Depoimento de Pedro Lanzoni
Entrevistado por Roney Cytrynowicz e Ana Paula Soares
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 24 de outubro de 1994
Transcrita por Carlos Alberto Torres Mattos
P - Senhor Pedro, inicialmente, o senhor poderia dizer seu nome, o local e a data em que o senhor nasceu, e o nome de seus pais?
R - O meu nome: Pedro Lanzoni, filho de Alberto Lanzoni, falecido. Eu nasci em 18 de maio de 1899.
P - O senhor nasceu na Itália?
R - Nasci na Itália, Bolonha.
P - E, senhor Pedro, qual que era a atividade dos seus pais, ou do seu pai?
R - Meu pai era pedreiro.
P - Em Bolonha mesmo?
R - Em Bolonha.
P - O senhor chegou a trabalhar com ele quando era pequeno?
R - Ah, quando eu tinha vontade eu ia trabalhar com ele, mas eu não gostava do ofício.
P - Ah, o senhor não gostava?
R - Não gostava do ofício.
P - E sua família morava na cidade mesmo ou morava nos arredores?
R - Não, nós morávamos fora dessa cidade de Bolonha, mas eu quando comecei já a trabalhar de barbeiro, eu trabalhei na cidade de Bolonha, na Rua São Carlos que ali não está escrito, não?
P - E o senhor começou cedo como barbeiro?
R - Ah, eu tinha seis anos, entrei num salão de barbeiro com seis anos. Mas eu ia à noite quando meu pai não me via, ele não queria. Ele não queria que eu fosse barbeiro.
P - O que é que ele queria que você fizesse?
R - Ele queria que eu fosse do ofício dele. Aí eu enganei a raça porque eles lá são todos pedreiros, e eu não queria ser. Aí à noite eu fugia, eu ia no salão, que tinha um amigo lá, aí eu fui aprender ofício de barbeiro.
P - E o que é que o senhor fazia, no começo, na barbearia?
R - Como assim?
P - No começo, o que é que o senhor fazia na barbearia?
R - Ah, só passava sabão no rosto do freguês Eu nem alcançava, tinha um banquinho, eu subia no banquinho que era pra passar sabão no rosto. Ele está fotografando também?
P - Está.
R - Mas, posso fazer movimento?
P - Pode, fica a vontade.
R - Porque quando, antigamente pra fazer a barba não tinha pincel. Quando eu comecei não usava pincel. Então, tinha uma bola de sabão dentro de uma bacia, uma bacia que punha aqui embaixo assim e eu passava sabão na cara do freguês. Quando estava ensaboado então o chefe vinha fazer a barba e eu molhava barba.
P - E, senhor Pedro, o senhor tinha irmãos em Bolonha?
R - Como é?
P - O senhor tinha irmãos?
R - Se eu tinha irmãos? Espera aí, deixa eu lembrar... Ah, tinha sim.
P - Algum deles seguia o trabalho do seu pai?
R - Ah, eles seguiam o trabalho do meu pai, porque eles gostavam, não é? Então todos os parentes, os parentes todos eram tudo pedreiro. O serviço de pedreiro lá era tudo por conta deles. Mas agora eu desviava, né? Quando não queria, não queria. Por quê? Não tem gosto. Trabalhar precisa trabalhar no que a gente gosta, aí sim.
P - E, senhor Pedro, quando começou a Primeira Guerra Mundial, o que aconteceu?
R - É, quando me chamaram, eu tinha 16 anos, era a época que tinha a Guerra, né? Me chamaram, aí eu arrumei uma caixinha, pus todas as ferramentas lá dentro. Aí quando eu cheguei no exército eles perguntaram: "Quem é barbeiro?" "Sou eu." "Então você fica aí." Aí eu fiquei barbeiro de companhia e servia a todos os oficiais e soldados também, quando precisava cortar cabelo era eu quem cortava. E, mesmo na trincheira, quando nós estávamos lá na trincheira que não tinha combate, não tinha perigo, não é? A gente sentava lá numa pedra, cortava o cabelo e a barba.
P - Quanto tempo o senhor chegou a ficar dentro de uma trincheira, muito tempo?
R - Ah, nós ali ficava, nós ficamos, só em uma montanha, nós ficamos sete meses.
P - Sem sair da trincheira?
R - Só neve Sem sair da trincheira. Porque nós saímos só quando havia um pouco de sol, só pra esquentar, não é? Lá só havia neve. E, à noite, como é que se chama? A tenda que fazia pra dormir, a tenda que chamava, como é que chama-se aqui? É a tenda, não é? Aquela barraca do exército, aí ela caía em cima de nós, à noite, com o peso da neve. Aí a gente levantava, levantava e limpava, tornava a montar a barraca e ficava lá dentro. Mas já estava tudo cheio de neve. A gente estava em cima da neve.
P - E o senhor lutava, também?
R - Como é?
P - O senhor lutava, também? O senhor também lutava ou o senhor ficava só na função de barbeiro?
R - Não, lutava Na trincheira, na trincheira eu não fazia nada de barbeiro. Quando vinha a ordem de avançar lá, ou pra segurar o inimigo, eu também tinha a mesma ordem dos outros soldados. Aí eu tinha umas vantagens, não é? Eu era mais amigo dos cozinheiros, eu comia as coisas melhores.(risos) Os outros soldados não podia entrar na cozinha, e eu entrava e fazia lá o que eu queria. Mas os outros podiam porque tinha regulamento. Aí quando eu entrava lá dentro eu comia lá, porque os cozinheiros também precisavam fazer barba, né? Aí quando eles queriam fazer a barba e o cabelo, eu fazia também pra eles. Os oficiais também. Assim, continuava assim, até que um dia tiraram lá de cima, sete meses, ficamos chamava-se Monte Cornoni, chamava-se Artipianni Viarjiago, não sei se vocês já ouviram falar, Artipianni Viarjiago Ficamos sete meses lá sempre debaixo de neve e ali quando perdemos alguns soldados eles tiraram, fizeram uma troca, subiram outros e descemos nós, e ali ficamos em descanso, quer dizer, retaguarda, não é? E lá, ficamos lá um tempo, depois veio a retirada, nós descemos todos. Dali, quando descemos eles tinha a ordem de mandar embora já, porque nós éramos a classe mais nova. Tinha ordem de mandar pra casa. (risos) A sorte da Itália que nós estávamos lá ainda. E nós paramos os alemães, paramos eles no Piave. Porque se eles chegassem a atravessar o Piave, é um rio, não é? Um rio grande Se eles chegassem a atravessar aquele Rio Piave, a Itália era toda perdida. Mas como nós éramos novos, há pouco tempo, era só seis, sete meses que estávamos lá, e ali nós estávamos na trincheira lá, nós paramos os alemães e mandamos embora eles. Aí passamos o Piave e veio a ordem de acabar a Guerra.
P - O senhor lembra do dia em que a Guerra acabou?
R - Que os alemães não puderam mais agüentar, não é, então eles recuaram. Nós chegamos até Udine a pé, debaixo de chuva. E atravessamos cada rio que encontrávamos, aquilo passávamos a nado, vestido tudo, nós passávamos a nado lá, e quando chegamos lá perto de Udine ficamos parado, ficamos parado lá, até, pois ali vimos o rei, toda a família do rei, que foram todos em Udine. Naquela época não tinha Mussolini ainda, porque depois Mussolini entrou, não é? De maneiras que eu passei a guerra lá, depois quando fizemos aquela avançada, aí nessa época que estávamos lá na avançada, meu pai morreu.
P - Ah, o seu pai morreu na Guerra?
R - É, que ele também era do exército. Aí depois de meu pai ter morrido, aí eu passei arrimo de família. Aí me mandaram pra casa. Eu fiz só quatro anos, mas a minha classe fez oito anos de soldado, tirou quatro anos de soldado, os últimos de 99 fizeram oito anos de soldado, porque mandaram embora os outros, que eram mais velhos, não é? Mais cansados, mandaram embora, aí ficaram lá. Mas eu fui pra casa porque, com a gripe de 18, aquela gripe, meu pai morreu com a gripe de 18. Ele estava em casa, já. Ele morreu, eu cheguei em casa, já estava morto. E me mandaram pra casa, eu cheguei em casa não encontrei uma alma na rua toda. Não tinha mais ninguém, estava tudo doente, minha família também, tudo lá, tudo doente. Mas a alegria que eu cheguei em casa, um começou a levantar, outro começou a levantar e devagarinho a doença foi embora. Felizmente não morreu mais ninguém na minha família, mas meu pai morreu com a gripe, a gripe espanhola que chamava-se, não é.
P - E quando o senhor voltou, o senhor voltou a trabalhar na barbearia também?
R - Não, aí não fui mais na barbearia, não tive mais salão depois. Quer dizer, ofício de barbeiro eu sempre trabalhei. E eu ia ajudar aquele que me ensinou o ofício. Eu ia, ajudava ele quando havia muito movimento e assim depois a minha mãe resolveu vir pro Brasil, ela convidou para vir pro Brasil...
P - Por que é que ela veio?
R - Como assim?
P - Por que é que ela veio pro Brasil?
R - A minha mãe veio no Brasil porque ela queria ver um irmão, que ele não podia ir para a Itália, porque ele tinha família grande. Então minha mãe disse: "Bom, já que ele não pode vir pra Itália, vamos nós pra lá, você quer vir Pedro, comigo?" "Ué, vamos." Ela sabia que eu não tinha dinheiro, ela disse: "Não, eu pago tudo pra você." Então ela pagou todas as despesas e nós viemos embora. Mas com a intenção de voltar. Mas que voltar Eu cheguei aqui, gostei, depois de três dias já estava trabalhando no salão de barbeiro.
P - O que o senhor gostou quando o senhor chegou aqui, tanto?
R - Como é?
P - O que mais o senhor gostou quando o senhor chegou aqui e não quis voltar pra Itália?
R - Eu cheguei, mas São Paulo era muito diferente de agora. Havia um povo mais hospitaleiro, que era um povo mais humilde. Depois, naquela época, havia mais italiano do que brasileiro. E eu nem precisava nem falar brasileiro. Eu aprendi porque o barbeiro, no salão tem aquele brasileiro que só fala brasileiro. Aí eu aprendi porque eu era o barbeiro. Mas havia pouca gente em São Paulo, era muito pequena quando eu cheguei. A Avenida São João chegava à Rua Aurora, no Largo Paiçandu chegava, a Avenida São João. Dali pra frente era ainda Rua São João, imagina aquela época.
P - O senhor, em três dias começou, aqui no Brasil, a trabalhar?
R - Ah, no mesmo dia, se eu quisesse já tinha lugar. Faltava operariado aqui. Faltava porque tinha pouca gente, não é?
P - Mas o senhor não conhecia os donos?
R - Não, mas sabe o que é? O latino, o latino, ele aprende fácil, porque a língua italiana é a língua latina. O francês também é língua latina. O brasileiro também, o português é língua latina. De maneiras que a gente aprende fácil, não é? Eu, num mês, eu falava que nem agora. Só que não tinha, não tinha aquela firmeza de falar português, como falo agora. Por exemplo, eu pensava antes de falar, não é, qual era a palavra que ia seguir, eu pensava antes de falar. Mas eu falava, me defendia bem. Eu fazia questão de servir os brasileiros no salão. Puxava conversa, puxava conversa e eles só falava brasileiro E eu era obrigado a aprender, não é? E eu aprendia, num mês eu falava já. Foi tão bom que depois de três meses eu já tinha um salão meu.
P - Ah, o senhor montou? Em três meses o senhor já tinha um salão próprio?
R - Montei logo um salão. Depois de três meses montei salão.
P - Tinha diferença entre o corte de cabelo, entre ser barbeiro aqui e na Itália?
R - Não, a mesma coisa.
P - Nenhuma diferença?
R - Não, barbeiro é um só, barbeiro é uma só.
P - A moda não variava de um país para o outro?
R - A moda tanto faz lá como aqui, a mesma coisa. Foi bom que depois de um tempo que eu estava aqui aí veio a moda das mulheres cortarem. Porque elas antes não cortavam.
P - Cortavam em casa?
R - Elas cortavam no salão. Quer dizer, que nesse tempo que eu fui empregado ainda não tinha a moda de cortar cabelo das mulheres. Mas depois que eu montei salão na Rua da Glória, como eu já falei para o senhor. Depois eu vendi lá o da Rua da Glória e fui pra Barra Funda. Na Barra Funda ali que deu, veio a fúria, todas elas queriam cortar cabelos
P - Nos barbeiros?
R - No barbeiro, lá dentro, cortava junto com os homens. Lá ficava a fila lá, cortava de uma mulher, depois vinha um homem, servia o homem, depois servia a mulher e assim por diante.
P - E quando é que separou? Quando é que as mulheres começaram a cortar no cabeleireiro?
R - Ah, elas começaram lá em 32, antes da Revolução que estava ali. Depois da Revolução de 32 Porque na Revolução de 32, a minha mulher, primeira mulher, ela foi na Barra Funda, e nós tínhamos uma família de bolonheses lá. Ela foi passar lá e eu fiquei lá perto do Cambuci, perto da Igreja do Cambuci. Lá era o forte da batalha. Eu fiquei preso lá. Não sabia se minha mulher estava viva, ou se estava morta. A mesma coisa eles não sabiam nada de mim. Eu estava lá, no salãozinho, é um pequeno salãozinho que eu tinha lá, foi até o primeiro, que eu marquei aí no seu papel, na Rua Viera de Andrade, em frente ao Morro do Piolho. Ora, ainda essa, não sei se os senhores já ouviram falar. É, em frente ao Morro do Piolho. Aí nós estávamos lá de noite, enchia o salão lá de gente. Estou atrapalhando alguma coisa?
P - Não, não, tá certinho. E o senhor ficou vários dias preso dentro do salão?
R - Ah, ficamos, ficamos, depois o pior é que era diferente, era que um dia de manhã, tinha os legalista e no outro dia tinha os revoltosos. Quer dizer, os revoltosos avançavam, não é, eu jogava fora os legalistas. No outro dia os legalistas, jogava fora os revoltosos. E chegavam lá e eles perguntavam: "Você o que é? O que é que eu sou, sou italiano."(risos) Eu só falava isso, quer dizer que eles não podiam saber se era revoltoso ou legalista, né? "Mas eu sou italiano." "Mas como?" "Eu sou italiano." Era o que eu falava, sempre isso, tinha a minha defesa, não é. Eu sou italiano E ficamos diversos dias lá dentro, fechados lá, sem minha mulher saber se eu estava vivo ou morto. Mas depois eles distanciaram, teve uma grande batalha na Igreja do Cambuci, lá teve uma grande batalha e aí no Morro do Piolho, atrás de uma pedra, numa parede, que deste lado de cá estava eu com o salão, ali matavam um paisano. Soldado, soldado matou um paisano, revoltoso matou um paisano, atrás do morro, matou à queima roupa. Acho que ele não respondeu direito, não é, o que ele perguntou e mataram lá. O Morro do Piolho foi muito falado. Agora não sei, parece que, parece que derrubaram o morro, não sei, faz tempo que não vou por lá. E assim, depois acalmou tudo e eu fui lá, fui buscar a mulher e fiquei lá um tempo também, mas depois eu vendi o salão. Aí comecei a andar, montei na Rua Glória, como eu falei já pro senhor, montei um salão na Rua da Glória, depois vendi, dali passei pra Barra Funda. Eu tinha mais: essa família de conhecidos, eles que me indicaram o lugar. Foi muito melhor, que havia mais necessidade de barbeiro lá do que da Rua da Glória. Aí fui continuando a trabalhar lá, trabalhei diversos anos na Barra Funda. Depois comprei uma casinha lá, eu fiz salão na frente da minha casa, da minha casinha que eu comprei, na Rua Brigadeiro Galvão, e ali montei um salãozinho com três cadeiras, uma estava eu e dois empregados que eu tinha lá. Eu fiquei um tempo, depois eu fui comprando casinhas. Eu pagava dez mil réis, dez mil réis cada uma, casinhas pequenas. Mas eu comprei quatro casinhas, uma pegada à outra, aí eu fiz um espaço grande, tinha a frente grande. Depois vendi, vendemos tudo. Aí depois quando passei para os Perdizes, como eu já falei pra o senhor, na Rua Cardoso de Almeida, esquina da Cândido Espinheira ali foi quando eu vendi na Brigadeiro Galvão, mas eu comprei também na Camaragibe, não sei se o senhor sabe onde é a Rua Camaragibe, ali na Barra Funda. Essa aí era uma casa boa, grande e assim, e assim, sempre andando pra cá e pra lá. Eu gostava muito de montar, fazia uma freguesia fácil, e num mês tinha tanta gente que vinha fazer a barba, vinha da Casa Verde, vinha de todo lugar. Tinha gente que eu não dava nem conta. Aí eu aumentava a cadeira, cada filho que vinha montava uma cadeira, e assim foi, cada filho que nascia, a gente precisava ganhar mais, não é? Senão o sustento não dava e aí montava mais uma cadeira no salão e assim por diante. Vivia-se assim, mas eu sempre fui bem. No Brasil, se todos que vieram de lá fossem tão bem que nem eu, aí não havia reclamação. Eu fui sempre bem no Brasil, mas sempre trabalhei, sempre trabalhei por minha conta. Só trabalhei de empregado quando cheguei porque não sabia falar o português, não é? Aí eu tinha que aprender um pouco. Aí fiquei só três meses, aí depois montei salão logo e assim fui sempre, vivendo assim.
P - Nessa época o senhor já colecionava selos, senhor Pedro?
R - Como é?
P - O senhor já colecionava selos, nessa época?
R - Ah, não colecionava, guardava... guardava. Mesmo quando era empregadinho, lá, que eu passava o sabão assim, o freguês, quando era Páscoa ou Natal, eles davam, lá eles davam gorjeta só na festa grande, o cliente não dava toda vez que ele ia lá, não. Ele dava gorjeta só quando era Natal ou Páscoa. Aí esse dinheirinho, eu ia comprar selo no correio, em vez de gastar no armazém para comprar balas, eu ia comprar selos.
P - Então o senhor já veio para o Brasil com selos?
R - Tinha, eu tinha uma coleçãozinha de selos, de selos da Itália. Aí quando eu cheguei aqui, eu comecei, a desenvolver os outros países. Aí eu fiquei colecionador, mas eu colecionava. Muito tempo fui colecionador. O Brasil sempre em primeiro lugar.
P - Quais eram os outros países que o senhor colecionava?
R - Ah, eu colecionei primeiro lugar o Brasil, depois a Itália, eu colecionava Alemanha, a França, a Argentina, os países latinos. Os países latinos quase todos, depois colecionava a Rússia também, tem bastante selos da Rússia, tem selos bonito, não vale nada mas tem bastante selos. Depois então, que eu vendi o salão que eu tinha na Cardoso de Almeida, esse último, aonde que o senhor corta o cabelo (risos), tem que apresentar também, no livro ele tem que sair também, não é? Ele era freguês lá do salão que era meu. E assim que, quando eu vendi o salão aí eu me dediquei mais aos selos.
P - Já profissionalmente.
R - Já, além de colecionar, eu vendia alguns dos países que eu não gostava. Aí eu vendia mesmo, lá na praça. Todos esses países latinos, eu tinha todos.
P - Quais os países que o senhor vendeu e que o senhor não gostava?
R - Ah, que eu não gostava? A Argentina
P - (risos) Por quê?
R - Não sei, não tinha o gosto por selos da Argentina. Não havia comércio quase, e não tem até hoje, o senhor sabe? Argentina não tem até hoje, não tem comércio. Mas a Alemanha, que são selos que tem muita procura na praça, até hoje, Alemanha, especialmente a Alemanha antiga, tem muita procura. Bom, mas depois têm muitos que coleciono, o Japão, mas é muito difícil, a gente não entende nem a língua, não entende o dinheiro. Ali, o senhor faz o que os outros querem, se outro vem dizer: "Não, esse selo é barato." Se vem um japonês que diz: "Ah, esse selo é barato." Precisa dizer: "Ah, é verdade, é barato" Mesmo que não é, talvez é caro. Ele sabe que é caro porque ele conhece. Mas eu não conheço porque não conheço a língua, né?
P - Senhor Pedro, naquele época, pra vender na Praça da República, bastava ir lá, armar uma barraquinha e vender?
R - Sim, teve um tempo que era só chegar e... porque ali, quando, especialmente quando entrou os hippies. Agora, quando era só moedas e selos ali tinha uma ordem que para entrar precisava mesmo uma ordem, que sem ordem também não entrava. Mas depois que entravam os selos, os hippies, que encheram a praça, ali não precisava mais nada pra entrar. Aonde tivesse espaço, montava. Mas entraram muitos vagabundos, muitos ladrões. Mas ali as autoridades perceberam que era um erro ter deixado entrar toda essa gente, mas eles também precisavam trabalhar, não é? De um outro jeito eles trabalhavam, eles trabalhavam lá dentro. Eles trabalhavam um pouco e roubavam do outro lado, não é? (risos) E assim que... aí eles começaram a separar, não é. Aí eles começaram uma lei pra tirar um documento na polícia, que não tivessem passagem pra polícia. E se não tivessem aquele documento, mesmo aqueles que estavam lá, tivemos que tirar e quem não pudesse tirar, ali caía fora. Não podia ter a banca e muitos tiveram que desistir, muitos desistiram porque não podiam tirar, porque havia crimes, não é? Nas costas havia crime, havia dívida que não pagou, caloteiro, não é, e todas essas coisas. De maneira que lá eles fizeram uma limpeza.
P - Mas, senhor Pedro, quando o senhor foi pra praça o que era vendido na praça? Já havia selos e moedas na praça?
R - É, mas eu comecei com as moedas.
P - Ah, o senhor vendia moedas?
R - Eu fui um, que abriu um primeiro, estava sozinho nas moedas, quando comecei a vender as moedas lá na praça.
P - O que é que mais era vendido, naquela época, lá na praça?
R - Bom, moedas e selos também. Mas tem uma coisa, agora não é pra dizer, pra falar, mas o senhor sabe o que é, o brasileiro ainda até hoje faz a mesma coisa. Se o brasileiro vê que aquele negócio dá, ele já vai e monta outro pegado. Ele também quer ganhar, e lá é a mesma coisa. Lá eu tinha uma freguesia muito grande, estava sozinho, eles viram que ia muita gente pra comprar moeda, lá num mês já tinha 15 ou 20 que vendia. Num instante, num instante, a praça encheu num instante.
P - Quem eram os fregueses, senhor Pedro?
R - Ah, freguês bom. Médicos, eu tinha um doutorzinho, alto assim, ele comprava todas as moedas. E teve um tempo, eu morava na Rua Camaragibe, teve um tempo que ele precisava de uma moeda que eu tinha, uma moeda antiga, cara, do Império, ele soube que eu tinha, de madrugada ele foi lá em casa, de madrugada Enquanto eu não vendia a moeda, ele não sossegou. E ele levou a moeda, pagou o que eu quis, não é?
P - E o senhor preferia selos ou moedas, pra vender?
R - Bom, quando não conhecia os movimentos, não é? Tem uma coisa, quando eu trabalhava com as moedas, eu comprava coleção de selos, também, mas a coleção de selos eu guardava em casa, e não vendia selos. Eu vendi, dez anos, as moedas. E os selos que eu comprava eu acumulei em casa. Quando cansei das moedas, porque moeda cansa, porque não tem variedade, não tem cores e tem uma coisa, as moedas, uma moeda rara, que geralmente está na mão de ricos, o senhor não encontra moeda, é diferente os selos. O selo, com dinheiro, o senhor encontra, mas a moeda o senhor não encontra, porque o rico não solta. Aí que a gente não podia servir os fregueses, eu disse: "Não, eu vou passar pros selos." E como eu já tinha todo esse monte de selos em casa, eu deixei lá as moedas, eu tenho em casa ainda as moedas daquela época, eu tenho muitas moedas em casa. Não vendi mais, na praça, as moedas. Então, eu montei banca, montei a mesa com o guarda-chuva, que nem os outros, e assim continuei até hoje. Quer dizer que são 44 anos que estou lá. São 34 anos de selos, e são dez anos de moeda.
P - O senhor chegou a ter uma coleção de selos grande?
R -- Como assim?
P - O senhor teve uma coleção de selos muito grande?
R - Ah, eu tinha uma coleção muito grande O Brasil também... mas naquela época eu tinha de outros países. Como eu disse, todos os países latinos eu tinha. Mas depois minha mais idade, idade, idade, depois eu cheguei um ponto que achei que era muita coisa e eu vendi todos os selos estrangeiros e fiquei só com os brasileiros, vendi até os italianos pra diminuir o peso. Ali eu vendi todos os selos estrangeiros, fiquei só com os italianos só com os brasileiros. E hoje, até hoje com os brasileiros, porque o brasileiro, tendo dinheiro, como eu disse, tendo dinheiro, o senhor encontra olho-de-boi, todos os mais caro, porque nós tem, tem os inclinados, a segunda série de selos que eu mostrei... não foi pro senhor não, foi pra outro freguês, que eu mostrei lá. A segunda série de selos do Brasil, que chama-se inclinados, é porque é um selo meio torto, essa aí tem os selos mais caros do que olho-de-boi.
P - Olho-de-boi é o primeiro selo feito no Brasil?
R - É o primeiro do Brasil e é o segundo do mundo.
P - De que ano que é?
R - É de 1843.
P - E o primeiro selo foi aonde, senhor Pedro?
R - Ah, o primeiro, como é?
P - O primeiro selo é de onde?
R - O primeiro selo é da Inglaterra. Agora, a Inglaterra tem selos bons. As colônias especialmente. Quem tem uma coleção de selos da colônia inglesa, tem uma fortuna em casa que não sabe. Tem selos muito caros.
P - E, senhor Pedro, o que mais mudou no comércio da praça desde que o senhor entrou, se é que mudou? O senhor está na praça há 44 anos, o senhor falou. Mudou alguma coisa no comércio, no tipo de gente que freqüenta a praça, nesses anos?
R - Não mudou nada. Agora, o que mudou lá, quando entraram os hippies, todo mundo achou ruim, menos eu. Porque esses hippies que montaram também a banca, havia mais vendedores, mas veio uma avalanche de compradores. Porque se a gente vai ver, José Paulino, Rua Vinte e Cinco de Março, eles vendem tudo o mesmo artigo e quantos negociantes que tem? E quanta gente que vai lá comprar, não é? Eles vão lá direto. E assim aconteceu, aconteceu na Praça da República. Quando esses que eram contrário em dar ordem aos hippies de abrir banca na praça aí eles ficaram sabendo que foi um benefício pra nós, porque veio mais gente, movimento muito maior e continuou o movimento, só que fizeram um bem, que tiraram os vagabundo, não é? Tiraram os vagabundos de lá, que foi pra nós uma salvação pra nós, que agora não tem tanto ladrão como tinha. E não é só isso, eles dormiam lá na praça, lá no chão, nós chegamos lá um dia pra abrir a banca, tinha um casal lá no chão, abraçado, deitados, dormiam lá de noite. Não podiam fazer nada, né? São gente sem responsabilidade. Agora não, agora aqueles que estão lá, eles têm ordem pra ficar lá. Eles têm esse papel da justiça, compreende? E sem aquilo eles não podem trabalhar lá.
P - Senhor Pedro, o senhor nunca pensou em abrir uma loja de selos, como o senhor tinha uma barbearia?
R - Muitas vezes fui convidado pra sócio, mas eu não quero.
P - Por quê?
R - Porque quero liberdade, liberdade, eu trabalho mais trabalhando sozinho do que se fosse com um outro. Mas pra não acontecer isso eu nunca quis entrar de sócio. Sócio não convém. Os selos, esconde-se facilmente. Olha, vou dizer pro senhor, me roubaram um classificador que tinha uns três milhões de cruzeiros em valor de selos, me roubaram em casa, debaixo dos meus olhos, me roubaram em casa, há pouco tempo, há uns três meses. Como nós estamos falando de sócio, nem todos são bons, sabe? E às vezes, diz que a ocasião faz o ladrão, e eu vou almoçar, um fica, eu sei lá, eu não posso ter todos os selos marcados, que está lá dentro. Ele vende um selo raro lá, e eu não sei nada. Agora, diz ele: "Mas o senhor também pode fazer a mesma coisa." Mas eu não quero, por isso que eu não quero, por isso que eu não entro em sociedade. Eu quero saber o que eu vendo, não é isso? O senhor não acha que é justo? Pelo menos sei que quando não tem mais este selo é porque eu vendi. Eu sei o que eu tenho. Se eu perco o dinheiro, sou eu que perco, não é? Mas não é porque por dá a culpa ao sócio, né?
P - Senhor Pedro, pra ter uma banca na Praça da República é preciso uma autorização da prefeitura?
R - A da prefeitura e tem mais outros serviços, é uma companhia que toma conta lá da praça, mas sempre mandada pela prefeitura.
P - E o que mais é preciso, é preciso pagar imposto?
R - Ah, diversos documentos, não é só isso aí não. Têm diversos documentos. Agora esse cartão que eu mostrei, que tem a fotografia, eles dão, mas a gente leva a fotografia e eles fazem o cartão, eles dão o cartão pra todos que entram lá na praça. Mas quando entram lá na praça é porque eles já estão em ordem. Já está tudo de acordo, porque sem ter tudo eles não podem entrar lá dentro não.
P - Até IPTU tem que pagar?
R - Não, nós tem ali tem uma taxa anual, que nós pagamos aí, que eu paguei há pouco tempo que venceu o ano. Eu paguei, nem sei se era 75 ou 80 reais que eu paguei, mas é por um ano só. Aquilo dura um ano, quando vence um ano, aí faz outra vez.
P - Senhor Pedro, o senhor casou pela primeira vez já no Brasil?
R - Não, na Itália. Eu casei na Itália e ela ficou lá, ficou seis meses.
P - Ah, ela não veio com o senhor?
R - Não, porque eu vim a passeio
P - E depois ela veio?
R - Ah, logo depois de seis meses eu mandei vim pra cá. Aí fiquei aqui. Eu já tinha uma filhinha lá, nascida lá. Mas ela viu que estava meio doente e ela vinha na época do frio aqui, e o frio aqui não é ruim, mas não é bom pra quem já vem doente, não é bom. Ela veio com princípio de pneumonia e aqui ela acabou de pegar pneumonia completa, ela morreu. Morreu depois de uns dois meses que estava aí. E pra segurar a mulher aqui? Ela queria ir embora logo, e eu não tinha dinheiro. Meu tio me queria dar dinheiro e eu disse: "Não, ela veio, ela fica." É, quando depois eu queria ir, ela não queria ir mais. Disse: "Não, eu já acostumei."
P - O senhor quer fazer uma pausa, senhor Pedro?
R - Como?
P - O senhor que fazer uma pausa pra descansar?
R - Não, não, engasguei um pouco.
P - Ah, tá, mas dá pra continuar?
R - Dá, dá. E aí que, mandei vim ela, veio a menina, mas depois de dois meses morreu. E assim ficamos sem filho, mas logo depois veio outro.
P - E depois o senhor teve um segundo casamento?
R - Segundo casamento... É, minha primeira morreu em 42, no fim de 43 eu casei com a segunda, mas não tive filhos.
P - E como ela chamava?
R - Vicentina, Vicença, é, Vicentina, é o nome todo. Mas eles chamam, lá em casa chamavam Vicença. Mas é Vicentina que ela se chamava, era filha de italiano. Então eu fui na Itália junto com ela, em 48. Que ela tinha vontade de ir, de ver os parentes lá na Itália, mas tudo parentes meridionais. De Nápoles, de Solerno, nós andamos todas as montanhas lá pra procurar os parentes dela e assim que nós ficamos lá. Eu fiquei na Itália uns três meses com ela. Mas a metade de novembro, nós estávamos em Milão, caiu um frio, tudo de repente, ela começou a tremer, ela não parava mais de tremer, não parava mais: "Vai embora Pedro, vai embora Pedro." Ah, eu tive que ir na companhia de navegação. "Ah, vamos embora, vamos embora." Já tinha a passagem ida e volta. Eu tive que vir embora. Nós estávamos tão bem, ela gostava Ih, em pouco tempo ela aumentou dez, 11 quilos, aumentou 11 quilos em pouco tempo.
P - Senhor Pedro, agora o senhor é casado pela terceira vez, né?
R - Essa é a terceira.
P - Há quanto tempo?
R - Bom, casado, casado, mesmo com ela, quer dizer, ela está há muitos anos comigo.
P - Há quanto tempo o senhor vive com ela?
R - Mas casado, desde que eu completei 85 anos, são 14 anos que eu casei. Mas com ela, já faz uns 35 anos. É já faz 35 anos que ela está comigo. Ela muito trabalhadeira sabe, muito boa. Cada um tem os defeitos, nós todos temos defeitos, só precisa tolerar um e outro. Ela tolera os meus e eu tolero os dela e vamos vivendo assim, mas ela é muito boa, muito dócil sabe, se dirige fácil. E o senhor vê como que ela fala, eu que mandei ela na escola. Eu mandei ela na escola quando ela veio comigo. Mas assim mesmo ela não tem, não sabe muito não, mas ela sabe assinar, mas ela não quis continuar. De maneira que ela podia estar melhor ainda.
P - Mas ela ajuda o senhor no trabalho, né, nos selos?
R - Como assim?
P - Ela ajuda o senhor com os selos, na Praça da República?
R - Sim, ela ajuda mas ela vende as coisas já com o preço. Ela vende as coisa, o material que já tem o preço marcado. Porque se é pra mexer nos selos ela não serve pra isso. Aí ela vai...
P - Ela está nos vendo aqui.
R - Mas, quando ela veio comigo era analfabeta, completamente. Aí abriu ali perto tem um convento de freiras, ali perto de casa, eles puseram, eles abriram uma escola pra analfabetos. Eu mandei ela lá, pra ela apreender a escrever seu... o nome dela. Mas ela é muito esperta.
P - Senhor Pedro, o que é que o senhor mais gosta nos selos? O que é que o senhor mais gosta de trabalhar com os selos?
R - Eu gosto mais por quê? Eu gosto porque as cores, a variedade de cores satisfaz a vista, satisfaz o... não sei... Porque o senhor pega um, é uma cor, pega outro, é outra cor, as moedas não é. As moedas que têm aquelas cinco ou seis é sempre aquilo, é sempre amarela, cobre, prata, ouro, eu nunca trabalhei porque as moedas de ouro são muito caras, nunca trabalhei com moeda de ouro. Mas de ouro mal, porque lá na praça tem um que só trabalha com moeda de ouro, e quando um freguês queria, eu não ia mandar ele lá comprar, ia eu comprar e eu ganhava comissão, ali eu ganhava alguma coisa, mas eu nunca pude ter um estoque de moeda de ouro. E assim que é o prazer dos selos e outro prazer é quando senhor precisa, o selo que o senhor precisa o senhor encontra. Às vezes tem uma pequena dificuldade, que tem selo que às vezes desaparece. Mas se não é hoje, é amanhã que vem bem aquele que tem.
P - Mas o senhor encontra nesses atacadistas ou com outros colecionadores?
R - Também com, com, negociantes, também. Nós fazemos com, com, negociantes mesmo que só vende só a unidade. Às vezes nós vamos lá, a gente sabe que aquele tem, lá na praça mesmo, quando eu tenho uma falta de uns selos, assim na hora mesmo eu corro num amigo, eu sei que ele tem e ele me cede. E tudo isso aqui dá um prazer trabalhar com selos.
P - E os motivos o senhor gosta também, os temas de selos de flores ou de animais?
R - Bom, ali é um conjunto, porque separando já não é mais uma coleção, ali é uma separação, ali chama-se temática. Temática quer dizer, o senhor coleciona cavalos, é tema de cavalo, ela coleciona flores, ela tem tema de flores, e nós temos todos, quer dizer, que o conjunto de selos brasileiros tem tudo isso, né?
P - Tem algum tema que o senhor gosta em particular?
R - Não, eu não tenho, eu tenho todos eles. Eu tenho desde o primeiro até o último que saiu no Correio, eu tenho todos os selos que saíram no Correio do Brasil. E quando sai todos os selos eu vou comprar no Correio. No Correio eu pago o preço do selo e depois na praça a gente aumenta um pouquinho, né, pra ajudar nas despesas. Porque eles lá não fazem desconto, quer dizer, que eles não dão, não dão porcentagem. Porcentagem é atacadista que dá, aí o atacadista dá. Mas selo novo, último, as novidades é só na filatélica no Correio Central. A gente vai lá, a gente sabe quando sai, não é? Porque telefonamos, telefonamos lá. Eu tenho a relação anual, nós tem a relação anual antes de sair. A gente já sabe, tal dia sai tal selos. Ali então a gente já vai lá e compra e já põe na relação dos selos de venda, e aí a gente passa pra frente. E o freguês, tem o freguês que compra todos os selos que saem no Correio, vão lá todos os domingos, pois é. E assim que a gente passa o tempo que, e os anos vão a frente (risos) e assim que eu cheguei até essa idade. É o sossego que eu tenho.
P - Só mais uma pergunta, senhor Pedro. Seus filhos algum deles continua com o trabalho dos selos?
R - Ah, tem um que coleciona. O mais novo dos dois que tem marcado aí, o Sérgio, ele tem uma coleção particular dele.
P - Mas ele gosta de trabalhar, também, profissionalmente?
R - Ah, eles vão lá de domingo, agora de domingo vai um, outro domingo vai outro. Eles vão os dois lá na praça, mas não são registrado, não é necessário. Eles não obrigam, basta que esteja lá presente aquele que está no cartão, eles não fazem questão. A minha mulher também está lá todos os domingos. Tem vezes que estamos todos lá, a família inteira, mas ninguém fala nada. Agora, eles já tiveram mais lá, quando foram desempregados, aí eles iam os dois pra lá, eles trabalhavam contínuo comigo. Mas agora eles estão trabalhando e deixa eles. Mas eles são muitos obedientes, não são desses de cabeça virada, e eu dei uma instrução, eles são formados em inglês, os dois têm o diploma de inglês, estudaram seis anos e estão sempre estudando.
P - E, senhor Pedro, teve alguma mudança no comércio de selos nesses anos em que o senhor está lá ou o tipo de selo que é procurado? Teve, o senhor lembra de alguma coisa importante que mudou?
R - Como assim?
P - Se nesse tempo que o senhor trabalhou com selos mudou alguma coisa no comércio de selos? Hoje tem muito mais gente que vende, compra ou não?
R - Contrário, agora abaixou muito, agora diminui muito a clientela. Mas isso é temporário. É temporário, não vai muito tempo, porque o que abala muito, especialmente o nosso ramo, moedas e selos, abala muito com essas mudanças de moedas e desta vez foi a vez que mais abalou. E teve domingo que com muito custo deu pras despesas, que nós temos despesas, nós tem um carro na praça e precisa pagá-lo. Nós tem... a gente come na praça, precisa pagar. Os filhos comem, a mulher come, eu não como nada. (risos) Eu tomo café antes de sair de casa, tomo reforçado, mas eu vou até a hora do almoço. E eles não, sabe como é, eles beliscam sempre, deixo que façam, eu não me incomodo. Eles são todos assim mesmo. Lá passa uma mulher com cestinha, (risos) passa o outro com sorvete, passa o outro com a laranjada, eles compram, eu não pego em nada. Eu não como nada na praça. Será que tem algum prejuízo isso aqui?
P - Não, não.
R - E é assim, eu não... até eles falam: "Mas por que o Pedro não come?" Uma, que eu tenho diabete, e diabete não posso comer qualquer coisa, eu já acostumei, não faço nem questão, eles comem lá na minha frente eu não sinto nada, é a mesma coisa que nem se eu estivesse comendo. Em casa ela faz bolo é a mesma coisa. Eles comem na presença, lá na mesa, eu não como. Mas não tem importância, eu não quero, vai prejudicar a minha saúde.
P - O senhor falou que sente diferença quando muda a moeda, que cai o comércio de selos?
R - Sim, é porque a moeda quando ela entra não, não tem estabilização, como se diz, não tem um valor fixo, justamente agora, essa última, nossa moeda custou um pouco a entrar no miolo do povo, como se diz, custou um pouco. Agora que estão acostumando, ainda mais fazendo essa modificação com aquelas moedinhas pequenas. Elas vêm lá, eles seguram. Agora, eu vivi já em época dessas moedinhas pequenas, quando era réis aqui no Brasil, na Itália também era centavos pequenos. Eu vivi naquela época, como quando cheguei aqui no Brasil, ainda circulava os réis, aqueles 50 réis, 20 réis, tinha dois réis, eu ainda tenho muita moedinha dessas lá em casa, brasileira mesmo, eu tenho lá em casa. Quer dizer que eu não fiz diferença nenhuma, entrou essas moedas, mas muitos fazem, muitos se perdem. Eles se perdem porque é tudo um conjunto. "Mas este quanto vale? Este quanto vale? Por quê? Por que este vale tanto assim?" Um centavo, aqui com um centavo a senhora vai comprar alguma coisa. Agora, vamos devagar porque já está começando a subir, (risos) já está começando a perder o valor. Mas tem muita gente que, especialmente operário da classe média, ele gostava mais quando havia inflação, e eu vou dizer por que. Ele tinha um ordenado bom, ele não gastava tudo do ordenado, metade ele punha na Caixa Econômica, a juros porque os juros eram altos. Então, e quando era no fim do mês ele não gastava o ordenado, ele ia tirar os juros da Caixa Econômica, e ele mandava a mulher fazer compras com os juros da Caixa Econômica. Agora qual é o juros que tem? Nada, o que é 2%, 2,5%? Mesmo que seja três, o que é? Não é nada
P - Deixa eu perguntar uma coisa pro senhor, o senhor saberia identificar os fregueses, quem são, a que classe pertencem, ou todos vão comprar? Na banca do senhor vão que tipo de pessoas comprar, todo tipo, pessoas mais idosas, pessoas jovens que se interessam por selos?
R - Ah, tem, tem toda idade.
P - Toda idade? Hoje em dia é comum gente jovem comprar selo?
R - Não, agora a senhora tocou num pezinho bom. Quando havia essa grande inflação, nós íamos aos domingo lá na praça. Quando nós chegávamos lá, havia filas de 15, 20 crianças querendo comprar selos. Nem deixavam montar a banca: "Ô, seu Pedro, eu cheguei primeiro, eu quero comprar selos. No correio, pra senhora comprar selos, tinha guarda, compreendeu? Tinha guarda no correio. Havia movimento de muito dinheiro, porque é a inflação, não é? Então o povo com essa inflação, ele não guardava muito dinheiro. Mas a inflação ajudava a se expandir mais, porque ele punha pouco, metade a juros do ordenado que ele ganhava da inflação com o juros daquele ele vivia. Agora não. Pois naquele tempo é que se vendia muito na praça. Agora nós ficamos lá até às 10:30, 11:00 horas sem vender um selo, agora acontece isso. Agora que estão começando a comprar, estão começando a entrar novamente, mas não é a criança ainda, é só gente grande que vem. Que ali na praça tem rico, pobre, eles vêm comprar. Bom, pobre é aquele que pode, né? Quando ele tem um dinheirinho, tem o doente também, como é que se diz, tem o que gosta de selo, né? Então, quando ele tem um dinheirinho, ele vai comprar um selinho pra por na coleção. Aquele vai porque ele tem gosto. Mas que seja, agora é um momento de grande sacrifício. E, vou dizer uma coisa, quantas vezes mudou a moeda aqui no Brasil desde que estou aqui? Há 72 anos que estou aqui no Brasil mudou, já contaram lá em casa, mudou seis vezes a moeda, nesse tempo que estou aqui. Nunca atrapalhou tanto como atrapalhou dessa vez. Eu sei que vai sair escrito isso (risos). Quem lê o livro... Não tem importância, é bom saber disso. Agora os momentos são críticos mesmo. Pode ficar, digo mesmo, digo mesmo, são críticos os momentos. Mas estão melhorando porque o país vai melhorar, vai melhorar, é que tiraram todo o dinheiro que estava em circulação e não substituíram com tanta quantidade. Eles puseram só um pouco pro povo viver. É porque não tem dinheiro em circulação. Não é só miúdo não, tem os grandes também que estão faltando. A senhora vai trocar 50 reais na Praça da República pra ver se a senhora troca. 50 reais a senhora não troca na Praça da República. A senhora vê, olha, eu arrumo troco porque aos sábados nós tem a feira em frente na rua que eu moro lá, aos sábados tem feira, aí eu arrumo troco o quanto eu quero. Eu entro na praça com um saquinho de moeda e forneço a todos lá na praça. A senhora vai trocar 50 reais pra ver se a senhora encontra onde trocar Não encontra não, mas vai melhorar, vai. Então, olha, quando foi em 48, na Itália, eu com 32 mil cruzeiro, já estava entrando o cruzeiro, mas ainda tinha o mil réis, que estavam circulando as duas moedas. Com 32 mil cruzeiros eu comprei 3 milhões de liras. Olha que inflação que tinha aí, (risos) que inflação que tinha na Itália. É a mesma coisa, eu cheguei lá, ia comer alguma coisa tinha um monte de dinheiro assim, não valia nada. Melhorou muito lá logo. Agora aqui estamos encaminhados, não é. Espero que vai continuar, mas vai continuar porque o povo penetrou, ele vai a frente.
P - Por favor, senhor Pedro, nossa uma horinha já passou, passou rápido? (risos)
R - Ah, uma hora passou? Uma hora já, que estamos aqui?
P - Já passou uma hora.
R - Que estamos aqui?
P - Já passou uma hora, (risos) e até que não foi tão cansativo assim.