Projeto Identidade Santander
Depoimento de Luiz Felix Cardamone Neto
Entrevistado por Fernanda Prado e Ana Maria Lorza
São Paulo, 11/11/2011
Realização Museu da Pessoa
Entrevista BST_HV_017
Transcrito por Fernando Amaro Mendes Neto
P/1 – Felix, bom dia. Primeiro eu gostaria de agradecer de te...Continuar leitura
Projeto Identidade Santander
Depoimento de Luiz Felix Cardamone Neto
Entrevistado por Fernanda Prado e Ana Maria Lorza
São Paulo, 11/11/2011
Realização Museu da Pessoa
Entrevista BST_HV_017
Transcrito por Fernando Amaro Mendes Neto
P/1 – Felix, bom dia. Primeiro eu gostaria de agradecer de ter aceitado nosso convite de vir pra cá nesta manhã para dar essa entrevista. Para começar, eu queria pedir para você falar seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Luis Felix Cardamone Neto. Eu nasci em São Paulo, 16 de março de 1964, mas me sinto santista, não me sinto paulistano.
P/1 – Está certo. Qual é o nome dos seus pais?
R – Caetano Cardamone Neto e Maria Eliza Sampaio Correia Cardamone.
P/1 – Como eles se conheceram?
R – Meus pais moravam na mesma rua, na Gabriel dos Santos, alguma coisa assim. Ali eu acho que é Higienópolis, perto do Hospital Samaritano. Enfim, àquela época, sei lá, nos anos 1950, começaram a namorar. Meu avô conhecia meu outro avô, aí começou a rolar um clima e eles namoraram e casaram bem novinhos.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho duas irmãs. As duas mais novas.
P/1 – Você falou pra gente que se sente um santista, por que isso? Você só nasceu em São Paulo e foi passar a infância em Santos?
R – O meu avô paterno tinha uma indústria em São Vicente, então quando o meu pai casou com a minha mãe, os dois casaram e se mudaram para São Vicente, porque meu pai, apenas com 22 anos, foi ser o responsável pela indústria lá em São Vicente. Eu fui concebido lá, a minha mãe subiu a serra, eu nasci em São Paulo e ela desceu de novo. Eu fiquei lá até os meus 23 anos de idade, então eu não me sinto um paulistano. Eu me sinto um santista, só que na carteira de identidade está escrito que eu sou nascido em São Paulo.
P/1 – Conta um pouco sobre essa indústria que seu pai trabalhava. O que ele fazia lá? Qual era a atividade da sua mãe?
R – Minha mãe nunca trabalhou. Minha mãe sempre cuidou da casa. Naquela época não tinha muito esse lance de mulher trabalhar fora. Meu pai tinha um curtume. O curtume foi fundado pelo meu bisavô. O meu bisavô era um imigrante do sul da Itália, eu tenho inclusive passaporte italiano. Meu avô veio para cá no fim do século XIX e aí se tornou um cara de muito sucesso. Ficou riquíssimo. Era dono da Companhia Telefônica de São Vicente, ele construiu um curtume, que existiam poucos curtumes na época, tinha um monte de imóveis e teve muitos filhos. Cada um foi para um lado, mais ou menos, porque ele acabou morrendo muito cedo e o meu avô ficou com o curtume junto com outro tio meu. Meu pai foi designado para, era o filho mais velho do meu avo, foi designado para morar lá em Santos e tomar conta da indústria. Meu pai era químico, ficou cuidando do curtume até o curtume quebrar (risos).
P/1 – Conta pra gente como era a sua infância em Santos. Como era a sua casa? O que você gostava de fazer?
R – A minha infância foi muito louca, porque eu, na realidade, morava em São Vicente, estudava em Santos que era um pouco longe, hoje em dia as coisas são mais perto, mas na época era um pouco longe, e tinha um sítio em Jundiaí em que eu passava meses lá, todas as minhas férias. Eu era meio da praia e meio do mato. Ficava em Santos o período escolar, quase todos os finais de semana eu vinha para São Paulo para ficar com meus avôs paternos e maternos e todas as férias eu passava com o meu avô materno no nosso sítio. Eu tinha até um sotaque, apesar de ser santista, às vezes eu voltava com um sotaque meio caipira depois das férias. Era meio da praia e do mato ao mesmo tempo. Eu morava em uma casa enorme, gigantesca. Tinha campo de futebol, tinha basquete, tinha mesa de ping- pong, tinha autorama. Meu pai dava tudo para mim, era a maior mordomia, super legal. A gente fazia jogo de futebol no sábado, essas coisas todas. Era muito bacana, eu vivi nessa casa até os 16 anos. Mais ou menos nessa época, as coisas começaram a mudar um pouco porque veio a crise. Meu pai teve que vender a indústria, a gente mudou para outro apartamento, que também era super legal, todas as janelas para o mar. A gente morava na Ilha Porchat em um andar bem alto. Apesar de a gente ter ficado mais pobre, a gente estava vivendo em um lugar muito mais legal. Eu já era adolescente também, então morar na areia já é mais fácil para impressionar as meninas, para levar os amigos em casa. Para mim foi uma infância super bacana. Eu andava muito a cavalo, sempre gostei muito de andar de bicicleta. Ia para o Guarujá todo fim de semana pedalando. Enfim, eu curti muito.
P/1 – Como era a relação sua com seus pais? Qual era a sua responsabilidade em ser o filho mais velho, o único homem da família?
R – Por ser o mais velho, o único homem da família, a minha responsabilidade era encher o saco das minhas irmãs. Minha mãe ficava louca da vida e me batia direto, porque eu perturbava muito. (risos) Era legal, eu fazia umas coisas que hoje em dia eu fico imaginando, imagine, era soltar bomba na praça, comprava hamster para dissecar lá no salão de festas. Fazia umas loucuras assim, de molecada. Gostava de jogar bola. Em casa era sossegado. A minha família, até hoje, é uma família bem estável. Meus pais sempre se deram super bem. Meus avôs sempre se deram super bem. A gente curtia bastante, mas eu sentia falta de ter um irmão, um amigo, porque como eu morava em outra cidade, Santos e São Vicente era um pouco longe, eu não tinha muito amigo para brincar. Os meus amigos moravam longe demais. Tinha que pegar o ônibus. Demorava uma hora para chegar lá em Santos, no “pico” que ficava minha turma. O começo foi meio solitário. Eu ficava curtindo mais os meus cachorros e depois quando eu ai para o meu sítio também. Ficava sozinho lá com a “peãozada”, então eu curtia meus cavalos. Sempre fui muito ligado com animais. Uma coisa que eu acabei me virando sozinho bem porque esse começo, com a família foi tudo normal, nada de excepcional, mas eu sentia falta de ter um amigo mais próximo. Até que uma bela época apareceu um vizinho lá, um cara comprou a casa do lado e eu fiquei amigo do vizinho. Era o único cara que dava para brincar. Eu ficava inventando brincadeira, sozinho, enfim, tranqüilo.
R – Conta pra gente qual é a sua primeira lembrança da escola?
P/1 – Eu entrei em uma escola que chamava Pequeno Príncipe e era uma escola bem pequenininha. Hoje é grande, inclusive, ela era onde é o Centro de Treinamento (CT) do Santos hoje. Então onde é o CT do Santos hoje, a gente ficava jogando bola quando a gente era moleque.
O que eu lembro da escola? Eu lembro umas três coisas: logo no começo, o que eu lembro mesmo é que minha irmã é um ano mais nova que eu e ela chorava demais para ir à escola. Ela odiava ir para a escola, então era horrível porque eu entrei no maternal, o primeiro ano eu entrei no maternal, aí eu fui para o pré, já me achava bem maior. Aí minha irmã entrou, a Quiquita, só que ela não passava da porta e ficava chorando o dia inteiro. Várias vezes a professora chegava para mim; Ia lá a diretora e falava: “Olha Luis Felix, desce lá pra ficar com a sua irmã porque a gente não aguenta mais ela”.
A minha mãe pegava e simplesmente saía andando. Isso eu lembro, que o começo, puxa, na hora que ela começava a chorar eu queria morrer. Ficava morrendo de vergonha porque a escola inteira, era uma escola pequenininha, todo mundo escutava, todo mundo sabia que era a minha irmã e no fim eu ainda tinha que ficar lá com ela. Eu me lembro disso. Eu lembro também que com sete anos de idade eu quase perdi a perna que eu cortei em uma máquina de cortar grama lá no meu sítio. Aí também, puxa! Eu cheguei lá com a perna dura, graças a Deus não pegou o osso, mas eu fiquei uns bons meses com a perna dura. Eu tinha certa dificuldade de locomoção com os meus colegas, essas coisas todas, e de uma menininha lá que eu gostava. Só isso.
P/1 – Felix, você nessa sua meninice, o que queria ser quando crescesse? Você se lembra?
R – Trabalhar em banco.
P/1 – Desde pequeno?
R – Meu avô era banqueiro e eu sempre sonhei trabalhar em banco.
P/1 – E como foi evoluindo sua vida escolar? Quais matérias você se identificava mais? Teve algum professor que marcou?
R – Tive nada, nunca gostei de estudar. Sempre fui vagabundo. Até a oitava série eu até que era um bom aluno. No colegial, fui para uma escola mais difícil e me dei bem no primeiro ano, a parte do segundo ano eu não vou mencionar porque vai ficar gravado. (risos) Aí tive que ir para outra escola, me formei em uma escola noturna. Fui prestar exame na faculdade, consegui entrar no Mackenzie e consegui entrar em uma faculdade lá em Santos, de administração. Eu queria fazer administração. Quando eu entrei na faculdade, fui procurar um emprego porque eu queria trabalhar já. Queria fazer alguma coisa, também estava precisando de grana. Queria minha independência. Meu avô sempre falava para mim assim: “Se você quer ser independente, corra atrás da sua independência financeira”.
Então falei: “Vou ter minha grana.” Eu fiz a faculdade de administração, eu fazia de noite. No dia do meu aniversário de 18 anos, eu comecei a trabalhar em banco. O dono de um banco era amigo do meu tio e ele me arrumou um emprego no Banco Antônio de Queiroz como contínuo. Eu tinha que fazer faxina, limpar o filtro de ar condicionado, furar papel para fazer uns caderninhos. Foi assim que eu comecei.
P/1 – Como foi essa iniciativa de trabalhar em banco? O que você sentiu começando suas atividades? Como foram evoluindo suas atribuições?
R – Ah, eu adorava. Eu gostava de trabalhar e eu trabalhava das oito às duas. Quando fiz 18 anos e entrei na faculdade, meu pai me deu uma moto, então já era a maior disposição para ir trabalhar porque eu ia de moto. Era o maior legal! Eu sempre gostei muito de organizar coisas. O meu primeiro trabalho era fazer “emblocamento”. O que significava o “emblocamento”? Era encadernar os cheques e os movimentos contábeis do banco com uma furadeira, mas antes disso, eu precisava numerar, com aquela maquininha de numerar com aquele carimbo de numerar, todos os cheques, as fichas contábeis. Tinha que pegar uma máquina de calcular, aquela de fita, e fazer duas fitas que batessem o mesmo número para dar o bloquinho. Pô, era difícil, imagina! Eu nunca tinha trabalhado com uma maquininha e imagina duas fitas para dar a mesma soma. Era muito divertido. Tinha a agência do banco e era no fundo, subia uma escadinha, era um buraco que eu não conseguia nem ficar em pé e como não tinha um funcionário lá fazia muito tempo, que fazia esse serviço, o movimento devia estar atrasado uns oito meses, um ano. Só poeira, papel “pra tudo o quanto é lado.” O dono do banco, ele me conhecia desde criancinha e me sacaneava muito. Foi o chefe mais chato que eu tive na minha vida, o Álvaro Queiroz. Ele é meu amigo até hoje. Ele falou: “Luisinho, você tá vendo esse bolo de papel aí?” E eu em um “moquifo”, não tinha janela, não tinha nada. Não dava para ficar em pé e eu com uma furadeira, a maquininha, uma mesinha e a máquina de somar: “você só vai sair daí na hora que estiver tudo arrumado.” Aí eu falava: “Pô Álvaro, esse trabalho aqui é desumano”. Ele falou assim: “Vai fazer esse trabalho senão eu te mando embora”. Eu falava: “Tá bom!” Aí fiquei lá no quartinho, só que eu fui pegando a manha. No começo, o primeiro caderninho eu acho que demorei uma semana para fazer, mas no fim eu já fazia uns três por dia. Fiz o negócio, até pintar parede lá eu pintei. Ele não acreditou. Depois ele me deu outro trabalho, aí sim foi indo. Cada vez ele ia passando alguma coisa para eu fazer e isso me deu oportunidade de conhecer tudo em uma agência, porque eu comecei fazendo o “emblocamento”. Na verdade aquilo parecia ser um trabalho totalmente manual, mas eu tinha que aprender a somar; eu tinha que ver o cheque, eu tinha que ticar as fichas contábeis. Ali era o esgoto do negócio, mas ele foi me trazendo de “trás pra frente”. Depois eu fui trabalhar na compensação, depois da compensação, eu fui trabalhar no cadastro, depois do cadastro, ele me pôs para ficar atendendo as pessoas no balcão. Aí eu me identifiquei que eu gostava muito de atender cliente. Lembro que eu sempre querendo tudo organizado. O meu balcão era brilhante assim, eu passava álcool, deixava tudo “mó legal”. Eu pegava umas bics e falava assim: “O cliente tem que ter caneta”. Eu pegava um fio de nilon de pescar; um preguinho. Amarrava o fio de nilon, furava a bic, queimava o clipe; furava a bic para passar para deixar as canetinhas para os clientes. Aí vinham os office boys e roubavam a caneta quando eu não estava. Eu ficava louco da vida! Eu estava louco para pegar o office boy e encher de porrada! Era muito divertido.
P/1 – Como você ia lidando com esse dia a dia de trabalhar e conhecer o cotidiano bancário em suas mais diversas funções? Ir para a faculdade, começar a aprender as coisas da administração. Como você foi aplicando as coisas que você aprendia na prática?
R – Na realidade aprendia mais ou menos. Eu trabalhava, no começo eram só seis horas. Trabalhava das oito às duas, depois dava tempo de ir para casa, para a praia, jogar bola de tarde, fazer esporte. Era bem tranqüilo. Depois eu mudei de função, aí eu tive um horário mais legal ainda, que era das dez às quatro. Aí eu podia curtir a noite todo dia, porque das dez às quatro, né? Era um horário perfeito, sendo que no horário do almoço meus chefes saíam para almoçar e não sabiam o que eu estava fazendo. Às vezes até dava para ir para a praia no horário do almoço também. Depois eu fazia faculdade e aí a coisa começou a ficar mais séria mesmo quando eu comecei a trabalhar em tempo integral. Essa primeira fase eu era super jovem e eu brinco muito com os meus funcionários porque os caras ficam; hoje eu sou responsável por quase duas mil pessoas. São três mil e cem na financeira e tem dois mil que ficam na rua, que são os operadores da financeira, e aí eu falo assim: “Moçada, não vem ficar contando história pra mim porque tudo isso que vocês fazem ou fizeram ou pensam em fazer, eu já fiz quando era moleque.” Porque é difícil. No começo era tranquilo, depois, quando eu comecei a trabalhar em tempo integral já tinha mais responsabilidade, mas no começo da faculdade; grande parte da faculdade eu não consegui conectar muito a prática com a teoria. Eu honestamente curtia muito mais o trabalho do que a faculdade. Eu achava a metodologia de ensino, as matérias que estavam lá não agregavam muito valor, honestamente, pelo o que eu via na prática. Eu consegui fazer isso, e muito bem, depois, quando eu fui fazer meu MBA que eu já estava muito mais maduro. Inclusive, o meu filho, agora essa semana está prestando vestibular e ele tem a mesma idade que eu tinha, 17 anos. Ele quer fazer administração porque ele quer trabalhar em banco, eu conheço essa história. Ele ia começar a fazer cursinho, ai eu falei: “Pô filho, quer saber de uma coisa, cara? Termina o seu terceiro colegial legal”. Ele é super inteligente, é esperto, ótimo de relacionamento, mas eu falo para ele, até pela minha experiência e conversando com outros amigos meus que têm filhos jovens, eu falo: “Vai mais passo a passo porque as coisas acabam acontecendo muito rápido”. Eu tinha uma coisa que era mais importante para mim que era a necessidade de me sustentar e eu tinha uma meta clara que eu precisava tirar um diploma. Não era a meta de “eu preciso aprender muito para ser alguém”. Honestamente, até os meus 21, 22 anos eu curti a vida, tinha minha grana e sabia que a minha meta era ter o diploma. A minha meta não era aprender muita coisa. Não era uma faculdade muito forte e o conteúdo era um conteúdo... Muito teórico e não era aplicado ao meu dia a dia. Hoje em dia eu tento, obviamente, o nível de educação que os meus filhos têm é muito melhor do que eu tinha. Eles são muito mais educados, as gerações mudaram. Eu também percebo que, eu vou hoje muito, vou fazer palestras de universidades. Procuro entender um pouco o conteúdo e a gente vê que existe hoje uma preocupação maior da aplicabilidade do conteúdo na vida profissional da pessoa e também uma preocupação para que o aluno não trabalhe. Então eles fazem uma grade escolar que é uma grade escolar proibitiva, pelo menos para o primeiro, segundo ano de faculdade, para o cara estudar. É uma aula às dez da manhã, outra às quatro da tarde. Isso tem uma ciência, ou então você vai estudar à noite, mas naquela época eu honestamente, ou não estava com a cabeça para isso, ou eu não tinha minha percepção. O que eu gostava mesmo é que eu trabalhava e tinha muita energia. Eu fazia pugilismo. Eu saía do banco, ia fazer pugilismo, era pugilista lá em Santos da Associação Desportiva da Polícia Militar [ADPM], que é a Academia da Polícia Militar e depois eu ia para a faculdade. Então eu gostava mesmo de lutar boxe e trabalhar e a faculdade era uma obrigação que eu tinha que ir lá porque minha meta era tirar o diploma.
P/1 – Como se deu a sua mudança de banco, a primeira, que você passou para o Banco do Commércio e Indústria de São Paulo [Comind]? Como foi esse momento? Por que dessa mudança? Quais foram os novos desafios enfrentados?
R – Na realidade, apesar de eu ter sido um jovem bem... Vivi bem a vida, eu sempre tive um senso de responsabilidade muito grande e a vida foi me obrigando cada vez mais a ser responsável. Essa primeira decisão de começar a trabalhar foi porque eu percebi claramente que meus pais não estavam em uma boa situação financeira e aí eu falei: “Pô, vou trabalhar para dar uma aliviada e também ter minha independência.” A partir do segundo ano da faculdade eu já pagava minha faculdade e já tinha minha grana para sobreviver. Eu já não dava mais trabalho para o meu pai. Com 22, 23, eu já punha algum lá para dar uma força. Eu trabalhei dos 18 até os 21, mais ou menos, eu estava lá no Antonio de Queiroz e o meu avô se aposentou do Banco de Boston, que ele era presidente do banco, mas nunca me deu mole. O meu avô só me dava trabalho. Esse meu avô tinha uma grana legal, acho que ia ser legal contar: a gente ia para o sítio e meu avô nunca me deu dinheiro; nunca, nunca me deu dinheiro. Ele chegava assim e falava: “Olha...” A gente tinha plantação de maça, e ele falava assim: “Olha, eu vou te dar X moedas, ‘eu não sei quanto que era’ para você coroar a plantação”.
Sabe o que é coroar? Tem a árvore e você tem o mato em volta e para não ter praga, era você limpar em volta para ficar bem limpinho; só a volta, então chama coroar. Pelo menos chamava, hoje eu não sou mais agricultor, mas era coroar os pés de maça. Ele falava: “Vou te dar ‘tanto.” Nas férias inteiras, ele ia e voltava todo dia de carro, e eu ficava lá meses lá jogado no mato. É em Jundiaí, aqui pertinho. Ele chegava de noite, eu ficava ansioso quando ele chegava de noite porque ele era o meu ídolo. Ele chegava de noite de terno do banco, ia para o quarto dele, saía com uma camisa xadrez, com a lanterna, com a bota e falava: “Vamos ver o seu trabalho”. Todo dia, aí a gente ia contar, ele punha uma estaca, da última árvore que eu tinha parado, do dia seguinte. Ele ia contar quantas árvores eu tinha limpado durante o dia. Ele contava e chegava lá e me pagava. Eu me lembro que eu roia unha. Falava: “você tem que parar de roer a unha”. Ele me chamava de doutor Luis: “Doutor Luis você tem que parar de roer a unha”. Eu falava: “Ah, ta bom!” “E te pago cem, tal, para cada unha que você parar de roer”. Aí eu chegava e mostrava a unha comprida e ele chegava lá “Pau!”. Tudo, ele sempre me deu grana, mas eu sempre tinha que trabalhar.
Desde moleque eu acostumei que a grana vem trabalhando. Ele me catequizou assim. Bom, voltando lá na questão do banco, então eu trabalhei, e quando meu avô foi para o Conselho do Comind, o Comind era um banco muito maior que o Banco Antonio de Queiroz, eu cheguei para ele e falei: “Vô, eu já estou na faculdade, eu já estou trabalhando aqui direitinho”, ele tinha o maior orgulho de mim, “pô, me dá um boi, me arruma um cargo bacana lá no Comind. Você é conselheiro...” Ele falou: “Tá! Vou arrumar.” Isso foi 1984 para 1985, eu tinha 20 para 21 anos. Ele chegou para mim falou assim: “Arrumei um cargo para você ser assistente de gerente lá no Comind, em uma agência lá na João Pessoa”. Falei: “Pô, legal! Como é que a gente faz?” Ele falou: “Ter que ter 21 anos para ser assistente de gerente então você vai ter que esperar”. Isso em dezembro. Eu Falei: “Bom vô, já que eu vou começar, acho que eu vou curtir o verão em paz. Vou pedir demissão, em dezembro, do banco para ficar quatro meses na praia, tranquilo.” Só que um amigo meu tinha uma barraca de sucos naturais e sanduíche natural na praia e me convidou para ser sócio dele e pra gente ganhar uma grana. Eu morava de frente para a praia, então eu peguei a área de serviço da minha casa e a gente ia para a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo [CEASA] todo dia cinco horas da manhã para fazer suco, sanduíche e vender na praia. No fim acabei trabalhando o verão inteiro e ganhei uma grana. Aí entrei no Comind. Umas coisas engraçadas no Comind foi o que me fez amadurecer bastante. Foi uma fase muito difícil do ponto de vista profissional. Primeiro que eu recebi um telefonema do gerente, que chamava Palhari, o gerente da agência, e eu fui lá falar com ele. Ele era muito bravo. Eu cheguei lá e falei: Ah seu Palhari, tudo bem? Eu sou o Felix, Luis Felix. O senhor me chamou.” Ele olhou para mim e falou: “Não, me mandaram te chamar. Senta aí.” (risos) Aí assim que começou a minha relação com ele e o cara que era meu par era cunhado dele. Então foi um inferno. Os caras fizeram da minha vida um inferno, mas com meu jeito lá, eu fiquei amigo de todo mundo. O cara ficou meu amigo até hoje. Fui levando, mas então já começou a ser uma... Eu sempre fui muito desafiado no trabalho. Seja lá no Antônio de Queiroz que o Álvaro, que era o dono do banco, toda quarta-feira ele ia lá e ele me humilhava. No meio da fila, mandava eu limpar o filtro do ar condicionado. Na chuva, ele falava para eu sair para buscar caixa de papelão pra nada. Ele só queria me sacanear, e o Palhari também. Foram quase dez meses assim, mas eu me encaixei. Fiquei amigo do cara. Fiquei amigo do cunhado dele e a gente começou a trabalhar super bem. Eu estava curtindo muito. Só que o banco quebrou dia 19 de novembro de 1985, e com 21 anos de idade, eu fazia aplicação e a agência fechou e a gente chegava lá para trabalhar e os caras queriam pegar a gente de pau porque falavam que a gente sabia que o banco tinha quebrado e que o dinheiro deles estava bloqueado. Você imagina, eu acho que pouca gente no mercado passou por isso. Eu passei com 21 anos, ser gerente de banco e o cliente querer te encher de porrada na rua, querer te linchar. Isso aconteceu comigo. Obviamente não lincharam porque eu estava bem afiado no meu pugilismo. Isso não aconteceu, mas ameaçaram de monte na rua. Os caras queriam me pegar, foi
uma coisa muito louca. Em paralelo a isso, que era muito pior, o meu avô era conselheiro do banco e perdeu todo o patrimônio dele porque como você é estatutário você tem o patrimônio vinculado à organização. O meu avô que era quem dava uma força lá na minha casa, ajudava minha mãe, também acabou ficando duro. Eu acabei perdendo emprego e perdi a herança. Perdi tudo com 21 anos de idade. Foram só alguns meses, a gente passou um mês esperando para ver o que acontecia e o Itaú comprou a minha agência. Cada banco comprou um lote de agências. O Itaú comprou a minha agência e fui trabalhar no Banco Itaú. No Banco Itaú foi uma coisa assim, eu tinha 21 anos de idade, era a décima quinta maior agência do Banco Itaú e eu era o gerente mais novo da agência de um banco que tinha sido comprado. Obviamente só macaco velho. Eu cheguei lá, também veio um gerente, que eu acho que era o Sr. Zé Roberto, que era o nome dele, ele chegou assim pra mim, falou: “Menino, vem cá.” Primeiro porque ninguém acreditava na minha capacidade porque eu era muito novinho. “Você quer esse emprego?” Eu falei: “Eu não quero o emprego, eu preciso do emprego, o emprego é meu.” Ele falou assim: “É o seguinte, então você não vai deixar nenhum cliente o investimento aqui, o cliente que veio do Comind, nenhum cliente vai poder sacar os investimentos embora. Se algum cliente sacar, eu te mando embora.” Eu falei: “Seu Zé, fica sossegado que ninguém vai sacar. Pode deixar comigo”. Aí eu consegui convencer todo mundo, deve ter sacado um ou outro, mas só sei que ele ficou super satisfeito com o meu trabalho e eu me dei bem lá. Fiquei lá quase uns três anos até eu terminar a faculdade. Foi uma experiência muito bacana. Lá no Itaú também estavam implementando a parte do banco eletrônico e tinha muita fraude e eu também precisava entender do banco. Porque os procedimentos, os processos eram diferentes dos bancos que eu trabalhava. Eu colei no gerente administrativo, que se chamava Pedro, e falei: “Oh Pedro!” Porque ninguém quer trabalhar na área administrativa. Aí eu falei assim: “Oh Pedro, vem cá! Pô, to vendo que você está super apurado aí, tudo que você precisar que eu faça no meu tempo livre, eu vou te ajudar aí na parte administrativa.” Ele falou: “Pô, então faz o seguinte: embaixo da escada tem um lugarzinho, vamos montar um balcão para você atender as reclamações dos clientes. Então todo cliente que tiver uma dúvida sobre cheque, um problema de um lançamento na conta, etc., aqui tem uma caixa de microfilme que você pode pesquisar e caso você não consiga resolver isso, aí você vai à central.” Era uma central grande do Itaú lá na ponta da praia. “E você vai lá”. O que para mim era ótimo. Atendia cliente e ao mesmo tempo podia pegar a minha moto para dar uma volta. Não ficava preso lá na agência, ia passando pela praia, parava, tomava um coco. Eu comecei a ajudar ele a fazer isso e a gente começou a pegar um monte de problema, um monte de fraude, por causa que era a implementação do banco eletrônico. Vinham os inspetores de São Paulo e a gente relatava o que estava acontecendo. Eu acabei conhecendo profundamente a agência do Itaú, que foi super bacana, eu passei a ter contato com cliente também. Foi o tempo suficiente para eu ir me firmando lá na agência e ter uma carreira legal lá. Foi super interessante.
P/1 – O que essa fase de automação, de um primeiro passo das tecnologias entrando nas agências, além das fraudes, o que isso trouxe de mudanças para o cotidiano? O que isso facilitou? Quais foram as mudanças de procedimento notadas?
R – Ah, o Itaú era um banco de vanguarda e ainda é. Então, por exemplo: nós tínhamos os caixas eletrônicos, o que era uma coisa super legal, que os clientes achavam super legal. Nós tínhamos máquinas no atendimento, não tinha ATM na agência. O caixa eletrônico ficava nos estacionamentos e não tinha saque automático, só lá fora. Do lado de dentro, por exemplo, tinha uma máquina lá que o cliente pedia o extrato, a gente já digitava e dava uma senha e saía o extrato na mão do cliente. Então isso era uma facilidade enorme porque antigamente para o cliente ter um extrato, era tudo papel, tinha que pedir, vinha um relatório desse tamanho, aí saía uma folhinha desse tamanhinho com o extrato do cliente com os lançamentos, era super bacana. Começou a ter a questão do cartão de débito, cartão de crédito que também por causa da hiperinflação não existia. Então começou a ter, o cliente ia ao caixa, já passava o cartão e já sacava, não precisava usar talão. Era uma série de transferências entre agências. O que aconteceu na realidade foi o seguinte: com a hiperinflação qualquer segundo com o dinheiro na mão os bancos ganhavam muito dinheiro. Por que o sistema financeiro brasileiro hoje é o mais moderno, é o mais sofisticado no mundo na minha visão? E é, realmente, do ponto de vista tecnológico. Porque você tem um país de dimensões continentais e um país que por muito tempo, com a inflação alta, não tinha empréstimos. A relação empréstimos-PIB começou a crescer depois da estabilidade do Fernando Henrique [Fernando Henrique Cardoso], de 1994. Então os bancos ganhavam muito dinheiro com o floating. O que era o floating?
Era o dinheiro que ficava parado na conta dos clientes. Eu cheguei a pegar inflação de 84% ao mês quando eu era trader. Os bancos montaram um sistema de liquidação de cheques, compensação de cheques, que a gente chamava, de transferências, etc., que tinha que estar tudo online, realtime, para no fim do dia o banco saber exatamente quanto ele tinha para aplicar no mercado. Obviamente isso se traduziu em uma segurança muito maior para o sistema. Isso se traduziu numa conveniência muito maior para o cliente. Isso se traduziu em uma relação de custos muito mais baixo para toda a sociedade. O banco precisava disso para sobreviver. Se ele não tivesse uma administração online do caixa, do fluxo do dinheiro etc., ficava muito complicado. Então acho que trouxe muita segurança para o banco, apesar do período de implementação é sempre um período mais complexo, mas também trouxe muita comodidade para o cliente. O nível de comodidade era espetacular. Eu me lembro, no começo, o Itaú punha caixas eletrônicos só em terrenos próprios dele. Era sempre na frente de uma agência ou dentro de um estacionamento deles. Não tinha o ATM dentro da agência porque a agência ficava trancada, mas tinha o caixa eletrônico para você, em um final de semana, passar lá e sacar um dinheiro. Obviamente depois os outros bancos também foram nesse sentido, mas eu acho que foi uma mudança espetacular de comodidade para o cliente.
P/1 – Como que foi o seu processo de mudança do Itaú, esse trabalho com as agências, com a automação, para o Banco Real?
R – É. Na realidade, eu trabalhei no Itaú e eu acabei a minha faculdade. Eu já estava trabalhando a cinco anos no mercado financeiro e decidi que eu não ia mais trabalhar no mercado financeiro, que eu ia fazer outra coisa. Eu tinha alguns amigos que moravam em Nova Iorque. Dois eram motoristas de táxi, uma amiga minha era faxineira e outro era bike messenger. Eu cheguei para o meu avô e falei: “Pô Vô, acabei a faculdade, estava a fim de pedir demissão do banco e passar um ano morando lá em Nova Iorque. Vou vender a minha moto, por uma grana no bolso e vou para lá.” Obviamente o meu avô deveria falar para mim: “Imagina, você está louco! Você está fazendo uma carreira no banco. Você já é subgerente.” Só que foi totalmente ao contrário. Meu avô falou: “Vai ser a melhor coisa que você vai fazer na sua vida. Pode ir.” Quando ele falou isso eu fiquei com o maior frio na barriga. Falei: “Nossa, esse cara é louco!” Mas aí eu tive que ir, ele falou: “pode ir”. Eu fazia tudo que ele queria. Tudo que ele queira não, eu acreditava muito na visão dele. Eu pedi demissão do banco no final de 1986 para aproveitar também um pouco o verão, me formei que era a minha meta de pegar o diploma. Pedi demissão do banco, vendi a minha moto e fui morar em Nova Iorque. Eu fiquei nove meses morando lá.
Eu morava com meus amigos e eu me tornei bike messenger. Eu ficava trabalhando em Manhattan, não tinha fax, não tinha nada. Não tinha celular, não tinha e-mail, não tinha nada. Era tudo físico. Tinha muito trabalho. Eu ficava lá fazendo entregas lá em Manhattan. Ficava andando de bicicleta dez horas por dia, 12 horas por dia. Era uma coisa que eu adorava, eu não cogitava trabalhar de motorista de táxi porque eu não ia aguentar ficar sentado. Eu sou meio elétrico. Foi uma experiência super legal. De noite eu estudava inglês. Foi assim... Muito legal; Muito legal. Eu comecei ganhando 120 dólares por semana e no fim eu já conhecia a cidade inteira, já estava com preparo físico brutal, eu já ganhava 500 dólares por semana, 600. Era bom, fiquei amigo também do despachante, que era o cara que dava as corridas. Então obviamente, o cara vai se tornando teu amigo e você chega cedo e vai embora tarde, faz overtime, é pontual, não faz presepada. O cara começa a investir em você também e vai te dando mais trabalho. Às vezes eu descia a Broadway lá e tinha dez para pegar e subia tinha mais dez para entregar. Ele fazia uma rota boa para mim.
Era o Tony, que era o meu despachante. Ai eu falei: “Puxa, agora vou ganhar uma grana legal.” Estava economizando uma grana, estava curtindo “pra burro”. Obviamente uma vida espartana. O almoça era algumas bananas, mas naquela época para mim estava bom demais. Quando chegasse o inverno, eu ia ganhar mais grana ainda porque aí todo mundo desiste e eu falei; “Não, eu sou casca grossa. Vou ficar aqui no inverno. Nossa, vou ganhar mil dólares por semana, fazer uma grana tal.” Deu um dia aí, acho que era 16 de novembro, alguma coisa assim, deu uma nevasca lá em Nova Iorque que eu quase morri. (risos) Essa vez deu em outubro, mas normalmente a neve começa mais para novembro, dezembro. É muito frio; é muito frio. Eu estava lá no World Trade Center, eu estacionei minha bicicleta para entregar uma coisa lá no World Trade Center, e na hora que eu voltei, a bicicleta estava congelada. O que significa “a bicicleta congelou”? Os breques não funcionam. O cabo estica, porque fica congelado, então o breque não funciona, a corrente estava congelada. Não dava para andar de bicicleta, fora o frio e o vento. Aí eu falei: “Puxa, acho que esse meu plano de passar o inverno aqui não vai dar certo.” Já no dia seguinte, eu fui às linhas aéreas paraguaias e falei: “Bom, vou voltar. Vou passar o verão lá no Brasil mais uma vez. Ia ser muito mais acolhedor, vejo a minha família, fico na praia, dou uma atenção lá pra turma, e eu volto quando passar o inverno, porque não dá, é inviável.” Até os equipamentos, as roupas, hoje em dia você tem roupas. Eu ficava de moletom, impossível. Curti pra burro, voltei pra cá com o intuito de passar o verão e voltar para lá em fevereiro, março e continuar a minha vida como imigrante. Já sabia falar inglês porque todo o período que eu fiquei lá, eu estudava inglês de noite. Eu achei um MOBRAL de americano lá de graça. Era muito louco porque você chegava lá só tinha americano, aquelas velhinhas loucas, faxineiro. Eu ficava lá no meio deles, mas não pagava nada porque a escola custava caro. Ou você estudava com imigrante, que era aquele bem cucaracho mesmo, que eu estudei um pouco, dois meses, no L. A. Guardian College, ou você gastava uma grana para ir a uma escola bem legal que eu não tinha o dinheiro, ou você fazia o MOBRAL. O MOBRAL era muito legal, que era analfabeto americano querendo aprender a ler e escrever e eu junto com os caras. A gente tirava uma onda. Foi muito bacana. Enfim, eu voltei para cá e na hora que eu cheguei aqui era o Plano Bresser. Já tinha sido o FUNARO, que tinha quebrado o país inteiro, e eu cheguei aqui era o plano Bresser que estava um desastre. Eu cheguei aqui e encontrei a situação em casa bastante complicada. Eu cheguei aqui em dezembro e peguei toda a grana que eu tinha economizado e dei para o meu pai e não tinha mais como voltar para lá. Aí eu fui procurar emprego. (risos) Obviamente comecei a procurar emprego em fevereiro. Eu dei a grana para o meu pai, mas para ficar janeiro, pelo menos um “meizinho” ou dois de férias. A mulher do meu tio pegou a lista de agências de emprego e eu fui fazer ficha lá na Praça da República, em uma agência de emprego que era a Manpower. Eu cheguei lá, fiz uma ficha, aí o cara chegou para mim lá e falou: “Olha, eu tenho dois empregos para você. Tenho um emprego que é em Santo Amaro, em uma empresa de importação e exportação.” Um emprego temporário, de três meses. “E tenho um emprego que é no Banco Holandês Unido, que é aqui na 15 de Novembro, desculpa... É na 15 de Novembro. A entrevista, eu vou ligar lá para o cara, você consegue fazer a entrevista lá em Santo Amaro hoje, e amanhã de manhã você faz a entrevista no Banco Holandês com o gerente administrativo”.
Falei: “Ah, ta bom! Legal. Como eu faço para ir lá para Santo Amaro?” “Você vai aqui na praça da República, aí tem o ônibus tal, depois tem o ônibus tal, depois tem o ônibus tal e você chega lá para fazer a entrevista e o cara está lá te esperando, e amanhã tal hora no Banco Holandês”. Às vezes a gente escuta essa história das portas vão se abrindo e se fechando na tua vida. Eu lembro direitinho que uma das coisas que eu trouxe da minha viagem era um walkman da Sony, aquele amarelinho, vocês não tinham nascido ainda, mas tocava rádio e a fita cassete, e eu vivia com meu walkman. Aí eu pus o walkman e estava tocando Faroeste Caboclo. Eu fui lá escutando Faroeste Caboclo, fui à Praça da Republica, achei o ônibus, fiquei na fila do ônibus. Na hora que eu fui montar no ônibus, falei: “Não vou! Vou voltar rapidinho, vou pegar o metrô, voltar para Santos, vou dar um trato no meu terno, vou cortar o cabelo para fazer a entrevista no Banco Holandês.” Não entrei naquele ônibus. Saí correndo e voltei para Santos. Estava todo cabeludo. Voltei para Santos e não tinha ninguém para cortar o meu cabelo. A mãe da minha namorada cortou meu cabelo curtinho, assim, bancário. Eu tinha um terno que eu tinha usado no casamento da minha tia e o terno serviu; camisa; arrumei uma gravata. No dia seguinte acordei cinco horas da manhã. Pum! Vim para cá para fazer a entrevista no Banco Holandês Unido, e o seu Edvar que era o gerente administrativo, pô, eu tinha um belo currículo: tinha cinco anos de bancário, já tinha trabalhado em tudo quando é coisa, formado em administração e inglês fluente. O cara me contratou como temporário na hora para trabalhar no back office da mesa de trading do banco. Ai putz! Fiquei super feliz, arrumei um emprego. Fui contar para o meu avô. Eu sou terceira geração porque meu tio também tem mais de 50 anos de mercado financeiro. Aí fui contar para o meu vô: “Aí vô, pô, arrumei um emprego, que legal, tal, não sei o que...” Aí ele pegou e falou assim: “Vem aqui para a gente conversar.” Meu tio era separado e morava com o meu avô também. Estava o meu tio, eu e meu vô, as três gerações de bankers. Meu avô falou: “Bom”. Chamou meu tio e falou: “Gravata, paletó, vamos dar uma rapa e vamos dar o uniforme para ele trabalhar.” Falei “Não vô, onde eu trabalho é área administrativa, não precisa, é roupa social assim.” Ele falou: “Não! Não! Não. Onde é que você quer trabalhar, será que os caras não usam terno?” Eu falei: “Não, é verdade, eu vi lá que tem uma mesa de três lá que ficam falando no telefone, ficam operando é todo mundo de terno”. “Então você tem que se vestir como se fosse um deles. Você tem que se vestir igual onde você quer trabalhar, e não onde você trabalha. Então desde o primeiro dia você tem que trabalhar de terno.” Eu falei assim: “Pô, ta bom,! Legal! Ele falou, ta falado.” Peguei um monte de gravata velha, camisa do meu tio, meu tio era trader também, então a camisa dele era rasgada aqui, aí eu cortava as camisas e aí ficava que nem o Dilbert: era gravata e camisa de manga curta. Faz de conta que era fashion e também era o maior calor. Tinha camisa de abotoadura, tinha abotoadora velha. Eu tenho até hoje abotoadura velha que o meu avô me deu. Eu comecei a trabalhar no back Office e tinha três meses para me dar bem. Eu sempre fui muito observador. Dei sorte. Primeiro, obviamente, que eu fiz o trabalho direitinho. Segundo: o chefão da mesa era de Santos também e era faixa preta de judô. Eu também era de Santos e era lutador, deu uma liga. Naquela época não tinha nenhum terminal Bloomberg, nada. Você operava escutando rádio para ver se tinha uma notícia. Caiu um avião, deu algum problema. Eu percebia que toda vez eles esperavam o resultado da bolsa, isso é foco no cliente, eu percebia que eles esperavam o resultado da bolsa para tomar posição na mesa. Só que eu tinha um amigão meu que era funcionário da bolsa. Trabalhava dentro do pregão. Então, o que eu fazia? Ele chamava Edgar. Quando dava cinco pra uma, dez pra uma, a bolsa fechava à uma, quando faltava cinco, dez minutos para acabar a bolsa, eu ligava para o Edgar. (risos) Eu tinha o telefone da mesa dele: “Edgar, vê quanto que está a bolsa.” “Ah, mais 1.5, menos tal.” Eu anotava em um papelzinho e TUM! Deixava em cima da mesa do cara e saía andando. Quando saía a bolsa ele olhava e eu já estava com o número antes. Aí ele chegou: “Oh menino, vem cá! Como você consegue esse número aqui?” Eu falei: “Não, é que eu tenho um amigo lá na bolsa e eu vi que isso é uma informação importante para o senhor, então estou tentando aqui ajudar.” Ele já tinha uma informação antes de sair no rádio que todo mundo ouvia. Provavelmente um monte de cara também tinha, mas ele não tinha. Os outros bancos provavelmente tinham essa informação, mas ele não tinha. Ele estava vendido ali na história. Ele gostava de mim. Quando ligava o pessoal da Holanda para a mesa, ninguém sabia falar inglês, os caras tinham que me chamar para conversar com o cara. Em três meses eu já estava sentado lá com eles, como trader. Eu fui efetivado no banco, em três meses, comecei a trabalhar como trader, que era uma coisa totalmente diferente. Tinha um cara que era trader, que era um espanhol, alias filho de espanhol, e ele era professor de matemática. Para você ser trader, você precisa entender de matemática financeira. Ele me dava aula de matemática financeira. Porque a gente operava de manhã, obviamente eu não operava no começo, e de tarde, ele era professor, de tarde ele ficava me ensinando matemática financeira. Aí efetivamente eu comecei a aprender coisas mais aplicáveis para o banco.
Obviamente, do ponto de vista prático, eu conhecia muita coisa, mas do ponto de vista mais acadêmico, mais conceitual, menos. Eu me tornei trader e fui indo. Esse meu chefe gostava muito de mim e depois ele me ofereceu um MBA no Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais [IBMEC]. Era a segunda ou terceira turma do IBMEC. Aí eu estudei de verdade. (risos) Eu tive que aprender tudo o que não tinha aprendido na faculdade, desde a parte básica de contabilidade. Realmente deu uma refinada muito boa na minha parte acadêmica, conceitual. O trabalho de trader foi um trabalho maravilhoso. Uma das coisas mais legais que eu fiz na minha vida. Na mesa a gente pegou o Plano Collor. Pegamos outros planos econômicos. Era um momento de muita turbulência no mercado, um momento muito nervoso. Realmente ali que eu me inseri num outro patamar do sistema financeiro. Quer dizer, foi sair de agência para trabalhar já em um mundo de tesouraria, corporativo que é um mundo totalmente diferente. Ali eu me identifiquei muito bem com aquele mundo e acabei tendo sucesso e sendo muito feliz lá.
P/1 – Como que foi evoluindo a sua carreira já com esses novos desafios de fazer o trader?
R – Ah, eu fui fazendo de tudo. Eu comecei na ponta da mesa. Fui operador júnior, pleno, operador sênior. Foi a época que eu conheci a minha esposa também. Já dei uma sossegada. Eu já morava em um apartamento sozinho aqui em São Paulo, ela foi morar comigo. Já dava também para trabalhar mais focado. Da mesa, esse meu chefe que gostava de mim acabou se aposentando. Entrou outro cara que eu acabei não me dando muito bem com ele. Eu saí para fazer captação de clientes, que também foi uma experiência super legal. Depois de fazer captação de clientes, eu evoluí para uma mesa de negócios com clientes corporativos, mas negócios do dia a dia com clientes do Corporate. Eu passei a fazer o meio de campo, nós montamos a mesa, eu e meu chefe. Era só eu e ele, e a gente fazia o meio de campo entre a tesouraria e o Corporate. Acabei me aproximando do Corporate. Eu fui me aproximando mais do Corporate. O próximo passo foi trabalhar no middle e depois trabalhar no Corporate. Aonde eu ia me encaixando, acabava aprendendo bastante, fazendo bons amigos, etc., mas acabou sendo uma seqüência natural. Trabalhei no back office, e o próximo passo seria trabalhar na mesa. Eu fui lá e trabalhei na mesa. Aprendi muito na mesa, adorei. Depois da parte da mesa, tem a parte que você faz com os clientes institucionais e tem com a parte que você faz com o cliente. Eu saí da parte institucional, que eram instituições financeiras e fui fazer operações com clientes. Depois que eu saí das operações com cliente, eu fui fazer o meio de campo entre... Mais a parte de empréstimos, não era mais captação. Eu comecei a ter contato, não com crédito, mas com produtos de empréstimo e com o pessoal do Corporate Banking nesse momento. Automaticamente, a água deságua no mar, aí eu caí no Corporate. Cada lugar que eu ia, eu procurava aprender ou me capacitar para ter um bom desempenho. Por exemplo, na hora que eu fui para o Corporate, até então, eu tinha trabalhado quase nada com crédito, ainda mais crédito corporativo. Eu já tinha feito MBA de finanças. Quando eu fui para o Corporate, eu fiz todos os cursos do ABN [ABN AMRO Bank] de crédito, os cursos internacionais. Eram quatro módulos, fazia estágio na mesa de crédito. Inclusive, eu não sei se vocês vão entrevistar a Vera Assad, mas a Vera Assad trabalha no banco ainda. Ela é head de uma área de crédito, e nessa época ela era analista de crédito. Eu já estava no Corporate, mas eu precisava começar a aprender crédito, então eu fazia estágio lá de tarde. Só que analista de crédito é tudo quieto, fica analisando, cada um analisa o seu. Não pode conversar; aquele silêncio.
Eu queria conversar, debater o crédito que eu estava vendo. Ela falava: “Felix, cala a boca, pelo amor de Deus! Aqui cada um cuida do seu, não adianta você ficar vindo aqui conversar o que a sua empresa faz porque eu estou vendo outra empresa. Você está vendo uma química, eu estou vendo uma montadora de carro, pô, esquece! Me deixa em paz!” Eu me lembro que ela sempre ficava me dando uma dura que eu falava muito lá na sala, mas aproveitei a oportunidade para aprender bastante de crédito. Acabei tendo a oportunidade de me especializar em crédito corporativo. Assim foi indo. Eu costumo falar muito para o pessoal, assim, de maneira geral, para os mais jovens às vezes, que a turma começa a trabalhar em um lugar e aí já quer sair fora, já cansa. “Ah, não gostei; Ah gostei e tal.” Eu costumo falar o seguinte: “Se você está em uma área e gosta, curte bastante, mas não fica lá. Se você está em uma área e não gosta, aprende rápido e também não fica lá.” Uma vez eu falei isso para um funcionário meu que também trabalha no banco ainda. Falei assim: “Olha gente, se eu fosse trabalhar na área que eu mais gostei na minha vida, eu estava andando de bicicleta lá em Nova Iorque até hoje.” Porque eu gosto mesmo é de andar de bicicleta, mas não é isso que é a seqüência natural. Então as pessoas... Pelo menos na minha carreira, eu sempre fui passando por um monte de área e sempre fui procurando dar o melhor de mim, aprender o máximo possível sem pensar no próximo passo. Porque o próximo passo é consequência do bom trabalho que você faz onde você está. Então, se você está trabalhando aqui pensando que você vai trabalhar lá, consequentemente você não vai se destacar onde você está e provavelmente as portas não vão se abrir para você para novas oportunidades. Agora, se você está arrepiando onde você está; você faz “assim” e vai ter um monte de gente que vai querer te levar. Foi assim que eu fui procurando fazer as minhas entregas durante a minha carreira.
P/1 – Felix, como era fazer essa ponte, o primeiro contato com a área Corporate? Você entender as empresas e aí ir para a parte financeira e entender o crédito. Como foi esse primeiro momento? Por que é importante essa área?
R – Ah, é o seguinte: normalmente o pessoal da tesouraria... O pessoal do Corporate tinha uma desconfiança de que a tesouraria colocava um spread no custo do dinheiro, quer dizer, ganhava dinheiro em cima do corporativo. Por isso que eles montaram essa área de cliente e me chamaram que eu era da tesouraria, para eu ver se o preço, o custo do dinheiro que eles estavam me dando era justo, para eu monitorar eles. Esse era o valor agregado que eu tinha para a área corporativa, primeiro ponto, e eu sabia isso e procurei fazer isso bem. O segundo ponto era o seguinte: eu não entendia nada de crédito, mas eu entendia muito de investimento e muito de operações de tesouraria. Então o que eu fiz? Eu buscava um “ganha-ganha.”
Eu acompanhava os gerentes de conta para visitar os clientes porque eu sabia mais do que eles de produtos de investimento, porem eu ficava de olho nos outros produtos que eram: câmbio, empréstimo, comércio exterior, qualquer que seja. Eu buscava uma ganha-ganha nessa relação e ele sempre, como eu era sempre atencioso, cuidava bem do cliente, sabia me relacionar com cliente, etc., ele sempre queria que eu acompanhasse ele para clientes investidores, mas quando você vai visitar um cliente, você vai falar de um monte de coisa. Então eu pegava e já aprendia o que eles estavam falando dos outros produtos, e ao mesmo tempo, nos meus tempos livre, eu já ia lá pedir para ajudar. “Ah, posso ajudar? Tá precisando fazer isso? Tá precisando fazer aquilo, etc..” Foi assim que eu fui ocupando o meu espaço no Corporate até o momento que o pessoal do Corporate para ser um Corporate Banker, aí eu tinha a oportunidade de fazer todo o treinamento de crédito. Eu pude efetivamente cair no crédito, mas mesmo assim, o meu ponto forte era a parte de tesouraria e investimento. Eu ajudava todo mundo na parte de tesouraria e investimento e as pessoas me ajudavam na parte de empréstimos, e aí fui aprendendo.
P/1 – Como foi surgindo a proposta do ABN quando foi se aproximando essa proposta do Real, de trazer o outro banco?
R – Foi o seguinte: eu fiquei Corporate banker por alguns anos, mas eu já dominava o Corporate banker e queria mudar de novo. (risos) Eu fiquei desde 1994, 1995 na lista para ser expatriado. Eu tinha morado fora já, mas em uma condição obviamente diferente e a minha esposa também. Minha esposa morou três anos, só que ela morou em Londres. Eu morei em Nova Iorque, só que mais ou menos na mesma época. A gente já estava vivendo legal e eu falei: “Mirian, olha, tem a oportunidade de eu ser expatriado, O que você acha?” Ela falou: “Putz, vamos, a gente adora viajar. ‘Vamos embora’”. Eu comecei a fazer os aplications para ser expatriado. Vários anos, desde 1994 eu comecei; 1994, 1995, 1996. Aí o Fábio [Barbosa] entrou no banco e eu comecei a trabalhar com ele, que ele era o diretor de Corporate e eu era gerente de conta. Em 1996 ou 1997, o Fábio [Barbosa] virou o presidente do ABN [ABN AMRO Bank] e ele mudou o critério, que tinha um critério meio “amigos dos amigos” para ser expatriado, que era “mó” esquema legal. Eu nunca... (risos) Eu não tinha amigo nenhum, eu só trabalhava, não tinha esquema lá dentro do banco. Não tinha padrinho, então eu nunca ficava no short list para ser expatriado. Quando o Fábio [Fábio Barbosa] chegou, foi, organizou tudo, quem é o cara da lista. Eu falei: “Pô Fábio, eu sou top performer, faço tudo direitinho, estou há um tempão no banco e eu estou desde 2004 pedindo para ser expatriado aqui e nunca me puseram no short list. Ele falou: “Pô, então esse ano vai ser você”. Era o final de 1997. Falei: “Legal”. O Fábio [Barbosa] entrou em 1995. Era o final de 1997. Falou: “Esse ano é você; vamos procurar um lugar para você trabalhar”. Todo mundo achava que eu era louco porque eu já tinha três filhos. O meu filho de três e duas gêmeas de seis meses. Eu falava para a minha mulher: “Miriam, você tem certeza que a gente vai?” “Não, vamos; vamos; vai, toca aí que a gente se vira.” Falei: “Puxa, vai se uma loucura.” Todo mundo achava que eu era louco, mas a gente ia. Eu não ia perder essa oportunidade, nem ela, da gente morar dois, três anos em Amsterdam, Londres; maior esquemão. Perto do que a gente já tinha passado. Ela era garçonete e eu era bike messenger. Ir lá de banqueiro estava mole. Contratamos uma pessoa para me substituir no começo do ano de 1998. A Renata Marques e ela foi sendo treinada. Eu fui passando a carteira para ela e comecei a fazer as entrevistas. Só que na época o Real estava valorizado e o meu custo seria muito alto por ter três filhos para ir. Eu fui lá, fiz duas entrevistas. Os caras falaram: “Não, gostei de você, quero, mas eu vou pagar só metade do teu salário e o Brasil banca a outra metade.” Eu ia falar com Fábio [Barbosa] e o Fábio [Barbosa] me enrolava porque já estava negociando a compra do Banco Real. Ele falava assim: “ Ah, vamos esperar outra oportunidade, né Felix?” “Para pagar metade eu pago tudo e fico com você aqui, vai com calma”. O Fábio [Barbosa] é bom de lábia toda vida. Ele meio que substituiu o meu avô como mentor, então ele falava e eu: “Pô, ta bom!” “O presidente do banco está falando isso, vamos nessa.” Em maio em recebi uma proposta que era para ir à Amsterdam. A mesma coisa, tinha que pagar um pedaço daqui. O Fábio [Barbosa] falou: “Felix, espera outra oportunidade.” “Pô, ta bom Fábio, vamos esperar outra oportunidade.” Eu sem ter meio o que fazer porque eu já tinha passado o meu trabalho lá no Corporate. Em junho anunciou a compra do Banco Real, aí eu falei: “Agora eu não quero ir mais.” Falei para a minha esposa: “A oportunidade está aqui, não está la´.” “Agora eu vou ficar aqui que, putz, agora vai abrir muita oportunidade.” Em julho, foi anunciada a compra em junho, em julho nós fomos para o Banco Real para fazer o Due Diligence. O Due Diligence é a conferência de contas. Fazer tipo uma auditoria em tudo que o ABN tinha comprado.
Eu fui para lá com mais um grupo. Um deles é o João Consiglio que com certeza vocês vão entrevistar. Foi eu, o João [Consiglio] e mais um monte... A Maria Eugênia. Quem está aqui hoje, era eu, o João e a Maria Eugênia. Acho que só nós três. O resto não está mais no banco. Então foi um grupo lá para fazer o Due Diligence do Corporate e do Middle. Nós fizemos o Due Diligence. Eu e o João [Consiglio] sempre fomos muito amigos, sempre trabalhamos muito juntos. Somos mais ou menos da mesma idade. Fizemos todo o Due Diligence e todo mundo voltou e entregou o documento do Due Diligence. Só que eu e o João [Consiglio] fomos procurar o Fábio [Barbosa]. Falamos assim: “Fábio”. “O que é?” “Não vai dar certo”. Ele falou : “Por quê?” “Porque tem umas situações assim, tal; tal; tal; que precisam ser resolvidas antes de a gente formalizar a compra a compra do banco.” Isso era julho, a compra do banco foi cinco de novembro do mesmo ano. Ele falou: “Como assim?” Eu e o João [Consiglio] explicamos para o Fábio [Barbosa]: “Tem que fazer isso, tem que fazer aquilo, tem que mudar o contrato, tem que ajustar esse sistema, tal; tal; tal. O Fábio [Barbosa] falou: “Legal, então vamos fazer o seguinte: eu vou arrumar uma sala para vocês lá no Real, vocês vão lá e fazem”.
“Como assim?” “Vocês dois vão lá e fazem.” Eu, o João [Consiglio] e mais um cara de tecnologia que está aqui também, que é o Marcelo Alvalá, nós fomos os primeiros a ir para o Banco Real e ficamos em uma salinha lá. Foi muito louco porque o banco ainda era do Dr. Aloysio então a gente pedia um monte de coisa e o Dr. Aloysio falava outra e a gente não saía do lugar, mas a gente conseguiu, naquela época, conhecer a cultura do Real antes do ABN entrar. Nós ficamos quatro meses dentro do Real conhecendo a cultura do Real, conhecendo as pessoas do Real se reportando para o Dr. Aloysio etc., que foi um negócio espetacular. Conseguimos, obviamente, com a intervenção do Fábio [Barbosa] em vários momentos etc., a gente conseguiu resolver os problemas que nós estávamos lá para fazer. Aí acabou o negócio, o Fábio [Barbosa] se tornou o presidente do ABN e do Real, que eram duas entidades distintas e ele me convidou para ser assistente dele na integração. O Fábio [Barbosa] assumiu a presidência do banco e eu fui junto com ele para trabalhar com ele como assistente durante esse período, que foi uma fase, talvez a mais legal da minha carreira, porque eu tive oportunidade de conviver diariamente com ele. Ver todas as decisões que ele tomava. Eu fazia as atas das reuniões. Imagine, ele não era um cara de varejo, aquilo era um banco de varejo. Ele sempre falava assim: “Olha, vamos colocar os ouvidos nos trilhos, mas deixa tudo andar do jeito que esta para a gente não bagunçar o negócio.” Ele sempre usava esse termo: “Oh, fica com os ouvidos nos trilhos, mas não chacoalha o trilho senão o trem tomba.” Um banco de varejo, tal. O respeito com a cultura do Real, o respeito pelas pessoas do Real, a importância de não mexer na estrutura, deixar a coisa acontecer, a visão dele de timing, de conhecer as pessoas, conhecer os negócios, dar tempo ao tempo para poder, na hora certa, fazer qualquer tipo de movimento etc.. Ao mesmo tempo a gente tinha que se separar do grupo do Aloysio Faria, do grupo Alfa, que tinha um monte de coisa lá dentro. Eu o ajudei durante um ano nesse sentido. No mapeamento das pessoas, no mapeamento da estrutura e como as coisas funcionavam, quem era quem. Muitas vezes, eu me lembro que, eu recebia pilhas de papel assim. Ele falava: “Lê esse negócio aqui e me dá um resumo.” Eu tinha que pegar um negócio desse tamanho assim e resumir em uma tripa, em meia página. Puxa, eu trabalhava “pra burro” porque eu levava esses materiais todos. Alias vários deles eu tenho guardados até hoje. Tinha que fazer para ele um resumo sexta à noite. Eram duas páginas com 40 assuntos. Assunto tal: eu tinha que fazer um resumo de duas, três linhas no máximo de cada assunto. Entregava para ele sexta à noite, às vezes eu deixava na casa dele porque ele tinha ido embora já. Ele era super disciplinado de ir para a fazenda, cuidar dos filhos. Eu deixava na casa dele sexta à noite, segunda cedo já estava tudo que eu tinha que fazer. Cheguei a cuidar de 40 assuntos distintos. Acabei conhecendo o Banco Real profundamente porque todas as portas se abriram para mim eu sendo assistente do presidente. Fora isso, eu pedi para ele que eu queria ir para campo porque na realidade o banco era um banco de varejo e eu nunca gostei de ficar muito preso na matriz. Ele me liberou, depois de uns meses, que toda quarta-feira eu podia ir onde queria. Toda quarta feira eu saía para visitar agência, para visitar Call Center, até para trazer para ele também a minha visão do que estava acontecendo na ponta. Ter uma visão mais do chão da fábrica mesmo e eu como já tinha trabalhado cinco anos em agências, que eu pensei que era um ativo que eu nunca mais iria utilizar; que era minha experiência de agência bancária, foi um dos grandes diferenciais, porque ninguém do ABN, praticamente, tinha trabalhado em uma agência.
Eu conhecia muito agência porque eu tinha trabalhado em tudo em agência. Fora isso, quando eu chegava às agências para falar com o pessoal, eu chegava com muita humildade. Já chegava falando que tinha trabalhado em agência, que eu trabalhei no Comind, que os caras queriam me bater. Já quebrava o gelo e os caras abriam as portas para mim, me mostravam tudo. Foi um negócio espetacular. Foi assim que eu entrei no Real.
P/1 – Como foi essa sua experiência no varejo, sentindo a cultura do Real? O que mudou? Qual foi a sua participação na mudança?
R – É. A gente acabou implementando no Real uma cultura muito mais informal. O Real era um banco de dono, um banco extremamente hierarquizado. Eu me lembro que o elevador, toda vez que subia ou descia, parava no terceiro andar para ver se tinha alguém da diretoria que queria subir ou descer. Tinha uma cultura muito forte e a chegada do ABN trouxe uma informalidade muito maior para a organização, uma proximidade maior entre a diretoria e os funcionários, o direito de questionar. A gente acabou criando lá um grupo bastante questionador. A gente criava fóruns, seja para a sustentabilidade, seja para buscar ser a melhor empresa para se trabalhar, seja para discutir as melhores práticas, para debater nossos caminhos. Era tudo com a luz acesa, era tudo muito aberto, era tudo muito transparente. Então acabou sendo muito fácil porque a cultura era uma cultura muito formal, muito hierárquica e também, do ponto de vista estratégico, o antigo acionista, ele tinha parado de investir no banco porque ele já estava com o banco planejado para vender. Ele não precisava por dinheiro no banco. Nós chegamos com uma cultura muito forte de transparência, de abertura, uma política de recursos humanos muito bacana, que o pessoal do Real não tinha: previdência, assistência. Nem uma diretoria formal de recursos humanos tinha na época. A transição do antigo Real para o ABN Real foi uma transição de muito sucesso, inclusive virou um caso em Harvard porque a gente conseguiu não só todo mundo para uma causa que era atender bem o cliente, que era a questão da sustentabilidade, etc., mas nós também demos condições melhores de trabalho para os colaboradores. Seja do ponto de vista de benefícios, seja do ponto de vista de transparência, seja do ponto de vista de condições físicas. Acho que isso foi o grande mote utilizado sem de forma nenhuma desprezar o que tinha sido construído, o que tinha trazido o banco até aqui. Nós encaramos isso como uma evolução daquele modelo.
P/1 – Como foi a sensação e o processo com a chegada do Santander?
R – Bom, no caso do Santander, primeiro eu tinha passado por, nesses dez anos, da assistência do Fábio [Barbosa] eu passei a ser diretor de Pymes, de pequenas pessoas jurídicas e depois disso eu fui promovido a diretor de segmentos, então eu cuidava da estratégia toda do varejo. Nos últimos quatro anos antes do Santander chegar, eu cuidei de cartões de crédito e crédito imobiliário. Enfim, depois começaram os rumores de que o banco estava sendo vendido, negociado. Obviamente isso traz uma tensão enorme, mas eu tomei a decisão que eu não ia sair. Eu ia ficar para ver o que ia acontecer. Quando juntou o Santander com o Real, eu fui para outra função que era ser responsável pela financeira, que era outra coisa que eu nunca tinha trabalhado em toda a minha vida. Ai você junta a crise de 2008, que foi exatamente tudo no mesmo mês, a crise de 2008, eu saí de uma área de cartão de crédito e crédito imobiliário, que eu dominava totalmente, e ir para uma área de financeira, uma das poucas que eu nunca tinha trabalhado na minha carreira e ao mesmo tempo a mudança para a cultura do Santander que também era uma cultura que eu não conhecia. Foi obviamente um grande desafio e o que eu tentei focar era entender o mais rápido possível qual era a cultura dessa nova organização, desse novo acionista para poder me adaptar o mais rápido possível e também quais eram as coisas legais, usando a minha velha prática, que eu podia aprender nessa nova cultura. Essa foi a maneira que eu encarei o desafio. Falei: “Bom, legal, passou.” “Foi maravilhoso, realmente foi uma experiência espetacular a do ABN, a do Real. Tenho memórias maravilhosas sobre isso, eu comecei do zero aqui dentro, mas agora eu estava em outro banco e eu tinha que olhar para frente e não tinha que olhar para trás.” O desafio é: conhecer as pessoas, entender como o banco pensa, qual é a visão do banco de longo prazo, é um banco muito focado em banco comercial, em varejo, o que é muito bom. Por exemplo, quando eu assumi a financeira, uma das coisas que fiz foi visitar as outras unidades do banco de financiamento ao consumo no mundo. Então fui aos Estados Unidos, fui à Inglaterra, fui à Alemanha, fui à Espanha, para conhecer as melhores práticas. Isso não tinha no ABN porque nós éramos praticamente a maior unidade, apesar de eu conhecer todos, mas o valor agregado que a experiência internacional do Santander tem é muito grande. Isso me ajudou muito a montar a estratégia e a fazer a reestruturação da financeira que era o propósito da minha cadeira.
P/1 – Como isso foi feito? Como está hoje estruturada essa área? Como você superou esses desafios de conhecer essa nova cultura? O que tem nela que te fez seguir e superar esses desafios, superar a crise, superar essas mudanças?
R – A primeira coisa que nós fizemos foi instituir o senso de urgência para resolver a situação da financeira o mais rápido possível. Tinham algumas decisões que já estavam tomadas, como por exemplo: a junção da financeira do Santander que era a Olé com a Aymoré. Os sistemas iam ser da Aymoré. Eu busquei fazer isso em três meses, eu tentei... Tentei não, a gente conseguiu, de setembro a dezembro, eliminar a Olé e ficar só com a Aymoré. Por que isso? Porque não dava para duas pessoas atenderem o mesmo cliente com duas políticas, com duas ofertas. Essa foi a primeira coisa que a gente fez, quer dizer, vamos ter uma financeira única. Conseguimos fazer isso em tempo recorde. Fomos praticamente uma das primeiras áreas a terminar a integração. 2009 foi o ano que a gente fez a reestruturação da financeira. Nós criamos quatro pilares: um pilar era o de rever todo o posicionamento comercial. O segundo pilar era rever todo o posicionamento de crédito e cobrança. O terceiro pilar era rever todos os produtos, processo e back office e o quarto pilar era fazer uma nova governança para a financeira. Implementamos isso no começo de 2009. 2009 foi o ano que a gente praticamente arrumou a casa. Fizemos todos os ajustes contábeis e de processos, governança, etc., necessários para a gente entrar o ano de 2010 já limpos. Implementamos algumas coisas durante 2009 e 2010. Outras dependiam de desenvolvimento tecnológico e teriam que ficar prontas com um tempo mais longo. Por exemplo: em janeiro de 2010 já começamos com uma nova distribuição geográfica. Toda a parte de atendimento foi totalmente remodelada; nova remuneração variável, novo processo de treinamento etc.. Porém, o nosso novo modelo de crédito demandava um investimento tecnológico muito grande, então ele foi entregue em fases. A última fase foi entregue agora no meio de 2011. A gente montou um plano muito bem estruturado. A gente tinha uma visão clara e nós tínhamos que ter apoio de toda a organização nesse plano e a gente teve e aí disciplina de implementação com diversos prazos de maturação dependendo da complexidade de cada projeto.
P/1 – Qual é o papel da financeira para o negócio banco do Santander? Por que ela é separada? Qual é a estratégia disso? Por que ela é importante?
R – Bom, o mercado de financiamento de veículos hoje no Brasil é um mercado de 200 bilhões e praticamente quase tudo é originado dentro das lojas de carro d das concessionárias. É o que a gente chama aqui dentro do banco de canal externo. Muito disso, apesar de a gente oferecer na rede de agências o mesmo produto, existe a conveniência do cliente que sempre compra um carro à tarde, à noite ou aos finais de semana e onde as agências não estão abertas. O cliente chega lá na concessionária e ele já escolhe o carro, os acessórios, já faz o financiamento, assina o contrato e sai guiando o carro. Simplificando, é isso. Claro que tem a questão do licenciamento, mas é one stop shop, como a gente costuma dizer. É muito conveniente para o cliente. A financeira é responsável por esse, como a gente chama, canal externo. Ter uma força de vendas que fica na rua e essa força de vendas está dentro das concessionárias e das lojas para fazer seus financiamentos e competir com outras ofertas de outros bancos. Não tem uma fidelidade, sempre tem competição em todo ponto de venda que a gente está. Eu diria que é um mercado que tem um processo de crédito que é totalmente diferente de agência. A gente tem que responder online, realtime, se a gente aprova o crédito ou não. É outro sistema. O produto é um produto específico. O nosso horário de trabalho também é um horário de trabalho diferente. Principalmente a gente trabalha fim de semana etc., que é quando os negócios efetivamente acontecem e hoje nós somos responsáveis por 17%, se eu não me engano, do total de empréstimos do grupo e quase 30 do total de empréstimos de pessoas físicas. É um mercado muito robusto, é um mercado que cresce muito, é um mercado estratégico para o banco e que complementa o trabalho do varejo, o trabalho da rede de agências, porque nós acessamos um nicho de clientes ou uma rede de distribuição que é complementar à rede de agências e não concorrente a ela.
P/1 – Como se dá a questão da sustentabilidade que é a proposta do banco nessa área da financeira? Tem alguma proposta de consumo consciente ou de treinamento?
R – Sim. A gente desenvolveu um nicho de produtos que são financiamento de produtos sustentáveis. Nós temos, por exemplo, financiamentos de adaptação de carros para deficientes, financiamento para deficientes. A gente tem uma linha de financiamento de energia solar para casas. A gente tem várias linhas de negócios para atender a sustentabilidade. A gente tem o desafio de como a gente pode neutralizar o carbono do financiamento de carro que a gente faz, mas a gente ainda não chegou a uma equação que a gente consiga atender esse ponto. De qualquer forma a gente está trabalhando nisso também.
P/1 – Como se dá a construção da marca Santander nessa parte da financeira? Qual é o diferencial? Como ela é construída?
R – Nós vínhamos de uma marca que era a Aymoré que era muito forte no mercado e da marca Olé. Nós juntamos as duas dentro da marca Aymoré. Passamos esse processo de reestruturação que foi 2008, 2009 e quando nós entendemos que estávamos perto de... Quando a gente finalizou, 2010, quando a gente finalizou a reestruturação nós mudamos a marca de Aymoré para Santander Financiamentos. Nós temos um compromisso público, que é o compromisso do Santander Financiamentos, que é construir, ou colaborar para construir, um mercado de financiamentos ético, transparente, que atenda as necessidades de nossos clientes e que a nossa abordagem vai através de um atendimento diferenciado e obviamente suportado por processos pós venda, tecnologia, etc., em linha com o mercado. A nossa proposta é que a gente ajude o intermediário a atender os seus objetivos e que a gente ajude o cliente final a conquistar os seus sonhos.
P/1 – Como gerir, pensando em termos de missão, toda uma equipe visando à perenidade da financeira, visando uma perenidade para o banco? Quais são os pilares de sustentação para que ela continue existindo?
R – O negócio da financeira é um negócio de longo prazo, principalmente o negócio de veículos. O negócio de CDC é uma carteira mais curta, tem oito, nove meses que são10% do nosso negócio. Tem uma dinâmica um pouco diferente, mas 85% do nosso negócio é o negócio de financiamento de carro e um contrato fica com a gente por no mínimo dois anos. Então não adianta a gente pensar no hoje, a gente tem que saber que esse negócio que nós estamos fazendo hoje é um negócio que vai ficar com a gente por dois, três, quatro, cinco anos. Nós temos que ter muito cuidado com os parceiros que nós trabalhamos. Nós temos que ser muito prudentes na concessão do crédito. Nós temos que ter muita atenção na formalização de toda documentação porque a gente trabalha com um produto com garantia. A taxa de juros e o risco, ele é proporcional à garantia que eu tenho. Então se eu der um taxa de juros que é a mais baixa do mercado, mas ao mesmo tempo eu não tiver a garantia suportando, eu estou fazendo uma operação de cheque especial com taxa de financiamento de carro. É insustentável. A nossa preocupação é que a gente tenha prudência na gestão. A gente tem que ser agressivo perante o mercado porque o mercado é muito competitivo. A gente tem que ter metas ambiciosas e nós temos, mas a gente tem que ter controle e prudência para que o negócio se sustente no médio e longo prazo
P/1 – Falando ainda de perspectiva, de visão de futuro. Como você vê o negócio banco e também a sua área de financeira daqui uns cinco, dez anos?
R – Eu entendo que existem alguns bons caminhos para a gente percorrer. Existe o caminho tradicional que é o financiamento através das concessionárias e lojas que não vai mudar. A gente tem que estar presente ali, que é o principal negócio.
Existe a possibilidade de nós criarmos ou inovarmos junto com a rede de agências para ter um atendimento que atenda a necessidade do cliente na hora em que ele quiser comprar um veículo. A gente pode atender de uma forma diferente os nossos clientes correntistas e nós estamos desenvolvendo isso. Eu entendo que a nossa “originação” pode crescer bastante dentro da rede de agências, ou melhor, pode crescer bastante com os clientes correntistas, mas provavelmente o modelo dentro da rede de agências ele tem que ser diferente porque o negócio não acontece dentro da rede de agências, o negócio acontece na concessionária. Eu tenho que criar um ambiente, uma comunicação clara para o cliente final para quando ele for comprar um carro ele lembrar: “Eu tenho uma linha no Banco Santander, eu vou lá à concessionária e eu vou comprar esse carro na concessionária, mas eu vou usar o financiamento que eu já tenho na minha conta corrente.” O terceiro ponto é que hoje nós temos o maior site de veículos do mercado que é a Web Motors, onde nós temos hoje 12 milhões de pessoas que entram nesse site todo mês. Existe uma tendência natural da migração para as transações eletrônicas. Noventa por cento das pessoas que vão comprar um carro pesquisam esse carro na internet antes de fazer essa compra. A gente entende que tem um canal de distribuição de financiamentos de seguros muito potente que seria a Web Motors. Um canal virtual de distribuição que também a gente está trabalhando.
Eu entendo que hoje nós temos um canal de distribuição que é através das concessionárias e lojas e nós deveremos ter, para os próximos anos, três canais de distribuição: a rede de agências, a rede de lojas e concessionárias, o tradicional, e mais a Web Motors.
P/1 – De toda a sua carreira bancária e também da ascendência familiar bancária, como você define o negócio banco? O que é um banco?
R – O que é um banco?
P/1 – É
R – Olha, um banco eu entendo que é um lugar onde você guarda o seu dinheiro com segurança, a sua poupança para o seu futuro. É um lugar onde você tem uma prestação de serviços para você fazer os seus pagamentos e receber os seus pagamentos e também é o lugar onde você vai financiar os seus sonhos, os seus desejos. Se você voltar para o século XV, o século XIV, a grande briga que existia quando começaram a existir os bancos, e porque não podia existir juros pela Igreja Católica, é que o banco,
a partir do momento que você empresta dinheiro para alguém, você começa a viabilizar uma evolução social. Se você tem uma boa idéia, mas não tem um capital, você não consegue implementar essa boa idéia, nem que você seja uma boa costureira, uma boa artesã e você vai comprar uma máquina de costura e depois você vai ter uma confecção. O banco proporciona isso de uma forma organizada e segura. Ele financia as pessoas a terem seus sonhos e a viabilizar os seus negócios. Então eu acho que ele é um grande “viabilizador” de sonhos. Seja para quem tem dinheiro para guardar com segurança, receber os seus juros e ter uma aposentadoria legal, um futuro legal para sua família ou seja para quem não tem dinheiro, mas tem uma boa idéia que vem aqui buscar dinheiro também para comprar o seu equipamento, comprar o seu carro, comprar a sua viagem de lua de mel. Casa financeira, a gente é um grande financiador de sonhos. Quantas pessoas... A gente financia cem milhões por mês de viagens. Então quantas pessoas não estão sonhando com a viagem ou estão lembrando essa viagem hoje que a gente financiou? Quantas pessoas não estão pegando seu carro e indo trabalhar, ou ir fazer uma viagem no fim de semana, hoje vai ser feriado, com o carro que a gente financiou. A gente tem mais de dois milhões de pessoas nessa situação atualmente, fora os outros milhões de pessoas que já passaram aqui pelos nossos negócios.
P/1 – Para irmos encerrando, quais foram seus valores pessoais que se alinharam aos do banco? O que te fez seguir aqui no Santander e vestir a camisa, estar aqui na luta todo dia?
R – Olha, eu acho que primeiro: a gente tem que gostar de que faz. Ninguém tem sucesso se vai trabalhar com alguma coisa que não gosta. Eu não consigo...
Acho que a primeira coisa que eu vejo em um funcionário, quando eu vou contratar uma pessoa, é se tem brilho nos olhos, se está de bem com a vida e se gosta do que faz. Essa é a primeira coisa. Eu procuro estar de bem com a vida. Estou, e gostar do que faço e eu adoro trabalhar em banco. Segundo são os valores que a gente tem. Quer dizer: tem que ter muita ética, muita transparência, respeitar o cliente, respeitar o funcionário, ter uma visão de longo prazo, saber que o jogo não é para hoje. Muitas coisas nós temos que olhar para daqui a alguns anos, mas principalmente o respeito às instituições, respeito às pessoas. A ética, a transparência, para mim é o mais importante. Eu honestamente não abro mão dos meus valores de jeito nenhum.
P/1 – Quais foram os seus maiores aprendizados na sua carreira?
R – Acho que paciência. A gente tem que ser paciente, a gente tem que dar tempo ao tempo. Acho que ouvir. A gente ouve, a gente conhece as pessoas. A gente acaba tendo a oportunidade de aprender bastante. Perseverança, acreditar, acho que é muito importante a gente acreditar nas nossas crenças, acreditar nos nossos valores e ter um bom equilíbrio entre a... Você só tem uma vida, mas você tem uma parte que você se dedica à sua profissão e outra parte que você se dedica às pessoas que você ama e às coisas que você gosta de fazer. Eu sou uma pessoa muito disciplinada, muito equilibrada nesse sentido. Eu sou muito presente junto à minha família e não abro mão disso por nada. Sou esportista, faço meu esporte cinco vezes por semana e também não abro mão disso e também gosto de trabalhar. As três coisas têm que se encaixar, se uma das três não está bem encaixada, eu não vou ser um bom profissional.
P/1 – O que você acha da iniciativa do banco de registrar a sua memória e de buscar sua identidade através da trajetória de vida dos seus colaboradores?
R – Eu acho super legal porque na realidade o banco é feito de pessoas então não dá para perguntar para esse prédio aqui como que foi a história dele, alias, a gente sabe. A História é feita por pessoas. As pessoas que têm a memória, as pessoas que têm a emoção, as pessoas que têm os causos. Então acho que é uma iniciativa super bacana.
P/1 – O que você achou de contar um pouquinho da sua história pra gente?
R – Legal, adorei. Me empolguei um pouco demais, mas gostei. (risos)
P/1 – Em nome da Vice Presidência de Marca, Marketing, Comunicação e Interatividade e também em nome do Museu da Pessoa a gente agradece a sua entrevista.
R – Obrigado.Recolher