Projeto Memória, Identidade e Cultura - Grupo Pão de Açúcar
Depoimento de Marcelino Peres
Entrevistado por
São Paulo / SP - 24 de outubro de 2003
Realização Museu da Pessoa
Código do Depoimento: GPA_CB013
Transcrito por Marlon Alves Garcia
Revisado por Camila Catani Ferraro
R - Sou Marcelino Peres, tenho 24 anos de casa, vim para São Paulo com 19 anos. Minha garganta enrola.
P/1 - Não tem problema.
R - Espera um pouquinho, daqui a pouco desenrola a garganta. Você não tem um Tic-Tac aí?
P/1 - Eu tenho uma...
R - Essa água é com gás e sem gelo, é isso?
P/1 - Essa daqui eu peguei aberta.
R - Meu Deus do céu!
P/1 - Você gosta como da água, gelada?
P/1 - Pula essa parte, vai. Quem é o Marcelino?
R - O que você quer?
P/1 - Marcelino, vamos começar diferente. Você gosta de futebol?
R - Não, não pratico.
P/1 - O que você gosta da vida, assim?
R - Andar de moto.
P/1 - De moto?
R - Sou motociclista viciado.
P/1 - Adora motovelocidade?
R - Não, gosto de viajar com moto.
P/1 - Você tem o quê, uma Harley Davidson?
R - Tenho uma Harley.
P/1 - Não acredito.
R - É o meu maior prazer, quando tenho tempo, é pegar uma estrada.
P/1 - Mas você se parlamenta, assim, com todas aquelas?
R - Não, normal, você colocar uma jaqueta de couro, uma calça e tal, e reunir os amigos.
P/1 - E a tua mulher vai junto?
R - Me incentiva mas não me acompanha.
P/1 - De onde surgiu essa paixão pela moto?
R - De criança, sempre adorei moto, sempre adorei duas rodas.
P/1 - Mas alguém da sua casa?...
R - Acho que me inspirei num tio. Mas adoro, é o meu grande hobbie, minha grande fonte de desopilação.
P/1 - A Harley é a paixão de todos viciados em moto.
R - Nós vamos comemorar 100 anos de Harley no Brasil em Curitiba. De Brasil não, no mundo. Vai ser lá em Curitiba agora, daqui a uns 15 dias.
P/1 - Você então se reúne com todos os aficcionados, coleciona.
R - É, eu gosto da marca, eu gosto. A Harley é um mito, né, para quem curte moto é um negócio apaixonante. Pela moto, pelos acessórios, pelas roupas, pelos amigos que você faz através da moto e por aí afora.
P/1 - Então, Marcelino, que gosta de Harley e que desde menino gosta de duas rodas, nasceu onde?
R - Eu nasci lá em São José do Rio Preto, fiz até o colégio lá e vim para cá com 19 anos para fazer faculdade de psicologia. Fiz faculdade, trabalhei em algumas empresas, entrei aqui no Grupo Pão de Açúcar como recrutador de pessoal na área de recursos humanos. Trabalhei em recursos humanos por uns 12 anos e cheguei a ser gerente nacional de recursos humanos na divisão de varejo. E depois disso eu radicalizei, eu aceitei uma proposta, um grande desafio, para mudar radicalmente de atividade. Eu acabei sendo o primeiro trainee de operações da companhia na época. Eu fiz um estágio de 11 meses e assumi uma loja. E nesses 11 meses eu fui padeiro, fui peixeiro, fui açougueiro, operei caixa, enfim, eu desempenhei todas as atividades de uma loja, até poder assumir a minha primeira loja lá em Jundiaí. Disso daí começou toma uma carreira, eu trabalhei na bandeira Pão de Açúcar alguns anos, depois vim para a bandeira Extra. Dentro da bandeira Extra eu dirigi algumas lojas, passei por Guarapiranga, inaugurei a loja do Shopping Internacional na Dutra, trabalhei na loja da Penha, dirigi a loja da Penha, depois inaugurei a loja do Aeroporto, o Extra Aeroporto, fui para Campinas, na Abolição, fiquei lá uns três anos e depois fui para Curitiba, aceitando um grande desafio, estou lá hoje no Alto da Quinze.
P/1 - O quadro do lado, assim, da sua mesa é um mapa do Brasil cheio de?...
R - É, eu passei por grandes desafios já, por boas cidades mas eu acho que o meu maior desafio eu estou vivendo agora.
P/1 - Qual é?
R - É operar uma loja dentro da cidade de Curitiba, que é talvez o mercado mais competitivo do Brasil. Curitiba tem a maior concentração de check-outs por habitantes do Brasil. Concorrente não falta lá, falta cliente e falta dinheiro para ser gasto nos supermercados. A concorrência lá é extremamente grande.
P/1 - Mas, antes dessa aventura geográfica, né, você veio para São Paulo, você nasceu em São José, em que ano você nasceu?
R - Nasci em 1954, lá em São José do Rio Preto, fiquei lá até os 19 anos e decidi me libertar da família. Sou filho mais velho de uma prole de seis. Resolvi vir para São Paulo para encarar novos horizontes, novos desafios. Meu objetivo era fazer faculdade de psicologia, e lá, na época, não tinha esse curso, vim fazer aqui.
P/1 - E por que psicologia?
R - Psicologia porque pela minha curiosidade em conhecer melhor o ser humano, me relacionar. Eu acho que uma das minhas habilidades é essa, é se relacionar com pessoas. E eu optei por fazer psicologia, o que me levou - me especializei em psicologia industrial -, que me levou a trabalhar em recursos humanos.
P/1 - Quando que você conheceu o Pão de Açúcar, quando você veio para cá, fez seleção?
R - Eu trabalhava no ABC, na época da maior greve do ABC, que foi em 1969, eu trabalhava numa empresa líder lá e que entrou em crise em função dos problemas oriundos das greves dos metalúrgicos. Eu acabei ficando desempregado, foi minha grande crise de vida, foi essa. Eu fiquei um ano desempregado, e isso desencadeou problemas na minha vida, problemas financeiros por eu ficar desempregado. E eu acabei um dia respondendo a um anúncio no jornal, um anúncio do Grupo Pão de Açúcar. Não sabia que era do Pão de Açúcar. Eles procuravam lá um recrutador de pessoal. E era a minha grande experiência, que eu já tinha trabalhado em outras empresas como recrutador de pessoal, ou como chefe, já tinha sido chefe de recrutamento e seleção. Vim para cá e vim compor uma equipe grande. Na época a área de recrutamento e seleção era toda centralizada lá na Rua Treze de Maio, ali ao lado da antiga Sears, onde hoje é um shopping. E eu comecei a trabalhar ali e ali comecei a ter oportunidades, me surgiram oportunidades, fui aproveitando as oportunidades e fui fazendo uma carreira na área de recursos humanos. Eu passei a chefe de recrutamento, depois a chefe de recrutamento e seleção, depois fui cuidar da seleção de funcionários administrativos. E fui crescendo dentro da área de recursos humanos até chegar a esse cargo de gerente nacional de recursos humanos de uma das divisões de varejo, que era da divisão de hipermercados Jumbo-Eletro.
P/1 - E como que era o Pão de Açúcar nessa época, quando você chegou, qual foi a impressão que você teve, como que você foi recebido?
R - A empresa, na época, era - acho que ainda é -, era uma família. A empresa sempre recebeu as pessoas como uma família. E eu tive a sorte de entrar na empresa no momento em que ela crescia muito, não é, e oferecia muitas oportunidades para pessoas que queriam realmente crescer profissionalmente. Mas a grande característica dessa companhia sempre foi fazer as pessoas sentirem como se estivessem trabalhando com parentes, com amigos. E uma cultura, uma tradição são as nossas reuniões anuais, que ainda eu acho que fortalecem ainda mais esses laços de relacionamento, essa cultura de empresa familiar. E eu sempre me senti trabalhando em casa, eu sempre gostei muito de trabalhar aqui. É uma empresa que de uma forma muito natural você se envolve com ela, se apaixona por ela, defende e se dedica muito, muito, muito. Aqui é muito comum você encontrar as pessoas que, literalmente, vestem a camisa pela empresa. É comum você encontrar pessoas com muito tempo de casa, que adoram trabalhar aqui e que trabalham aqui há muitos anos.
P/1 - E ao longo desses anos, Marcelino, você tem um bom caminho profissional dentro da casa, quais seriam as mudanças, inovações, as coisas que te chamaram a atenção desde que você entrou até os dias de hoje? O que você levantaria que tenha te chamado a atenção?
R - O Grupo Pão de Açúcar sempre foi uma empresa muito antenada no negócio, né, em ter as melhores lojas do país, buscar know how, desenvolver know how. Então, eu tive a felicidade de poder ter participado de grandes evoluções dentro da bandeira Pão de Açúcar, que hoje, inegavelmente, tem as melhores loja de supermercado do Brasil, que é referência para esse modelo para o país e para fora do país. E tive também a felicidade de ter participado de todo, eu diria do nascimento e da evolução de divisão Extra, que passou por diversas fases e que hoje vive um processo de maturação, de fixação de padrões, de desenvolvimento de padrões, fixação de padrão, desenvolvimento de know how. O Extra hoje está se consolidando em todos os sentidos. E é um momento mágico para a gente, particularmente para mim, que estou podendo participar disso de perto e ativamente.
P/1 - E dessas fases, quais teriam te chamado mais a atenção, qual que te marcou mais, você que presenciou todas as mudanças?
R - É, eu acho que não há, talvez eu não tenha um momento específico para dizer. A empresa, ela, tudo é muito dinâmico, tudo acontece de uma forma muito dinâmica, né, a empresa cresce num ritmo muito grande e a gente às vezes não se apercebe de que tal coisa já é muito diferente do jeito que era. É claro que toda incorporação, a cada incorporação que a companhia faz é um
momento mágico para a gente, onde ela cresce, ganha posições no mercado. Então, nós vivemos muitos momento felizes, eu não teria, eu não saberia te dizer qual desses momentos foi mais importante ou mais marcante.
P/1 - Você participou do Eletro, né?
R - Da antiga bandeira Eletro.
P/1 - Da antiga bandeira. E é um ícone, ainda é um ícone cultural, com o elefante. Como que era, quais eram as características que diferenciavam essa bandeira, o que foi absorvido dessa bandeira nessa cultura hoje?
R - Eu não vivi diretamente essa fase. O Grupo Pão de Açúcar, eu acho, abrindo um parênteses aqui, depois vocês vão editar, a Norma até acompanhou bem. Me lembrei agora de um momento muito marcante para mim. O Grupo Pão de Açúcar montou uma loja ali no Aeroporto, e esta loja foi, para a cidade de São Paulo, o símbolo de hipermercado ou de comprar tudo num único lugar, durante muitos anos. E o negócio ali se inviabilizou por questões de custos de imóvel, custos de aluguel, e a empresa decidiu desativar a operação daquela loja lá. E eu tive o privilégio de ter sido convidado a participar da inauguração, da construção de um hipermercado Extra no lugar onde havia sido durante muitos anos o Jumbo Aeroporto, que era um ponto, era um marco de referência para quem queria comprar alguma coisa em São Paulo. E eu fui agraciado com a oportunidade de dirigir aquela loja. E eu procurei buscar uma forma de inaugurar, no dia da inauguração fazer algo diferente. E me ocorreu a idéia de convidar para aquele dia duas importantes ali, além, é claro, Seu Santos e Doutor Abílio, de levar dois convidados muito especiais. Um deles foi uma pessoa chamada Nestor Baena, que para a empresa representou muito, durante muitos anos, pois ele gerenciou essa loja como se fosse dele, durante muitos anos ali. Quer dizer, Jumbo Aeroporto e Nestor Baena eram coisas que se confundiam, se misturavam, né, dada a importância daquela loja e dada a importância dele dentro da companhia. E eu encontrei Nestor Baena depois, ele viajou para o exterior, e acabei encontrando Nestor Baena morando em Curitiba e eu o convidei para vir para a inauguração para ser homenageado pelo Seu Santos. E foi um momento muito especial, mas especialíssimo. A área de marketing me ajudou, a Ana Maria me deu um grande apoio para essa situação. Foi preparado uma placa comemorativa para o Seu Santos entregar a ele. E a outra pessoa foi o Padre Marcelo Rossi, que na época era uma pessoa que estava muito em evidência e que eu liguei para ele, eu não o conhecia, mas me ocorreu ligar para ele e ele aceitou o convite para benzer a loja naquele dia de inauguração. Então, foi um momento muito especial na minha vida por ter tido a oportunidade de vivenciar, participar e articular essas coisas aí.
P/1 - Como você define, voltando um pouco nessa sua trajetória no recursos humanos, um pouco em cima dessa história que você contou, né, da grande família, dessa afetividade, como você define o recursos humanos? Ele tem uma clareza macro e ele se dilui nas bandeiras, como é que é, qual é a diferença, como que funciona?
R - Olha, a área de recursos humanos é importante em qualquer empresa, em qualquer corporação, não importa o tamanho dela. Ela cuida da contratação, da manutenção, da satisfação e da evolução das pessoas, da motivação das pessoas. O Grupo Pão de Açúcar tem uma área de recursos humanos muito bem estruturada, que tem braços em todas as divisões, né, dando suporte a todas as divisões. Eu não sei, é uma pergunta, vai ter que editar isso. Mas eu não sei qual é o objetivo da sua pergunta, o que você quer saber na essência?
P/1 - Quais são as diferenças de uma bandeira? Você foi trainee operacional na bandeira, passou pelo Pão de Açúcar, você foi para o Extra. Existe diferença, existe um?... Houve mudanças, você ficou muito tempo no recursos humanos, né? O que você percebe como, assim, um marco?
R - A área de recursos humanos evoluiu muito em relação ao que era e ao que é, a nível de estrutura, a nível de objetivos, a nível de atuação. Hoje ela tem uma atuação muito estratégica, o que não tinha no passado, né? O planejamento de recursos humanos hoje é um planejamento atual onde a empresa pensa na sua perenidade, pensa no seu futuro, na sua perpetuação. Ela prepara e desenvolve profissionais hoje para o Pão de Açúcar de amanhã. E eu acho que essa visão estratégica é necessária, mas ela não existia, não era o RH do passado, eu acho que é o RH de hoje que atua dessa forma.
P/1 - Como é que foi você fazer esse trainee, passar por várias seções, aprender, vivenciar ou dividir?
R - E te confesso que eu fiquei sem chão. No momento em que eu fui convidado a aceitar isso, a radicalizar profissionalmente, porque eu pensava que meu futuro profissional seria dentro de recursos humanos, e de repente me foi oferecida a oportunidade de eu abandonar isso e reiniciar do zero, objetivando uma outra carreira, né? E quem me ofereceu isso garantiu a mim que se eu aceitasse ele mudaria o meu futuro. E foi o que realmente aconteceu. Eu tive a condição de um crescimento profissional rápido, que me satisfez muito, me realizou como pessoa, e eu pude vivenciar coisa que jamais teria condições se tivesse ficado em recursos humanos. E acabei descobrindo um lado meu que veio à tona, um lado meu que me permitiu me identificar e ter facilidade em assimilar essas novas atividades, esses novos desafios que acabaram por vir. Foi muito duro, eu passei a trabalhar aos sábados, passei a trabalhar muitas madrugadas, eu mudei completamente o meu relacionamento com a família, eu tive que me distanciar da família. Isto me custou muito caro no começo, né, porque eu passei a trabalhar aos sábados, domingos, nas noites de inventário. Isso quebrou muito a minha rotina de até então, mudou a minha vida. Mas nada é impossível, nada que eu não pudesse me adaptar, sobrepor essas dificuldades e aceitar isso como normal. Então, a minha vida, de anos para cá, tem sido no sentido de buscar um desenvolvimento cada vez maior, um aprendizado contínuo, para que eu cada vez possa atender esse desafio de competitividade de mercado, porque isso é cada dia mais acirrado. Então é isso.
P/1 - E estando na pele, né, desses milhares de funcionários que fazem os supermercados, que fazem as lojas, que atendem os clientes, que servem - porque você estava dizendo que você passou um pouquinho -, o que isso te trouxe de experiência, assim, para hoje você administrar essa loja de Curitiba do Extra, o que isso te deu de feedback de como melhorar o atendimento, de como inovar?
R - A minha ida como trainee quebrou muitas barreiras pessoais, me colocou, me provocou, assim, uma revisão de uma série de conceitos. Porque eu fui fazer um estágio numa loja que era perto de minha casa, e uma das lojas que eu passei era perto da minha casa. E aconteceu um fato um dia, eu estava lá todo sujo, eu estava fazendo estágio no açougue, na carnes e aves, e uma pessoa, um vizinho do meu prédio me viu ali de avental e achou que eu tivesse precisando de ajuda financeira. Ele me abordou e falou: “Olha, eu não sabia que você estava trabalhando aqui. O que você está fazendo aqui, você é o balconista aqui da loja e tal?” Eu expliquei a ele que estava fazendo um programa de estágio, que havia mudado meus objetivos profissionais, que eu havia aceito um desafio da companhia e tal. E eu comecei a ter o contato com o cliente, né, a aprender com o cliente, a aprender com as pessoas mais humildes da loja. Então, fiquei 11 meses convivendo com pessoas que eu não tinha o hábito ou a oportunidade de conviver, com pessoas, com açougueiros, com peixeiros, com repositores. Porque eu fui lá aprender a descarregar caminhão, a abastecer gôndola, a cortar carne, a limpar peixe, a fazer pão, e isso me permitiu conviver o dia-a-dia com aquelas pessoas que faziam pão e pensam em outras coisas, têm outras preocupações na vida. Então, essa interação, essa relação com essas pessoas me fez conhecer e rever conceitos pessoais que eu já tinha abandonado há muito tempo, entendeu? Então, foi muito rico e muito marcante para mim esses 11 meses. Eu acho que isso me fez, me preparou como pessoa para enfrentar muitos outros desafios. Foi fundamental. Eu acho que se eu não tivesse passado por aquilo eu não teria condições de vivenciar o que eu vivenciei depois disso tudo.
P/1 - E com essa experiência toda... Com essa experiência toda que você teve, psicólogo, recursos humanos, hoje dirigindo o Extra, ao longo desses anos você tem, assim, alguma história pessoal ou alguma coisa engraçada, alguma recordação que você gostaria de falar, que você guardou aí na manga, está na tua cabeça?
R - Eu vou precisar pensar um minutinho (risos).
P/1 - Alguma coisa interessante...
R - Olha, você quando vai trabalhar em loja, em loja acontece de tudo, né? Eu estou saindo de um grande princípio de incêndio que há três dias na minha loja. Mas a loja, a loja é um universo, é um negócio extremamente dinâmico onde as coisas acontecem 24 horas por dia. Então, nas lojas onde eu já trabalhei, eu infelizmente já participei de assaltos, cliente faleceu dentro da loja, casais brigaram dentro da loja. Então, eu passei por inúmeras situações, algumas muito tristes. Operário cai do teto no chão da loja, e foi uma tragédia. Então, eu pude participar ao longo desses anos de coisas bastante... Algumas enchentes, vivi muitas enchentes em lojas. Então, eu pude participar de coisas até engraçadas, até tristes, algumas. Não tem um fato assim que eu me lembre agora, que eu possa retratar ou relatar para vocês. Mas talvez até o final me vem alguma coisa.
P/1 - Como você vê o Pão de Açúcar anterior a 1990 e o Pão de Açúcar de 1990 para cá?
R - Desculpe, me ajude a lembrar o que marca 1990.
P/1 - Em 1990 houve uma reestruturação da companhia, já havia sido inaugurado o primeiro Extra no ano anterior, mas em 1990 começa um
momento de fechamento de lojas.
R - Saímos da Berrini em 1990? Não, saímos da Berrini em 1995?
P/1 - 1992, não 1992.
R - 1992?
P/1 - Mas foi a época aí da grande saída do pessoal, fechando todas as lojas e começando tudo de novo.
R - Ok.
P/1 - Se lembra dessa fase, ou você estava tão envolvido?...
R - Me lembro muito bem, me lembro muito bem disso. Essa fase é marcante, nós trabalhávamos na Berrini. Brasil em crise, as companhias em crise, o Grupo Pão de Açúcar inchado. Isso foi pós seqüestro do Doutor Abílio. E a empresa, acho que por mais um lance de sabedoria e de visão estratégica do Doutor Abílio, ele resolveu repensar essa companhia. Repensar dando uns choques, acho que pensando muito longe, muito na frente e dando choques e provocando mudanças radicais. Uma das mudanças radicais foi a saída daquele prédio e o retorno da nossa antiga sede aqui na Brigadeiro. Então, nós tivemos uma fase onde nós deixamos um castelo de cristal e voltamos às nossas origens, às nossas bases. Fechamos muitas lojas, tivemos que demitir muita gente, tivemos que recomeçar, tivemos que recuar para saltar o precipício. E isso foi feito com muita maestria, com muita competência. Esse processo todo foi regido por ele e por pessoas que o cercaram e que trouxeram a companhia para a posição que ela está hoje, né? Foi um processo que marcou profundamente muita gente, teve o envolvimento e a participação de muita gente. E para quem viveu aqui sabe o quanto isso foi importante, necessário e assertivo. Isso tinha que ser feito, porque, acredito eu, se não tivéssemos passado por tudo aquilo, o Grupo Pão de Açúcar não seria o Grupo Pão de Açúcar de hoje, uma empresa líder no Brasil, quiçá no mundo, né, referência de varejo para o mundo.
P/1 - A gente falou um pouco dessa reestruturação. Como você vê a figura do Doutor Abílio?
R - A imprensa noticiou há um tempo - que foi capa de revista, acho que foi na Exame - que o Grupo Pão de Açúcar era um empresa de um rosto só. Essa empresa está impregnada na imagem do Doutor Abílio, e eu acho isso muito positivo, porque ele é uma pessoa que conduziu esse processo de mudança, de modernização, de crescimento dessa companhia. Ele é uma pessoa rara, todos aqui reconhecem isso. Ele tem uma visão estratégica, ele tem uma visão do negócio que poucas pessoas têm. E sabe se cercar de pessoas competentes. Então, eu acho que a figura dele é primordial para que a companhia se mantenha estruturada, crescendo e principalmente sendo líder. Eu acho que é muito da personalidade dele, ele mostra para a gente: força. Ele mostra, passa isso para as pessoas. A vontade de crescer, de ganhar, de estar melhor amanhã. Doutor Abílio nos transmite isso em todas as reuniões, nas visitas que ele faz às lojas. Então, ele nos transmite isso: otimismo, vontade de crescer, de ser melhor amanhã, cada vez melhor, cada vez maior, vencer o concorrente a qualquer custo. Então, ele é uma figura imprescindível para a companhia.
P/1 - Você já teve a visita dele na sua loja?
R - Já, várias vezes.
P/1 - Em Curitiba?
R - Em Curitiba ainda não, não tive a oportunidade de recebê-lo lá ainda. Mas em outras lojas, por diversas vezes.
P/1 - E ele é reconhecido quando ele chega na loja, que acontece?
R - Sim. Nas visitas dele, ele é abordado por clientes, o parabenizam ou simplesmente querem conhecê-lo, cumprimentá-lo, ou querem fazer alguma reclamação ou alguma sugestão. Mas é comum ele ser abordado em loja.
P/1 - Dizem que ele fica de olho em tudo para ver se está funcionando direitinho, é verdade?
R - Doutor Abílio é uma pessoa bastante observadora, eu acho que é uma das virtudes dele. Ele observa, ele entende muito do negócio e observa o que está errado ou o que poderia ser melhor. Mais do que tudo, ele manifesta as suas opiniões. É claro, ele tem todo direito e dever de manifestar suas opiniões. Ele diz isso com toda naturalidade e tranqüilidade.
P/1 - E o Seu Santos, Peres, com ele você também conviveu esses anos todos?
R - Seu Santos é uma pessoa muito doce, carismática, é uma figura agradabilíssima, que me visitou várias vezes em loja, passeando pela loja, sempre querendo conhecer os funcionários, cumprimentando os funcionários, perguntando aos funcionários quanto tempo de casa eles têm, desejando felicidade, saúde, boa sorte às pessoas. Sempre foi também uma pessoa muito querida e muito bem vinda nas lojas.
P/1 - Marcelino, quais foram, na sua opinião, as principais inovações ou os arrojos, assim, vivenciados pelo Grupo, seja na bandeira do Pão de Açúcar? O que você acha que fez, assim, que deu aquela guinada?
R - Eu acho que o Pão de Açúcar reinventou o modelo de supermercado no Brasil. Nossas lojas do Pão de Açúcar são ímpares, são lojas maravilhosas, têm um modelo que é copiado por todos, é inclusive referência fora do Brasil. O Extra saiu tomando como base um modelo já existente na época, e se superou, superou o concorrente, superou a referência. Hoje o Extra tem identidade própria, desenvolveu know how próprio e também é imitado.
P/1 - Dá um exemplo, assim, de uma característica dessa identidade do Extra, de alguma coisa marcante, concreta, que realmente seja diferente em termos de atendimento, em termos de distribuição, de layout? O que é essa identidade?
R - Bom, o Extra inovou trazendo alguns diferenciais para as lojas, né? O Extra trouxe o Cantinho da Criança. Estou querendo me lembrar de alguns diferenciais que o Extra tem.
P/1 - Você vive o Extra?
R - Vivo, mas eu preciso comparar o Extra com o concorrente para poder distinguir o que um tem e que o outro não tem.
P/1 - Como é a tua loja? Fala da tua loja, dos teus funcionários. Como que é?
R - A minha loja é uma loja charmosa, é uma loja que já tem cinco, seis anos - cinco anos - e que está posicionada num bairro muito elegante em Curitiba. Um bairro de classe A, predominantemente de classe A, B. E é uma loja que, apesar de ser um hipermercado, ela é uma loja de vizinhança, porque é uma loja que está cravada no meio de um bairro horizontal, com pessoas de um nível de poder aquisitivo bastante diferenciado. Então, a minha loja, eu tenho cliente lá que se autodenominam donos da loja. Então, eu tenho clientes que vivem o dia-a-dia da loja de uma forma diferente de tudo que eu já vi até então: reclamam, opinam, sugerem, vivem a loja de uma forma muito intensa.
P/1 - E essa é uma característica da bandeira Pão de Açúcar, né? Interessante.
R - Mas a loja de Curitiba, apesar de ser um hipermercado, ela é uma loja de vizinhança também. Curitiba é uma capital que te permite - é pequena, tem um trânsito fácil - e te permite mobilizar, se locomover pela cidade de uma forma rápida e fácil. Então, nós temos clientes de toda cidade e de toda região, né? Então, as pessoas lá, e é uma característica, eu acho, do curitibano, ele se envolve no negócio, ele se sente participante e no direito de dizer como que ele gostaria que fosse ou como ele gosta que seja. E a gente acaba interagindo com eles de uma forma muito positiva.
P/1 - Você costuma passar o retorno, existe essa prática de você ter esse feedback dos clientes, né, o que eles pensam, para outras lojas, vocês trocam?
R - É, eu, particularmente, tenho como hábito provocar a relação com o cliente, eu tenho como hábito abordar às vezes o cliente na loja e solicitar a ele a opinião sobre algumas coisas. Isso nos redireciona, não é, porque a nossa obrigação é olhar nosso o negócio, as nossas lojas, como o cliente olha, e nada melhor do que a opinião dele para reposicionar ou para direcionar alguma coisa.
P/1 - Marcelino, olhando para trás, ao longo desses 24 anos, o que o Marcelino teria a dizer dessa experiência toda junto ao Grupo e que mensagem você deixaria para o futuro ou como você visualiza essa empresa, como ela pode se projetar? O que você gostaria de dizer, assim, uma mensagem pessoal, você que vivenciou todos esses anos?
R - Ok. É, eu posso dizer que a minha vida profissional começou aqui. Apesar de eu ter tido experiências fora, foi aqui que eu tive as grandes oportunidades, foi aqui que eu construi a minha vida pessoal e profissional. Portanto, é indiscutível imaginar eu sem o Pão de Açúcar. O Pão de Açúcar faz parte de mim, da minha mulher, do meu filho, que vivem intensamente tudo o que eu vivo aqui, indiretamente. Então, depois que eu me envolvi para a área, vim para área de operações, a minha vida realmente mudou. Acho que eu perdi um pouco a linha de raciocínio. Mas o que eu quero dizer é o seguinte - retomando -, a minha vida tomou um rumo muito diferente depois que eu vim para operações. Ter vindo trabalhar no Pão de Açúcar me propiciou, me permitiu crescer como pessoa e crescer sobretudo profissionalmente. Aqui eu tive as grandes oportunidades e procurei corresponder a todas elas. Eu sou uma pessoa que hoje carrego comigo a marca da companhia. A gente, sem perceber, vive a companhia o dia todo. Mesmo estando fora daqui, por força de hábito ou por força do negócio, mesmo nos dias em que eu não estou na loja, eu estou ligado a ela através do telefone, do rádio, eu estou vivendo o negócio intensamente. E a minha família indiretamente vive isso comigo. Isso é uma característica de quem trabalha nisso aqui, não dá para se desligar. E só fica nisso aqui quem gosta e quem é apaixonado. Quem é apaixonado pelo que faz, pelo varejo e apaixonado por essa companhia que te permite se realizar, te estimula, te motiva, te prepara, te dá todo embasamento para que você dê o máximo de si, o melhor de si.
P/1 - E que mensagem você deixaria para o Grupo, como que você visualiza essa expansão para o futuro, você que trabalha no Extra, uma loja?...
R - Para as pessoas que estão chegando, que procurem se dedicar o máximo, se desenvolver e dar para a companhia o máximo de si em dedicação, em competência. Essa companhia é hoje administrada para ser perene, para ser eterna. Então, é uma empresa que tem uma importância social no país enorme, ela tem uma importância como geradora de empregos, como recolhedora de tributos para o país. Então, é uma empresa que deverá crescer muito mais ainda, deverá ter uma importância muito maior no cenário social e econômico do país. Então, é um lugar, é uma empresa que gerará muito emprego, formará muita gente e trará muita felicidade para todos nós.
P/1 - E você, quais são seus hobbies, seus sonhos, qual é á sua, assim?
R - Olha, tempo ocioso é algo que na minha vida existe muito pouco, né, pela própria atividade o tempo livre é muito pequeno. Tempo livre para mim é cuidar de família, é conviver com meu filho. Eu tenho um filho de quase 19 anos que entrou em direito lá na PUC em Campinas. Vamos voltar, vou voltar (risos). Formula a pergunta de novo, por favor.
P/1 - Eu perguntei quais são seus sonhos, seu hobbie, o Marcelino, quem é?
R - Meu tempo livre é pouco, é escasso. Tempo livre para mim significa convívio com a família, estar com meu filho e com a minha mulher e andar de moto. Eu reservo uma parte do meu dia, num domingo de folga, para estar com os amigos, fazer alguma viagem de moto, que isso me recarrega, me realimenta para uma nova semana , para um novo período que virá pela frente.
P/1 - O que você achou de poder contar um pouquinho da sua história sobre o Pão de Açúcar?
R - Acho que falar do Pão de Açúcar, falar da minha aqui, falar da minha profissional é falar da minha vida pessoal. E é até muito emocionante, é até difícil de falar em alguns momentos porque o pessoal e o profissional se fundem em todo esse passado, porque o nível de envolvimento, o nível de dedicação para essa companhia sempre foi muito grande. Mas de uma forma muito espontânea, muito natural, porque a empresa, por tudo que ela é, pelas características de empresa família, apesar do tamanho, ela te leva a se dedicar, a ser um apaixonado por ela, a falar em dela, a defendê-la, a envolver outras pessoas nessa causa, entende? Então, é uma empresa ímpar. Eu não sei se isso existe em outros muitos lugares não. Mas o Pão de Açúcar é diferente, ele te leva a se apaixonar. E isto, eu percebo, em pessoas que estão aqui há seis meses ou até menos. As pessoas entram, se envolvem e se apaixonam pela companhia, pelo que ela é. E eu acho que existe uma pessoa importante e principal nesse processo, que sustenta essa cadeia, essa aproximação, que é o Doutor Abílio. O jeito dele conduzir, o jeito dele passar suas mensagens faz com que as pessoas realmente se vinculam à companhia de uma forma ímpar. É difícil ver isso em qualquer lugar.
P/1 - E o que você está achando desse projeto que o Centro de Memória está fazendo, de resgatar a história através da vivência das pessoas?
R - O Grupo Pão de Açúcar é uma empresa brasileira e nova, né, e eu acho que a idéia do Projeto Memória eu acho que será muito útil no futuro. Primeiro, como exemplo de companhia, exemplo de acerto sobre erros, né, exemplo de dedicação de pessoas que contribuíram para que essa empresa crescesse e chegasse onde ela chegou. Eu acho que é importante o registro disso tudo, porque tudo isso é a soma do esforço de um monte de gente que pensa igual, é apaixonada da mesma forma, se dedica da mesma forma e cada um dentro do seu nível de competência, de atuação, se esforçando e fazendo o máximo possível para fazer bem, desempenhar bem as suas responsabilidade. Eu acho que a soma desses esforços constrói um Pão de Açúcar cada vez melhor e maior.
P/1 - Marcelino, muito obrigada.
R - Obrigado vocês pela oportunidade.
P/1 - Foi um prazer conversar com você, ficaríamos aqui a tarde inteira mas o tempo já se encerrou.