P1 - Maria Aparecida Mota
P2 - Edvaldo Melo
R - Eliezer Batista
P1- Bom dia doutor Eliezer, muito obrigada por ter vindo aqui para esta entrevista do projeto memória Aracruz. Primeiro, eu queria que o senhor dissesse seu nome completo, o local e data de nascimento.
R- Meu nome é Eliezer Batista...Continuar leitura
P1 - Maria Aparecida Mota
P2 - Edvaldo Melo
R - Eliezer Batista
P1- Bom dia doutor Eliezer, muito obrigada por ter vindo aqui para esta entrevista do projeto memória Aracruz. Primeiro, eu queria que o senhor dissesse seu nome completo, o local e data de nascimento.
R- Meu nome é Eliezer Batista da Silva, eu nasci em Nova Era, Minas Gerais, em 1924. 4 de Maio de 1924.
P1- O nome dos seus pais e o nome dos seus avós?
R- Meu pai era José Batista da Silva e a mãe chamava Maria, né? E avós, eu não sei exatamente o nome dos meus avós.
P1- E qual era atividade profissional dos seus pais, e se o senhor se lembra de seus avós.
R- Meus avós eram imigrantes, né, eram pessoas que... Artesão, meu avô era artesão, celeiro, fabricava celeiros, e pela parte da minha mãe, eram camponeses. Sou de origem humilde.
P1- Imigrantes de onde?
R- De Portugal, Espanha e tem uma parte holandesa também.
P1- O senhor tem irmãos?
R- Não, tinha um irmão que morreu, um médico.
P1- E a rua e o bairro em que o senhor morava quando era pequeno?
R- Era uma viazinha muito pequena, acho que não tinha nem rua - não tinha.
P1- Como é que era a casa que o senhor morava quando era pequeno?
R- Era uma casa muito, tipo portuguesa, antiga, né? E muito antiga também, foi do meu avô.
P1- E quais eram as brincadeiras favoritas, suas e dos seus amigos?
R- Olha, não sei mais, sabe, porque eu saí de casa muito cedo, fui para fora desde a parte de; todo o secundário, eu fiz ali. Depois, saí fora e só voltei; nunca mais voltei lá para, digamos, visitas a meus pais etc., mas praticamente não vivi... Vivi muito, fui para o sul do Brasil e vivi muito tempo lá, depois voltei e vivi muito tempo também fora do Brasil, nos Estados Unidos, na Europa. Voltei outra vez, fui presidente da Vale duas vezes, né? Então a vida é muito agitada, né?
P1- Eu quero que o senhor fale só mais um pouquinho dessa parte da sua vida, quando o senhor era criança. O senhor fez a escola primária aonde?
R- Primário, lá mesmo, neste lugar aí, em Nova Era.
P1- Em Nova Era.
R- É isso.
P1- Fez a escola até o secundário lá?
R- Não, secundário não, secundário eu fui para São João del Rei e Ouro Preto. Depois eu fui lá para o sul do Brasil.
P1- Qual era a escola em São João del Rei?
R- Era o Colégio Santo Antônio.
P1- O senhor pode falar um pouquinho sobre esse colégio?
R- Era um colégio de padres franciscanos, muito bom. Não sei ainda [se] existe, deve existir. Mas de lá, saí e fui para o sul do Brasil, para Curitiba, Porto Alegre e só voltei depois de formado. Fui para fora do Brasil então.
P1- O senhor foi para Curitiba e Porto Alegre para fazer a faculdade?
R- Não, eu fui por outras razões, mas acabei fazendo a faculdade lá, né?
P1- Qual?
R- Engenharia, eu sou engenheiro.
P1- Então uma parte da sua juventude o senhor passou em Curitiba?
R- Passei.
P1- O senhor pode falar um pouquinho sobre essa juventude em Curitiba?
R- Posso falar. Eu fiz muitas besteiras lá em Curitiba. (risos) Fundei a juventude hippie de Curitiba, é verdade. Bom, fui atleta conhecido, participei em campeonatos sul-americanos de "water polo" [polo aquático], saltos de plataforma de dez metros. Tinha várias medalhas ___. E gostava muito de Curitiba, por exemplo, uma cidade muito agradável e tive uma experiência muito boa lá com línguas, aprendi muitas línguas. Porque Curitiba é uma cidade que tem uma população europeia ou de origem europeia muito grande, então, com aquilo, eu aprendi muita coisa lá, música também.
P1- E como é que isso de ter sido o inventor do movimento hippie?
R- Eu tinha umas fantasias que todo mundo tem (risos) e fundei o movimento hippie de Curitiba.
P1- Senhor Eliezer, o senhor concluiu o curso de engenharia em Curitiba?
R- Em Curitiba.
P1- E depois foi para o Rio Grande do Sul?
R- Não, eu tive no Rio Grande do Sul independentemente disso, depois eu fui para o exterior.
P1- Para onde exatamente?
R- Estados Unidos.
P1- A trabalho ou para concluir estudo?
R- Foi para trabalho também e para estudos. Fui para Pennsylvania Railroad, e a Baltimore, Ohio, que era... Porque, naquela ocasião, o presidente da Vale do Rio Doce queria construir uma estrada de ferro semelhante à melhor que havia no mundo - que era a Pennsylvania Railroad, naquela ocasião. Então arrumou para a gente ir para lá para os Estados Unidos para aprender a fazer o que nós fizemos, e construímos a [Estrada de Ferro] Vitória a Minas como ela é hoje.
P1- Logo que o senhor se formou, já estava empregado?
R- Não.
P1- Como é que foi isso?
R- Eu me formei e saí, fui para fora e depois que voltei é que comecei a trabalhar na construção da Vale do Rio Doce.
P1- Foi seu primeiro emprego?
R- Não, eu tive empregos anteriores.
P1- Por exemplo?
R- Ah, empregos desses de curto prazo.
P1- O senhor foi fazer alguma especialização nos Estados Unidos?
R- Foi, de ferrovias. Para, como eu lhe disse, construir a Vitória-Minas como ela é hoje, né? E se consumiu bastante tempo, porque o grande desafio, no caso, da Vale do Rio Doce, era ferrovia, que é hoje a espinha dorsal da economia da empresa - que sem a estrada, sem uma logística, e logística de transporte eficiente, você não teria chegado ao estágio que a empresa chegou hoje, né?
P1- Quais eram, assim, as particularidades ou singularidades dessa construção da ferrovia?
R- Era uma região remota, não tinha nada, paupérrima e florestas com malária, cheia de problemas de toda natureza - um clima hostil. Então aquilo foi uma fase heroica até, porque a antiga Vitória-Minas era uma estrada muito precária, de condições técnicas muito más, então aquilo foi uma fase muito mais heroica do que técnica, né? E isso demandou muito esforço adicional ao esforço, propriamente dito, de construção e manutenção daquilo, né? Então, naquela ocasião, nós trabalhamos com a Morrison-Knudsen, que era uma empreiteira americana que o, tinha um contrato, o segundo contrato - que o primeiro contrato foi em 42 o outro em 49. Esse outro contrato era para terminar, acabou não terminando e nós é que acabamos terminando aquilo, né? Quer dizer, já aí com a Vale do Rio Doce, nessa altura.
P1- Isso foi mais ou menos em que época, doutor Eliezer?
R- Nos anos 40, anos 50, no início dos anos 50.
P1- E o senhor permaneceu desde então na Vale?
R- Permaneci lá. Mas depois saí, em 1964, com a revolução. Quiseram me pegar como comunista, não sou nada comunista, nem nada, ao contrário, apenas porque falava russo e achavam que eu tratava muito bem os operários. Naquela ocasião, tinha uma mania, assim, de [que] qualquer pessoa diferente era comunista. Então escapei pelo gongo de cassação, até de prisão, e fui... Doutor Antunes, que era um grande industrial, me convidou para presidência da, criar a MBR, que era uma companhia que construiu uma outra Vale do Rio Doce, equivalente em menor escala, aqui na Baía de Sepetiba. Então surgiu essa nova companhia onde eu fiquei até 1967. Aí o professor Dias Leite, que era, nesse tempo, presidente da Vale, me convidou para voltar para Europa, porque os problemas da Vale do Rio Doce, na ocasião, eram de marketing - era uma área que a gente tinha construído muito bem no início da Vale do Rio Doce. Então eu fui para a Alemanha.
P1- O senhor fala quantas línguas?
R- Bem, vamos dizer assim, eu falo umas seis. Bem, mais ou menos bem. Eu não falo nenhuma bem, mais ou menos. Bem [mesmo] umas seis, mas no total [são] umas nove. Mas três já não falo tão bem, porque você vai esquecendo, né? Memória vai pifando, né?
P1- E quando foi a primeira vez que o senhor ouviu falar em plantio de eucalipto, em silvicultura?
R- Quando eu era superintendente e engenheiro chefe da estrada de ferro e do porto em Vitória. Isso foi no início dos anos, meados dos anos 50. Naquela ocasião, nós já tínhamos, eu já tinha essa coisa que herdei do meu pai, que gostava muito de florestas, de plantas etc. Embora ele fosse um artesão também, meu pai, né? Mas depois, na segunda parte da vida dele, ele comprou fazendas, começou a se interessar e sempre gostava dessas coisas. Então comprei uma pequena propriedade no Espírito Santo, lá na Pedra Azul, uma área alta, e comecei a plantar eucalipto e outras plantas, mas tudo experimentalmente. E a mesma coisa ao longo das terras que pertenciam à Vale [do Rio] Doce, ao longo da linha férrea. Com essa experiência aí, despertou o interesse por florestas e por produtos florestais, porque eu via naquilo não só uma maneira de você criar produtos para serem transportados na estrada, mas que era um produto que tinha grandes possibilidades no futuro. E, naquela ocasião, havia um grande avanço nas florestas no espírito Santo. A parte do norte do Rio Doce, começou a ser destruída por incêndios e devastações de todo tipo, para a pecuária e todo tipo de coisa, então nós compramos uma grande propriedade lá, que é hoje a reserva florestal da Vale do Rio Doce de Linhares, e aquilo já era uma ideia de preservar que já pena que já dava de você ver aquela destruição como você hoje na Amazônia, e nós tentamos segurar aquilo ali. E para ter aprovação da diretoria nós dissemos que íamos comprar aquilo para a produção de dormentes, o que na verdade nunca se produziu um dormente de lá, mas senão não teríamos aprovação para comprar essas propriedades, então toda essa questão e florestal já vinha de longe. Então isso tudo foi feito nos anos 50. E hoje foi criado, o Tubarão é o único parque industrial que é, ao mesmo tempo, um parque florestal, com até lagos e animais, tudo lá dentro - é uma coisa única. Então essa questão ambiental, o reflorestamento ao longo da linha, começou naquela época para amenizar o clima, para melhorar os estragos que foram feitos também naquela ocasião; ao mesmo tempo que o sucesso no plantio de eucalipto despertou. “Bom, eu vou fazer alguma coisa com isso”, né?
P1- Senhor Eliezer, mas eu queria que o senhor falasse um pouco sobre a questão do cafezais improdutivos no Espírito Santo, já na altura dos anos 60, e plano de erradicação; o senhor pode falar?
R- Não, esse assunto eu não estava muito familiarizado com ele, mas acho que foi uma coisa muito precipitada porque o café é um produto cíclico e no Espírito Santo você tem duas, você tem a área de montanha, de clima mais ameno onde você tem o café-arábica e a parte do norte do estado, que tem o café conilon, um café robusto, que é um café de pior qualidade, né? Então essa erradicação foi um tanto precipitada e trouxe um enorme prejuízo ao estado - inclusive, uma emigração, que foram para Rondônia e tudo isso aí - e o estado custou a se recuperar. Apesar de tudo isso, o estado hoje é o segundo maior produtor de café, porque a propriedade [é] muito dividida com a imigração italiana, alemã - sobretudo - e polonesa. O Espírito Santo é mais ou menos como Santa Catarina em termos de composição étnica no interior, na costa é um pouco mais diversificado. Mas essa gente é muito laboriosa, construiu e [se] recuperou. E hoje você tem, o café está se tornando de novo, café de qualidade, cafés especiais. O Espírito Santo está sendo um dos pioneiros nessa área, mas aqui o; [no passado], deu um prejuízo muito grande, foi um coisa um pouco precipitada, talvez por falta, de desconhecimento de mercado ou da evolução do mercado. Aquelas coisas eram decididas de uma maneira muito abrupta, sem muita reflexão.
P1- É no contexto desse plano de erradicação do café que se propõe os chamados grandes projetos? É nesse contexto?
R- Não, esses projetos que você diz na área florestal?
P1- Não, não.
R - Os grandes projetos do Espírito Santo, o primeiro surgiu com a própria Vale do Rio Doce que, em 1960, começou o Projeto de Tubarão, que foi o grande projeto que abriu o Espírito Santo, mostrando a posição estratégica com relação ao ferro, ao aço e tudo, e sua posição no mundo como grande exportadora de materiais - uma grande plataforma para a exportação de produtos industrializados. Que a Siderúrgica de Tubarão foi originada por nós no tempo em que estávamos no Grupo Antunes, como lhe mencionei aqui. Então, a CST, hoje, construtora, nós começamos aquilo primeiro com a Burkland Steel que depois desistiu. Depois tentamos com a (Agostini Rockler?) que construiu uma siderúrgica na Argentina e que queria importar produtos já mais elaborados, quer dizer, placas, slams. Isso também acabou não dando certo, porque, do lado de cá, nós não tínhamos ainda condições de formar a empresa. Porque, naquele tempo, eu ainda estava no Grupo Antunes e eles não estavam muito interessados em siderurgias, era mais na área de mineração. Embora tenham construído a Anhanguera, de aços especiais, em São Paulo - foi construído naquela época. Bom, mas aí então quando eu voltei para a Rio Doce, em 67, nós retomamos o projeto com a Thyssenkrupp aí com apoio do professor Dias Leite, que, infelizmente, não quis se associar com companhias do Estado. Eles, como política, preferiam fazer... Bom, então é claro que a Rio Doce, além de não poder fazer isso por parte do sócio, parceiro, estrangeiro, o próprio governo federal preferiu que a Vale do Rio Doce continuasse só com a mineração ao invés de, que a nossa ideia era de agregar valor ao minério de ferro passando para, né? Bom, então nós, fomos procurar a Thyssenkrupp, [que] acabou por não querer associar com o Estado. Se associou com o Grupo Gerdau aqui, na Cosigua - infelizmente, isso não deu certo depois; desmancharam a sociedade. Então nós voltamos de novo, aí foi buscar a Kawasaki no Japão, que o presidente, na época, era o senhor Fujimoto; e os italianos (Capanas), da (Finicida?), na Itália. E aí então, nessa altura, já havia a Siderbrás e tudo isso, aquela coisa foi retirada da Rio Doce e transferida para a Siderbrás. E daí então se originou o segundo grande projeto que decorreria do próprio Tubarão, porque o Tubarão é uma das áreas mais estratégicas para siderurgia; aprova é o resultado, o sucesso tremendo que teve essa Siderúrgica de Tubarão. Bom, essa Siderúrgica de Tubarão, é claro, trouxe um tremendo progresso para o Espírito Santo que despertou a importância, o reconhecimento da importância estratégica daquela localização geográfica, né? Então surgiu isso aí, era o outro grande projeto que surgiu que foi a ideia da exportação de Chips, já baseado nos eucaliptos etc., né? Então aí é que entra aquela; ainda quando eu estava no Grupo Antunes, eu e o professor Dias Leite conversando, ele foi me visitar no meu sítio em Pedra Azul, lá no Espírito Santo. Então, ele estava propondo projetos, estudando projetos para o grupo dele, que ele tinha uma companhia (__) chama Ecoteca com o senhor Tafuri, professor Tafuri, que era um homem muito... Então, propondo vários tipos de projetos, inclusive projetos de galinhas, de frangos, de produção, de projetos de alimentos etc. Aí eu fui e propus: “bom, você quer ter uma companhia de estudos, não faz um estudo para estudar produtos florestais, né”, ele achou a ideia, fez um estudo por conta própria e chegou à conclusão que poderia ser uma boa coisa, mas, sobretudo, se pudéssemos ter alguma, algum incentivo fixado para o “take off”, que é um negócio, né? O resultado é que nós ainda começamos a trabalhar, ele fez uma grande parte do estudo da lei florestal, a gente completou aquilo e vendemos a ideia baseado no incentivo fiscal do imposto de renda, né? Ele vendeu isso para o Otávio Medeiros de Bulhões, que era o ministro da fazenda na época. E eu vendi para o Nei Braga, que era o ministro da agricultura e amigo meu. Embora eu não fosse bem visto no governo pelos antecedentes, né? Foi aprovado aquilo com alguns defeitos. Por exemplo, nesta lei não se previa o plantio, a localização geográfica do plantio junto aos sistemas de logística - que era importante para que você pudesse industrializar mais tarde. Então muita gente plantou eucalipto indiscriminadamente só para ficar livre do imposto de renda. Essa foi uma falha. Depois, no decorrer do tempo, politizou-se o assunto, mas foi ele que gerou a grande onda de produtos florestais no Brasil, sobretudo na área de celulose - que teve esse sucesso tremendo que aí está hoje. Entre esses produtos, está a Aracruz. Bom, como que surgiu a Aracruz? Nós então fundamos uma companhia de produtos florestais, a Aracruz Florestal. Essa companhia foi fundada por nós e a gente tomou vários sócios, era uma coisa modesta no início e tudo. Mas a concepção era fazer na costa, porque a ideia original era a exportação de tips, eram produtos florestais. Podia ser qualquer coisa, mas a primeira ideia era a exportação de tips. Então ficando perto da costa, o transporte seria mais econômico [e] você poderia ter condições melhores de exportação. Então, por isso, a escolha da Aracruz como localização. Compramos um terreno que era da Acesita, se não me engano, naquela época ali. E dali começou a Aracruz Florestal. Bom, essa Aracruz Florestal cresceu muito, né? Nessa altura aí, eu já estava de novo, passei uns tempos para a Europa e da Europa, então, nós trabalhamos durante um período grande. Mas, em 67, eu fui, Aracruz começou e aí entrou o senhor Lorentzen.
P1- Senhor Eliezer, quem eram os sócios iniciais?
R- Ah, tinham pessoas como o senhor Oliva Fontenele, o doutor Otávio Lacombe, mais tarde entraram maiores, como o Moreira Salles. Mas, no início, houve muita reação. Inclusive, ninguém acreditava que aquilo, achavam que aquilo não ia dar certo. Essa coisa típica dessa. Bom, acabou dando certo e com a entrada do senhor Lorentzen - aí está o grande mérito dele. Nossas relações eram bastante atrás também na área de navegação. No tempo que eu estava no doutor Antunes, fundamos uma companhia com barcaças, entre o grupo Antunes e o senhor Lorentzen, então, já nessa altura, tínhamos muitas ligações, amizades também e negócios da área de navegação. E ele [Lorentzen], claro, se interessou eventualmente para transporte de tipos etc., mas a grande contribuição dele foi mais tarde quando se concluiu. Nessa altura, eu estava na Europa e fundamos outra companhia chamada Cenibra com os japoneses. Compramos muita terra simultaneamente com a Aracruz, naquela área do Espírito Santo e no sul da Bahia. Então todas aquelas áreas onde está a Bahia do sul, onde está a Veracel hoje, foi comprada por nós no tempo em que estávamos na Vale do Rio Doce ainda, né? Pois é, essas áreas, umas geraram a Bahia Sul mais tarde e as outras geraram a Veracel ultimamente. Que as florestas foram onde para; o Grupo - [do Leon] Feffer - Suzano foi vendido para os escandinavos, para a Odebrecht e [ela] vendeu mais tarde para os escandinavos. Então com a entrada do senhor Lorentzen nessa altura, os japoneses que originalmente estavam pensando em tips na Vale do Rio Doce - eu não estava na presidência nessa época -, levaram para Minas Gerais e ao levar para Minas Gerais eles mesmos reconheceram que a ideia de tips ia ficando mais longe. Se lembra que a ideia original [era] na costa porque era mais barato usar tips? Então, passaram a acrescentar mais valor, agregar maior valor, porque diminuiu a influência da logística de transportes. Então a Cenibra, que veio um pouco depois da Aracruz - acho que tem um ano de diferença entre a fundação das duas empresas, um ano e pouco. Então decidiu-se também por fazer celulose. Mas voltando um pouco para a Aracruz, a entrada do senhor Lorentzen teve essa importância grande porque, naquela ocasião, nós fizemos algumas viagens, fizemos em Portugal com o senhor Júlio Oliva, aí, e o presidente da Companhia Celbe de Portugal, que era do Grupo BillerudKorsnäs. A gente foi visitar a fábrica porque havia dúvidas que o eucalipto daria bons produtos para a fabricação de papel, né? Havia muita guerra porque a (Best?), a Bétula, que era usada pelos escandinavos, já começou a visualizar ali uma concorrência, então tinha o senhor Wildenholf, que era do mundo da fabricação de polpa de celulose, nos convenceu de que ele era da BillerudKorsnäs, que o melhor negócio era fazer celulose mesmo, que o senhor Lorentzen, então aí que a entrada dele ajudou muito. Quer dizer, ele foi decisivo na transformação do projeto de produtos florestais para celulose. Era um produto florestal também, mas de maior valor agregado. Então a grande contribuição dele foi [que] ele entrou na hora certa e, no decorrer do tempo, foi ele o grande incentivador que permitiu que ele se transformasse no projeto que é hoje, né, ok?
P1- Nesse momento...
R- Mas aí é bom você enfatizar a importância da lei florestal no processo brasileiro de produção de produtos florestais, sobretudo celulose. E a participação importante as Aracruz na pessoa do senhor Lorentzen de também passar de (tif?) para polpa, passo esse que a Cenibra também adotou, de modo que você, as duas empresas (demarram?) com uma pequena diferença de tempo.
P1- Mas essa passagem da Aracruz Florestal para Aracruz Celulose, certamente os senhores consideraram que era necessário um aporte de investimentos?
R- Claro.
P1- E como é que foi isso?
R- Aí o BNDES nos deu apoio. Nós tivemos o apoio, que [o] presidente do BNDES naquela ocasião era o senhor Marcos Viana, que tinha trabalhado conosco na Vale do Rio Doce etc. e era capixaba também. Ele entendeu bem a importância daquilo, porque era um projeto francamente, visivelmente econômico. Então é claro, o projeto: a coisa importante não é ter projeto, é você ter projeto de significação econômica e uma significação econômica mundial, porque o Brasil tem vocação natural para ser um país florestal. A própria palavra Brasil é uma árvore, né, vem de pau-brasil, né? Então o banco deu um grande apoio, permitiu com a entrada da BillerudKorsnäs. Então a BillerudKorsnäs também percebeu que aquilo era de grande interesse para ela, que uma (Birt?) na Noruega, na Suécia, Finlândia gasta 60, 70 anos - até mais - para entrar no nível de corte; e aqui, com sete anos, você corta eucalipto. Naquela época, era uma diferença colossal, porque o custo na parte industrial não é tão diferente assim, mas o custo do lado florestal é muito diferente e muito mais favorável a nós. Eles perceberam e entraram porque o Wildenholf era um grande técnico, achava que o futuro da fibra de eucalipto era competir seriamente - como aliás aconteceu. Então nós devemos muito a esse cidadão sueco chamado Wildenholf, que foi - infelizmente, ele desapareceu, de uma doença grave; foi uma grande perda para o setor florestal no mundo inteiro. Eu tenho até um livro famoso dele aí, que ele me deu de presente. É um homem que teve uma colaboração muito grande com a Aracruz e aí a coisa, você conhece a história mais recente, já tem muitos depoimentos aí sobre isso, acho que o mais interessante é esse período que é mais obscuro.
P1- Doutor Eliezer, como se pronunciava o governo do estado e a opinião pública em relação a esse projeto?
R- Olha, nós tivemos muito apoio no Espírito Santo sobretudo do governador (entedesse?), mesmo antes dele ser governador. Antes e depois, sempre houve muito apoio do estado.
___________ Esses movimentos que surgiram posteriormente, não sei a razão deles, porque, na verdade, surgiu de uma maneira estranha. Não havia razão, aquelas áreas eram áreas abandonadas, áreas pobres. Ali, a Aracruz trouxe uma contribuição enorme para o enriquecimento. Você vê o padrão, olha para trás o padrão de vida, que criou os empregos criados, as riquezas criadas. É inacreditável o que está acontecendo, com o que aconteceu depois; como eu estive muito fora do Brasil durante esse período todo até o fim dos anos 70 - fiquei na Europa. Não, eu não assisti muito a evolução naquele período. Eu voltei para presidente da Vale do Rio Doce, em 79, mas aí o problema já estava sedimentado.
P1- Mas então o senhor lembra ou estava aqui quando começaram, quando a Aracruz Celulose começou a construção da fábrica?
R- Estava... Não, eu estava na Europa. Ela começou a construção em 72.
P1- Exatamente.
R- Eu morava na Europa, em Bruxelas, em 72.
P1- E o senhor também não estava presente na inauguração em 78?
R- Da Aracruz?
P1- É, da fábrica?
R- Acho que não, nem em Tubarão - que foi projeto nosso. Eu não estava aqui porque a revolução me botou para fora, né? O projeto foi nosso e tudo, mas na inauguração eu estava fora, né? Então não assisti também não. Eu sou daquele tipo de indivíduo que quando sai de garfo, chove sopa. (risos)
P1- Eu queria que o senhor falasse um pouquinho mais como é que [era] a região da Aracruz antes?
R- Paupérrima, solos pobres, podzólicos, pobres. Eram vestígios de mata, já de capoeiras - nem matas eram. É claro que a topografia, a proximidade da costa que eram os grandes predicados da região, mas a população local era extremamente pobre, era fora da área da colonização italiana, que era para as regiões mais montanhosas. E então aquilo foi a salvação de uma área que estava praticamente perdida. Então todo mundo se esquece das origens das coisas, né? Eu me lembro muito, porque Vitória, no início, quando a gente comprou essas áreas que estavam sendo devastadas, ninguém acudiu em socorro da salvação das florestas do norte do estado, que o estado tinha 40% a mais de reflorestamento naquela época - tudo isso foi perdido para o gado. E hoje, ainda no norte do estado, você vê a pobreza que existe lá, porque tem falta d’água, a devastação das florestas criou problemas nos recursos hídricos, diminuiu os recursos hídricos que não foram protegidos suficientemente, porque não se concentra nessas coisas que são as raízes, as causas disso aí. É confundir causa com efeito, isso é uma coisa triste.
P1- Como é que era essa viagem de Vitória até onde o senhor tinha a sua plantação de eucalipto?
R- A minha experiência era muito pequena, né? Aquilo, você gastava quase um dia de viagem porque não tinha estrada para lá. A estrada, a BR-262, foi feita nesse período. Então, mas antes da BR-262, digamos, durante o decorrer dos anos 50, a gente ia até a cavalo, depois de Jipe. E então gastava praticamente um dia para chegar lá. Mas como é uma região muito bonita, né, então, um povo muito saudável, porque eram descendentes de italianos do Vêneto. Embora muito atrasados e pobres, porque eles não tinham comunicação com ninguém. Então hoje, com a, aquilo é um dos projetos que eu tenho o maior prazer, porque nós começamos em melhorar o padrão de vida dos camponeses daquela região. E hoje é um dos padrões de vida na área rural, dos melhores, no Brasil, né? Você não tem mais praticamente miséria lá em cima. Isso é um exemplo do que se pode fazer quando a coisa é coordenada sistemicamente com interesse da comunidade como um todo. Porque a comunidade lá, reage, ela é produtiva e reage positivamente. O pessoal trabalha muito - talvez seja uma herança que veio da Europa de uma região que na época era muito pobre na Europa. Veneto e mesmo a região (Milla?) de Bolonha até, digamos, Venezia Júlia, aquilo lá é a zona agroindustrial mais rica da Europa, como zona agrícola, agroindustrial.
P1- Mas que atividade o senhor então desenvolveu nessa região do Espírito santo, de colonização?
R- Olha, de cultura, porque até, digamos, a cota 900, já havia café arábica, né, mas ali foi introduzido cultura de verduras de todo o tipo [horticultura]. Inclusive, verduras mais nobres. A minha mulher que é alemã, ela trouxe muita contribuição de variedades novas e a gente tinha, trouxe até colonos da Europa, americanos. Tinha até batatas, fruticultura de clima temperado, quer dizer, então ali, de uma pobreza extrema, passou hoje a uma das mais ricas áreas, tudo com pequena propriedade. Você vê, vale a pena visitar aquilo lá. Se você não conhece, eu te convido para visitar porque vale a pena ver, vai te dar prazer de ver uma coisa, como é que você pode sair da miséria com esforço coletivo feito harmonicamente, porque ninguém estava querendo ganhar dinheiro. Aquilo foi feito para você ter uma demonstração, pelo menos, de que podemos sair da miséria.
P1- Doutor Eliezer, e voltando à Aracruz, quando se pensou em transformar a Aracruz Florestal em Aracruz Celulose, pensou-se também imediatamente no porto?
R- O porto tinha sido pensado desde o início. E Ali houve uma colaboração muito grande entre a Cenibra e a própria Aracruz - e junto. Quando eu voltei para [ser] presidente da Vale, nós prolongamos o ramal ferroviário até lá, de modo que esse porto pudesse ser utilizado para outras finalidades e, eventualmente, industrializa-se a área ao longo desse ramal - que, infelizmente, não foi feito. Foi feito o porto, e a Aracruz hoje é sócia da Cenibra na utilização desse porto. Então isso já é uma concepção que veio desde o início. E a razão pela qual a gente comprou as terras da costa. Então por que estar na costa se você não tem por onde? Ficava independente da infraestrutura estatal da época, que não funcionava.
P1- E por que que não houve a industrialização ao longo da linha férrea?
R- Não houve muita percepção da importância daquilo, porque hoje aquilo é uma das áreas estratégicas de maior importância, tem uma logística extremamente eficiente. A Vitória-Minas é hoje uma estrada de ferro das mais eficientes do mundo, se não for a mais eficiente. Então tem ainda chance de crescer a partir dali, daquele ramal. Você pode até atingir outros, criar outros portos menores. Agora não está utilizando barcaças, o próprio Via Sul que é do senhor Lorentzen que tem trazido grandes contribuições à economia do Brasil. Ele é um grande homem, o senhor Lorentzen, né? Duas pessoas que mais gostam do Brasil, que eu conheço: uma foi minha mulher que, infelizmente, faleceu três anos atrás e ele. Outra coisa que trouxe essas barcaças; que como eu havia dito, nós tivemos com ele - quando eu estava no Grupo Antunes - uma companhia conjunta de barcaças, né? E ele, agora, está trazendo uma nova contribuição importante para o que quiserem, portos especiais para barcaças, que vai trazer uma revolução econômica na logística de transporte costeiro no Brasil e até costeiro do continente sul-americano.
P1- Doutor Eliezer, aí o senhor foi para a Europa, depois voltou e foi presidente da companhia Vale do Rio Doce?
R- Outra vez, né?
P1- Quando o senhor estava outra vez na Aracruz Celulose, que diferença o senhor sentiu?
R- Muito grande; que a Aracruz foi sempre uma empresa muito bem conduzida, né, uma história de sucesso de ponta a ponta. Quer dizer, porque houve determinação de fazer, vontade de fazer - que quando você não acredita, você leva aquilo de uma maneira diferente - e nisso aí devemos muito ao senhor Lorentzen, né, que ele é o símbolo da empresa, porque ele fez um enorme esforço internacional: o nome da empresa no exterior, que é hoje um nome respeitado no mundo inteiro. É interessante que pouca gente aqui vê isso, né? Quer dizer, é uma coisa, uma visão muito curta do processo e no ramo da indústria de celulose e tudo, o comando, o respeito que comanda o mundo inteiro, né? Então, a empresa sempre que tratou muito bem o pessoal, os recursos humanos sempre foram muito bem tratados, sempre se interessou por pesquisa para aperfeiçoamento, melhoria do produto e tudo. Quer dizer, é uma empresa sob os pontos de vista de padrão mundial, né?
P1- E no comando da Vale, o senhor tinha a oportunidade de estar em contato com as questões ou os projetos da Aracruz Celulose?
R- Durante o tempo da fase da Vale do Rio Doce, sim. Tínhamos uma colaboração muito viva com a Aracruz.
P1- E como é que era? Fale um pouco sobre isso.
R- Muito agradável, né? Porque, nessa ocasião, as coisas já estavam fluindo e os resultados já estavam a vista. Então foi um intercâmbio muito positivo e muito construtivo entre as duas empresas.
P1- O senhor teve alguma participação ou acompanhou a ampliação do complexo da Aracruz, a criação da fábrica B?
R- Acompanhei sim. Acompanhei e depois entrei também. Quando saí da Vale e entrei para o conselho da Aracruz também, a fábrica C, durante esse período todo, eu estava no conselho da Aracruz.
P1- Que momento, durante esse tempo, o senhor considera mais marcante? Por exemplo, nos momentos de quebra de produção, alguma coisa desse tipo.
R- Sempre a quebra de produção foi contínua, então era uma coisa quase que; isso é claro, trazia uma alegria porque não só o sucesso da procura, mas um sucesso reconhecido no mundo inteiro. A Aracruz foi uma das primeiras multinacionais, empresa brasileira de ação multinacional que foram - juntamente com a Vale - reconhecidas no exterior como empresas de primeira linha, né? Isso tem que te dar muita satisfação. Tenho a impressão que para o senhor Lorentzen também, tenho quase certeza. Creio que para ele também foi uma grande satisfação, que ele lutou como um leão o tempo todo, né? A Aracruz deve imensamente a ele, né?
P1- O senhor lembra de um momento particularmente crítico durante esse seu contato como conselheiro?
R- Não, momentos críticos aí foram... Digamos, foram quando o BNDES resolveu ceder uma parte importante do capital. Então privatizou o grau de participação privado. Claro, a empresa tomou outro rumo. Isso foi muito bom. Embora o BNDES deu muito suporte, como disse, a Aracruz foi uma coisa muito agradável. E é claro que houve alguns câmbios de acionistas, mas que é uma coisa normal em empresas hoje no mundo inteiro, isso foi um fenômeno. Esse período foi um período mais crítico, digamos, de tornar uma empresa realmente privada, com um alcance em todo mercado de capitais no mundo econômico.
P1 – E como é que foi o lançamento das ações da Aracruz na bolsa de valores de Nova York?
R – Foi um sucesso.
P1 – O que é que o senhor tem para contar sobre isso?
R – Foi um sucesso muito grande. Outra coisa que eu digo, que é outra influência da Lorentzen, [é que] tem conhecimentos muito importantes no exterior e isso ajuda muito esse sucesso da Aracruz no exterior - não só na parte mercadológica, mas na parte financeira também. Quer dizer, então, que a Aracruz goza de um nome extraordinariamente bom no exterior. Isso tem uma importância enorme. Nisso, a credibilidade, a confiança que você inspira, sem o qual todo nosso sistema econômico é baseado na confiança. É uma cadeia de confiança: você quebrou um elo desses, quebrou o sistema todo, ok? Ainda tenho dez minutos, estou falando muita bobagem - você me corrige.
P1 – Senhor Eliezer, e o que o senhor tem para contar para a gente sobre essas plantações [de] silvicultura em Eunápolis, no sul da Bahia, e o projeto Veracel?
R – Eu tenho, prevejo um futuro muito bom. Porque, na verdade, a pluviometria no sul da Bahia é melhor do que no Espírito Santo. Os solos, embora parecidos, podzólicos também, mas são mais adequados - a topografia [é] igualmente boa -, então é uma zona de biodiversidade muito rica. Eu acho que aquilo é um sucesso garantido. Tem poucas regiões no mundo com essas qualificações para, vamos dizer assim, são projetos condenados ao sucesso, não é? Se você puder colocar dessa maneira e mais ainda, com o “backup”, na verdade, a Aracruz tem uma influência tecnológica muito grande. A maioria dos engenheiros e administradores que têm para esses projetos todos têm saído da própria Aracruz. Não só aqui, mas em diversas partes do Brasil. Quer dizer, o que irradiou para o país em matéria de conhecimento adquirido e aperfeiçoamento, eficiência e tudo isso. Trouxe um grande benefício para o país, né? Então, esses projetos, o surgimento da Bahia Sul, por exemplo, foi sugestão nossa, porque nós tínhamos florestas lá no sul da Bahia e que os japoneses tinham decidido ir para Minas Gerais, mas aquelas florestas tinham ficado de posse da companhia florestal da Rio Doce, das florestas. Então como ela não já tinha decidido pela Cenibra, nós resolvemos vender aquelas terras. O senhor Marx (Lefen???) uma vez foi um dia nos procurar, estava interessado em expandir a Suzano, nós então negociamos aquelas terras ali. “Porque que você não faz uma fábrica aqui, a floresta já está aí”, porque hoje o grande problema são as florestas. É que já tinha uma floresta plantada ali, ele entendeu imediatamente e decidiu fazer a Bahia sul, quer dizer, a Bahia sul surgiu dessa maneira. E a Veracel eram florestas que nós tínhamos adquirido ali na região de Porto Seguro, durante esse mesmo período, lá para trás, que o Odebrecht era dono, comprou. O Odebrecht comprou aquelas florestas da Vale do Rio Doce, das florestas Rio Doce, então, aí depois negociando com a Stura - aí entrou a Stura, né? Eles fundaram o projeto da Veracel, que tinha um outro nome no início, Santa Cruz - tinha um outro nome, não importa, ficou hoje conhecido como Veracel - e aquela, esta cadeia, elas têm, mais ou menos, a mesma filosofia, todas elas. Então, é claro, ali ainda tem espaço para outros etc., e criou riqueza numa zona que era extremamente pobre. Não tinha nada daquilo ali, né? Nós conhecemos aqui, ali, quase que praticamente sem atividade econômica importante, nenhuma, só mais um pouco ao norte que tinha cacau. Fora disso, não tinha nada ali. Destruíram grande parte da mata atlântica muito antes disso. As áreas que foram aproveitadas tanto pela Bahia Sul, como pela Veracel, eram áreas que já estavam devastadas - não temos que derrubar mata atlântica para plantar florestas.
P1 – Mas a Odebrecht saiu do projeto Veracel?
R – Saiu do projeto Veracel para onde entrou a Aracruz na outra, no restante da parte que sobrou para Odebrecht, porque a Odebrecht resolveu focar os negócios deles na Petroquímica, uma companhia de construção e Petroquímica, então saiu da floresta. Como a Rio Doce saiu da Cenibra, que hoje está na mão de japoneses - que aliás, têm planos de expansão também, né?
P1 – E como é que o senhor vê o mercado para os produtos para a celulose branqueada? O mercado globalizado. Como é que o senhor vê, por exemplo, a China?
R – A China é um grande mercado. O grande mercado é a China agora. Só para lhe dar ideia, a Oji Paper - que é sócia da Cenibra - está construindo, são três grandes fábricas sendo construídas na China, né? A Oji Paper tem uma, e ela vai levar celulose da Cenibra para a China. Então você vê a importância que ela tem competindo com a Indonésia, que está muito mais perto em termos de custos de frete etc. Estão mais perto, no entanto, os japoneses estão decidindo construir a expansão da fábrica da Cenibra para levar celulose para a China. É uma celulose de muito boa qualidade, como a da Aracruz também. Então você tem todos os produtos aí que o mercado está pedindo.
P1 – Quem é hoje o maior comprador da celulose produzido pela Aracruz?
R – Olha, isso daqui, se não me engano, são os europeus. Não posso lhe afirmar com segurança, é melhor você ver aí na parte executiva, mas devem ser os europeus.
P1 – Os Estados Unidos produzem celulose?
R – Produzem sim, bastante, mas a tendência é fechar cada vez mais, por motivos ambientais e que eles cortaram muito, devastaram muito os Estados Unidos também, [assim] como a China. A China precisa de terras para reflorestamento de caráter protetor, né, para evitar erosão dos rios e de áreas de topografia inconvenientes etc., e áreas que têm influência climática, fonte de madeira própria também. Então o grande problema da celulose hoje é [as] florestas. Nós hoje estamos importando madeira, então essa lei florestal que foi sendo pouco a pouco erodida, ela tem que ser reconstruída de uma maneira atualizada para dar um novo impulso para o problema florestal do Brasil então e tentar navegar nesta. Porque o movimento, outra coisa importante de você mencionar aqui é a questão do movimento: a teoria do desenvolvimento sustentável; que é a combinação do econômico, social e ambiental em dosagens - variando de acordo com a natureza de cada projeto. O senhor Lorentzen teve uma grande influência na fundação da World Business Council for Systemic Development, em Genebra. Quando o senhor Schmidt ____ fundou, teorizou esse movimento, ele fez uma viagem comigo - o senhor Lorentzen, da Aracruz - e ao projeto de Carajás. Isso teve grande influência da teoria que ele apresentou na conferência do Rio, de 92. Você vê curiosamente que os fundadores dos movimentos ambientais no mundo inteiro são criticados por pessoas que nem sabem o que é aquilo, para você ver como são os paradoxos que você têm no mundo. Ele foi um dos fundadores desse movimento aí, e a Aracruz respeitou tudo isso desde o começo. Quer dizer, embora, no início, tem surgido em 92 esse movimento, mas ela foi construída com Carajás, foi construída já baseado na nossa experiência do Tubarão - intuitivamente, já com essa. E tanto isso serviu de inspiração para a teorização do movimento que hoje é adotado no mundo inteiro, compreende bem? Então isso é muito importante, que a Aracruz teve um papel importantíssimo dentro da World Business Council for Systemic Development - que é a bandeira do desenvolvimento sustentável no mundo inteiro. De onde tudo isso que você está vendo hoje... Que todo mundo fala sustentável, [isso e aquilo], [mas] ninguém sabe do que está falando. Surgiu disso tudo aí, está ok?
P1 – Vou começar [a] encaminhar para as questões finais.
R – Pois não, pode encaminhar.
P1 – Se o senhor tivesse que definir a Aracruz?
R – A Aracruz é um projeto, eu diria, talvez um projeto modelo em 360 graus, porque não se descuidou de nenhum aspecto importante; desde do lado ético, do lado tecnológico. Ele é um projeto completo, ideal e modelo.
P1 – E ao longo da sua carreira toda aí, incluindo todas as suas atividades e realizações, o que é que o senhor acharia assim de mais marcante?
R – Bom, para mim, pessoalmente, foi o Projeto Carajás que foi, embora seja, no fundo, a concepção que foi ela própria inspirada no próprio projeto de Tubarão, que já tinha sido feita anteriormente. Porque o projeto de Tubarão, ele teve um grande mérito, foi um dos grandes projetos que revolucionou a navegação de granéis líquidos e sólidos no mundo inteiro. O maior navio do mundo que vinha no Porto de Vitória, antes, pré-Tubarão, era o de 35 mil toneladas, e assim mesmo não era carregado todo, porque não conseguia sair do canal de Vitória, que tinha que ser dragado, sobretudo, e que foi assoreado também mais tarde. Então para Tubarão ser econômico, nós tivemos que ir com navios acima de 100 mil “death wait versatility”, e assim mesmo, com versatilidade suficiente de trazer de volta petróleo do Golfo Pérsico, isso foi uma associação feita no Japão, de contribuição tecnológica japonesa muito importante, que revolucionou a situação portuária do mundo. Você teve que construir portos para um navio desse, que hoje tem navios operando com 380 mil “death wait”, que faz frete de Roterdã - de Ponta da Madeira para Roterdã - por custo de 2 dólares, e agora já está projetando navios de 540 “death wait” para a China, para o comércio para a China. Então, mas foi o Tubarão que fez essa revolução na navegação mundial, que é muito pouco conhecida entre nós. Quer dizer, uma das coisas que surgiram no Brasil, que foi praticamente concedida no Brasil, com apoio do Japão mercadológico. O Japão nos deu mercado, contratos a longo prazo; foi uma quebra, uma mudança de paradigmas de logística. Então tudo isso funciona no conceito moderno de (suplite?), quer dizer, é uma cadeia produtiva, toda ela permitiu criar a Docenave, que é uma companhia de navegação, todos os elos da cadeia, produção, a mineração, transporte ferroviário. Te contei a história da Vitória Minas, a parte heroica. A parte portuária revolucionária com esses portos gigantescos que não existiam no mundo inteiro. Os portos foram para granéis, construídos já levando em conta o lado escalar, da escala e o lado da versatilidade do uso do navio, e os portos construídos no exterior. Porque porto é como tango: você não dança tango sozinho, tem que ter o outro lado também. Isso é uma coisa que a gente tem mais orgulho, porque foi uma coisa de influência mundial, e o Carajás foi a materialização disso mais completa, porque começou na estaca zero. E aí os problemas ambientais, sociais, foram todos harmonicamente reunidos, e deu esse projeto que não é só ferro no Carajás, Carajás é uma província mineral e a mesma infraestrutura que foi construída para o ferro economicamente, pode ser utilizada para outros metais. Agora vai sair o cobre a custos marginais - então o processo é tudo econômico em si. Aí você tem o lado ambiental, pode-se visitar lá; nós temos um milhão de hectares de floresta mantida pela Vale do Rio Doce em torno do Carajás, fora dali é tudo devastado. Você vai lá para visitar o lado social, educação da pessoa, cuidado com a habitação, cuidado com o saneamento, com tudo, treinamento pessoal e tudo, e o lado econômico que é um projeto que você talvez conheça aí. Então toda essa série de projetos da siderúrgica de Tubarão é um sucesso aí. Você conhece? Talvez seja a siderúrgica no mundo com menores custos. Então isso tudo vem de uma mesma concepção básica econômica. Muita gente achava, tomei muita paulada nisso, que é megalomania, projeto grande: "Você não faz bonsai de elefante", faz, a natureza do projeto é que é grande. Então você tem que fazer. Olha, se você tem um projeto cuja natureza é grande, [e] você vai fazer pequeno, não dá, né? Às vezes é falta de conhecer o objeto, né? Ok?
P1 – Eu queria que o senhor falasse sobre o seu cotidiano hoje. O que é que o senhor faz hoje? Até passatempo e lazer, se é que o senhor tem tempo para ter algum.
R – Não tenho, porque, primeiro, eu tenho problema aqui de artrose, não posso andar direito - por isso é que eu estou gordo assim -, e o segundo passo, faço natação só. Eu faço muita leitura, leio de final de semana, tudo, e vou ver as minhas florestas lá no Espírito Santo, que eu gosto muito. Só isso, faço mais nada.
P1 – E qual o seu maior sonho hoje?
R – De ver a minha família bem, só isso.
P1 – Se o senhor pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, o senhor mudava? E se mudasse, seria o quê?
R – Eu acho que gostaria de ser de novo engenheiro. Está na sua natureza você fazer bem aquilo que você gosta. Aquilo que você não gosta muito, nunca faz tão bem, não tem a mesma motivação. E, sobretudo, que a gente também tem que entrar com o fator oportunidade. Tive a oportunidade de fazer obras grandes, quer dizer, isso não é muito fácil, de ter essas oportunidades. Então isso também ajuda muito.
P1 – E o que é que o senhor acha da importância de um trabalho como esse que a gente está fazendo de registrar a memória da Aracruz?
R – Eu acho isso da maior importância, porque os povos tropicais são conhecidos como [de] não terem memória longa - tem memória curta -, e isso é importante. Isso que eu estou dizendo aqui, por exemplo, tanto com relação à Aracruz como com relação à Vale do Rio Doce e tudo, esses problemas de navegação que eu lhe falei, o problema da lei florestal, o problema dessas coisas que criaram isso: é de importância enorme para o conhecimento, para a própria autoestima do povo brasileiro. Porque você acaba perdendo a própria autoestima quando você não vê nada acontecer. Como você tem o sucesso do vôlei brasileiro lá fora, isso também aumenta a autoestima; que nós não somos inferiores e também não somos superiores a ninguém. Educação é que a base de tudo, né? Quer dizer que o brasileiro bem educado pode ir para qualquer lugar que outro povo já foi, né? Então isso é muito importante que figure na cabeça das pessoas. O valor da tradição é esta. Você não vê agora na Inglaterra, na Alemanha também - copiando a Inglaterra. Por exemplo, quem foram os grandes ingleses, quem são os grandes alemães? Aqueles que contribuíram para... Então isso tudo é muito importante, e você é o instrumento para que isso se torne conhecido desta maneira, de uma maneira neutra. Você não pode "buyout", não pode ser tendencioso, né, porque a sua credibilidade está justamente na sua maneira neutra de registrar os fatos. Isso que estou lhe transmitindo são fatos que podem ser constatados com a realidade - não questão de diferença de percepção e de realidade, né? A percepção aí coincide com a realidade. Você é muito importante isso, quer dizer, eu admiro esse trabalho de vocês aí. Porque isso, até certo ponto, [vai] contra a cultura nossa de acabou, desapareceu. Não é isso? Se você não fazer isso que você está fazendo, não cria nem autoestima, está me entendendo? É um lado extremamente importante do ponto de vista cultural, e esse lado cultural tem um reflexo enorme na condução do seu próprio estilo de vida, né? Ok?
P1- Muito obrigado doutor Eliezer, por ter vindo aqui dar essa entrevista para o projeto Memória Aracruz. Muito obrigada.
R- Eu que agradeço a “sharpness”, a sua inteligência de inquisitividade; inteligente, [é] importante isso. Que a formulação de uma pergunta também é muito importante para você avaliar o que está na cabeça da pessoa, está certo? Ok?
[Fim do depoimento]Recolher