P1: Boa tarde, Dr. Galvêas. Primeiro, quero agradecer em nome do Museu da Pessoa a sua entrevista. Eu queria que o senhor dissesse primeiro seu nome completo, local e data de nascimento. R: Bom, boa tarde. Meu nome é Ernane Galvêas. Eu nasci em Cachoeira do Itapemirim, modéstia à parte no Esta...Continuar leitura
P1: Boa tarde, Dr. Galvêas. Primeiro, quero agradecer em nome do Museu da Pessoa a sua entrevista. Eu queria que o senhor dissesse primeiro seu nome completo, local e data de nascimento.
R: Bom, boa tarde. Meu nome é Ernane Galvêas. Eu nasci em Cachoeira do Itapemirim, modéstia à parte no Estado do Espírito Santo em 1/10/1922.
P1: O nome dos seus pais e o nome dos seus avós.
R: Os meus avós eram portugueses tanto da parte da minha mãe como de meu pai. Meu pai era brasileiro, nasceu no Brasil, minha mãe também; meu pai era dentista e ele começou a carreira de dentista num lugar pequeno, no Alto dos (Montanhas?), no Estado do Rio, lugarzinho chamado Varre e Sai. De lá ele mudou-se para Cachoeira do Itapemirim, onde eu nasci. Daí ele mudou-se para Castelo, ainda no Espírito Santo; de Castelo mudou-se para Mimoso do Sul, de Mimoso do Sul para Campos, de Campos pra (Itapiruna?), onde meu pai morreu.
P1: Seu pai era dentista e sua mãe?
R: Minha mãe era de prendas domésticas.
P1: E o senhor tem irmãos?
R: Muitos, muitos. Nós chegamos a ser 10 irmãos. Hoje somos quatro, mas fomos 10 irmãos: oito homens e duas mulheres.
P1: O senhor pode falar o nome deles?
R: O mais velho era Carlos, a segunda era Iná, a terceira era Iracema, o quarto era Lincoln, o quinto era Jeová, o sexto era Sócrates, o sétimo era eu, Ernane, o oitavo era Clóvis, o nono (Geomar?), e o último é o Renato.
P1: Da sua infância, eu queria que o senhor descrevesse a rua e o bairro onde o senhor morava.
R: Eu me lembro bem que em Castelo nós tínhamos uma casa muito grande, tínhamos uma espécie de um sítio próximo à estação de estrada de ferro, e é daí que eu começo a me lembrar mais, quer dizer, depois de sair de Cachoeira do Itapemirim, na cidade de Castelo. Então, cresci um pouco aí, mas depois veio a crise de 1929, houve uma grande crise de 1929 a 1933 e a economia caiu muito, o país empobreceu muito e meu pai virou uma espécie de dentista errante. Mudou-se de Castelo para Mimoso, de Mimoso para Campos, de Campos para (Itapiruna?), onde morreu. Mas a parte que mais lembro da minha infância foi (Itapiruna?), a última etapa de mudança da vida do meu pai.
P1: E quando o senhor era pequeno, quais eram suas brincadeiras favoritas?
R: Olha, naquela época não havia televisão, não haviam esses brinquedos modernos, então nós mesmos fabricávamos nossos brinquedos, de modo geral, fabricávamos os nossos brinquedos. As meninas tinham bonecas, mas os garotos, todos nós, fabricávamos carro de boi, fazíamos as rodas, os carrinhos; a brincadeira era mais ou menos essa. O resto era caçar passarinho. Papai era caçador, além de dentista. Nós morávamos no meio da floresta naquela época. O Espírito Santo era coberto por uma grande floresta, a Mata Atlântica, havia muitos animais, muita caça, muito animal de pena, jacu, (iambu?), pacucu, e papai tinha uns amigos e eles caçavam muito. Se embreavam na floresta e passavam às vezes a semana no mato caçando. E a nossa brincadeira de menino era uma espécie de imitação desses hobbies do meu pai. A gente brincava muito de caça e alguns dos meus irmãos, inclusive, acabaram juntando-se a meu pai e participando também das caçadas em (Imiriaçu?), (Imiamirim?), na Serra de Castela...
P1: Sua família parece ter sido muito grande, o senhor lembra como era o cotidiano na sua casa?
R: O cotidiano era o comum família grande com tantos filhos daquela época. Meu pai sempre teve o gabinete dentro de casa. Em todas as casas em que nós moramos o gabinete do meu pai era dentro de casa. Era muito comum também naquela época que os médicos e dentistas trabalhassem dessa forma. Então era meu pai trabalhando, as meninas também trabalhavam, ajudavam, e nós em outras atividades. Em Castelo tinha uma casa muito grande, uma espécie de um sítio, então criavam galinha, criavam porcos. Tinha uma atividade muito variada no interior do Brasil, no interior do Espírito Santo. O Brasil ainda não tinha começado a industrializar-se, era um país muito agrícola de 1920 a 1930.
P1: E os seus estudos, quando é que o senhor iniciou e onde?
R: Olha, eu comecei o curso primário em (Itapiruna?), quando tinha praticamente uns sete anos. Eu freqüentei o Grupo Escolar 15 de Novembro, mas logo meu pai morreu, em 1933. E como nós éramos muitos filhos, minha mãe ficou sozinha, eu fui morar com a irmã de meu pai no Espírito Santo. Voltei pra uma cidade onde havia morado antes com meus pais e fui morar com a irmã de meu pai, Isolina, e o marido dela, José Barbosa Martins, que era comprador de café, também tinha fazenda e eu fui morar com eles. Então eu deixei o Grupo Escolar de (Itapiruna?), fui pra um Grupo Escolar de Mimoso até praticamente 10 anos e de lá eu fui fazer o ginásio em Campos, no Colégio Bittencourt. Eu fui pra Campos em 1935 fazer o ginásio no Colégio Bittencourt, fiquei interno lá até 1940.
P1: Quais são as lembranças mais marcantes que o senhor tem do período da escola?
R: Olha, do curso primário as lembranças são vagas, porque passou muito tempo. A professora (Isola?) sempre me ensinou muito, eu sempre fui um aluno dedicado e gostava muito das professoras, mas a parte mais presente na minha memória é já no ginásio, no Colégio Bittencourt em Campos. Eu fiz a admissão, entrei no primeiro ano ginasial interno. Éramos 150 alunos internos, metade era de Campos, metade era praticamente do Espírito Santo. Então lá nós fizemos muitas amizades pelo convívio do internato. E logo os professores descobriram que eu tinha uma certa vocação pra ensinar e eu passei – inclusive ainda garoto fazendo o primeiro ano e segundo ano do ginásio – a ajudar nos estudos os menores da turma dos cursos primários pra fazer o preparatório do curso de admissão. Isso marcou o início da minha vida de estudante ginasiano e também o início de uma carreira de professor que eu iria continuar muito depois.
P1: Mas havia na sua família algum incentivo pro senhor seguir na profissão?
R: Não, não havia nada. Não havia nenhuma orientação profissional. A gente ia descobrindo as vocações conforme ia crescendo e que a vida fosse oferecendo oportunidades. Não sabia nada. Estudava pra aprender as coisas, pra se formar, pra ter um diploma, pra depois entrar num curso profissional, mas sem nenhuma orientação. Naquela época não havia isso. Meu pai não tinha nenhum interesse que nenhum de nós seguisse a carreira dele e depois ele morreu muito cedo, deixou os filhos todos muito jovens, não houve tempo para orientar. Nós nos orientamos depois com a continuidade.
P1: E depois do ginásio, o senhor foi logo pra faculdade?
R: Bom, quando eu terminei o ginásio em 1940 eu fui fazer o Tiro de Guerra, em 1941. Era obrigatório, você tinha que fazer o serviço militar. Eu tinha um professor de inglês, o senhor Ferreira, que gostava muito de mim, ele fundou um colégio em Campos chamado Colégio São Salvador e me convidou pra tomar conta do internato lá no Colégio São Salvador. Eu era muito garoto ainda, tinha 17 anos, mas eu tomava conta dos estudos e fazia uma espécie assim de orientador de história, de geografia, de ciências, e eu fiquei um ano lá. Enquanto eu fazia o tiro de guerra, prestava o serviço militar, eu fiquei praticamente um ano morando no Colégio São Salvador. Terminei o Tiro de Guerra e eu vim pro Rio de Janeiro pra estudar. Então, eu já estava configurando o meu interesse profissional: de fazer a carreira de Direito, que eu gostava muito, eu assistia muito aqueles debates no Fórum lá em Campos, sobre a parte criminal. Ou fazer o curso de Medicina, que também me atraía muito. Por isso eu vim pro Rio de Janeiro, onde a minha irmã mais velha, a Iná, havia se casado com um funcionário do Banco do Brasil. Conheceram-se em (Itapiruna?), onde ele trabalhava e ele veio para o Rio de Janeiro. Eu vim pra casa deles pra me orientar no Rio de Janeiro no final de 1941 e andei pesquisando como eu faria o curso de direito ou o curso de medicina. E eu cheguei à conclusão que era muito caro e era muito difícil que eu pudesse trabalhar. Eu arranjei um emprego em um escritório de uma fábrica no Grajaú, e me dei conta que era muito difícil eu trabalhar de manhã até as 6 horas da tarde e depois continuar estudando fosse direito, fosse medicina. Medicina nem pensar, porque requeria horário integral. Então, meu cunhado Celso de Lima e Silva – é a pessoa mais importante na minha vida – me orientou no seguinte sentido: “você quer fazer direito ou medicina, mas eu vou te sugerir que você faça primeiro uma tentativa de concurso e entrar no Banco do Brasil”, onde estou, onde sou funcionário. Isso foi em novembro de 1941. “Em fevereiro de 42 vai haver um concurso pro Banco do Brasil, é muito difícil, tem muita gente, muitos candidatos, você pode estudar de novembro até fevereiro, e fazer esse concurso, pelo menos tentar.” E me fez umas contas: se eu entrasse no Banco do Brasil eu ia ter um emprego e ter um salário e como o trabalho não era muito pesado, eu poderia estudar direito de noite. E fez uns cálculos e disse: “se você estudar e entrar pra fazer o curso de direito agora, você quando terminar daqui a 5 anos, o que você vai ganhar é menos do que você vai ganhar se tiver 5 anos de funcionário do Bando do Brasil.” Fez os cálculos, me convenceu, eu resolvi tentar e felizmente me dediquei muito, passei no concurso do Banco do Brasil e em maio de 1942 eu comecei a trabalhar no Banco do Brasil. Isso foi uma definição total da minha vida. Então, eu saí da fase de estudante de primário, de ginasiano, né, e entrei logo em uma carreira no Banco do Brasil em 1942.
P1: Eu queria voltar, entretanto, a Campos, na época do Tiro de Guerra. Eu queria saber se você tinha um grupo de amigos, quem eram, como o senhor costumava se divertir com os amigos.
R: Olha, não eram muitos nossos divertimentos, não. Nosso divertimento maior era cinema e esportes, porque eu sempre gostei muito de esporte. Quando eu era interno do colégio, nós tínhamos muitas horas dedicadas – era período integral – ao esporte. Na hora da manhã a gente estudava, à noite fazia revisão dos estudos. Mas durante a tarde havia um tempo grande pro esporte. Então, jogava-se vôlei, jogava basquete e futebol. Eu me dediquei muito a isso e tínhamos uma equipe de futebol no Colégio Bittencourt, que era uma equipe boa de futebol, nós inclusive fazíamos excursões, íamos a (Miracema?), a São (Fidelis?), a Itaperuna, visitávamos aquelas cidades do norte do Espírito Santo e do norte do Estado do Rio com o nosso time de futebol.
P1: Qual era a sua posição no time?
R: Eu jogava na defesa. A gente chamava tudo por nomes ingleses, né? Era (goal keeper?) era centerhalf, era o back. Hoje o (goal keeper?) é goleiro, o back é lateral, o half é lateral, o centerhalf era meio de campo. Então, os nomes mudaram. Naquele tempo era tudo em inglês.
P1: E além dos esportes, você freqüentava com seus amigos locais assim, por exemplo, confeitaria, bares, além do cinema?
R: Não, naquela época as famílias não eram muito ricas de um modo geral, inclusive a minha, e as crianças não tinham as mesadas fartas que têm hoje. Então, tinha pouco dinheiro, o dinheiro que a gente tinha era pra comer um sanduíche na venda do colégio ou então pra ir nos cinemas aos sábados e domingos. Não era muita diversão. A diversão mesmo era o esporte. A gente praticava muito esporte.
P2: Você tinha um time do coração?
R: Nessa época o nosso time jogava com a camisa do Flamengo, então aquilo persistiu e ganhamos assim, desde então, tenho simpatia pelo Flamengo. Os meus irmãos todos torciam pelo Flamengo.
P2: Até hoje o senhor torce pelo Flamengo?
R: Até hoje. Quer dizer, não muito mais porque perdi um pouco de encanto, nosso time está tão ruim que não é muito o entusiasmo.
P2: Doutor Galvêas, o senhor vindo de Campos pro Rio de Janeiro, qual foi sua primeira impressão da cidade do Rio de Janeiro?
R: Eu confesso que eu só tive uma impressão, que era o bonde. Eu morava na Tijuca, com o meu cunhado e eu tracei um programa de 24 horas de estudo, eu só conhecia esse trajeto da Praça (Santa Penha?), pegava o Bonde Tijuca e ia até o Largo São Francisco, assistir o curso Santa Rosa. E a minha impressão do Rio de Janeiro nesses primeiros meses foi o Bonde Tijuca. Era da Praça (Santa Penha?) até o Largo S. Francisco. Não fazia outra coisa senão estudar, por isso que eu passei. As pessoas estavam no curso há mais de um ano, pessoas preparadas e eu vinha do ginásio, eu era bom aluno, sabia matemática, sabia português, mas não sabia estatística, não sabia direito comercial, não sabia uma série de coisas que caíam no concurso do Banco do Brasil. Então eu tive que estudar dia e noite pra poder fazer o concurso e guardei esse primeiro momento. Eu nem conhecia a praia! Eu só vim a conhecer Copacabana depois que terminei o curso e passei no concurso do Banco do Brasil, aí assentei um pouco a cabeça e fui ver o resto do Rio de Janeiro que eu não conhecia.
P1: Dr. Galvêas, o senhor já falou que lá em Campos o senhor era explicador, digamos assim; mas o senhor considera a sua primeira atividade profissional qual?
R: Olha, eu até diria que foi essa a primeira atividade profissional, porque eu acabei fazendo um acerto lá com os diretores do Colégio Bittencourt – era um dos melhores colégios da época – e eu dava aula no admissão e pagava a metade do preço que eles cobravam dos outros alunos internos. Então eu tinha pagamento reduzido porque eu dava aula pro admissão.
P1: E aqui no Rio, já tendo entrado no Banco do Brasil, com quem o senhor trabalhava?
R: Bom, eu passei no concurso e fui trabalhar na agência do Méier. Era uma rotação muito grande de pessoas, de
amigos, era 70 funcionários no coração do Méier na Avenida Mário Cavalcanti. E aí eu fiquei 10 anos lá, aluguei uma casa perto do banco, trouxe a minha mãe viva e meus irmãos que não tinham outras atividades, viemos todos morar nessa casa aqui no Méier. É uma parte importante da minha vida, que mistura o Banco do Brasil com a família. Nós havíamos nos separado com a morte do meu pai, mas voltamos a nos reunir com esse meu ingresso no Banco do Brasil. Eu tinha muita vontade de fazer uma carreira dentro do banco e me dei conta de que precisava prolongar meus estudos e ganhar mais status profissional e eu fui fazer o curso de contador. Eu fiz estava na agência do Banco do Brasil do Méier. Me formei em contabilidade, inclusive comecei a trabalhar. O Banco do Brasil começava o expediente ao meio-dia, eu tinha a parte da manhã livre, eu fundei um escritório de contabilidade no Méier e fui ser contador de uma grande empresa de atacadista de tecidos e armarinhos, na rua dos (Voluntários?). Trabalhava como contador e trabalhava no Banco do Brasil. E estudava de noite, antes de me formar na faculdade.
P1: Então, qual era a sua expectativa quando o senhor começou a trabalhar no Banco do Brasil?
R: Eu comecei em 1942 e a minha idéia era que o Banco do Brasil vai crescendo, a letra A, B, C, pode chegar a chefe de seção, pode chegar a contador, a gerente do banco e a gerência, que é o limite, né? Nunca pensei em diretor do banco, ou coisa parecida. Não estava evidentemente nos planos. Mas eu comecei a trabalhar no Banco do Brasil e fui subindo no próprio Banco do Brasil. Eu fiquei 10 anos na agência do Méier, quando eu saí da agência do Méier para a Sumoc, Superintendência da Moeda e do Crédito, era a instituição que antecedeu o Banco Central, foi criada como espécie de embrião do Banco Central. A Sumoc depois se transformou em Banco Central. Eu gostava muito de assuntos econômicos e depois de estar 10 anos no Banco do Brasil, cheguei a ser chefe de cadastro da agência do Méier. Eu fui para a Sumoc e a minha vida tomou outro rumo. Quer dizer, em vez de ser contador do Banco do Brasil, eu cheguei na Sumoc e me dei conta que os assuntos eram câmbio, taxa de juros e eu fui estudar Economia. Então, eu fiz o segundo curso superior de Economia, enquanto estava na Sumoc.
P2: Dr. Galvêas, como foi essa chegada do senhor na Sumoc?
R: Esse é um assunto que eu tenho interesse particular. Eu era chefe de serviço de cadastro do Banco do Brasil, 10 anos na agência do Méier, e eu queria entrar na área de Economia. Então me acenaram com a possibilidade de ir para a Sumoc, mas só havia lugar pra datilógrafo e ninguém acreditava que eu pudesse aceitar um lugar de datilógrafo do chefe do Departamento da Sumoc. Eu aceitei o desafio, eu disse: “eu vou aceitar o cargo e em pouco tempo eles vão ver que eu não sou datilógrafo...” Eu era bom datilógrafo, aprendi 10 anos no Banco do Brasil – todo mundo aprende – e eu desenvolvi muita habilidade de datilografia. Eu já era chefe de cadastro, visitava empresas, era contador, fazia balanços, eu é que deferia os limites de crédito das empresas da agência do Banco do Brasil do Méier. Aí eu fui ser datilógrafo do Herculano. E sentei lá numa máquina. Ele me dava uns pareceres pra bater e na verdade eu fiquei como datilógrafo um mês. No fim de um mês ele me deu uma secretária pra trabalhar comigo e eu passei a fazer outras coisas. E por influência desse grande amigo, Herculano Borges da Fonseca, chefe do Departamento Econômico da Sumoc
– o melhor amigo da minha vida – [que] me entusiasmou pra eu estudar Economia. Passei a trabalhar durante o dia, como fiz no Banco do Brasil, passei a estudar de noite Economia, e me formei em Economia por influência das novas atividades, das novas funções da Sumoc. Eu tive oportunidade de estudar fora, durante oito meses eu fiz um curso no México de extensão. Depois eu ganhei uma bolsa de estudos nos Estados Unidos, pelo curso que eu tinha feito no México, fiquei um ano e meio na Universidade de Yale, aí eu fiz o curso de Master de Economia na Universidade, eu aperfeiçoei em duas etapas: no México e nos Estados Unidos o curso de Economia e voltei pra Sumoc. Consolidei a minha preparação acadêmica pra seguir a carreira de economista.
P1:
Foi quando o senhor estava na SUMOC que o senhor teve contato pela primeira vez com o Grupo Lorentzen?
R: Não. Eu estava na Sumoc e tinha chegado dos Estados Unidos, com todo aquele conhecimento universitário, acadêmico, eu fui a um seminário em que estavam o Dr. Bulhões, professor da Fundação Getúlio Vargas, e o Clemente Mariani, que era presidente do Banco da Bahia, tinha sido Ministro da Educação, era um homem de muito prestígio na Bahia, e nós fomos a um seminário com várias pessoas, com Cabral de Menezes, diretores do Rio de Janeiro, um seminário grande sobre câmbio e nós tivemos uma participação muito intensa nesse seminário. E quando terminou o seminário, nós saímos juntos: eu, Cabral de Menezes, que era corretor de câmbio; dr. Bulhões, que era da Fundação Getúlio Vargas; e dr. Mariani, que era Presidente do Banco da Bahia. Nós saímos da Avenida Rio Branco, fomos em direção da Praça Pio X, onde era o banco e fizemos daí uma amizade em torno de um assunto que interessava a todos, que era mercado de câmbio, taxa de câmbio. Naquela época, era 1960, estávamos em um processo eleitoral, o Jânio Quadros venceu as eleições, presidente da República do Brasil. Quem é que ele convida pra Ministro da Economia? O Clemente Mariani, que era banqueiro e que estava nesse seminário onde eu estive também. E o Clemente Mariani convida o dr. Bulhões pra ser o diretor da Sumoc, onde eu trabalhava. Então foram as coincidências que favoreceram a continuidade da minha carreira profissional. Porque aí eu já conhecia o dr. Bulhões, que veio a ser o diretor da instituição onde eu trabalhava. Tínhamos assim uma grande diferença de idade, mas já havia uma grande amizade entre nós; e o Ministro Mariani me convocou pra trabalhar com ele no gabinete dele como consultor econômico do Ministério. E aí eu fui para o Ministério da Fazenda em fevereiro de 1961 com o Clemente Mariani no governo Jânio Quadros. Lá eu conheci o Luciano Machado, daí é que vai chegar ao Lorentzen.
P1:
O que é que se falava nessa altura, dr. Galvêas, nos anos 60, 70, sobre implantação de uma fábrica de celulose no Brasil?
R: Olha, o Juscelino Kubitschek, que foi Presidente da República de 1956 até janeiro de 1961, fez uma revolução industrial no Brasil. Ele convidou muitas empresas estrangeiras pra se instalarem no Brasil, indústria automobilística, petroquímica, indústria naval; então, o Brasil abriu um capítulo novo na sua história industrial: começamos a ter um crescimento na área da indústria muito importante e durante o governo dele – eu também participei – ele tinha um plano chamado “Plano de Metas”. Eram 30 metas. E como funcionário da Sumoc, o Roberto Campos era Presidente do BNDES e o pessoal da Sumoc é que era o staff
que fazia os estudos pras metas do Juscelino. (Lucas?) Lopes era o Ministro da Fazenda, então nós já começamos a trabalhar nos programas industriais nos planos de metas; fui para o Ministério da Fazenda como assessor do Clemente Mariani, do Jânio Quadros. Mas isso durou muito pouco porque o Jânio Quadros renunciou em agosto. Então, foi de fevereiro até agosto, governou o Brasil só em 6 meses e não deu tempo pra mais nada, nós não demos nem continuidade pros programas de Juscelino porque sobreveio uma crise cambial. O Ministro Mariani passou 6 meses no Ministério cuidando da crise cambial e eu participei muito disso, da desvalorização cambial, como economista e com muita afinidade que tínhamos com o dr. Mariani, com o dr. Bulhões, do Ministério. Participamos muito dessa reformulação, mas praticamente concentrado na parte cambial. Eu não tinha nenhuma idéia de fazer carreira industrial, depois ir pra indústria, a minha carreira era serviço público, do lado da macroeconomia, nunca tinha imaginado que eu pudesse ser presidente de uma empresa do tamanho da Aracruz. Mas lá no Ministério da Fazenda, eu conheci o Luciano Machado que era do Ministério da Bahia – o Clemente Mariani era baiano – o Hamilton Prisco Paraíso. O Luciano Machado era o secretário particular do dr. Mariani, o Hamilton Prisco Paraíso, que era advogado, chefe de gabinete; e eu era o assessor econômico. Então, nós três fazíamos a equipe do Ministério Mariani, inclusive uma grande amizade. Quando o Ministro Mariani saiu do Ministério, então o Luciano, que era muito chegado ao Erling Lorentzen, insistiu muito que eu fosse trabalhar na (Gasbras?), mas eu não queria porque eu não queria sair do Banco do Brasil. O Ministro que sucedeu o Mariani, que era o Ministro Moreira Salles, também me pediu pra continuar no gabinete como assessor econômico, então eu continuei no gabinete, eu não fui trabalhar com Lorentzen. Continuei no gabinete até chegar a revolução de 1964.
P1:
Mas o senhor lembra das expectativas do senhor Erling Lorentzen em relação ao projeto de criação de fábricas de celulose?
R: É uma história muito interessante. Ele deve contar isso com mais detalhes, mas a participação que eu tive é o seguinte: o Wilson Lemos e o Erling Lorentzen eram sócios da (Gasbras?): 50% e 50%. Não era uma sociedade fácil, porque era um temperamento diferente. O Erling Lorentzen é norueguês, estrangeiro, com toda uma mentalidade européia e o Wilson Lemos era um brasileiro mineiro, acostumado às coisas brasileiras. Não deu muito certo. Em um determinado momento romperam os entendimentos e um ofereceu ao outro comprar a parte. O Lorentzen pensou em comprar a (Gasbras?) e é por isso que eles tinham me chamado pra trabalhar com eles e eu não fui. Mas o Lorentzen ofereceu comprar 50% do Wilson Lemos na expectativa que o Wilson Lemos não tivesse dinheiro pra comprar a parte dele, mas aí o Wilson Lemos era muito amigo do Juscelino, que era ligado a um banco (Denasa?). O banco (Denasa?) financiou Wilson Lemos e o Wilson Lemos na mesa das negociações surpreendeu o Lorentzen e disse: “Bom, já que você quer vender os seus 50%, eu compro.” Foi uma surpresa, o Lorentzen ficou sem empresa, mas recebeu uma bolada, muitos milhões de dólares, e resolveu sair pra um outro negócio chamado Aracruz, na cidade de Aracruz.
PAUSA
R: Aí construímos uma grande amizade – em torno do Ministro Mariani – eu, Luciano Machado e o Prisco Paraíso. Bem, eu continuei no Ministério, e aí foi uma sucessão: saiu Jânio Quadros, entrou João Goulart na Presidência da República e era um governo muito tumultuado e houve uma sucessão de ministros e eu não conseguia me liberar do Ministério, queria até voltar pra Sumoc, mas saiu o Clemente Mariani, entrou Walter Moreira Salles; saiu Walter Moreira Salles, entrou o Santiago Dantas, saiu Santiago Dantas, entrou Miguel (Calmon?), saiu Miguel (Calmon?), entrou Carvalho Pinto, saiu Carvalho Pinto, entrou Ney Galvão. Tudo Ministro da Fazenda. E eu não consegui sair do gabinete do Ministro. Fiquei conhecendo alguns assuntos lá e eles não me permitiam voltar pra Sumoc. O tempo foi passando, chegou março de 1964, era Ney Galvão Ministro da Fazenda e eu assessor do Ministro Ney Galvão. O Carvalho Pinto tinha me colocado em torno da Comissão de Marinha Mercante, que era pra ele cuidar lá de um problema de subsídio, mas quando Ney Galvão veio pro Ministério, eu fui pra um seminário das Nações Unidas em Genebra e fiquei 3 meses em Genebra em 1964: janeiro, fevereiro e março. Quando ocorreu a revolução de 1964 eu estava em Genebra ligado ao Ministério da Fazenda e diretor de Marinha Mercante. Implantou-se a Revolução de 1964, o governo militar, e vem para o Ministério da Fazenda o dr. Bulhões, que tinha sido diretor da Sumoc do tempo de Mariani, com quem eu trabalhei e também fizemos aquela amizade. O dr. Bulhões tomou conhecimento que eu estava em Genebra e me pediu que assim que terminasse lá que eu voltasse ao meu gabinete, porque ele queria que eu voltasse pro gabinete novamente. Eu não consegui voltar pra Sumoc. Voltei pra o gabinete do dr. Bulhões durante algum tempo e aí saiu o diretor da (Cacex?), diretor do Banco do Brasil, o dr. Bulhões me pediu pra ser o diretor do Banco do Brasil na área de comércio exterior. Isso foi em 1964. Terminou aquele período de Clemente Mariani, aquela sucessão de ministros e eu não consegui me liberar do Ministério da Fazenda e também não consegui me desligar pra nenhuma atividade que o Luciano Machado vivia insistindo comigo pra eu ir pro Grupo Lorentzen, que eu podia ganhar dez vezes mais o que eu ganhava na Sumoc. Mas eu não quis sair, eu não quis interromper a carreira profissional e fiquei lá o tempo todo. O governo mudou, entrou Castello Branco, saiu o dr. Bulhões e veio o ministro Delfim Netto, que me encontrou na (Cacex?). Eu fiquei com Delfim Netto, fizemos uma grande amizade, e Delfim me colocou no Banco Central. Eu fui ser Presidente do Banco Central em 1967 pela primeira vez, porque depois eu voltei a ser presidente do Banco Central mais tarde. Então, continuei a carreira no governo: Marinha Mercante, (Cacex?), Banco Central. Aí ficamos de 1967 a 1974, governo Castello Branco, governo Costa e Silva, governo Garrastazu Médico, passamos por esses governos militares todos. Em 1974, o governo Médici foi substituído pelo governo Ernesto Geisel. O Delfim saiu do Ministério da Fazenda. Foi o Mário (Silmas?) pra o Ministério da Fazenda e eu saí do Banco Central. Aí eu fiquei livre. Saindo do Banco Central eu já estava livre pra fazer qualquer coisa. E o Luciano voltou a me chamar: “Bom, agora você não tem desculpa, você não está mais no Banco do Brasil, não está mais na Sumoc, não está mais no Ministério da Fazenda, está livre.” Eu tinha ido trabalhar na Mecânica Pesada, que era uma indústria em São Paulo, que era do grupo (Schneider?), e fiquei trabalhando um tempo lá e acabei conquistado pelo Luciano e pelo Erling Lorentzen . Me chamaram pra ver o projeto. Saí da (Gasbras?), o dinheiro que recebi da Gasbras comprei as terras no Espírito Santo pra fazer uma fábrica de chips, de partículas de madeira pra exportar pro Japão. A idéia era do Elieser Batista e do Antônio Dias Leite, economista e professor de economia. O Elieser é um professor de grande imaginação e idéias. Eles é que implantaram o primeiro projeto de florestas de eucalipto no Espírito Santo. Eu tive uma pequena participação nessa história porque quando estavam pra fazer a lei de incentivos fiscais, o Dias Leite procurou o Bulhões – eles eram muito amigos – e nessa época eu estava como assessor do dr. Bulhões. Eu inclusive redigi com o Dias Leite a lei que criou os incentivos fiscais pra o plantio de florestas homogêneas no Brasil. Eu tinha um pouco de ligação com essa história por causa desse projeto, mas sabia que o Eliezer Batista e o Dias Leite estavam usando a lei de incentivos fiscais pra atrair capitalistas: o Walter Moreira Salles, o Olivar Araújo, e uma série de outros. Muitos investidores foram atraídos pelos incentivos fiscais e pelo Eliezer e pelo Dias Leite. Formou-se uma pequena empresa e começaram a comprar terras e a plantar eucalipto no Espírito Santo. O homem que faz esse trabalho é o Leopoldo Brandão, que é o que vai vir aqui hoje pelo que estou entendendo. O Leopoldo era ligado também ao Dias Leite e foi convidado para comprar as terras. Ele era dentista em Belo Horizonte, mas foi atraído por esse projeto e virou comprador de terras no Espírito Santo. Chama Aracruz porque a cidadezinha, o núcleo onde se desenvolve esse projeto é a cidade de Aracruz, então tudo leva o nome de Aracruz. Então, Leopoldo comprou as terras, é um grande comprador de terras, com habilidade mineira de comprador de terras e virou plantador de eucalipto, talvez o maior entendedor de eucaliptos do Brasil hoje. Ele absorveu muito os ensinamentos do Navarro, que é a estrada de ferro paulista e que trouxe o eucalipto pro Brasil. O Leopoldo se enfronhou muito nesse assunto e ficou conhecendo o eucalipto, e se transformou em especialista em reservas de meio ambiente, em eucalipto. E o projeto de eucalipto cresceu com a idéia de se fazer uma fábrica de chips, de (cavacos?) de madeira pra exportar pro Japão. Quando eu fui chamado pra entrar no projeto, a idéia já estava evoluindo pra uma outra coisa, para uma fábrica de celulose. Então descobriu-se que a rentabilidade de uma fábrica de celulose era maior do que uma fábrica de (cavacos?) de madeira. E era pra exportar pro Japão. Era uma distância muito longa, o frete era muito alto e o Erling Lorentzen que ficou dono do projeto da Aracruz junto com os outros que eram sócios de incentivo. O Erling Lorentzen
era norueguês e e os escandinavos – a Noruega, a
Dinamarca, a Finlândia – são países conhecidos como produtores de celulose, têm grandes especialidades em lidar com florestas, com aquelas florestas nórdicas e na indústria de papel celulose. Então, o Erling Lorentzen
tinha informalmente, digamos assim, da tradição dos seus países nórdicos com relação ao assunto. Chamou o maior conhecedor engenheiro de floresta tropical do mundo, (Jacon __?). e o próprio (Jacon?) veio pro Brasil e sentou conosco pra examinar o que nós tínhamos de terra e de florestas e chegamos à conclusão que era muito mais negócio fazer uma fábrica de celulose.
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Então o sr. participou dos estudos da revitalização da fábrica?
R: É. Eu cheguei lá, era zero. Eu saí da Mecânica Pesada, que era do grupo (Schneider?), do grupo francês, passei a me dedicar inteiramente. Não tinha nenhuma idéia de ser dirigente de uma indústria. Digo logo a eles: “não conheço nada de indústria, só conheço de economia, mas vamos tentar”. E começamos a examinar o projeto, primeiro era um projeto de US$ 170 (?) milhões. (Jacob?) convenceu que não podia ser um projeto de US$ 330 milhões de dólares e o projeto acabou em US$ 660 milhões – foi o maior projeto industrial do setor privado da época. E aí eu tive uma grande vantagem: porque como eu tinha estado no banco no governo, como eu vinha do Ministério da Fazenda, do Banco do Brasil, presidente do Banco Central, eu era uma figura muito relacionada. E nesse governo do Presidente Geisel, que sucedeu ao governo do Médici, estava no BNDES um grande amigo: Marcos Pereira Viana, é a pessoa, depois de Erling Lorentzen , mais importante no Projeto Aracruz. Presidente do BNDE, depois virou BNDES. O Ministro do Planejamento era o João Paulo Veloso, que foi meu funcionário, foi meu aluno no Conselho Nacional de Economia, era do Banco do Brasil também. Eu levei ele pra trabalhar comigo quando eu era assessor do Moreira Salles. Depois mandei o João Paulo Veloso estudar na mesma universidade de Yale, onde eu tinha estudado. Eu acertei tudo e consegui para o Veloso que ele fosse fazer o mesmo curso de Economia que eu fiz nos Estados Unidos. Coincidência: Marcos Viana, do BNDES; o Veloso, meu aluno, meu funcionário, Ministro do Planejamento; e um grande amigo meu de estudos econômicos, o Mário (Silmas?), do Ministério da Fazenda. Então, eu era assim “o amigo do rei”, e tinha todas as condições pra tirar partido desse apoio oficial pro projeto Aracruz. É possível até que o sucesso da fábrica tenha ligação com essas minhas amizades. Mas quando decidimos fazer a fábrica, (Jacob?) desenhou a fábrica, trouxe uns técnicos de (Billeroud?), que era uma fábrica de celulose da Suécia, então vieram (Per Gunderbis?) e (Verihalf?), vieram os técnicos, vieram o (Verihalf?), que foi diretor da fábrica quando começou a funcionar, e o (Per Gunderbis?), que era sueco, era o homem do projeto. Então trabalhamos juntos com o plano do (Jacob?) e desenhamos a fábrica, uma fábrica de US$ 330 milhões, só se falava em inglês. Era estranho, porque as reuniões todas com o pessoal, os escandinavos e Lorentzen era tudo em inglês. E decidimos fazer a fábrica. “Então, vamos sair da fábrica de chips de madeira e vamos fazer a fábrica de celulose.”
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Eu queria que o senhor falasse um pouco sobre o (Jacob ?), como que ele era?
R: O (Jacob?) é um finlandês da maior qualidade. Ele é conhecido como um gênio da engenharia especialista nesta área. É um homem dinâmico, baixinho, gordinho, trabalhador como ele só, só pensa em trabalho e com uma grande ambição de crescer, de ocupar espaço na engenharia mundial. Acabou inclusive fazendo muitas fábricas em outros lugares, outros países, outros projetos. Abriu um escritório aqui no Brasil, no Paraná, e foi ele que realmente deu o desenho da fábrica. Saiu de uma fábrica de US$ 175 milhões pra uma de US$ 335 milhões, depois pra US$ 660 milhões, que foi o quanto custou a fábrica da Aracruz, incluindo a fábrica com dimensões enormes. Na medida que nós discutíamos o projeto, nós fomos vendo que havia um mercado bom pra celulose, chamado celulose de fibra curta, que era uma novidade, mas é uma celulose branqueada, tem mais brilho, tem mais condições pra fabricar papéis finos, pode ser misturado na celulose de fibra longa com outras madeiras. Mas o eucalipto era uma novidade. Já havia uma experiência em Portugal com eucalipto que havia dando certo, e nós víamos que havia mercado, então construímos uma fábrica muito maior do que aquela que nós imaginávamos. Aí, com Marcos Viana e com Veloso nós conseguimos o apoio financeiro pra fazer a fábrica. Era o Lorentzen
de um lado e o Moreira Salles de outro, e uma porção de acionistas, inclusive o __ Araújo, que esteve aqui. Bom, e o Leopoldo ficou o homem encarregado da floresta. O Dias Leite saiu, o Elieser também saiu, o Lorentzen
tomou conta de tudo. Criamos uma empresa florestal chamada Aracruz Florestal. Quer dizer, ficaram duas empresas: uma era Aracruz Celulose – que era indústria – e a Aracruz Florestal, da qual Leopoldo era diretor. E o Marcos Viana queria que eu fosse o Presidente da empresa. Eu me recusei a ser o Presidente da empresa durante a fábrica fase de construção. Eu disse: “Eu não sou engenheiro, eu sou economista, não tenho experiência nenhuma”, e ele até [falou]: “Você está recusando uma oferta, que é a oferta da sua vida”; “Não, não estou recusando, eu estou esperando. Deixa construir a fábrica, nós temos tempo”. E aconteceu exatamente como nós havíamos programado. Eu deixei na mão do Ciro Oliveira Guimarães, um engenheiro de fiscalização, de gerência de obras, não de construção, e era o que nós precisávamos: gerente de obras. Então contratamos o Ciro, que era conhecido do Marcos Viana desde uma indústria de aço em Anhangüera. O Marcos Viana sugeriu o nome do Ciro). O Ciro ficou como presidente da empresa pra gerenciar a construção da fábrica.
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E havia muitos engenheiros estrangeiros?
R: Havia muitos engenheiros estrangeiros. No início, todos eram estrangeiros. (Jacob __?), quer dizer, todos eram escandinavos. O Leopoldo na área florestal, com a equipe dele, eu fiquei na área financeira pra fiscalizar o financiamento de comprar as máquinas, de comprar os equipamentos, e o Ciro ficou na Presidência pra gerenciar a construção da fábrica. Então começamos isso mais ou menos em 1975, e terminamos em 1979. Aí, quando inauguramos a fábrica, o Ciro saiu, e eu saí da diretoria financeira e eu assumi a Presidência da fábrica.
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O senhor participou do lançamento da Pedra Fundamental da fábrica?
R: É lógico.
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E o senhor se recorda de ter ido muitas vezes ao canteiro de obras?
R: Bom, no início nós íamos muito ao canteiro de obras, porque era uma coisa fantástica. Chegamos a ter lá 15 mil pessoas trabalhando no projeto. E vários empreiteiros: um era de montagem, o outro era de estrutura, o outro era de compras, outro de sistema de águas, outro de represa, outro de afluentes. Eram muitos empreiteiros e uma quantidade enorme de gente vinda do Brasil todo: o Espírito Santo não tinha mão-de-obra suficiente, então os empreiteiros foram trazendo gente. Construímos um galpão, um enorme restaurante para aqueles peões de obra, e foi um negócio fantástico, deu uma movimentação fantástica naquela região, não só plantando na floresta, como construindo a fábrica. Então a gente tinha que estar permanentemente lá.
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E como é que o senhor chegava lá?
R: Ah! isso era fácil. A gente viajava aqui de avião até Vitória, de Vitória pegava um carrro e uma hora e meia estava lá.
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Mas não tinha que pegar uma balsa pra atravessar o rio?
R: Mas isso era 50 metros, isso era a coisa mais fácil. Se não quisesse, podia dar a volta, mas pra fazer o caminho mais curto, pegava uma balsa e atravessava. Mas fomos lá muitas vezes, acompanhamos tudo até a fábrica ficar pronta, uma beleza de fábrica, a mais moderna fábrica de celulose daquela época, 1978 princípio de 1979 começamos a produzir.
P2: Dr. Ernani, queria aproveitar esse livre trânsito que o sr. teve nos Estados no setor privado e queria que o senhor fizesse uma análise do impacto econômico dessa transformação de uma área de cafeicultura pra uma área de floresta plantada no Espírito Santo.
R: Olha, eu disse que a pessoa mais importante desse projeto da Aracruz é o Erling Lorentzen , mas a segunda pessoa mais importante é o Marcos Viana. Acontece que o Marcos Viana também é capixaba. Daí acontece que nós tínhamos uma relação de amizade por sermos do mesmo Estado. E o Marcos Viana, por ser um tremendo executivo e uma enorme coragem – foi o melhor Presidente que o BNDES já teve -, Marcos Viana resolveu impulsionar uma série de setores, inclusive o setor de celulose e se convenceu que o projeto Aracruz no Espírito Santo não era só um projeto industrial, ele era um pólo de desenvolvimento. A Aracruz ia servir como um pólo de irradiação de progresso, porque ia criar oportunidade
na área florestal, na área industrial, tecnologia, era um pólo de desenvolvimento no Espírito Santo. Além disso, era um projeto voltado pra exportação, era um gerador de divisas, um produtor de dólares, então casaram-se todas as coisas: criava-se empregos, utilizava-se recursos naturais renováveis, exportava e transformava aquela riqueza em dólar. O Marcos Viana teve essa concepção toda e entrou com todo o peso no BNDES no projeto Aracruz. Quando faltou dinheiro, porque os analistas não tinham recursos, a fábrica dobrou, nós começamos a pensar numa fábrica de US$ 330 milhões, terminou em US$ 660 milhões, nós quase morremos de aflição com as dificuldades. Tinha mês que o projeto aumentava US$ 20 milhões. “Olha, o projeto encosta aqui, isso aqui está mais caro, precisa mais um filtro, precisa mais não sei o quê, a barragem, a empresa...”, então aumentava US$ 20 milhões. Como é que ia tirar US$ 20 milhões dos acionistas que vinham atraídos pelos incentivos fiscais? Era muito difícil. Aí, nós fomos integrando o BNDES, com o Marcos Viana, cada vez mais no projeto. O BNDES chegou a ter 44% do projeto. Ficou praticamente dono do projeto. O Erling Lorentzen era um acionista menor, o Moreira Salles era um acionista de subsídio, entrou a Souza Cruz – nós conseguimos trazer a Souza Cruz e reforçou, porque era uma empresa que tinha dinheiro, mas mesmo assim o projeto foi crescendo muito em número, só mesmo o BNDES conseguiu bancar essa operação. Procuramos o (Quentil?), procuramos o Banco Mundial, a IFC – International Finance Corporation Corporation do Banco Mundial, e não tivemos muito sucesso nas nossas negociações pra trazer novos recursos de forma. Então o BNDES teve que bancar essa operação toda. E acabamos fazendo um projeto com enorme dificuldade, com muito sacrifício, com grandes desgastes físicos, inclusive das pessoas, minha, do Erling Lorentzen , todo mundo, mas acabamos fazendo um projeto de US$ 660 milhões, o maior projeto industrial privado da época. E pro Espírito Santo foi um negócio fantástico, esse projeto se desenvolveu como o Marcos Viana imaginava: cria-se um pólo de desenvolvimento, cria-se mão-de-obra especializada e tal, e a infra-estrutura e aí foram surgindo esses grandes empreendimentos. Hoje esses quatro empreendimentos estão lá no Espírito Santo: Aracruz, a Vale do Rio Doce, a Siderúrgica Tubarão, e a San Marco. São as quatro grandes indústrias, todas elas voltadas para a exportação, e o Espírito Santo hoje é o Estado da federação brasileira que tem a maior taxa de crescimento. É impressionante o progresso que o Espírito Santo vem tendo.
P1: O sr. se lembra dos primeiros testes para produção de celulose?
R: Eu não era muito ligado ao processo industrial, estava na mão do (Verders?) __, que era um sueco que trabalhava na (Billeroud?), que era uma pessoa de altíssima competência, tinha experiência da indústria escandinava, de Portugal e eu só cuidava do dinheiro que gastava, os equipamentos que queria. A minha dor de cabeça era pra arranjar dinheiro pra comprar equipamentos. Viajava pra Inglaterra, pra Suécia, pros ESTADOS UNIDOS atrás dos equipamentos e dos financiamentos. Fizemos muita coisa no Brasil, era muito difícil, tinha que dar preferência pra comprar os equipamentos no Brasil. Mas eu tinha sido o diretor da (Cacex?), tudo isso favoreceu. O homem que estava na (Cacex), que dava licenças pra importar no Brasil era o (Menir? __), que foi meu funcionário. Eu deixei ele na (Cacex?) quando eu saí. Quer dizer, isso me ajudou muito também. Eu sentava com uma pessoa que foi minha amiga, que foi meu funcionário. Isso me ajudou muito. Mas fizemos 60% dos equipamentos no Brasil, com os melhores e os mais modernos que o (Jacob?) detinha, como detém ainda hoje, que é a tecnologia mais avançada na celulose de papel. Então nós construímos a fábrica de último tipo, último modelo em matéria de papel de celulose. Quando começou a funcionar foi um sucesso.
P1: Qual era o nível de automação da máquina quando ela foi inaugurada?
R: A indústria de celulose é uma indústria química, ela é muito automatizada, é uma indústria em linha: ela tem 1,5 km de uma ponta a outra sem contar a parte de (cavacos?) e as esteiras rolantes. É quase como se fosse uma indústria de montagens, ela vai passando entre o (cavaco?), cozinha o (cavaco?), o digestor, passa cadeia de digestão, passa pelos produtos químicos e depois sai aquela pasta branca empacotadas, amarradas. Mas funcionou magnificamente. Porque geralmente com uma fábrica grande como essa, com tantos equipamentos, no interior do Brasil, do Espírito Santo, geralmente tem muito problema. A Aracruz começou com pouquíssimos e em pouco tempo a Aracruz atingiu um nível técnico de produção. Tem um aspecto aí que é um aspecto pertinente de ser mencionado que é a questão do preço. A Aracruz é um projeto excelente porque a matéria-prima era renovável, o Leopoldo tinha comprado as terras por preço muito baixo, ele é muito (riso) habilidoso comprador de terras. O custo da matéria-prima era baixo. Nós tínhamos a represa de águas, a parte de afluentes, que era a descarga, filtros, era tudo muito bem feito. Mas o preço da celulose – quando nós estávamos no meio da construção – começaram a cair no mercado internacional. Era uma época de crise mundial, 1975, 1976, e o preço da celulose caiu muito. Nós imaginávamos que a celulose teria que ser vendida a 360 dólares a tonelada e houve um momento que a celulose andou por volta de 180, a metade do preço. Então o Erling Lorentzen adoeceu, teve úlcera, chegamos até parar a fábrica no meio do caminho, era uma fábrica destinada a produzir prejuízos. E mais uma vez o Marcos Viana foi a pessoa decisiva, não nos dexou esmorecer, nós discutimos com Lorentzen com quem íamos negociar a suspensão dos pagamentos porque tinha multas nos contratos se a gente parar a fábrica de vez, porque os equipamentos já estavam sendo produzidos, se interromper aquilo estava sujeito a penalidades. Mas o Marcos Viana nos deu a sustentação e aí parece um milagre: quando nós entramos no ano de 1979, foi o ano de inauguração da fábrica, os preços da celulose começaram a subir e quando nós fizemos os primeiros testes de colocar as primeiras produções de celulose no mercado, os preços dispararam, foi um negócio milagroso. Além do mais tinha gente lá em cima ajudando.
PAUSA
P1: Dr. Galvêas, o sr. lembra do início da Aracruz quando foi criado o departamento de comunicação da Aracruz e que se chamou o jornalista (Naon Siróski?)
R: Lembro, ele era muito meu amigo.
P1:E por que ele era necessário criar um departamento de comunicação?
R: Bom, porque nós precisávamos lançar um nome, ocupar um espaço no parque industrial brasileiro, né? Até mesmo porque precisávamos de um crédito bancário, tínhamos que tornar a empresa conhecida, dar transparência a empresa. Até quando a fábrica estava construindo, nosso problema era os financiadores construir a fábrica, os equipamentos e tudo mais. Mas no momento que a fábrica ia entrar em operação, nós íamos ter que sistema bancário, descontar duplicatas, contratos de câmbio. Tínhamos que construir uma imagem da empresa pra torná-la conhecida inclusive nos meios financeiros, nos meios bancários. E aí nós conhecíamos o (Naon Siróski?), que eu conhecia do Ministério da Fazenda, ele era um jornalista muito atuante e dinâmico e veio trabalhar conosco. Pouco tempo, não foi muito tempo também.
P1: Eu queria que o senhor falasse um pouquinho do Portocel, terminal especializado, criado em 1985.
R: A fábrica da Aracruz é uma fábrica privilegiada do ponto de vista de integração porque ela tem a fábrica, as florestas, as represas com a água necessária, a proximidade do mar, que é pra lançar os __ e o porto. É realmente uma fábrica integrada. Hoje as florestas -- como as fábricas -- cresceu muito, as florestas que circulam a fábrica já não são mais suficientes pra abastecer a fábrica. Então, nós tivemos que buscar madeira no norte do Espírito Santo, agora estamos buscando no sul da Bahia. No início, a fábrica era cercada de madeira, cercada de árvores que a gente precisava de estradas, o mar próximo e fizemos um porto. Andamos pesquisando o litoral do Espírito Santo e por uma coincidência da maior felicidade, descobrimos que os contrabandistas costumavam desovar as cargas dos navios em algum lugar daquela região de Aracruz, Nova Almeida, por ali. E começaram a fazer os batimentos e descobrimos um canal que tinha profundidade pra barcos de porte. E aí chamamos os portugueses, fizemos os estudos de onda, de acesso e tal e localizamos à pouca distância da fábrica o local ideal do porto. Quer dizer, na seqüência da fábrica, mais ou menos 1,5 km está no porto, dentro do mar. Um porto que serve hoje pra exportar celulose da Aracruz, a celulose da (Senibra?), que vem lá de Belo Horizonte, e nós estamos agora trazendo toda a madeira, descarregando-a da estrada; madeira extraída de lá do Norte já não vem mais por estrada porque é um tremendo problema trazer caminhões de madeira pra estrada, já está vindo tudo por água, vem pelas (barcaças?), chegam no Portocell e estamos examinando agora a possibilidade de produção de celulose da Bahia Sul, lá do sul da Bahia, também seja exportada pelo porto. O porto é grande, tem uma bacia, os (circundâlos?) são grandes, ela tem uma grande possibilidade de uma criação de novos (pias?) e foi uma sorte de uma linha de florestas, fábrica e porto.
P1: E dr. Galvêas, em que momento houve essa decisão de construir a fábrica B?
R: Isto é mercado. Na medida em que a celulose de eucalipto foi ganhando mercado pela sua qualidade, pelas suas propriedades, nós fomos vendo que havia condições de fundar uma outra fábrica. Era questão de dinheiro, de financiamento e isso não faltou. Não faltou financiamento primeiro porque os equipamentos podem ser comprados financiados, o BNDES estava aí pra financiar e a Aracruz já tinha receita suficiente pra levantar empréstimos nos mercados internacionais. Como havia mercado, nós dobramos a fábrica, então, a fábrica de 500 mil toneladas passou pra um milhão de toneladas, hoje já está em muito mais. Hoje já fizemos a terceira fábrica, a tal fábrica C, e construímos uma fábrica do lado da outra. Quer dizer, foi um negócio fantástico porque foi aproveitar toda aquela logística, aquela infra-estrutura: é o porto, é a água, é a floresta, as estradas, construímos uma fábrica do lado do outro, portanto custou muito menos, agora conseguimos a terceira fábrica, do lado das duas e aí a um custo menor ainda.
P1: O senhor acha que essa otimização é uma tendência mundial de colocar novas unidades no mesmo sítio?
R: Não necessariamente, porque a fábrica tem uma dimensão de escala que também não pode ser tão fantástica, então você tem que construir uma fábrica grande como essa da Aracruz, que pode construir um milhão de toneladas, mas você tem que construir a fábrica perto dos recursos naturais primeiro. Nós construímos a fábrica da Aracruz Celulose ao lado das outras duas, mas já estamos trazendo madeira do sul da Bahia; então a próxima fábrica já não será mais lá, até poderia ser, mas o custo financeiro cria restrições. Quer dizer, a quarta fábrica será lá na Bahia perto das florestas de lá. Então as limitações muito relacionadas com as matérias-primas, as distâncias.
P1: O senhor se lembra de algum recorde de produção?
R: Ah, eu quase não me lembro porque eles batem recorde todo dia. Todo dia tem uma nota dizendo que bateram recorde de produção.
P1: Muito bem, dr. Galvêas, o senhor falou um pouco sobre essas ações pro século XXI, o senhor já adiantou até a questão de uma possível unidade D, a quarta fábrica em Salvador...
R: ... Possível, não! Já está em marcha, é a (Veracell?), é uma sociedade da Aracruz com os escandinavos.
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Mas trabalhando um pouco mais com o processo da Aracruz, em que momento viu-se a necessidade da criação de um aeródromo?
R: Olha, realmente nós sentimos a necessidade quando os visitantes, os compradores, os novos clientes que visitam a fábrica, as autoridades que visitam a fábrica... É um negócio meio desconfortável de você descer e caminhar uma hora e trinta até a fábrica, depois mais uma hora e trinta pra regressar. Então, passamos a helicóptero, mas a facilidade não é a mesma coisa. Então criou-se lá uma pista que tem facilitado muito. Pessoas de todos os tipos, inclusive Ministros, o Presidente da República e os estrangeiros, vem muito estrangeiro ver...
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Dr. Galvêas, como é que se deu a aquisição da fábrica de Guaíba, da (Riocell?), se é a previsão de produção de Guaíba?
R: Olha, eu não estou familiarizado com a data, mas de longa data nós sentimos o seguinte: há uma tendência de construir grandes complexos no mundo todo: as empresas de navegação, os bancos, as empresas de transporte, há uma tendência mundial de criar grandes empresas que tenham uma participação importante no mercado. Em todas as áreas: siderúrgicas estão se fundindo, empresas de transporte, empresas de aviação. E no ramo da celulose é a mesma coisa. Então, desde muito cedo nós sentimos que havia uma sinergia por exemplo entre a Aracruz e a Cenibra, que exporta pelo nosso porto lá em Belo Horizonte. Sentimos também que havia uma grande sinergia com a Bahia Sul, que era da Vale do Rio Doce e do grupo Feffer, da Suzano; e no Sul tinha a antiga (Boulevard), que é a (Riocell?). E mais afastados, mas por uma questão de estratégia de mercado, nós entendemos que à medida que nós associamos esses grupos todos, nós podemos ter uma participação num determinado momento. A Riocell, como era a menor empresa do mercado, ela entrava no mercado como um supridor marginal, tinha clientes, mas ela tinha qe dar descontos maiores pra conseguir vender os seus produtos em concorrência com a Bahia Sul, com a Cenibra. Em um determinado momento o (Clamim?) tinha comprado a empresa – inicialmente era dos noruegueses, nós conhecíamos muito a empresa, inclusive porque o Erling Lorentzen , que é norueguês, teve muita participação das negociações da antiga (Boulevard?), depois que a empresa ganhou nova feição, ganhou outro tipo de celulose que produzia, ela estava nas mãos do grupo (Clamim?). O grupo (Clamim?) teve algumas dificuldades financeiras e resolveu vender algumas partes do seu patrimônio. Uma delas era a (Riocell?), então nós fomos o candidato natural e hoje nós entendemos que foi um excelente negócio pra todos, pro (Clamim?), que vendeu, e pra nós, que melhoramos a qualidade, aumentamos a produção e conseguimos uma enorme melhoria de preços, de modo que as sinergias todas se confluíram e hoje nós temos uma administração só, embora existam os gerentes locais, embora estejam sob administração da Aracruz. E tudo isso é uma grande vantagem, e a comercialização tem grandes vantagens absolutas.
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Eu vou começar a encaminhar pras questões finais. Ao longo de sua carreira na empresa quais foram os momentos mais marcantes pro senhor?
R: Bom, como eu disse, nós tivemos grandes momentos de alegria na empresa, quando deu a partida na primeira fábrica. Aquilo ali era um acontecimento extraordinário na vida de todos nós: do Lorentzen , do BNDES, do Marcos Viana, da minha vida, quer dizer, ver uma fábrica daquele tamanho funcionando, é um resultado de um esforço enorme que nós tínhamos desempenhado. Grande alegria! E os resultados, os lucros que foram surgindo, e teve também muitas preocupações, quer dizer, muito sofrimento. Como eu disse, teve um determinado momento que nós chegamos a parar, começamos a examinar – o dr. Roberto Portela era nosso consultor político, era nosso advogado e começamos a examinar os contratos de compra de equipamentos na Inglaterra e na Suécia, nos ESTADOS UNIDOS, pra ver quais as multas a que estaríamos sujeitos em caso de interromper a fabricação no meio do caminho. Isso foi um sofrimento terrível realmente. Além disso, um sofrimento de ter as faturas vencendo dos empreiteiros, quer dizer, os empreiteiros estavam com US$ 15 milhões no canteiro de obras e as faturas vão chegando, tem que pagar aquele pessoal e nós não tínhamos dinheiro na caixa, então pagávamos metade a um, metade a outro e “o BNDES vai liberar pra próxima semana”, nós prometíamos na próxima semana pra liberar, quer dizer, foi uma tremenda dificuldade pra administrar a parte financeira do projeto. Quer dizer, enquanto nós tínhamos grandes alegrias na parte de construção – porque fizemos a fábrica mais moderna do mundo com o custo muito baixo –,
ao lado dessas alegrias na área industrial; na área florestal nós também fizemos progressos fantásticos. Selecionamos variedades de eucalipto que se adaptavam melhor ao território brasileiro, passamos a fazer uma série de experiências tecnológicas, inclusive de enraizamento de galho, que é um negócio que o Leopoldo vai falar sobre isso, a gente plantava sementes de eucalipto e colhia sementes de eucalipto, como todo mundo faz, saía umas árvores boas, umas árvores ruins; as florestas eram muito diferentes, eram muito heterogêneas. Hoje as florestas são homogêneas, a gente pega a melhor árvore que tem lá, tira os galhinhos, planta aqueles galhinhos, quando ele está crescendo naquele galhinho e ficamos no chão, e conseguiu-se com um processo de hormônio, um processo inventado pelos franceses, o enraizamento do galho. O Leopoldo vai falar sobre isso. Porque não existe isso, só existe em plantas de jardim. Você nessas plantas de jardim, nessas plantas menores você quebra um galho, finca no chão, ele enraíza, mas plantas grandes, árvores, elas não enraíza por galho, fazem por (enxertia?), mas aí descobriu-se no __ do eucalipto um tipo de hormônio que você mistura naquele saquinho quando foi plantar aquelas coisas que enraízam. Então você tinha um galhinho e sai exatamente igual à mãe. Ele é puro de origem. É como se fosse em termos de zoologia, um animal de puro sangue. É uma tecnologia que foi desenvolvida pelo Leopoldo e deu um rendimento fantástico. A gente mede o número de metros cúbicos que produz um hectare de terra por ano, essa é a medida. Então nós começamos a trabalhar com 15 metros cúbicos hectare ano, passamos pra 25, 30, 40 e já tem alguns setores lá que produzem até 80. É um negócio realmente é uma revolução na tecnologia florestal. E fizemos tudo isso preservando a floresta nativa que tinha lá, onde havia floresta nativa naqueles lugares mais baixinhos, (contra-forte?) daquelas evoluções, nós mantivemos toda floresta nativa, mantivemos os animais, os pássaros e tivemos a sorte de ter uma moça, uma japonesinha Iara, que é biologista, ela desenvolveu um processo de combater as pragas com outras pragas, então não se usa nenhum tóxico que possa fazer mal aos animais, aos pássaros, é tudo combatido dentro de um processo de equilíbrio ecológico. A Aracruz é uma empresa realmente fantástica, de todos os pontos de vista, desde a floresta até a parte ambiental de frutos.
P1: É exatamente isso, sr. Galvêas, se o sr. fosse definir
a Aracruz em algumas palavras quais seriam?
R: A Aracruz é o que a gente chama de referência: se você quiser fazer a melhor empresa de celulose do mundo, você vai lá e copia a Aracruz. É uma empresa referência.
P1: E dr. Galvêas como é que seu cotidiano hoje?
R: Hoje eu sigo a minha carreira de economista, eu vivo estudando, fazendo cursos econômicos, fazendo relatórios, fazendo previsão de preços, crescimento econômico, leis que interessam... Eu trabalho na lei internacional do Comércio. A maior parte do meu tempo eu trabalho na Confederação Nacional do Comércio, mas eu sou membro do conselho de várias coisas: do grupo Lorentzen, que tem empresas de navegação; da Aracruz, eu sou do Conselho da Aracruz, represento o Grupo Safra lá na Aracruz; eu sou diretor de um banco do Grupo Safra lá na Europa, eu sou do Conselho da Fundação Getúlio Vargas, eu tenho uma organização de cursos econômicos chamado Pec, eu tenho muitas atividades, mas a minha função principal é de consultor econômico da Confederação Nacional do Comércio.
P1: E passatempo nenhum?
R: Eu tenho uma vida muito modesta, muito moderada, eu faço a minha ginástica de manhã, meus exercícios, sábado e domingo jogo tênis, meu hobby é ler, é leitura, então eu faço pesquisa na área de ciência, filosofia, religião, meu hobby é leitura.
P1: E qual o seu maior sonho hoje?
Eu como funcionário do governo que eu fui praticamente a minha vida toda é muito ligado ao país, ao povo, a minha maior preocupação e as frustrações são muito ligadas à economia do país. Então, eu me preocupo com isso. Eu assisto à televisão com a preocupação de onde é que o país pode arranjar maior emprego, maior mão-de-obra, aumentar renda, produzir mais. Basicamente isso, eu sou um workaholic, meu hobby é trabalho.
P1: Dr. Galvêas, qual é a importância que o sr. atribui a um trabalho como esse de registrar a memória da Aracruz Celulose?
R: Olha, eu acho que essa preservação da memória tanto da empresa, como dos indivíduos, a tradição, eu acho que isso é muito importante. Você vê na família, o pai lega os filhos um certo conhecimento, uma tradição de trabalho, de honestidade; no país isso é muito importante, você guardar a memória, o folclore porque o espírito que as pessoas trabalham no governo está associada ao orgulho que têm de ser brasileiro, de ser americano, de ser inglês. Na empresa isso acontece muito. A gente tem que construir um espírito de casa. Eu posso falar muito porque a gente tinha esse orgulho de ser funcionário do Banco do Brasil. Então tudo que a gente podia fazer pra elevar o nome do Banco do Brasil, pra prestigiar o Banco do Brasil e criar um espírito de casa... Todo mundo era ligado, era uma corrente, todos naquele pensamento. Então, quando a gente fala de criar uma memória da Aracruz, a gente está pensando não só no passada, mas nas gerações futuras, para que as pessoas vão continuar nosso trabalho: os clientes que precisam conhecer a empresa e os funcionários que precisam gostar da empresa, amar a empresa. Se não tiver memória fica mais difícil, você vai ter que construir essa memória todos os dias. É mais fácil você ter consolidada em um documento, alguma coisa que as pessoas possam tomar conhecimento com mais facilidade, mais comodidade. Eu acho muito interessante.
P1: Finalmente dr. Galvêas, o que o sr. acha de ter participado dessa entrevista?
R: Eu acho que entendendo que construindo a memória da família, do país, da empresa, é um trabalho importante e tem valor significativo, eu acho que eu estou contribuindo pra construir um pouco dessa história. Como eu tenho alguma coisa da memória da empresa, os acontecimentos que fazem, fizeram a vida da empresa, eu acho que eu estou contente de ter podido vir aqui dar uma contribuição.
P1: Muito obrigada, dr. Galvêas. Excelente entrevista.
R: Muito obrigado vocês pela inteligência em que vocês conduziram essa entrevista.
P2: Muito obrigado.
FIM DA FITA._____Recolher