma exceção, tem um relacionamento de nível muito alto com o cliente, onde raramente tem briga, confusão, baixaria. É realmente muito raro e a gente tem uma maneira de lidar com as pessoas, com os clientes de nunca dizer: “Você está errado.” Primeiro que, talvez, o cara não esteja errado mesmo. Segundo, se uma pessoa está errada a pior coisa que você pode fazer é dizer que ela está errada, porque ela vai querer te provar que ela está certa. É dizer: “Não, eu vou pensar nisso.” Mas tem de pensar mesmo, e pensar honestamente e voltar dizendo: “Sabe aquilo que você falou? Fica melhor assim.” É uma postura extremamente honesta com a ideia do outro que não é fazer só porque é uma idéia do cliente. E que não é dizer ‘não’ só porque a ideia não é sua, mas é: “Pô, vou pensar nisso.” Se pensar e não der é dizer: “Ó, é melhor desse jeito. O que você acha.” Ou seja, a gente nunca deixa o trabalho mais fácil através de concordar com o cliente. A gente deixa até mais difícil mas com um objetivo de dar uma contribuição verdadeira, honesta. E tem nessa lógica, nesse mecanismo uma coisa que se prova verdadeira com o tempo: O cliente pode, episodicamente ficar puto com você, porque você não fez aquilo que ele falou, ou aquilo que ele pediu ou aquilo que ele estava pensando, ou aquilo que ele já imaginava como sendo ‘a solução’. Ele pode ficar irritado com você, mas na outra semana ele vai dizer: “Putz, como eu respeito esse cara.” É a certeza de que um bom relacionamento não é feito de nunca dizer ‘não’. Ele é feito de: “Pô, vamos ser honestos com a realidade, com a sua e a minha idéia?” Se a sua idéia for boa eu vou usar e vou dizer: “Olha, você me deu uma puta idéia.” Acabou de acontecer isso. O Fernando Martins, que é o nosso vice-presidente de Marca e Comunicação aqui do Santander, que é uma pessoa que tem bastante poder no banco e junto à essa área com as agência, ele muitas vezes dá ideias que eu ligo para ele dizendo: “Pô Fernando, isso aqui eu acho que tem... Mas isso aqui tá meio ruim... Tô te mandando três alternativas. Abre o teu email que tem três alternativas.” Ele quase invariavelmente diz: “Ah, gostei mais dessa segunda. Toca aí.” E agora ele deu uma idéia que eu mandei um email para ele dizendo: “Cara, essa idéia é brilhante. É a melhor idéia para esse produto que alguém poderia ter tido.” Só que eu não sabia que a ideia era dele. Eu achei que fosse de alguém daqui do banco. Ele me devolveu dizendo: “Fui eu que pensei nisso. Você acha mesmo?” “Pô, agora fiquei com cara de puxa-saco mas a idéia é do cacete.” Eu acho que a Talent junto com os clientes, com o Santander inclusive, tem uma relação muito honesta, franca, calma e com muita serenidade de colocar os fatos e as opiniões de maneira a escutar mas não obedecer. A gente não obedece. A gente respeita, entende, vai lá, acredita, resolve e também não tem uma postura juvenil de dizer: “Tudo que não é meu não interessa.” Acho que isso é uma coisa que ajuda muito, é ter uma convivência boa e ter o respeito dos clientes.
P/1 – E falando dos produtos que você desenvolve com o Santander: Que produtos são esses? Quais os serviços? Como foi a estratégia das campanhas?
R – A gente faz toda a parte de comunicação de massa, a estratégia da comunicação de massa em conjunto com o banco e depois a execução da estratégia predominantemente criativa e de produção, de mídia e a disseminação para outros parceiros que vão ter que usar esse material, essa base, estratégia para desenvolver outras disciplinas: Marketing-direto, Endomarketing, Online... A gente compartilha com esse pessoal todo as idéias, as estratégias para que o trabalho depois seja feito em cada parte e em concordância com o todo. A gente criou essa campanha-tema do “Juntos”, numa época em que o Santander estava se fundindo e absorvendo o Real, criamos uma plataforma de colaboração, que não é o “Santander e Real juntos”, mas as pessoas do Santander e do Real estão juntas, as ideias do Santander e do Banco Real agora estão juntas, os recursos e as agências do Banco Real estão juntas e mais importante do que isso: estamos juntos do que a sociedade está pensando, com o que a sociedade está precisando, com as inovações que as pessoas estão fazendo, com os jovens empreendedores, com a periferia, com os negócios online, com a sustentabilidade... Acho que a principal idéia do ‘Juntos’ é que ela não é mecânica: uma coisa junto com a outra e junto com a sociedade. A gente passou a explorar temas que vinham do Real, outros que vinham do Santander e que os bancos não falavam: inovação, empreendedorismo, sustentabilidade, jovens, universitários, velhos. Nós demos poder a isso. Os bancos falavam de outras coisas, mas o fato é que isso fez bastante diferença na percepção do Santander. Nós temos dados de que cresceu barbaramente em percepção, desejabilidade, atratividade... Esses investimentos dentro desse conceito do ‘Juntos’ deram um diferencial emocional e uma postura diferente para o Santander com relação ao mercado. Os bancos falavam basicamente sobre coisas de bancos: crédito, cartão de crédito, cheque especial, agência online, tecnologia e investimento. Basicamente era isso. De vez em quando tinha uma campanha institucional por ano para falar que “acreditamos no Brasil”, “investimos em cultura”, quase como um apêndice: “Precisamos falar disso também...” e o Santander entrou falando disso tudo misturado, junto dos diferenciais de produto. Isso pegou muito bem e para o público interno ajudou a entender que espaço esse banco poderia ocupar num mercado que já tem muito banco. A gente mesmo quando começou a pensar a atender o banco e vieram com o tema ‘sustentabilidade’ nós mesmo da Talent pensamos: “Cazzo, porque banco tem de falar de sustentabilidade? O que tem a ver?” O fato é que tem muito a ver e nós nos adaptamos rápido e geramos essa percepção da sustentabilidade do Banco Real à época e do Santander hoje. É o preço de você querer pensar diferente: as pessoas vão demorar um tantinho para sintonizar a rádio porque você não está repetindo o discurso da categoria.
P/1 – O trabalho da Talent começou com o Real. Como foi começar a trabalhar banco com sustentabilidade? Qual era a linguagem? Teve alguma campanha que marcou?
R – Como eu te falei, na época a Lew’lara, uma agência muito legal que também atendia o banco, a gente ficava muito angustiado: “Nossa, como falar de sustentabilidade? Isso é coisa para ONG, pra ecologista. O que banco tem
a ver com isso? Tem que vender o cheque especial com 10 dias sem juros… Cazzo?” Houve ali um medo de adaptação e procura, onde tanto a Talent como a Lew'lara fizeram os trabalhos, alguns mais interessantes, outros menos, uns funcionaram um pouco melhor e os outros... Mas a questão da sustentabilidade ainda não era tangível e um dia eu percebi que ela não ia ser tangível enquanto fosse explicado de um modo muito sintético e muito intelectual, a gente propôs para o banco um filme bastante incomum, que não era de 30 segundos que o banco fazia, era de três minutos e ocupava um intervalo inteiro do horário nobre da televisão brasileira, que foi o filme “Iuri”, que explicava do ponto de vista de um bebê recém-nascido o por que era importante o jeito que o Banco Real pensava. A gente criava ali uma teia em que as pessoas que estávamos mostrando sempre dependiam umas das outras: uma gerente do Banco Real, um cliente, alguém que cuidava do banco de investimento e esse bebezinho que havia nascido no interior do Paraná. A gente levou esse negócio para o banco e eles foram ousados em dizer: “Três minutos é chão, hein... mas se vai ajudar, vamos lá.” Eu acho que aí, nesse filme, com a duração e a narrativa peculiar que não era nada publicitária, a gente explicou para o mercado bancário, para os funcionários do banco e para os clientes porque era importante um banco pensar em sustentabilidade e que diferença que isso fazia. Depois disso a gente fez mais um filme, que se chamava “Interessante”, com a mesma duração, que começávamos com a frase que dizia: “Um dia a gente resolveu pensar em investimentos que privilegiassem empresas sustentáveis.” A gente achou que valia tanto a pena pensar assim que se tivesse que perder alguns clientes, tudo bem. É bastante incomum você colocar um comercial no ar dizendo: “Pô, a gente acredita tanto nisso que se tivermos que perder clientes por isso, beleza.” Só que aconteceu uma coisa interessante – é por isso que se chamava interessante o filme: vieram mais clientes. E aí falavam... A gente resolveu pensar em usar em toda a correspondência do banco só papel reciclável ou certificado. A gente pensou: “Talvez a gente vai ser criticado por isso, mas vale tanto a pena que a gente topa ser criticado.” Aconteceu numa coisa interessante: as pessoas começaram a elogiar. Esse era o mecanismo desse filme, que era um filme longo e que foi muito bem recebido. Eu acho que esses dois filmes consolidaram o trabalho que tanto a Talent como a Lew'lara estavam fazendo que era explicar porque era importante um banco pensar em sustentabilidade. A partir daí ficou mais fácil porque as pessoas entenderam. Quando o Santander assumiu o Abn e, por consequência o Banco Real no Brasil, a gente tinha dois bichos completamente diferentes: o Banco Real era um banco de relacionamento, em que os gerentes conheciam os clientes pelo nome, um banco menor, que pensava muito filosoficamente na sustentabilidade, na interdependência, no meio ambiente, na relação entre as pessoas e tinha isso reconhecido e que não era um banco agressivo, inovador, do ponto de vista de produtos, pois do ponto de vista conceitual era muito inovador. Do outro lado tinha um banco extremamente agressivo em relação aos produtos, e que ia lá e anunciava: “Você está pagando demais no seu cartão de crédito. A gente tem cartão sem anuidade para você, você está pagando juros demais. A gente tem um produto aqui pra você...” Ele criava muitos produtos que sacudiam o mercado, pois não se tinham aqueles produtos. Era mais agressivo, eu imagino, não tenho esses dados. Até comprometendo um pouco a rentabilidade mas para buscar uma imagem inovadora e uma base de clientes, o Santander tinha essa força mas não era um banco especialmente querido, que as pessoas diziam: “Que proposta legal!” Talvez por conta do início deles no Brasil que foi muito por aquisição: Comprar o Banespa, o Meridional... Muita gente que está lá dentro e se sente invadido... Acaba sendo um veículo de difamação... Acontece. O fato é que tínhamos esses dois bichos completamente diferentes. (troca de fita). Houve uma concorrência entre as agências. Várias agências no mercado e nós fizemos um trabalho louco e fomos escolhidos. A ideia inicialmente era de ter mais de uma agência e a direção do banco chegou a conclusão: “é um trabalho tão sensível unificar essas duas marcas, que vai requerer tanta energia que é melhor ser uma agência só.” A gente se poupa de administrar interesses, vaidades, diferenças tão grandes do ponto de vista conceitual... E veio para a gente a tarefa de unificar esses dois bancos. Aos poucos fomos percebendo que as empresas que fazem bons negócios elas são assim mesmo: elas pegam o que tem de benchmark em um, as melhores práticas e que mais funcionam em um e as que mais funcionam no outro e aí tem um trabalho hercúleo de fazer essas duas coisas rodarem numa plataforma só. É super difícil porque é gente. Daí que veio essa ideia do ‘juntos’: fazer com que as melhores coisas do Santander e as melhores coisas do Banco Real se juntassem num primeiro momento mas, principalmente a proposta de que... O Bradesco tinha contado para os brasileiros a história do tamanho, o Itaú contou para os brasileiros a história da tecnologia, o Banco do Brasil contou aos brasileiros a história da história e do patriotismo, o Banco Real contou aos brasileiros a história da sustentabilidade, o Santander contou a história dos produtos mais agressivos, e esse Santander, que foi o resultado da fusão do Santander com o Real, não poderia ser mais nem o banco da Sustentabilidade nem o banco dos produtos agressivos. Ele tinha que contar uma história nova. E a história nova que a gente arrumou para contar foi a história do ‘juntos’ com as aspirações e as inovações da sociedade brasileira. Eu me lembro que nós fizemos um debate muito grande numa casa, num evento com 100 pessoas discutindo sobre qual era o papel do banco e no final nós chegamos a uma conclusão: o banco tinha o slogan “O valor das ideias” que ele atribuía a ele banco, só que o mundo lá fora estava com mais ideias do que aqui dentro – qualquer banco, qualquer empresa. As pessoas estavam com ideias de viajar, de empreender, criar um site, abrir uma lavanderia, escrever, fazer uma banda de rock ou de música brasileira, usar tecnologia para ganhar dinheiro, ideias de inovação. Tinham pequenos empresários fazendo coisas muito interessantes como: um lava-rápido de carros que não usava água, maneiras diferentes e colaborativas de fazer negócio... E a gente dizia: “O banco só está vendendo os seus produtos e a sua própria ideologia. Vamos pôr o valor das ideias das pessoas?” E aí ele se colocou como um parceiro para as ideias empreendedoras. A gente fez, por exemplo, um filme que dizia: “Acreditar numa ideia quando ela já é um sucesso só precisa ter dinheiro. Mas acreditar numa ideia enquanto ela ainda é maluca é preciso saber sonhar junto. E isso o Santander sabe fazer.” O Santander quer criar junto com você toda uma geração de novos empreendedores. Essa é uma proposta simples, inteligível, contemporânea, verdadeira, que não é bullshit. A gente fez um filme que se chamava “O mundo não precisa de mais um banco”. É muito interessante a coragem que o Santander teve ao assumir algumas coisas. Cara, o mundo está cheio de banco e ele não precisa de mais um banco. Sabe do que o mundo precisa? Uma outra ideia para ele mesmo. A ideia do juntos, de que a gente precisa inovar mais, de que você não precisa ficar nervoso com o seu dinheiro, que você viva em harmonia com a questão financeira, empreender, pensar em sustentabilidade, inventar todas as chances, todas as profissões. Fizeram um estudo de que nós precisamos inventar novas profissões. Vamos inventar juntos? Não é a toa que, de repente você vê um chefe de cozinha que era uma profissão marginal, hoje tem um charme louco, porque é uma profissão nova, quase inventada, Web Designer, Fashionista, essas coisas não existiam. O fato é que tem muita gente nova aí que tem outras ideias sobre profissão, sobre como crescer na vida, que não é trabalhar numa empresa e sim empreender. Nós fizemos esse filme também: o mundo está precisando de novas profissões: vamos inventar juntos? São propostas que, de uma maneira mais ou menos organizada, o banco procurou ser fiel no seu trabalho junto aos clientes e nos produtos que ele estava lançando. A gente conseguiu criar uma história diferente dos outros bancos, que é a história do “Juntos” e conseguiu que o banco, percebendo essa vocação, se voltar realmente para isso – ser um banco que oferece coisas diferentes, embora os bancos sobrevivam, vivam de juros, de tarifas, de investimentos... Mas até porque se reúne uma quantidade de recursos tão grande, o banco tem um poder de influenciar muito o que vai acontecer e promover. Eu acho que o Santander promove coisas bacanas.
P/1 – E falando de processo de criação, quais são os grandes desafios de se criar uma campanha como esta num momento em que o banco precisa se firmar e mostrar a sua cara para o seu cliente?
R – A criação tem uma parte que é racional e que você consegue definir, que é um pouco de planejamento criativo, estratégia criativa, que é fazer uma lista de coisas e “que problemas a gente precisa resolver e quais as oportunidades a gente tem?” Quando entra na estratégia criativa... para uma campanha resolver esses problemas e endereçar essas oportunidades, o que ela precisaria ter? Para cada cliente, cada caso, problema, vai ter uma lista do que essa campanha precisa ter de diferente e, no caso do Santander, a gente precisaria ter uma campanha que fosse eficiente, tanto na parte mecânica da fusão dos bancos, quanto em gerar uma ideologia e um valor novo, a gente precisava de fazer as pessoas lembrarem – que esse valor novo tivesse um ícone, uma lembrança, que depois foi encontrada na palavra ‘juntos’. Precisaria ser durável, flexível, principalmente porque uma hora você vai falar do institucional, outra hora de um produto, com um universitário, talentos da maturidade, com o empresário... Ela deveria ter uma continuidade, deveria ser parte de um corpo só e deveria poder assumir vários formatos e, também, trazer o Banco Real para dentro do Santander. Você faz essa lista antes: O que uma campanha virtuosa, para resolver esse problema e aproveitar essas oportunidades deveria ter. Até aí é racional. O resto é... Lá é insegurança pura, caos, tentativa e erro, dentro da agência, entre nós; levantar hipóteses: “E se for assim? Não, isso vai dar errado por causa disso e disso...” É ter metade de uma campanha desenvolvida e olhar e dizer: “Pára, isso é bobagem. Joga fora.” Nada racional, totalmente artesanal, caótico, em que você se sente muito pequeno porque você não sabe, você acha que não vai conseguir resolver, “tá muito complicado... Pelo amor de Deus, me dê um anúncio de ‘Salve as baleias’ para fazer porque é mais fácil, tá muito complicado... Não dorme...Um dia você fala: “Lembra daquela ideia que você falou no terceiro dia? Como é que era mesmo? Isso é bom pra caramba!” Aí você começa a dar substância para aquilo e começa a fazer um check daquela lista... O que uma campanha precisaria ter para cumprir essa missão? Aí você pega: “Hum, juntos com a sociedade, vamos fazer juntos?” Ela faz acontecer o negócio. O método, os processos são um pouco assim, bastante angustiantes e tem uma parte dele que não é racional. “Ah, deveria ser assim. Não, agora vai ser assim.” E como você fazer uma palestra para o time antes da final do campeonato só que quando o time entra em campo o adversário está jogando completamente diferente e você tem que se reorganizar inteiro. Essa é a vida de criativo. (Pausa) O interessante é que tudo que a gente se propôs a fazer neste período de compra do Real, da absorção de pessoas, hábitos e vocações, um do outro, o Real deixar de existir como marca e ter percebido uma personalidade do Real e do Santander... Tudo acabou de um jeito mais ou menos perfeito e a gente conseguiu fazer. Hoje se faz uma pesquisa e pensamos: “Conseguimos.” Mas tem outras coisas para fazer: tem outros desafios, oportunidades e problemas.
P/1 – Antes de falarmos desta perspectiva, eu queria saber qual a importância da marca, como se constrói, o que precisa fazer para mantê-la forte e com visibilidade?
R – Num produto você tem dois vínculos: O da utilidade dele – o que ele pode fazer fisicamente por você, e o vínculo da marca. O ideal é que essas duas coisas sejam bastante fortes. Até um tempo atrás, 20 ou 30 anos, as empresas tinham o direito de procurar um diferencial de produto maior. Através de uma descoberta elas compravam uma fábrica, faziam uma logística e podiam levar, para o mercado, um tênis que ninguém tivesse, com uma tecnologia completamente disruptiva e nova, era uma época que se comunicava o diferencial do produto. Isso era o mais importante: Qual é o diferencial? Por quê? Porque esse diferencial ele é válido por um bom tempo: um ano, dois anos, três anos... O mercado era muito mais lento. Fazer uma fábrica para combater um diferencial de um adversário, um concorrente era um processo muito mais caro e lento. Então o diferencial existia por mais tempo. Hoje é muito difícil se ter um diferencial e ele pode ser evitado e combatido quase no dia seguinte. A performance do produto e alguns diferenciais eventuais que possam ter são bastante importantes mas num mundo cheio de produtos – não sei se vocês já leram um livro chamado ‘O paradoxo da escolha’, que conta que o mundo não ficou mais feliz depois que passou a ter mais escolhas. Hoje você tem 100 mil calças jeans diferentes e, por um lado isso lhe dá muito mais escolhas, angústias... “Será que eu estou escolhendo a coisa certa?” Mas nesse mundo de hiper-consumo, que tem muito mais ofertas de produtos de diferentes fabricantes, a maneira do produto e da marca pensar ficou tão ou mais importante do que o que ela faz. É importante que ela faça produtos de qualidade, que tenha boa performance, diferenciais, mas que esteja ancorada numa maneira de pensar. Aí começou a nascer um marketing que não existia que antes se chamava de Marketing de Causa, já se chamou de Marketing de Atitude. Eu acho muito mais simples que isso, que é: “Nossa, como você pensa, cara!” As pessoas estão muito interessadas nisso. Você vê empresas como Nike fortemente ideológicas, apple, também, a Coca-cola, que era só produto e astral adquiriu muito mais profundidade e inovação na questão desse momento de felicidade e passou a ser mais ideológico, acho que os bancos e as grandes empresas descobriram isso. A Dove, que trouxe a ideologia da mulher bonita de verdade que não necessariamente era... Sei lá, o sabonete Dove, é bom, muito bom, aqueles outros produtos como hidratantes, shampoos são bons? Muito bons. Distribuição incrível – Unilever, está em todo lugar, são produtos de qualidade, mas esses produtos ganharam um relevo muito maior a partir de uma plataforma de ideia para o mundo e para as pessoas, não só de produto. Isto é marca, a maneira pela qual as pessoas te reconhecem. Conhecem como você se comporta, como você fala, a personalidade que a marca tem – se ela é mais expansiva, ousada como a Benetton, que acabou de fazer essa campanha que foi super amada, criticada e tirada do ar, mas o fato é que eu reconheço a Benetton lá. Eu conheço um cara que tem uma loja de roupa, uma franquia enorme, grande, com uma ótima qualidade e uma característica visual que dá pra perceber por um lado e percebo que tem emoção, coração e visão de mundo lá. E essa visão de mundo é expressa, ela não é mais: “Nós vamos fazer a melhor empresa...” Ela não é uma visão com um objetivo financeiro e comercial. As marcas são visões de mundo. Os produtos não são. Eles são desdobramentos dessa visão de mundo. Se você tem uma marca e uma visão de mundo forte as pessoas vão aderir porque elas compartilham essa visão. “Pô, isso faz todo o sentido pra mim.” Elas irão ficar lá se você tiver produtos de performance e compatíveis. “Legal como você pensa, mas o seu produto é muito ruim.” A marca é como os produtos e como a empresa pensa manifestada por logotipo, trilha, discurso, fala, resposta, não-resposta. Quando a atendente do Sac (Serviço de atendimento ao Consumidor) atende alguém que quer reclamar o ideal é que ela tenha a ideologia da marca além do discurso, que ela saiba, inclusive, se for o caso em que a marca acredita nisso: “Posso corrigir uma coisa? Eu acho que a senhora não entendeu isso daqui...” A marca pode ter a ideia de que precisa ser honesta com os clientes sem ser puxa-saco de cliente, e dizer: “Claro, a senhora tem toda a razão.” A gente precisa ser honesto com o cliente. É uma visão de mundo que a marca vai ter e que vai ser aplicada nesse relacionamento. Pode ser que a marca tenha uma visão: “Foda-se. Não gosto de cliente reclamando, eu faço o que eu quero.” Esta visão de alguma maneira vai estar manifesta lá. O atendente do Sac dizendo: “Não senhor, isso não é verdade. Nós estamos fazendo o melhor... Pode procurar no mercado, não tem melhor produto que o nosso. O senhor está de muita má vontade.” São três discursos de Sac completamente diferentes, que eles podem ser coerentes com a visão de mundo que a empresa venha a ter. Umas mais politicamente corretas, outras menos, umas mais certas e outras mais erradas. A Benetton, como eu falei, tem essa visão absolutamente ousada e de provocar polêmica. Eles fazem isso e se comportam assim. Eu vou te dizer, eu admiro. Eu gosto. Eu não tenho a raiva com a comunicação ou a expressão da Benetton ou o que ela historicamente faz, desde quando tinha anúncio da Benetton com um cara morrendo de Aids. (Pausa) Eu acho legal. Acho que as marcas têm de transcender o que elas fabricam. Elas tem que pensar.
P/1 – Quais são os passos que o Santander precisa tomar a frente para se tornar a marca mais forte no Brasil?
R – Eu acho que é liderar, mas não só liderar... Muito frequentemente se chama de líder o maior. O líder não é o maior, porque a liderança não tem a ver com o tamanho – quantos clientes você tem. Ela tem a ver com a sua visão de mundo, os assuntos e os debates que você propõe. A rede Globo de Televisão transcendeu o papel de ser uma empresa muito grande e importante por ter uma ferramenta poderosa na mão... Você pode ver que há alguns anos atrás eles começaram a liderar debates e esses debates estão na novela. Não estão no programa da madrugada, com intelectuais. Eles estão na novela: o casamento gay, os maus tratos aos idosos, as drogas, a corrupção... Está tudo sendo tratado lá, não só no Jornal Nacional. Eu acho que isso é liderança, que é propor os assuntos que precisam de síntese para se continuar vivendo, que precisam de jurisprudência, que precisam ser resolvidos, não totalmente, mas curados, em face dos momentos que a sociedade vem vivendo. Isso para mim é liderar e eu acho que o Santander já começou e propôs bons debates: o mundo não precisa de mais um banco, acreditar numa ideia depois que ela é grande é fácil, a gente toparia perder clientes por causa disso mas acabou ganhando, tem que continuar liderando e é muito possível que a liderança te leve a ser o maior, mas não é a mesma coisa. Ser líder e ser o maior não é a mesma coisa. Se o Santander liderar e trazer os debates... Claro, que sejam pertinentes a ele, sobre a vida econômica, a angústia quanto ao mundo financeiro, a desinformação das pessoas sobre finanças, sobre os próprios bancos – as pessoas debatem os bancos: “Bancos poderosos demais, ganham muito dinheiro...” Eu acho que uma marca líder é uma marca que lidera esses debates, que aceita críticas e que lidera para a sociedade avançar, para a sociedade entender que: “Bom, acho que isso daí já está tratado, vamos para o próximo assunto.”
P/1 – Como é que o marketing vê as inovações, não só tecnológicas mas também a questão das redes sociais? Como isso pode ser trabalhado pelo marketing?
R – Tem uma palestra que eu dou de vez em quando que diz que hoje é a melhor para ser publicitário da história. E se estende para ser marketeiro, para ser piá, para trabalhar com endomarketing, porque essas tecnologias trouxeram ferramentas para você atingir e conversar com muita gente ou conversar com grupos menores de pessoas, com muito dinheiro ou com pouco dinheiro, com o Brasil inteiro ou com uma cidade, com um bairro… Para falar de um assunto mais institucional, ideológico, ou de assuntos muito práticos como: “O seu número de conta vai mudar.” A gente nunca teve tanta ferramenta para trabalhar. Eu acho que aí tem uma confusão que é o tal do 360, quando alguém diz: “tem que fazer o 360.” Acho que isso é a parte mais comum de como lidar com marketing no meio de tantos veículos e tanta mídia, que é: Pensa num negócio e espalha ela para todas as disciplinas. É a mais comum e dispendiosa também. O mais legal disso é que você pode, dependendo da oportunidade ou do problema, daquilo que você quer dizer, achar o seu público da maneira mais rentável. Às vezes só televisão; outras, só jornal; às vezes internet com televisão; às vezes trabalhos nas redes sociais com anúncios que vão chamar todo mundo a conversar sobre isso. Essa não é uma ideia de 360, é uma ideia de liberdade de poder escolher o melhor meio para o assunto que você tem, com o assunto que você quer falar com o dinheiro que se tem para gastar. Tem um cliente nosso que fabrica calçado e ele fala: “Ah, para esse produto eu não tenho dinheiro.” “Tem. Para esse produto você tem dinheiro”, porque você pode criar um canal de televisão só para mil pessoas, que vai ser eficiente para elas, com um custo compatível que vai te fazer investir e vender o produtos mais micro que você tem lá. Isso não era uma coisa possível mas hoje é. Long tail é isso. Um dragão de comunicação de massa que começa na pontinha desse dragão e chega até a conversa pessoa a pessoa. “Eu tenho um tênis usado, 2009, corri só duas vezes com ele...” E o outro cara fala: “Pô, justamente o que eu estava precisando.” Os caras se acham lá e isso aí é comunicação também. O 360 é um conceito pouco eficiente e ultrapassado também. O fundamental é ser tridimensional, é olhar tudo: “Vai ser isso aqui misturado com isso aqui. Fala com o cara certo o que a gente quer dizer”. Achei a combinação perfeita.
P/1 – E falando em construção da marca e visão de mundo, como fazer para torná-la perene? Por exemplo, jingles que ficam, frases que ficam, ou mesmo o ‘Juntos’, que ficou totalmente associado ao Santander... Como fazer esse processo?
R – Acho que tem um pouco de qualidade criativa, de fazer coisas que as pessoas gostam, acho que é uma coisa básica da comunicação, não é da publicidade. Comunicação interpessoal é você ter ícones, palavras e gestos que as pessoas possam lembrar, quando se tem um parente que fala alto e abre os braços você identifica essa pessoa com esse gesto, com este falar, com essa atitude. Tem de ter coisas que as pessoas lembrem. Algum ícone visual, auditivo, um pensamento, um raciocínio... “Não é assim uma Brastemp”, isso não é da propaganda, isso é de gente. Se você quer que as pessoas lembrem do que você falou, arranje uma boa frase que elas vão lembrar de toda a sua opinião sobre aquele assunto que vai resumir tudo o que ela vai lembrar; Ao lembrar dessa frase ela vai lembrar de todo o resto. Mas se você faz um longo discurso correto e chato, que não tenha nada para lembrar, essa pessoa que está num bar ou almoçando com você no restaurante, ou conversando na beira da praia, ela vai pra casa e não sabe o que você falou. Esse mecanismo é totalmente humano, não é exclusivo da publicidade. “Penso, logo existo”. Imagina você ouvir um cara dizer: “Sabe, o amor? Eu acho que o amor não dura para sempre. Ele é uma coisa que ele vem, acontece, não sei. Acho que vai mudando de característica e... De repente ficam as memórias...” Ninguém lembra mais disso. Mas: “Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”. Todo mundo lembra porque representa essa ideia inteira. Uma visão de um pedaço da vida. Precisa disso, de qualidade criativa de produção e precisa coerência. O randômico se comporta como um esquizofrênico e as marcas também sofrem de esquizofrenia. “Pô, bicho. Num dia você vem numa alegria e me dá um abraço. No outro dia vou falar com você e você não me cumprimenta. Afinal, quem é você?” Precisa ter coerência, como uma pessoa, uma marca, que tenha o seu jeito, que as pessoas digam: “Esse aí é o Santander. Eu reconheço.” “Essa é a Fernanda... Eu já reconheço nela.”
Todo mundo convive com alguém assim. A dificuldade que é... “Quem eu vou encontrar hoje?” Eu acho que coerência, constância, mudar, porque para ser coerente você tem de ir mudando de um jeito a trazer coisas novas para o seu discurso original, ter o que antes se chamava de gag, meme, bordão, enfim, coisas para lembrar, isso ajuda muita. A constância, ter recursos para investir, não precisa ser muito nem um grande anunciante, mas ser um anunciante é uma coisa muito importante. Se você tem boas ideias, um bom pensamento de marca, uma boa comunicação desenvolvida, uma estratégia mas não tem recursos... Não adianta.
P/1 – Retornando para as questões pessoais, você comentou dos filhos, conta pra gente como conheceu a sua esposa?
R – Eu conheci a minha esposa porque ela foi à F/Nazca Sacchi & Sacchi e através de alguém ela me mostrou o seu trabalho. Ela é publicitária. Eu a conheci desse jeito, numa sala de reunião, vendo o trabalho dela. Eu devo ter achado ela uma pessoa muito interessante e agradável, com um sorriso muito generoso. Tive uma impressão muito boa dela, mas não mais do que isso. Eu tinha me separado na época e namorava. Seis meses depois a encontrei numa festa de propaganda, conversamos um pouco, mas não mais do que isso. Mais alguns meses eu a encontrei em outro lugar, conversamos mais um pouco e a convidei: “Vamos tomar um negócio.” A resposta foi um pouco reticente... “Tá.” Aí começamos a sair. Ela namorava um cara do exterior e estava num momento confuso e a gente saindo e tal... Eu senti que ela tinha uma dificuldade de tomar decisões que iam significar romper o relacionamento que ela tinha, um certo conflito com a família porque era judaica ____________; “será que isso vai me dar problemas?” Uma hora eu vi que a gente começou a se gostar mas eu senti que ela estava insegura, que briga ela iria comprar e como ia terminar esse negócio? Na época eu organizei um grande... Hoje seria muito fácil fazer isso, é só fazer no Facebook, mas na época não tinha Facebook, eu liguei para muita gente que me conhecia, inclusive ex-namorada, gerente do banco, ex-colega, pessoas de Porto Alegre, de São Paulo e descobri o fax da empresa onde ela trabalhava e eu pedi para todas as pessoas mandarem um fax para ela, nesse número, dizendo o que achavam de mim (risos). E ela começou a receber fax, um atrás do outro, durante dois dias. Recebeu quarenta fax. Virou um puta evento, as pessoas na agência inteira, foi uma maneira divertida que eu achei... Os textos mais loucos, porque eu não ditava nada para as pessoas. Dizia: “Me dá uma ajuda. Avisa essa moça que eu sou um cara legal...” (risos) Gerente do banco: “fala que eu não estou no negativo.” Gerente do flat onde eu morava: “Manda um fax e diz que eu não estou devedor no flat.” Montei essa teia maluca. Ela se divertiu para caramba recebendo... E aí começamos a namorar. Foi uma prova de que dá para comprar alguns desconfortos aí. Namoramos, casamos e aí vieram os filhos, são trigêmeos, dois meninos e uma menina. Eles tem nove anos agora. São meus filhos mas são meus “brothers”, porque é sensacional. Cada época, cada ano muda. Você tem de deixar de se preocupar com algumas coisas e se preocupar com outras. O fato é que viver com eles é muito divertido. Muita conversa, muita opinião, minha filha tem opinião para caramba. Realmente é uma diversão, quando eu posso estar com eles...
P/1 – Como você, enquanto cliente vê o banco e que você espera de um banco?
R – Eu sou cliente do banco e vou te dizer: Estou relativamente satisfeito. Acho que o banco me causou um problema há anos atrás, mas foi pró-ativo para resolver e para compensar, porque eu tive perdas por causa desse erro de atendimento. No mais, acho bastante... Inclusive durante a integração tecnológica, as plataformas de serviços, que tantos bancos que se fundiram e, é claro, tem problemas, coisas que levam um tempo para fazer, eu não senti nada, não tive nenhum problema. Os bancos em geral são uma mistura da imagem e dos produtos, que são feitos pela organização que projeta imagens, ideias e produtos que são vendidos de forma sistêmica em toda a rede, para todos os clientes, mas tem um outro lado do banco, que é o da pessoa que te atende. Isso é metade do caminho. Acho que quanto melhor for essa pessoa dentro da ideia geral do banco e quanto mais capacitada ela estiver, te responder de um jeito bacana mas usando a ideologia e a ideia do banco que é sistêmica, acho que mais satisfeito o cliente fica. E foi justamente esse o problema que eu tive. O banco prometia, nos anúncios que eu fazia e não me deu esse atendimento a ponto de me causar prejuízo. O meu gerente à época foi bastante prolixo em se desculpar e o banco foi eficiente em corrigir, mas o gozado é que eu senti muito de perto o que o banco pretendia e prometia sistemicamente e uma falha individual. E tem o contrário também. Às vezes o gerente que lhe atende consegue corrigir uma falha sistêmica, consegue interceder, te acalmar, negociar, buscar coisas nos produtos do banco que te atendam melhor e que são quase atitudes criativas. Eu não tive muitos problemas. Esse foi bem ilustrativo e me ensinou que: Se o banco promete uma coisa, a pessoa que está na linha de frente tem de estar apta para entregar aquilo. Tem de estar motivada e sabedora se não você tem um grau de insatisfação que vai além do “não deu certo”. “Pô, me prometeram.”
P/1 – Tem alguma campanha que você tem mais carinho?
R – Para o banco?
P/1 – Para o banco e mesmo da sua carreira, desde porto Alegre.
R – Tem muita coisa que eu tenho carinho. Às vezes você acha que fez uma coisa muito legal e ao pôr no ar as pessoas não reagem muito. Você chega à conclusão de que: “Era muito legal pra mim, eu continuo achando legal mas eu não falei a mesma linguagem, nem aquilo que as pessoas estavam preparadas para ouvir, criticar ou dar risada.” Às vezes você faz alguma coisa que acha legal e tem uma reação desproporcional. E aí é o ponto ‘g’ do criativo. E a hora que tudo acontece. Você achou legal, vai para o mercado e lá foram estão dizendo: “É legal.” Eu acho que algumas coisas do Banco Real, como a do “Esse Banco Existe, Esse Banco é Real.” Foi uma campanha bem diferente, um banco bem permeável. As pessoas prestaram muita atenção e entenderam, as campanhas dos postos Ipiranga que a gente faz e agora estamos produzindo mais cinco filmes, criei aquele russo maluco, o coronel Tutchenko; Inventei a estratégia de lançamento do Rugby no Brasil, um esporte que não existia, com a campanha “Rugby, isso ainda vai ser grande no Brasil”, que era totalmente auto-depreciativa e as pessoas adoram, tem uma repercussão enorme e foi premiada... Também fiz o rúgbi existir no Brasil, por causa dessa campanha e de outros fatores o Rugby brasileiro está sendo transmitido ao vivo pela Tv a cabo e tem patrocinadores. Tem concorrentes do Santander, como o Bradesco, tem a Topper que é nosso cliente e patrocinador do Rugby, tem a Heineken que é cliente e patrocinados do Rugby, tem outras como a Cultura Inglesa, que acham que esse esporte é interessante; é uma campanha que me deixa muito feliz, de novo pela minha vontade, quase animal, de fazer coisas que não existem acontecerem. Vir para São Paulo, para uma agência que ainda era pequena, promover um esporte que ainda não existe, contar uma história do banco Santander que ainda não existe; acho que esse é o meu grande prazer como publicitário em que a gente tem a possibilidade – claro, não é todo o dia, mas de conseguir fazer que histórias de relações e coisas que não existiam e passaram a existir. Rugby, Juntos, Postos Ipiranga… A F/Nazca, que eu fui ajudar lá e que ainda nem existia, um trabalho incrível do Fábio e da equipe que ainda está lá mas que eu também coloquei meu tijolinho, a Talent Biz, que era uma agência simpática mas meio ‘café com leite’. Essas são as coisas que eu mais gosto de fazer em propaganda: pegar um negócio que não existe, fazer existir e as pessoas vão reconhecer.
P/1 – E o que você acha dessa iniciativa do banco Santander trabalhar com a sua história, com a sua identidade enquanto marca através da trajetória dos seus funcionários, colaboradores, parceiros?
R – Eu acho muito legal.
Tenho curiosidade de saber que tipo de matéria pode ser gerada a partir daí. Desde uma – provavelmente esse não vai ser o objetivo, mas sim entender algumas diferenças, mas nesse monte de gente que vocês estão entrevistando algumas características em comum e como vão dar um traço para o banco, que possa ser transferido para o banco. Se ele está nas pessoas e de forma consistente na relação com o banco, ele pode ser adotado pelo banco, e isso vai ser um jeito de legitimar as pessoas. É Juntos. “Eu estou pegando um desejo, uma vontade, uma característica, uma vocação que eu reconheci em vocês, meus colaboradores, clientes, meu país, sociedade e estou dando força para isso”. Acho que isso também é liderar. Acho que vai ser um material interessante. Não pretendo ver 44 entrevistas de duas horas mas eu gostaria muito de ver esse material, se ele for ficar disponível um dia, vai ser bacana.
P/1 – E o que você achou de ter participado desta entrevista?
R – Achei calor. Super legal, bacana, é raro a gente ter ocasião de falar de você, se expor um pouco. Eu acho super bacana.
P/1 – Em nome da Vice-Presidência de Marca, Marketing, Comunicação e Interatividade e do Museu da Pessoa a gente agradece a sua entrevista.
R – Eu quero saber mais do Museu da Pessoa.
Fim da entrevistaRecolher