Projeto Memória, Identidade e Cultura – Grupo Pão de Açúcar
Depoimento de Vitorio Zaim
Entrevistado por Carla Vidal e Cíntia Farias
São Paulo, 27 de outubro de 2003
Realização: Museu da Pessoa
Código: GPA_CB028
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Joice Yumi M...Continuar leitura
Projeto Memória, Identidade e Cultura – Grupo Pão de Açúcar
Depoimento de Vitorio Zaim
Entrevistado por Carla Vidal e Cíntia Farias
São Paulo, 27 de outubro de 2003
Realização: Museu da Pessoa
Código: GPA_CB028
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Boa tarde Seu Vitorio.
R – Boa tarde.
P/1 – Depois de uma esperinha, agora é a vez do senhor. A gente tem essa pergunta que é para todo mundo que é a sua apresentação. Então eu gostaria que o senhor dissesse o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Vitorio Zaim. 1932. E São Paulo, capital, nascimento.
P/1 – O senhor cresceu em que bairro?
R – Eu cresci praticamente no bairro de Vila Maria.
P/1 – Vila Maria? Como que era?
R – Eu nasci na Vila Maria.
P/1 – Nasceu também.
R – Nasci na Vila Maria.
P/1 – Como é que era a vida do senhor com os seus pais? Como eles chamavam?
R – Bom, meu pai é Eduardo Zaim. Minha mãe é Amália Neves Zaim. Vivíamos na Vila Maria e lá teve um desenvolvimento normal de uma família normal, né? No qual eu estudei lá no Grupo Escolar de Vila Maria. E depois fiz um, na época não era Ginásio, era Curso Técnico na Saldanha da Gama, na Celso Garcia.
P/1 – O senhor lembra do tempo da Segunda Guerra Mundial?
R – Eu não…
P/1 – O senhor era menino?
R – Era menino, tinha nove anos.
P/1 – O senhor lembra se teve alguma interferência no cotidiano das famílias? Teve problemas para comprar alimentos?
R – Ah, sim. Isso eu me lembro. Comprar carne, pão, filas de madrugada nas padarias, nos açougues. Inclusive, eu participava com a minha mãe nessa rotina aí diária de conseguir as coisas.
P/1 – Como é que era?
R – Era muito difícil, né? Porque para se encontrar por exemplo pão, carne e outras coisas era difícil. Eu não estou assim com uma lembrança total, mas me lembro mais ou menos uma dificuldade muito grande para se conseguir essas coisas. Tanto conseguir a mercadoria como dinheiro para comprar. Era tudo difícil naquela época.
P/1 – Seu pai fazia o quê?
R – Meu pai sempre trabalhou no comércio também, né?
P/1 – Ah, é?
R – Sempre foi comerciário.
P/1 – Em que ramo?
R – É, ramo de roupas feitas. Aquele tempo não existia esses grandes magazines, essas coisas todas. Então ele trabalha muitos anos na Ladeira General Carneiro, onde era uma rua que só vendia roupas feitas, né? Na época de pegar o cliente na calçada e levar para dentro pelo braço.
P/1 – E o senhor ia para o trabalho do seu pai?
R – Comecei lá, inclusive.
P/1 – Ah, é?
R – Comecei com catorze anos na General Carneiro. Casa Orsini. Fazia limpeza na loja, na mercadoria. E de lá eu fui progredindo. Comecei a ser vendedor, e depois foi vendida para Casas Lima e eu fui recomendado pelo patrão da época, para o novo patrão da Casa Lima. Que eu poderia ser promovido a gerente, que eu tinha condições. E aí eu comecei a ter um grau um pouquinho melhor de trabalho, de situação financeira também.
P/1 – A loja que seu pai trabalhava era dele?
R – Não, ele era empregado.
P/1 – Da Casa Orsini.
R – Não.
P/1 – Não.
R – Ele trabalhava na mesma rua.
P/1 – Na mesma rua, é. Aí o senhor foi para a Casa Orsini.
R – Eu, quando fui trabalhar, eu fui para a Casa Orsini.
P/1 – Tradicional, era uma loja tradicional, né?
R – Era uma loja de roupa, cama e mesa, camisaria.
P/1 – Então o senhor já foi meio que aprendendo a lidar com o comércio?
R – Já, eu comecei, praticamente, eu comecei no comércio, né? Não tive outra profissão a não ser no comércio.
P/2 – O senhor se identificava com esse trabalho? O senhor gostava?
R – Eu sempre gostei, né? Sempre foi minha vida. Até quando parei, eu parei de trabalhar no comércio. Porque eu sempre gostei.
P/1 – O que o senhor acha que é mais estimulante no trabalho do comércio?
R – Não sei, eu tenho uma impressão que cada pessoa tem assim alguma coisa na veia que entusiasma quando encontra aquilo que gostaria de fazer. E eu realmente no comércio encontrei isso aí. Eu não via a hora de começar a trabalhar, de sair da, eu não via a hora para sair. Eu não via nada. Eu queria era trabalhar e fazer o meu trabalho bem feito. Essa era a minha intenção. Sempre fui isso.
P/2 – O senhor gostava do relacionamento com os clientes da loja? O senhor se relacionava bastante com eles?
R – Ah, gostava. Sempre gostei de ter bom relacionamento.
P/2 – Àquela época era muito próximo? O senhor fazia amigos?
R – É, a gente fazia sempre amigos. Fazia os contatos periódicos sempre, né? Não como hoje, porque hoje já tem os recursos muito maiores. Aquele tempo era dificuldade em tudo. Até para se locomover de casa para o trabalho era bonde. Não tinha nem ônibus na época, depois é que começou vir o ônibus, aquela coisa toda.
P/1 – O senhor andava de camarão? De bonde?
R – Camarão, cheguei a pegar camarão. Estribo de bonde ali pela chuva segurando.
P/2 – Era longe da sua casa, Seu Vitório?
R – É, dava, demorava uma hora e meia a condução. Da minha casa até a General Carneiro. A General Carneiro fica ali perto do Largo do Tesouro, ali, né? Pátio do Colégio, que hoje já é tudo já meio conturbado com essas pessoas que hoje estão sem emprego e estão se aventurando aí, mascatear as coisas, hoje está meio complicada aquela região.
P/1 – É bem agitado hoje, né?
R – Bem agitado. Naquela época não. Era uma rua tradicional. Era um comércio lá.
P/1 – Seu Vitório, e como foi que o senhor teve contato com o universo do Pão de Açúcar?
R – Olha, o universo do Pão de Açúcar foi uma coisa interessante e muito feliz para mim. Essa é que é a verdade. Na época, eu trabalhava na Eletroradiobraz. Faz dez anos que eu trabalhava na Eletroradiobraz. E uma firma boa também, sempre com bons propósitos e tudo o mais, mas não tinha a estrutura que tinha aqui o Pão de Açúcar. E que a gente ali trabalhava, trabalhava, trabalhava mas não via muito entusiasmo de crescer dentro da Eletroradiobraz, porque era muito pacífica. Ela não tinha uma estrutura muito boa. Na época que o Pão de Açúcar comprou a Eletroradiobraz eu estava gerenciando a loja da Baleia da Água Branca. A loja de maior faturamento da época da Eletroradiobraz. E essa lógica exclusiva, essa loja exclusivamente na época ficou para o Grupo Jumbo Eletro. É, Grupo Jumbo. E a supervisão e a loja ficou dentro do Grupo Pão de Açúcar. Das lojas Pão de Açúcar. Então quem supervisionava essa loja exclusiva era o diretor, que era o Senhor Cardoso. E que supervisionava diretamente essa loja. E fiquei seis meses com ele nessa loja. Foi da época da compra, que foi em junho até dezembro de 1976. Quando foi em janeiro, a loja voltou a ser supervisionada pelo Pão de Açúcar. Então ele me requisitou para a divisão dele, divisão Jumbo. Ele falou: “Olha Vitório, você vai ficar na divisão Jumbo comigo. Eu estou precisando de um gerente na loja de Santo André. Jumbo Santo André. Lá está meio conturbado e tal. Precisava progredir um pouco mais e tal. E eu tenho fé em você e quero que você vá trabalhar comigo lá”. Eu falei: “Olha, eu moro na Vila Maria, Vila Guilherme, até Santo André é uma viagem de duas horas por dia. Para ir e duas horas para voltar”. Eu falei: “Mas tudo bem rapaz. Eu estou precisando trabalhar e quero trabalhar. Gosto de trabalhar. Estou gostando do Pão de Açúcar. E eu quero vencer aqui”. E fazia essa vida todo dia. Sair de casa às seis horas e voltava às nove, meia noite, chegava em casa. Mas eu fui muito feliz. Porque eu fui em uma loja, porque, quando eu cheguei a ir na loja, eu senti em poucos dias que aquela loja tinha muito potencial de venda e não estava sendo aproveitado. Pela minha visão de comércio que eu sempre tive e tal, achei que eu poderia melhorar bem aquela loja. E propus ao senhor Wilson Cardoso que gostaria de fazer uma modificaçãozinha no layout e desenvolver mais, inclusive, a quantidade de mercadorias que estava trabalhando. Porque eu achava que estava muito restrito. E tinha possibilidade porque dentro da organização existia determinadas linhas de mercadoria que lá não trabalhava. Porque o pessoal na época achava que lá não ia vender. Ele falou o seguinte: “Então Vitorio, você faz o seguinte: você faz um estudo aí, me propõe e nós vamos ver o que é que nós vamos fazer”. Então eu fiz o layout da loja. Eu tinha mais ou menos noção de como fazer o layout. E mostrei a ele. Falei: “É isso aqui que eu quero fazer”. Ele olhou, analisou e falou: “Está bom, então você faça”. Eu falei: “E o senhor não vai gastar nada. A organização não vai gastar nada. Eu vou fazer a modificação com dois funcionários aqui”. “Então faz.” Eu fiz isso e a loja começou realmente a desenvolver. E eu fui tão feliz na época, e aí vem o, na época foi estipulado pela divisão Jumbo um concurso que a loja que apresentasse os melhores índices no DLP, culminando com o lucro líquido ganhava um carro. Deu que no primeiro mês ganhei o carro. Que a loja desenvolveu de uma maneira que triplicou as vendas assim, de uma hora para outra. E continuou esse concurso. Mais quatro concursos desse. A cada seis meses eu estava ganhando um carro. Só que, o primeiro, eu ganhei o carro. Depois eles me davam dinheiro. E foi assim minha vida dois anos na Eletroradiobraz. É, no Grupo Pão de Açúcar e na loja de Santo André. Depois ele falou que precisava de mim na loja Brigadeiro. E quando eu fui para a loja Brigadeiro também existia um concurso, da Hortifrutigranjeiro. Eu não sei qual é o nome que identifica esse setor hoje. E que estava também um outro concurso de um Volkswagen. Isso parece proporcionado pelos fornecedores. Quando eu saí de Santo André, a Santo André estava em primeiro e a Brigadeiro em segundo. E eu passei e ganhei também esse carro. Essa foi uma posição mais ou menos assim que eu quero lhe explicar pelo seguinte: quer dizer, foi uma vida de sacrifícios realmente que eu fiz. Porque eu saía seis horas da manhã e voltava às nove, dez horas da noite. Todo dia, inclusive sábados. E trabalhava no domingo até uma hora. Na época que abria lá. Mas sempre compensado pelo Pão de Açúcar. Então aquele entusiasmo que a gente tinha nunca se apagou. Cada vez crescia mais. Porque é uma organização que sempre fez de tudo para motivar a gente. E aquilo era um prazer para a gente trabalhar.
P/1 – O senhor veio trabalhar na loja um?
R – Não, a loja Brigadeiro aí do lado da igreja.
P/1 – Ah, lá em cima.
R – A Brigadeiro, aquela, o Jumbo grande lá.
P/2 – Era Jumbo.
R – Era Jumbo, lá.
P/1 – Quais eram as maiores inovações do Jumbo? O que é que ele tinha de diferente assim? Que o senhor pode ouvir um depoimento de um menino falando quando ele era garoto ele gostava de ir no Jumbo-eletro com o pai. Porque lá ele tinha os objetos, ele tinha os desejos da família, ficavam no Jumbo. Então era passeio de domingo ir no Jumbo. Por que é que as pessoas gostavam tanto assim? O que é que tinha de atrativo no Jumbo-eletro?
R – É, veja bem, o Jumbo-eletro naquela época não tinha essa concorrência que tem hoje de lojas grandes, de lojas de sete mil metros quadrados como era à época, tudo mais, né? Completa. Com não alimentício, alimentício, roupas. E então aí é uma atração realmente. Pela proposição da loja lá era uma atração. Muita gente ia lá para visitar, comprar. E sempre foi uma loja pelo Pão de Açúcar uma loja muito, era muito atenta pela diretoria do Pão de Açúcar. E é uma loja de maior faturamento. Ela e o Jumbo do Aeroporto. Os que mais faturavam dentro da organização. E aquela atenção que sempre com umas reformas, apresentando novidades, aquelas coisas todas. Então sempre atraía o povo lá, né?
P/1 – Da onde vinha inspiração para as lojas do Jumbo aqui? Vocês faziam viagens para o exterior?
R – É, uma época o seu Santos, o seu Santos visitava muito a loja. Uma vez por mês, às vezes até duas vezes por mês. Aliás, eu devo uma gratidão eterna pelo Seu Santos. O Seu Santos para mim foi uma pessoa que, eu não sei se poderia chamar até como segundo pai. Essa é que é a verdade. Porque ele sempre deu uma atenção para mim lá. Ele ia lá, ficava batendo papo, conversava. E um dia ele falou para mim quando é que eu queria tirar as férias. Eu falei: “Ah, eu vou tirar agora em fevereiro – isso era em janeiro – eu vou tirar em fevereiro”. Ele falou: “Você vai lá no Seu García – o García na época era o diretor financeiro da organização – fala que eu mandei você lá. Aliás, eu já falei com ele e nós vamos proporcionar para você uma viagem”. “Tá bom.” Aí eu fui procurar o García, falou: “Olha, o Seu Santos realmente recomendou. Você vai na – parece que era Intersul na época, uma companhia de viagens do Grupo Pão de Açúcar –, procura a Margarida e você escolhe lá uma viagem que você quer fazer”. Aí eu fui lá e ela propôs para mim, tal, tal. E sabe a gente ficava sem graça, né? “Eu vou ganhar uma viagem de graça?” Porque ele achava que eu também, devia de conhecer mais, ampliar mais a minha visão visitando outros países. E eu escolhi lá o país lá do Chile. Aí, quando eu voltei, o Seu García falou: “Não, você vai para a Europa. Não tem nada desse negócio de Chile. Você vai para a Europa. O Seu Santos quer que você vá para a Europa. Vai lá e escolhe uma viagem para, eu vou recomendar uma viagem para a Europa”. Aí ela: “Olha, então você vai fazer esse aqui”. Então eu fui para seis países na Europa, eu e minha senhora, e mais para os Estados Unidos depois. A ligação para os Estados Unidos, para Nova Iorque. Eu fiz essa viagem de trinta e poucos dias. Então é uma gratidão que eu tenho imensamente pelo Seu Santos. Independente de qualquer coisa. Um homem que sempre reconheceu o meu trabalho, certo? Ele chegava na loja, o Seu Santos, fazia questão de cumprimentar os funcionários e perguntar quantos anos ele tem de firma. Então aquilo motivava todo mundo. Depois que ele saía era um comentário só, a motivação. E essa foi a minha vida mais ou menos assim lá no Pão de Açúcar. E teve também uma época que eu já estava com dificuldade de registrar o Walter Zaim, né? Era diretor aqui, na escola lá da Rio Branco. Ele queria estudar, fazer colegial na Rio Branco. Lá na Rio Branco. E eu fui falar com o diretor lá duas vezes não consegui. Porque aquilo é muito fechado, com Rotary, aquela coisa toda ele achava, falava que não tinha vaga. Não tinha vaga. O Seu Santos apareceu na loja, eu comentei com o Seu Santos, ele falou: “Eu vou ver o que eu posso fazer para você”. No dia seguinte, o Doutor Luiz Bresser Pereira me ligou na época, que era o interventor também aqui: “Ô Vitorio, o que é que está acontecendo com o seu filho assim no Rio Branco, tal? Que o seu Santos me falou”. Aí eu expliquei, né? “Não, pode deixar que nós vamos mandar uma carta para você entregar para o diretor lá, assinada pelo Seu Santos.” Quando eu cheguei lá, eu falei: “Olha, o senhor vai me desculpar voltar aqui duas vezes, três vezes, essa aqui é o Seu Santos que me recomendou falar com o senhor”. “Quem, o Seu Santos? Que é que você é?” “O Seu Santos Valentim.” “Ah, não posso negar um pedido do Seu Santos. Os filhos dele estudavam aqui, tal, tal, tal, tal. Você me liga amanhã que eu vou ver que tem uma pessoa que está querendo desistir.” Aquele negócio assim, né? E eu liguei e ele falou: “Não, está tudo bem. Pode mandar vir aqui e tal”. Aí eu fui lá, fiz o registro, paguei tudo direitinho. Depois de uns dois, três dias a secretária do Seu Santos me ligou que queria saber como é que tinha acontecido lá no Rio Branco. Aí eu falei: “Olha, foi tudo bem. Já registrei, está tudo certo. Eu apenas estou aguardando a oportunidade de agradecer ao Seu Santos pessoalmente. Você diga a ele isso e externa o meu agradecimento para ele por enquanto”. “Não, tudo bem.” Aí um dia, depois de dois, três dias ele ligou e falou para eu mandar todos os registros, valores que vai ser pago e tal que o seu Santos ia patrocinar esse estudo para o meu filho.
P/1 – E como o senhor se sentiu?
R – Ah, o que é que eu podia? Eu senti gratíssimo, né? É como eu falo para você. O Seu Santos para mim é uma pessoa boníssima, uma pessoa que só me deu alegria na vida. Satisfação, né? Até hoje eu até, às vezes, penso de um dia eu vir visitar e tomar um café com ele. Mas eu acho que talvez ele nem lembre mais de mim. Ele está aqui do lado?
P/1 – Hoje ele vai estar aqui.
R – Ah, é? Ele falou, ele talvez nem lembre mais de mim. Porque isso faz quantos anos? Quinze anos por aí. Mais.
P/1 – Seu Vitório, e como o senhor se sente hoje vendo o seu filho trabalhar aqui?
R – Olha, eu tenho dupla satisfação. Uma que fui eu que encaminhei ele aqui, procurei colocar ele aqui por intermédio também do Seu Oswaldo. Consegui quando ele estava na PUC estudando Economia, consegui com o Seu Oswaldo um emprego para ele aqui, ele trabalhava meio expediente. Porque ele estudava de manhã, vinha para estudar aqui à tarde, também foi uma exceção que foi aberta para o meu filho. Porque não existia meio expediente no Pão de Açúcar. E o Seu Santos colocou, meu filho começou trabalhando como classificação de notas fiscais. Porque não tinha naquela época computadores. Não tinha nada disso. Tudo era na base do escrito e no telefone. Então ele trabalhava aqui no departamento, na época, com o seu Cabral e fazia a classificação. E ele foi progredindo e felizmente está na posição que está. Eu estou satisfeitíssimo. Ele mais ainda porque ele só fala no Pão de Açúcar, só elogia o Pão de Açúcar. Essa é a vida que a gente tem, né?
P/1 – Vocês trocam figurinha sobre trabalho? O senhor dá conselho para ele?
R – Sabe o que acontece? A gente conversa muito. Mas hoje como a coisa está tudo informatizada, aquela coisa toda, eu não tenho conhecimento disso. O meu conhecimento é naquela época antiga de, como é? Separar mercadoria por telefone, consultar o depósito se tem determinado item que pudesse vender, vendia. Chegava no depósito não tinha mercadoria. Voltava a nota fiscal para renegociar com o cliente. Era um problema muito sério na época. E hoje o que eu sinto pelo que ele fala, não tem nada disso. Mesmo indo na loja hoje do Pão de Açúcar a gente nota: tudo no computador, já fatura lá no próprio depósito. Entrega. Quer dizer, é uma facilidade tremenda, né? Uma facilidade tremenda.
P/1 – Quando o senhor se aposentou, Seu Vitório?
R – Bom, eu me aposentei, porque eu comecei no Pão de Açúcar em 1976, junho de 1976 quando foi adquirido, o Pão de Açúcar adquiriu a Eletroradiobraz. E no começo de 1977, março de 1977 eu me aposentei. Mas continuei trabalhando no Pão de Açúcar até 1989, foi quando eu parei.
P/2 – O senhor estava trabalhando onde?
R – No Pão de Açúcar.
P/2 – Não, mas assim…
R – No Jumbo Brigadeiro.
P/2 – Ainda no Jumbo Brigadeiro.
R – No Jumbo Brigadeiro.
P/1 – O senhor ficou então por quase vinte anos…
R – Quando eu me aposentei eu estava no Jumbo de Santo André…
P/1 – … não, dez anos.
R – ...que eu comecei lá logo depois de dois meses me aposentei. E continuei, fiquei trabalhando dois anos lá. Depois eu vim para a Brigadeiro e fiquei até, fiquei mais ou menos onze, doze anos na Brigadeiro.
P/1 – Nesse período, o que mais marcou o senhor em termos do trabalho mesmo, das mudanças, das inovações que o grupo passou nesse período que o senhor ficou de 1976 a 1989?
R – Bom, veja bem, nessa época assim inovações, inovações a gente sentia assim muito vagarosas. Porque não existia esse, essa facilidade que hoje está existindo. Comparando, né? Comparando com as facilidades de hoje. Mas sempre existia novas programações, novos sistemas de trabalho e que ia dando mais condições da gente desenvolver o trabalhão dentro da organização. Na época, também, no Jumbo, eu estava aqui na Brigadeiro, a minha discriminação como função era supervisor, não era gerente. Era eu e o Nestor na época do Aeroporto. Nós tínhamos mais ou menos uma diferença dos outros gerentes. Nós tínhamos autonomia. Para marcar, desmarcar, admitir, demitir. Nós tínhamos uma autonomia total na loja. Eu fazia o que achava que tinha que ser feito. Desde que correspondesse às normas da casa e no fim desse os lucros que tinha que dar. Então eu podia diminuir a mercadoria, abaixar a mercadoria, fazer, desenvolver. Nunca abaixo do custo da mercadoria. Mas dentro de um critério de concorrência, que se tinha muita concorrência. Eu tinha concorrência do Eldorado na, aqui na Rebouças, então nós trabalhávamos muito em concorrência. Todo dia um visitando o outro para começar a fazer as remarcações. Mas teve uma época que realmente me marcou muito aí na Brigadeiro, foi quando o Sarney baixou o congelamento. Não sei se vocês estão recordando disso.
P/1/2 – Sim.
R – Ele baixou o congelamento era mais ou menos umas cinco horas, mais ou menos quando ele, na televisão, todo mundo vindo e tal. Baixou o congelamento e depois de uma hora tinham seis fiscais da Prefeitura e do julgamento de preços, essas coisas todas, na minha loja. Que ali era loja visada. Foi um festival de arruaça. Porque aí o povo empolgado, aquela empolgação que tinha: “Não, porque a mussarela de manhã estava sessenta e cinco centavos, agora está setenta e cinco, e não sei o quê”. Começava a incentivar os fiscais dizendo que nós tínhamos remarcado o preço naquele dia que não podia, aquela coisa toda.
P/1 – Os fiscais do Sarney, né?
R – Fiscais do Sarney. Aquele tipo de fiscais, aquela coisa. Não é bem, fiscal não, fiscal da Prefeitura mesmo. Fiscal que verificava preço.
P/1 – Mas as donas de casa começaram a virar fiscais do Sarney, né?
R – Ah, ficaram virando fiscais do Sarney. Tudo estava errado, tudo estava remarcado. Eles acharam que de um dia para o outro nós remarcamos tudo, certo? Porque já se sabia que ele ia congelar, que a organização já tinha mandado remarcar. E no sábado, no sábado levaram o gerente de laticínio para a delegacia. Porque achava que ele tinha remarcado, tinha não sei o que, não sei o que. Agora, o que eles queriam era o seguinte: que alguém falasse, principalmente eu, eles estavam toda hora perguntando: “Mas quem mandou remarcar? Foi Doutor Abílio? Quem mandou remarcar foi Doutor Abílio?”. Essa era a pergunta constante deles. Eu falava: “Não, o Doutor Abílio nem está a par disso. Isso aí foi o departamento de preço que manda automaticamente essas remarcações quando tem que remarcar e tal”. Quando foi mais ou menos onze horas levaram o da Mercearia. À tarde levaram o do Não Alimentício. Porque tudo sob pressão. Tudo sob pressão. Tudo para a delegacia. E quando foi às nove horas vieram me buscar. Aí fechou a loja. Aquilo estava assim de gente.
P/1 – Como vocês resolveram a situação?
R – Bom, eu fiquei até às quatro horas da manhã lá na delegacia, fazendo declarações e eles perguntando: “E o Doutor Abílio, ele mandou remarcar?”. “Não, o Doutor Abílio não está a par disso.” Eles queriam que falasse que o Doutor Abílio tinha remarcado. Aí não tem, tem o departamento que trabalha normalmente, conforme vem os preços, eles mandam as remarcações normais. Não foi nada remarcado em vinte e quatro horas. Isso aí foi tudo remarcado antes. Mas tinha sido remarcado alguma coisa, né? Mas é aquela confusão. Marcou, porque aquilo foi um mês em cima, todo dia tinha fiscal na loja vendo se havia remarcação. Se havia remarcação. Foi uma tensão muito grande na época, viu?
P/1 – Um momento histórico, né?
R – E domingo precisei voltar lá nove horas, que eles mandaram eu voltar nove horas, me deram um chá de cadeira até às dez horas da noite.
P/1 – Puxa.
R – Para fazer as mesmas perguntas.
P/1 – Seu Vitorio, quando o senhor olha assim o período que o senhor se aposentou, 1989, foi uma época de muitas agitações para o Pão de Açúcar, o início de um processo até um pouco longo de mudança. E hoje a gente tem uma nova configuração do grupo. O grupo se reergueu. Inclusive, eles usam muito essa expressão: a retomada. Como que o senhor analisa esses dois momentos: a sua saída e como que hoje o senhor vê o grupo? Tendo o seu filho aqui e acompanhando de fora?
R – Bom, o que eu, eu na época, não é que eu me aposentei. 1989 eu já estava aposentado. Eu parei de trabalhar em 1989, né? Parei porque, uma que eu estava meio estressado, aquele negócio que houve do Sarney. Aquilo me estressou muito, sabe? Estava me sentindo que eu tinha que dar um repouso. E como na época havia aquelas inflações grandes, aquela coisa toda. Uma reservazinha que a gente tinha dava. “Mas dá para viver. Eu vou parar, não vou ficar mais nessa situação.” Inclusive o seu Santos não queria. Pelo menos a informação que eu tenho pelo diretor na época, o Senhor Álvaro, o Senhor Santos não queria que eu parasse, queria que eu continuasse. Mas eu falei: “Não, eu vou parar porque eu estou a fim de parar agora mesmo”. Então eu parei. E foi um ano, o primeiro ano, eu não me conformava de ficar sem fazer nada. Eu estava acostumado, àquela agitação, àquele povo todo, àquele contato, tal. Eu aí depois fui acostumando. Agora, como eu estou vendo a organização? Eu estou vendo uma organização hoje completamente diferente. Do ponto de vista de desenvolvimento, o próprio sistema hoje de informatização desenvolveu o sistema completamente, né? Mesmo a parte de loja, a layoutização da loja. Departamentalização melhorou bastante. Tudo isso aí desenvolveu bem. A posição das sessões modificou também muito e deu um desenvolvimento muito grande.
P/2 – E o que o senhor reconhece hoje no Pão de Açúcar que ainda se mantém da época do senhor _______, da época que o senhor trabalhou?
R – Olha, eu acho que ainda o Pão de Açúcar é muito humano, viu? Eu acho, pelo que eu sinto do meu filho e com alguém que ainda eu converso no Pão de Açúcar, alguns até antigos, outros novos, eu sinto no Pão de Açúcar que, aquele princípio que tinha, continua. Continua muito no Pão de Açúcar. E isso é muito bom. Tanto para o Pão de Açúcar quanto para os funcionários. Porque motiva muito os funcionários, sabe?
P/1 – O que é que o senhor faz hoje? Como que é a vida do senhor?
R – A vida hoje, eu estou aposentado, moro em Santos. Quando faz calor assim a gente vai dar um passeio na praia de manhã. (risos) _____ um pouco. À tarde dá uns passeios aí. Às vezes vai jogar um baralhinho. Vou vivendo a vida. Vou passando assim.
P/1 – O senhor faz compras no Extra da Baixada?
R – Olha, para dizer a verdade não. Eu faço compra no Pão de Açúcar. Que hoje está reformando. Ali na praia, né? Está fazendo uma reforma muito grande. Só vão reinaugurar agora em novembro, dezembro. Mas a minha mulher é lá. Não adianta falar outra coisa que ela…
P/1 – É uma mulher fina.
R – Quando não, agora a gente está indo comprar no Extra, né? Que também é perto de casa. Mas ela acha que o Extra é muito grande, tem que andar muito para comprar as coisas. E no Pão de Açúcar não, Pão de Açúcar localiza mais fácil, mais rápido, tal. Então tudo bem. Estamos no Pão de Açúcar, é família. (risos)
P/1 – (riso) Seu Vitorio, o que o senhor achou desse papo rápido aqui que tivemos resgatando um pouquinho da sua história? Esse projeto do grupo, projeto memória de recuperar a história pelas pessoas? O senhor gostou de…
R – Eu acho que está muito bom. Você vê que isso aí já é humanidade, né? É uma firma que quer fazer um arquivo das pessoas que trabalharam e estão trabalhando, dando os seus esforços para o Pão de Açúcar. E analisar cada um dentro das suas possibilidades atualmente, né? Eu acho que é muito válido. Eu acho que é muito válido.
P/1 – Então em nome da equipe do Museu da Pessoa, da equipe do Centro de Memória do Pão de Açúcar, do Pão de Açúcar eu agradeço pelo senhor ter vindo.
R – Está bom, eu é que fico muito agradecido. Eu não sei se eu me saí bem.
P/1 – Saiu maravilhoso.
R – Que eu não sou muito de entrevista, né? Nunca fui.
P/1 – Não, mas a gente tem um programa mais adiante que são histórias mais longas. São entrevistas de duas horas. E o nome do senhor com certeza vai estar lá.
R – Está bom, muito obrigado.
P/1 – Porque hoje assim, são histórias de meia hora e tem uma fila enorme, o senhor viu, né?
R – É.
P/1 – Mas eu ficaria aqui mais umas três horas com o senhor.
R – Está bom, obrigado.
P/1 – Nossa, tem trechos maravilhosos.Recolher