Vale Memória
Depoimento de Walter Rubens Hildebrand
Entrevistado por Paula Ribeiro e Eliane Barroso
Rio de Janeiro, 31/07/2001
Entrevista número CVRD_HV085
Realização: Museu da Pessoa
Transcrito por Jurema de Carvalho
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Boa tarde, Walter. Eu gostari...Continuar leitura
Vale Memória
Depoimento de Walter Rubens Hildebrand
Entrevistado por Paula Ribeiro e Eliane Barroso
Rio de Janeiro, 31/07/2001
Entrevista número CVRD_HV085
Realização: Museu da Pessoa
Transcrito por Jurema de Carvalho
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Boa tarde, Walter. Eu gostaria de começar o nosso depoimento pedindo seu nome completo, local e data de nascimento, por favor.
R – Boa tarde. Meu nome é Walter Rubens Hildebrand. Eu nasci na cidade de Presidente Prudente, no Estado de São Paulo, no dia nove de novembro de 1941.
P/1 - Seus pais? O nome, por favor.
R – Meu pai, Ricardo Hildebrand e minha mãe, Catarina Pelozzi Hildebrand. Sou descendente de alemães e italianos.
P/1 – Você conhece um pouquinho dessa história da sua família, da origem? Quem foram seus avós, se foram imigrantes.
R – Não. Meus avós, tanto paternos como maternos, são nascidos no Brasil, de filhos de imigrantes, tanto alemães quanto italianos. O ramo alemão se fixou na parte central do Estado de São Paulo, na região de Leme, Araras; inicialmente eles se fixaram ali. Meu pai nasceu nessa região, em Santa Cruz das Palmeiras.
A família da minha mãe se fixou mais ao norte, eu acredito, acompanhando a implantação das fazendas de café. Ela nasceu em Monte Alto, também ao norte do Estado de São Paulo, na região oeste de Ribeirão Preto.
P/1 – Você conviveu com esses avós, você se lembra?
R – Eu convivi com todos os meus avós e com uma bisavó, do lado italiano. Meus avós também migraram, na verdade. Eles migraram para a região de Presidente Prudente. A família do meu pai migrou em 1921-22, quando eles estavam abrindo aquela região. Meu pai é considerado pioneiro na cidade. E a família da minha mãe migrou na década de 30, não preciso bem a data. Todos para a área rural. Até eu nasci lá.
P/1 – A sua família era de agricultores? Trabalhavam com o quê?
R – Da parte do meu pai, meu avô era agricultor. Ele tinha propriedade rural, pequenos sítios ali em torno de Presidente Prudente, mas ele trabalhou em outras atividades. Recuperando a memória, meu avô entrou bem pra frente de Presidente Prudente, num lugar chamado Presidente Bernardes. Ele tinha comprado uma grande gleba de terras, afastada, que só tinha acesso por picada, como a gente faz hoje na Amazônia. E começou a abrir terras, mas deu muito problema de saúde, então ele abandonou esse projeto, foi pra Presidente Prudente e trabalhou ajudando a abrir fazendas. Quer dizer, ele empreitava plantação de café, manutenção de lavoura de café e depois ele dedicou-se... Ele teve um hotel na cidade e depois voltou para a zona rural. Comprou uma propriedade rural, aí começou a estruturar a família.
Até ali ele tinha sido bastante aventureiro, ele era bastante aventureiro. Ele já tinha saído de região central de São Paulo, da região de Araras, já por problemas que ele teve lá; pegou a família e foi embora. Ele tinha cinco filhos na época; meu pai devia ter uns cinco anos, quatro anos, por aí. Mas foi todo mundo para a selva, uma selva tão intensa quanto a Amazônia, talvez maior.
P/1 – O nome dos seus avós, por favor, Walter.
R – Do lado do meu pai, meu avô chamava-se Antonio Hildebrand. A minha avó chamava-se Maria Catarina Korr Hildebrand. Do lado da minha mãe, meu avô chamava-se Francisco Pelozzi e minha avó, Arlinda Zaggo Pelozzi.
P/1 – Você tem irmãos? Quantos são?
R – Nós somos em três. Eu tenho uma irmã mais velha que mora em São Paulo e um irmão um pouco mais novo que mora em Brasília.
P/1 – E a profissão deles?
R – A minha irmã, hoje, cuida mais da casa. Ela tem formação de professora primária e especialização em extensão rural; ela trabalhou na Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, nessa atividade. Ela fez um curso de aperfeiçoamento de extensão rural, fez um estágio nos EUA de seis meses, no final da década de 50, mas depois ela se casou e teve que abandonar essa profissão; voltou a lecionar, mas mudando ela não teve como se fixar nisso.
Meu irmão fez Administração de Empresas e é Representante Comercial da Companhia Hering em Brasília.
(PAUSA)
R - ... principalmente da minha avó, mãe do meu pai. Ela tinha uma memória fantástica e conseguia descrever detalhes da própria infância dela, quando ela já tinha mais de setenta anos de idade. O que eu sei é porque eles vieram. Logicamente, foi uma época de crise na Alemanha e na Itália. Os alemães da parte da minha avó, da família Korr, devem ter chegado um pouco antes ao Brasil porque eles têm algumas peças, inclusive uma espada do almirantado da Prússia, porque nem existia a Alemanha ainda. A Alemanha surgiu como Estado em 1871, depois da guerra com a França. Eu acredito que eles vieram um pouco antes, eu não sei precisar exatamente.
A família de meu avô, os Hildebrand, veio provavelmente entre 1870 a 1880, porque meu avô nasceu em 1882. Todos vieram como imigrantes, certamente vieram incentivados por algumas promoções que provavelmente o governo fazia na Europa. Todos vieram para a área agrícola e permaneceram na área agrícola a vida toda. Já com os filhos, já bem avançados, eles saíram, mas a atividade principal deles sempre esteve relacionada à atividade agrícola.
P/1 – Você sabe a cidade para qual eles imigraram?
R – Com certeza os alemães para a região de Leme, no Estado de São Paulo, e os italianos para a região próxima de Monte Alto e aquelas outras cidades ali, trabalhando em fazendas.
Eu sei que os meus avós por parte de meu pai são de origem luterana. Eles aprenderam como primeira língua deles o alemão. Eles falavam alemão na casa deles; foram alfabetizados, segundo minha avó, por um pastor luterano itinerante, que passava a cada dois ou três meses nas cidades e nas propriedades onde estavam concentradas as colônias alemãs. Ministrava os batismos, cultos, casamentos e dava aulas em alemão, alfabetizando os filhos dos colonos. Minha avó foi alfabetizada assim e meu avô também; eles não frequentaram escola brasileira.
No caso da minha mãe, eles são católicos de origem. A minha avó materna era analfabeta; meu avô não era, mas o nível de educação formal devia ser muito baixo, como era o dos meus pais também. Meu pai não tinha o primário completo e minha mãe só o começo do primário, nem foi adiante.
P/1 – Seu pai falava alemão?
R – Meu pai também, a primeira língua que ele falou foi o alemão. Em casa ele falava em alemão. Começou a desenvolver mais o português quando foi para a escola. A minha mãe também, a primeira língua foi o italiano, falava italiano dentro da colônia.
P/1 – E os filhos aprenderam italiano e alemão?
R – Não. Não era possível, nós já somos em um outro contexto. Quando eles se casaram, o contexto colônia acabou. Nós passamos a conviver numa sociedade multirracial, multicultural. Presidente Prudente já representa essa síntese, a parte mais antiga de São Paulo tinha os pontos de colonização como foi no Rio Grande do Sul, só que menos intensa essa separação.
Presidente Prudente já era uma expansão econômica no começo do século até a década de 20, onde foi o grande desenvolvimento daquela região. Ali fluíram indistintamente alemães, italianos, nordestinos, paulistas das regiões mais tradicionais, mesmo da região da Sorocabana. Pessoal de Sorocaba, Botucatu, Avaré já começou a adquirir terras, abrir fazendas, plantar café e outras coisas, aproveitando o avanço da Estrada de Ferro Sorocabana - naquela altura foi até Presidente Epitácio, no Rio Paraná.
P/1 – Da sua infância, você se lembra do grupo de amigos, as crianças com que você convivia, brincava? Eram basicamente brasileiros? Alguém destoava pela origem como você, descendente de italianos e alemães?
R – Eu nasci na zona rural, num sítio próximo de Presidente Prudente - hoje, por sinal, o sítio que eu nasci aloja uma vila popular. A estrada asfaltada que liga Presidente Prudente à São Paulo e à barranca do rio Paraná cortou o sítio em dois. Todos nós, eu e meus primos nascemos naquela propriedade.
Meu avô, à medida que os filhos foram casando, ele foi redistribuindo as terras. Eu nasci neste local. Era conhecido como Bairro do Limoeiro, em alusão a um córrego próximo à Presidente Prudente, embora o córrego que banhava essa propriedade não tivesse esse nome.
Eu nasci dentro de um ambiente de família. Minha mãe, uma italiana casada com um descendente de alemães, vivendo entre os alemães; minha tia, irmã de meu pai casou-se com um nordestino, sergipano, moreno de cabelos pretos e lisos. E meu tio - os três primeiros que se casaram - também casou-se com descendente de italianos que tinham migrado para a região, da mesma forma que a família da minha mãe. Então nós, desses três primeiros filhos de meus avós que se casaram, vivíamos naquele sítio.
O começo da minha infância eu me lembro bem. Eu vivi próximo à casa de meus avós, eles falando em alemão e eu vivia pelado, com dois ou três anos de idade, solto por lá. Meus pais, trabalhando na lavoura, eu me lembro perfeitamente. Eu e minha irmã dentro de uma caixa, que antigamente vendia latas de querosene. Botavam a caixa na sombra e minha mãe toda vestida, puxando enxada, ela e meu pai. São coisas da infância de dois ou três anos, eu tenho flashes disso. Eu me lembro bem de um monjolo de socar trigo, tocado a água, que o meu avô tinha neste sítio. Das casas, a casa que eu nasci metade era de taipa, metade de madeira; uma no nível mais alto, outra no nível mais baixo. A cozinha ficava num nível mais baixo. A casa do meu avô era de madeira, a casa de meu tio era de taipa, onde nasceram os meus primos.
Essa primeira infância até os cinco, quatro anos, foi nesse ambiente onde ainda se derrubava mato, encostado à Presidente Prudente, inclusive nesse sítio. Depois os meus pais e meus tios conseguiram reunir recursos e foram comprar as propriedades deles. Nós mudamos para uma outra propriedade, para o lado oposto da cidade, num lugar chamado Três Pontes, mas ainda no município de Presidente Prudente. Eu me lembro que nossa mudança foi de carroça. Meu pai, nessa época, era transportador. Além de trabalhar na zona rural, ele tinha carroça pra transportar a produção agrícola para a cidade, onde era embarcada nos trens e seguia para São Paulo, ou então seguia direto para as indústrias de beneficiamento. Na época, chamava-se carroceiro. No tempo vago da agricultura ele fazia esse transporte; de lenha também, para a cidade. E também levando leite que eles produziam e vendiam lá na cidade.
Bom, aí nós já passamos para uma outra propriedade, onde já não estavam nem meu avô nem meus tios, então o núcleo era a minha família. Como era uma propriedade razoável para a época, para acabar de abrir meu pai contratou, a maioria de mineiros e famílias de nordestinos. A segunda parte da minha infância foi convivendo nesse meio, com colonos de Minas Gerais e do Nordeste – de Alagoas, Sergipe, mas principalmente de Alagoas.
P/2- Que tipo de brincadeira vocês faziam?
R – Brincadeira de criança de sítio. Era imitar os pais lidando com o gado, lidando com a tropa, botando na carroça, puxando a carroça. O que a gente ficava bastante perplexo era ver um carro, via-se muito pouco. Todas as ruas da cidade eram de terra - algumas com calçamento, mas poucas. Trem era uma coisa interessante. E a carroça e os animais eram o que a gente vivia no dia a dia, então as brincadeiras eram muito de pegar fruta, colocar pontas, ficar reproduzindo animais. Pegava uma manga madura, fincava umas coisas; fazia parecido com animal, fazia o curral com fragmentos de madeira que encontrava ali mesmo no chão.
Eu vivia com amarelão porque eu não deixava sapato no pé, não deixava roupa no corpo. Eu me lembro de uma ocasião que minha mãe veio conversar comigo e eu estava com a calça pendurada no pescoço e pelado. As brincadeiras eram relacionadas com isso. E meus primos eram muito pequenos, eram todos mais ou menos da mesma idade. [A vida] era em função dessas coisas, não tinha rádio, não tinha nada; a luz era de lamparina e lampião. Luz elétrica na cidade era só à noite ou com motor a diesel, lá em Presidente Prudente.
P/1 – Vocês, já um pouco mais velhos, tinham que ajudar os pais no trabalho do sítio?
R – Não. Aconteceu o seguinte: quando nós fomos completando idade, seis, sete anos, eu já tinha uma avó morando na cidade porque meu avô materno faleceu no sítio quando a gente era muito pequeno ainda. Na verdade, ele se matou. Ele tomou ovo com formicida tatu, que a gente chamava, cianeto, que se usava para matar formiga.
A análise que a gente faz hoje é essa: ele tinha crises depressivas e tinha muito medo de perder a razão e fazer mal a alguém da família dele. E naquela época não se tinha recurso; ele chegou a viajar, foi até São Paulo, mas hoje talvez fosse uma coisa até trivial - não tão trivial, mas um tratamento perfeitamente cabível. Ele ia continuar tendo suas depressões, mas sempre tratando essas depressões. E num desses momentos de reflexão e medo dessa situação, porque eles tinham uma filha que tinha a minha idade… Nós crescemos nesse ambiente com duas tias, que cresceram conosco como crianças. Se não me engano, cheguei a me amamentar na minha avó, na descendente de italianos.
Ele se matou. A família ficou muito desanimada e foi para a cidade, começou outra fase. Quando nós atingimos essa idade de seis anos, minha irmã foi primeiro. Eu fui depois, depois meu irmão, depois minha mãe. Meu pai comprou uma casa na cidade, nós fomos morar [lá]. [Nós] nos fixamos na cidade e quando fui para a escola a minha convivência já passou a ser com o universo da cidade de Presidente Prudente, uma cidade ainda se desenvolvendo a partir dos pioneiros e num crescimento muito rápido. Já tinha uma grande colônia japonesa, já era uma convivência normal nossa na infância com alguns japoneses mesmo que vieram pequenos, filhos de japoneses que tinham nascido ali na região - na zona rural já tinha bastantes japoneses.
Na cidade eu passei a ser mais um, pra aquela época, iniciando a escola, começando o meu aprendizado. Acredito que isso foi em 1948, por aí. Minha primeira escola foi num prédio da Congregação de Mariana, na Igreja Nossa Senhora de Aparecida, na Vila Marcondes, em Presidente Prudente. Minha primeira professora chamava-se Dona Amélia.
P/1 – Quanto aos estudos, os pais incentivavam os estudos, tanto para os meninos como para a menina?
R – Na minha casa... Só retornando um pouquinho, meus pais... Meu pai foi batizado na Igreja Luterana, eu e meus irmãos também fomos batizados na Igreja Luterana. Fomos batizados por um pastor luterano, acho que nem Igreja Luterana tinha em Presidente Prudente. Ali já era uma região dispersa, não tinha concentração de colonos, mas ia um pastor de vez em quando, e numa dessas ele nos batizou. Posteriormente, meu tio se casou. A mulher dele era metodista e ele passou a frequentar a Igreja Metodista; influenciou meus pais a frequentar a Igreja Metodista. Na década de 40, já tinha sido implantada em Presidente Prudente, então meus pais seguiram a Igreja Metodista.
Esse é um lado bastante interessante, porque eu acredito que isso, dentro da nossa família, favoreceu o interesse pelo estudo porque a própria Igreja Metodista exigia - exigia não, mas incentivava as pessoas a lerem a Bíblia, e para ler você tem que aprender. Mesmo as pessoas analfabetas que entravam na igreja, devagar elas começavam a aprender alguma coisa para poder ler a Bíblia. Eu não sei se foi isso, mas a verdade é que meu pai se preocupou desde cedo, com a educação. Isso foi uma coisa que ele não abriu mão. Inclusive ele mudou de vida, porque depois ele acabou indo para a cidade, acabou vendendo a propriedade rural e até foi ruim, porque ele não soube se adaptar bem no comércio ou nas outras atividades. Ele nunca mais teve aquela ascensão econômica que teve no começo. Mas a educação foi uma coisa fundamentalmente incentivada pelos meus pais.
P/1 – Eles tinham alguma expectativa com relação à profissão, mais adiante? Que tivessem uma outra profissão?
R – Não. Eles achavam que nós precisávamos estudar, que a vida de lavrador não era a mais adequada e não seria uma vida de progresso no futuro. A fase deles ia passar; na nova fase, a pessoa sem escola não teria sucesso. E isso dentro de uma família já multirracial, como a minha, gerava até discussão: filho tem que trabalhar, a filha tem que ajudar a mãe, tem essa história. Na minha família, lógico
[que] nós sempre trabalhamos juntos, nós sempre executamos tarefas caseiras, tanto minha irmã quanto eu; não é por ser menino que não tinha que lavar louça, escovar a casa. Minha mãe era muito exigente; mesmo vivendo na zona rural, era extremamente bem educada do ponto de vista de higiene e nos levava num cortado danado. E participava. Mas isso não indicava que eles estavam querendo para nós a continuação daquilo que eles estavam fazendo. Eles viam que aquilo não era a melhor coisa. A melhor coisa era a escola. Nós tínhamos que estudar e aproveitar. Então eles nos incentivaram sempre e não limitaram, não nos limitaram naquilo que deveríamos fazer.
P/1 – E você já imaginava o que era Geologia?
R – Não. Eu comecei a conviver com a palavra geologia no final da década de 50, depois da criação da Petrobrás. Houve um movimento muito forte em relação ao “Petróleo é nosso”, já no fim da década de 50. Eu vi algumas manifestações públicas na minha terra, chamando a atenção para a questão do petróleo, de pesquisa de petróleo. Até ali, a minha inclinação era pela agronomia. Alguma coisa ligada à terra porque eu nasci, cresci… E gosto do meio rural. Eu tinha comigo [que deveria] seguir alguma coisa nesse sentido ou então alguma coisa ligado à Geografia, História, que eu sempre gostei muito.
Eu já estava no científico quando eu comecei a conhecer mais sobre a profissão de geólogo, sobre a atividade, sobre a pesquisa; sobre o desenvolvimento, sobre as escolas novas de Geologia que acabavam de ser criadas no Brasil, no governo de Juscelino Kubitschek. E coincidentemente, um vizinho da minha casa foi para São Paulo estudar Geologia. Um amigo meu. Isso ajudou muito nessa decisão, o fato de alguém já ter tomado a iniciativa. Alguns vereadores da minha terra já tinham ido para São Paulo estudar Geologia.
P/1 – Existia Geologia na Universidade?
R – No fim da década de 50. A Geologia foi criada em 1958, os primeiros cursos da CAG começaram a funcionar em 57. A primeira turma de São Paulo [se] formou em 59–60 porque foi um pessoal que foi da História Natural. As primeiras escolas de Geologia do Brasil foram criadas em São Paulo - na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, uma em Porto Alegre, uma em Salvador e uma em Recife. Foram criadas pela CAG.
(PAUSA)
R – Só retornando um pouquinho à questão dos meus avós, questão de origem. O meu avô paterno retornou à Alemanha em 1896 com a mãe dele. Ele era o filho mais novo e a mãe dele voltou à Alemanha em 1896, não sei bem por que, se foi pra visitar parentes ou se ela pensava em retorno. A verdade que ele passou um ano na Alemanha. Interessante que ele tem um livro chamado de lembranças, não era um diário. Antigamente você tinha uns livros que quando você conhecia uma pessoa dava para ela escrever, então tinha poesias do pessoal da Alemanha, foi muito bacana. Isso deve estar com uma prima minha até hoje e estava bem conservado para a época. Inclusive parece que ele teve um deslocamento no nariz, caiu e quebrou o nariz, foi uma coisa assim, tinha uma marca.
E da parte da minha mãe, eu sei que o meu avô retornou ainda criança - retornou não, porque ele tinha nascido no Brasil. Os primeiros irmãos dele nasceram na Itália e os pais vieram para o Brasil, então o meu avô nasceu no Brasil. Eles voltaram para a Itália - eles eram de Piemonte -, mas não conseguiram por causa da crise, inclusive passaram fome na Itália, aí retornaram ao Brasil. Eles tentaram voltar para a Itália porque também tiveram muitos problemas de adaptação aqui no Brasil, pelo que me consta, mas ao retornar à Itália… Primeiro que quem volta… Quem ficou lá e a situação não é boa não dá muita guarida. Eu tenho impressão até... Não sei se era Itália mesmo nessa época ou se ainda... Eles devem ter retornado quando a Itália já tinha sido formada. A Itália [se] formou... Depois da Alemanha, depois da Guerra dos Farrapos, quando Garibaldi voltou para lá. Bom, entre 1860, 1880, por aí. Já existia a Itália.
Eles eram piemonteses. Minha avó acho que era de Toscana, uma coisa assim. Pelozzi quer dizer pelo comprido, peludo. Hildebrand eu nunca soube. Eu encontrei um filólogo alemão na beira do Rio Juruena, em 76.
P/1 – Essa é uma história.
R – Eu estava indo para uma campanha que saía no norte, no pé oeste do bico do Mato Grosso, ia sair do Rio Juruena, atravessar o Rio Bararati e pegar uma estrutura nas cabeceiras do Rio Sucunduri, saindo do Mato Grosso e entrando no Amazonas. Um dos pontos de apoio era um lugar que estava sendo formado, na época [se] chamava Fontanilhas. Mas ainda era uma selva, ainda tinha os Cintas Largas andando Jurumirim acima.
[Quando] eu cheguei lá tinha um rapaz novo ainda, um alemão. Ele era um filólogo, na medida em que ele falava sete ou oito idiomas diferentes. Na verdade, a formação dele era Economia, ele era economista e diretor de marketing de uma fábrica de eletrodomésticos suíços na Áustria. Conversando com ele, ele me disse que num determinado momento ele se desiludiu com esse negócio todo e largou a Europa; foi se afundando, se afundando. Sei que entrou no Brasil, deu aula aqui no Rio de Janeiro, foi andando. Eu sei que eu fui encontrá-lo lá, bebendo cachaça. Não sei o que ele ia fazer da vida dele, mas talvez fosse entrar mais pra dentro se ele tivesse chance.
Conversando com ele… Interessante essa pessoa; ele falava alemão, italiano, castelhano, francês, inglês. Ele falava, se não me engano, aramaico e mais umas duas línguas. Uma questão de facilidade, provavelmente ele teve essa facilidade e na Europa ele teve os facilities que ajudavam as facilidades e aprendeu. Foi aprendendo línguas, que foi a principal atividade dele. Ele estava comentando e perguntou se eu sabia o que queria dizer meu nome. “Não faço a mínima idéia, não sei alemão.” E nunca tive a curiosidade de fazer uma investigação.
Eu sei que meu nome é muito comum na Alemanha. Ele disse que a palavra Hildebrand é o nome de um poema épico da língua germânica. Hildebrand significa povos das pequenas colinas nas campinas, povo dessas pequenas colinas. Brand é marca, Hild está relacionado com elevação, uma coisa assim.
Bom, da minha infância eu saí da zona rural. Da zona rural, ainda uma coisa interessante: eu gostava muito de animais e tinha as minhas habilidades. Eu me lembro de uma vez que minha mãe pôs uma galinha para chocar; a galinha morreu, morreram os pintinhos e sobrou um. Eu fui ______ na mão.
Ele foi crescendo e ficou como um cão de guarda. Eu saía de manhã… Em casa ele não entrava, porque minha mãe sentava a vassoura, então eu saía da porta para o terreiro e estava ele do meu lado. E o dia inteiro esse pintinho… Depois foi o frango, já era praticamente um galo, gordo porque eu só dava milho. Bem da vida pra caramba. Eu brincava com ele, eu corria, ele corria atrás; eu ia pra roça, ele ia atrás. Era uma farra, era gostoso. Eu e meus irmãos. Mas era eu que tinha essa...
Um belo dia, eu levantei e não [o] achei. “Cadê o frango?” Minha mãe não falou nada. Chegou na hora do almoço, sentei na mesa e [tinha] um belo de um frango frito. Falei “A senhora matou o meu frango?” “Matei.” Aí eu chorei, bah... Ela falou “Meu filho, ele não podia ser galo, não tinha mais... Todo frango aqui é criado para a gente se alimentar, então ele não tinha porque ficar aí.” “Mas a senhora não podia ter matado.” Comi o frango bem, sem problema nenhum e sem dor na consciência. (risos) Chorei primeiro, comi depois, foi tudo muito bem.
Eu tinha essa coisa, minha mãe tinha muitas galinhas.
Naquela época, tudo tinha que fazer dinheiro, senão [não] sobrevivia, embora fosse dono de propriedade. Tinha um sistema que era chamado de ‘oveiros’, eles iam comprar ovos nas propriedades rurais. Eles iam à cavalo, com duas cestas do lado. E nós tínhamos os oveiros que iam uma vez por mês ou a cada quinze dias, eles passavam no nosso sítio. Um belo dia ele passou com uma potranquinha nova, uma eguinha nova. Eu me encantei com ela e comecei a chorar porque eu queria. Não sei porque inventei que eu queria aquilo lá. Minha mãe conversando com o homem e eu perturbava a vida dela. “Mãe, compra porque eu quero, ela é muito bonita.” Aí o oveiro, que era amigo da família, perguntou: “O que ele tem?” “Ele está aqui chorando porque quer que eu compre essa égua.” “Eu vendo pra senhora.” Ele ficou olhando, levou uma sinuca de bico, e agora? “Não, Dona Catarina, quando ela ficar maior eu trago e a senhora me paga com ovo.” E assim foi feito, foi meu primeiro animal que eu tive, o futuro fazendeiro.
É interessante, porque eu queria uma égua e não um cavalo. Égua reproduzia e aumentava, e cavalo não, só comia capim e podia trabalhar, não fazia nada além disso, então eu queria porque era uma égua. E realmente, da mesma forma que o frango, aquilo virou a minha companheira. Eu andava, saía, ia levar almoço para meu pai, chamar meu pai na roça, ela estava atrás de mim. Todo lugar que eu ia ela ia atrás, até quando eu saí e fui para a cidade pra estudar. Ela ficou e depois criou. Eu não estava muito errado, não.
Depois o meu pai vendeu o sítio e eu tive que vender. Foi o meu primeiro relógio de pulso que eu tive, foi com a égua que eu vendi. (risos)
P/1 – Agora voltando um pouquinho pra escolha da Geologia. Como isso se deu? Esse vizinho teve uma certa influência na sua escolha?
R – Não, ele foi uma certa influência na medida que eu já estava me interessando. Ele tomou a decisão e foi para São Paulo.
P/2 – E você se muda para São Paulo pra estudar?
R – Eu não via, no meu ponto de vista, como meus pais… Na zona rural, o limite eram eles, pra nós não seria melhor. Eu comecei a ver que na minha cidade, as coisas que eu poderia querer ele não atendia. Eu já trabalhava; com treze anos eu tomei a decisão de estudar à noite, com quatorze anos comecei a me preparar e trabalhar. Com quinze anos...
P/1 – Trabalhar em quê?
R – Eu trabalhava num escritório. Primeiro, num escritório do que viria a ser meu sogro - eu nem pensava nisso na época -, quando eu comecei a aprender datilografia. Fiz escola de datilografia e comecei a aprender a trabalhar de fato. Eu estudava e metade do dia ganhava umas quireras de vez em quando.
Depois passei pra noite e queria trabalhar porque minha família estava vivendo em dificuldade. Era necessário que aumentasse a receita da casa. Eu pedi ao meu pai. Tomei a decisão, passei a estudar à noite; pedi a meu pai que me ajudasse a procurar um emprego. Ele conseguiu. Eu fui trabalhar numa empresa que distribui energia elétrica. Trabalhei lá um ano, um ano e pouco; depois, através de amigos, eu fui trabalhar num banco na região mesmo. Trabalhei lá três anos, três anos e meio e terminei o científico.
Daí, para o que eu queria, eu não queria ficar mais na minha terra. Já tinha faculdade de Filosofia, curso de Geografia, Matemática, Português, mas nada disso me interessava. Um pouco maior de interesse por Geografia, mas eu já tinha optado, a essa altura, por São Paulo, então terminei o exame e fui embora pra São Paulo. Fui morar numa pensão de pessoas ligadas à igreja... Até essa altura eu era ativo na Igreja Metodista; desde menino frequentei a Igreja Metodista, praticamente ocupei todas as posições leigas dentro da igreja local. Fui muito ativo, aprendi um pouco de democracia porque lá tinha a sociedade de crianças, ela tinha sua própria diretoria, a diretoria era eleita. Eu fui da diretoria só de crianças, depois juvenis, depois jovens. Tinha congressos regionais e nacionais.
Foi uma boa coisa. Esse foi um lado bom que a igreja me deu, a capacidade… Eu sempre fui muito tímido e ela me ajudou a superar, em parte, essa timidez. Eu fui através da Colônia Metodista - agora não era mais a colônia alemã ou italiana. Fui fazer vestibular no começo porque eu trabalhava de dia e estudava à noite; eu não fiz um bom científico. Tive que penar dois anos em São Paulo fazendo cursinho e trabalhando. Através da Colônia Metodista fui trabalhar num banco no primeiro ano, depois eu cheguei a conclusão que eu tinha que tomar uma decisão na minha vida: ou eu estudo bem e me dedico ou eu não iria conseguir o que eu estava desejando.
Nessa época, meus pais tinham mudado para o Paraná, para Maringá. Eles tinham aberto um negócio na área de couro com um amigo deles e estavam um pouco melhor. Eu fiz um acordo de cavalheiros, eles me sustentaram fazendo o cursinho. Inicialmente, fui morar numa pensão em Perdizes; depois consegui, através de um outro amigo da Igreja Metodista, uma vaga numa outra pensão de estudantes e de profissionais liberais do Exército da Salvação, na Liberdade. Fui morar lá.
Fiz o cursinho e passei sem problemas e comecei a vivenciar... Já no cursinho comecei a vivenciar essa coisa de Geologia e vi que me agradava muito. E por coincidência, um dos professores que eu tive no cursinho, na segunda vez que eu fiz, foi o Breno. Ele estava terminando o curso de Geologia e dava aulas nesse cursinho, na parte de Geologia, Mineralogia, Petrografia.
P/1 – O cursinho pra preparar para a Universidade?
R – É, pra preparar.
P/2 – O vestibular era específico pra Geologia?
R – Era específico para Geologia, o vestibular único veio depois.
P/1 – E no caso, qual era a Universidade?
R – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. A Geologia, quando foi criada, foi desmembrada do curso de História Natural, e História Natural ficava na Filosofia, no caso da USP.
P/1 – Nesses primeiros anos, quer dizer, nesses primeiros contatos com a geologia, tinha alguma área específica que você se interessava mais, de você se dedicar a um determinado ramo? É isso que eu quero.
R – Quando eu escolhi Geologia, eu já escolhi geologia de campo. Antes de conhecer a Geologia, a minha ligação foi a oportunidade de trabalhar no campo, de procurar, de pesquisar, de prospectar. Voltado para a área de minérios mesmo, tanto que eu entrei no curso de Geologia, já no terceiro ano eu fui convidado pra trabalhar como assistente de um dos professores, meu professor, inclusive, de petrografia. Eu recebi uma bolsa de iniciação científica do CNPQ, naquela época já tinha bico, então...
Eu tinha começado a dar aula naquele ano, estava no começo do terceiro ano. A minha família estava com dificuldade, eu já morava com a minha irmã, que tinha se casado e morava em São Paulo. Eu já não era da Igreja Metodista. Comecei a dar aula numa escola da Igreja Metodista na Liberdade, dentro da comunidade. Eu comecei a dar aulas e até que bem, mas fui convidado para trabalhar na escola, então optei por uma bolsa muito menor, mas que me mantinha mais próximo da escola.
Desde o primeiro ano eu me envolvi muito na questão acadêmica de Centro Acadêmico. Eu entrei em março na faculdade e em abril foi o golpe militar, então já fizemos uma greve por causa de um professor que era dedo-duro, que entrou pra dar aula e a turma não gostou. Logo depois veio a gloriosa, já nos engajamos e eu me engajei diretamente nisso tudo. Durante todos os quatro anos eu me envolvi dentro do movimento estudantil.
P/2 – As questões eram mais gerais ou eram mais ligadas à geologia, ao solo brasileiro?
R – A gente brigava por tudo naquela época, o contrário que eu vejo nas universidades. A gente brigava por melhores instalações, melhores professores, por professor gazeteiro; a gente brigava para tirar professor que não estava correspondendo na escola, brigava contra a ditadura e por aí afora. Nós fizemos greves de todo tipo.
P/1 – Mas essas questões maiores, se discutiam vocês como geólogos as questões maiores, como estatização.
R – Sim, na época já era monopólio do petróleo, isso os militares nunca ameaçaram. A grande mudança no setor mineral aconteceu de fato quando já estávamos na reta final, no final ou logo depois que eu me formei, que foi a mudança do código de mineração. Foi na época do Mário Tibal como Ministro das Minas e Energia e o Roberto Campos era Ministro do Planejamento. Ali a gente tinha uma posição política mesmo contra a ditadura, era fundamentalmente contra a ditadura e fundamentalmente, poderia se dizer, anti-americano. Essa era uma postura geral e estive mais ligado às tendências socialistas.
Eu nunca me integrei no movimento comunista, mas no movimento socialista. A questão maior da política estava voltada pra política propriamente dita, a questão da ditadura. Nossa briga sempre foi em relação à ditadura, não foi específica de mineral ou não. Ali estava a grande mudança que estourou em 68 com o AI-5, ali era o prenúncio que a gente iria ter uma coisa muito pior do que já estava naquela época. Não havia muito que discutir a questão nacional. Era nacionalista a maioria, mas a área socialista não era tão voltada para a questão nacionalista, que geralmente caía muito pra direita; era a questão política mesmo. Essa era o maior engajamento, isso no sentido político. Internamente, a gente não se descuidava da questão acadêmica, da questão escolar.
P/1 – E você foi assistente de um professor no terceiro ano?
R – No terceiro e quarto ano.
P/1 – E adiante você se formou?
R – Ao mesmo tempo que eu desempenhava funções no Centro Acadêmico, fui diretor tesoureiro, fui representante dos alunos numa espécie de conselho de professores da escola, no último ano, final do curso de Geologia.
No curso de Geologia fui um aluno razoável. Não fui uma peça brilhante e nem medíocre, fui razoável. Nas coisas que eu gostava mais eu me empenhei mais, nas coisas que eu gostava menos eu me empenhei menos, mas não tive problema pra fazer o curso, os cursos eram seriados. Nunca peguei uma dependência, sempre me integrei e briguei muito com os professores, procurava nunca levar a questão pessoal e sim das ideias.
Na parte final do curso a gente recebeu uma equipe da Petrobrás, que fez um teste bastante pesado, envolvendo inclusive o psicotécnico. Digo, mais pesados em relação aos nossos de final de curso. A Petrobrás tinha, se não me engano, 28 vagas no Brasil todo e naquele ano ela não preencheu, para ver como foi pesado o teste. Teve gente reprovada no psicotécnico e da minha turma passaram sete; eu fui um deles. Eu sei que dois já desistiram, ficaram na expectativa. No Brasil todo, uma outra escola conseguiu colocar quatro, outras menos de três ou dois.
Bom, apesar de ser um pesquisador puro de petrografia, petrologia durante a bolsa, mais me interessava a pesquisa mineral de uma maneira genérica, principalmente minerais metálicos. Era isso que me atraia. Não me atraia permanecer na escola. Por outro lado, eu passei no teste da Petrobrás e fiquei com a pulga atrás da orelha porque também não pretendia ir para a Petrobrás. Terminado o curso, eu precisava trabalhar, precisava ganhar dinheiro e começou a ficar complicado. Tinha oportunidades no DNPM [Departamento Nacional de Produção Mineral] , mas ainda ficava naquela história de poder público: abre, não abre, entra, não entra, faz, não faz.
Eu vim para São Paulo representando a classe, junto com mais dois companheiros, e começamos a pesquisar o mercado. A Comissão Nacional de Energia Nuclear, por ali até me interessava. O tempo foi passando e o diabo que não foi pintando uma coisa que eu quisesse, e a Petrobrás chamando. Eu fazia um exame de saúde hoje, aí ia fazer outro dali a quinze, vinte dias, e vinha telegrama: “Apresente-se, faça o exame tal.” Os outros amigos, os outros quatro se engajaram e foram embora. Nisso um professor me chamou, me convidou para trabalhar numa empresa onde ele era consultor. Ele me indicou para essa empresa, me perguntou se eu queria. “Eu topo.” Era uma empresa multinacional, o gerente dela no Brasil foi lá na escola me entrevistar e nós nos acertamos. Eu fui trabalhar para essa empresa, ganhando bem menos que na Petrobrás.
P/1 – Qual era a empresa?
R – Companhia Meridional de Mineração, uma subsidiária da United States Steel. Mais tarde, esse mesmo gerente foi o que contratou o Breno. Isso foi no começo de 68.
Eu encontrei com o Breno no começo de 67 na escola e o Breno estava lá porque ia ser entrevistado por um ex-professor dele, Ogine Tolber, que era o líder que estava formando o programa de exploração mineral da US Steel, ligada à Meridional aqui no Brasil. A Meridional era uma subsidiária que já operava no Brasil desde 1920 e pouco numa usina de manganês aqui em [Conselheiro] Lafaiete, em Minas Gerais, então eu fui trabalhar.
Eu comecei minha vida profissional… O primeiro lugar que eu fui foi trabalhar em carbonatitos, a primeira pesquisa foi em Catalão, Goiás. Eu comecei minha atividade trabalhando... A Meridional se associou com a METAGO, que estava começando a pesquisa em Catalão. Era a detentora dos principais direitos minerais de Catalão. Eu fui como representante da Meridional acompanhar essas pesquisas e mostrar que o objetivo da Meridional era nióbio, enquanto o objetivo da METAGO era o fosfato.
P/1 – Esse foi seu primeiro trabalho de campo?
R – Primeiro trabalho, em 68. O professor que dava consultoria era o professor Geraldo Conrad Melcher, que foi meu professor de prospecção. Figura fantástica, excelente técnico, pesquisador. Meu gerente era o Ogine Tolber, que era o mesmo do Breno e que naquela época já tinha descoberto Carajás. Carajás foi descoberto em trinta ou 31 de julho de 1967, isso o Breno deixou registrado aqui.
O Breno estava na pesquisa de manganês e eu entrei num outro projeto, que era pesquisa de nióbio. Eu comecei minhas atividades. Trabalhei dois anos na região entre o Triângulo Mineiro e o sul de Goiás. Aí fui transferido, trabalhei em Catalão, trabalhei em Salitre, Itapira, visitei Araxá, procurei outras novas oportunidades em Goiás e fui transferido depois para... O projeto nióbio, a US Steel chegou a conclusão que não ia adiantar muito, que Araxá produzia em escala, que só [adiantaria] se achasse uma mina igual.
P/1 – E esse metal serve para quê?
R- Aço especial. Principalmente aumenta a resistência do aço e com isso você diminui o peso da estrutura metálica.
P/1 – E o Brasil?
R – A maior mina do mundo está no Brasil, em Araxá. A maior e a melhor. O Brasil produz 85% do que é consumido, essa mina produz.
P/1 – E Amazônia e Goiás?
R – Goiás, Catalão tem nióbio. Infelizmente a área de nióbio ficou fora da área da METAGO, então a gente não pode entrar lá, entrou uma concorrente. E há uma pequena mina de nióbio lá, mas nada comparado com Araxá.
(PAUSA)
R - Meu filho tinha uma pequena empresa em Niterói, eu fui ajudá-lo. Esse negócio de trabalhar em família nem sempre dá muito certo, mas ao mesmo tempo já estava de olho, [queria] me qualificar melhor. Eu tinha uma boa qualificação na empresa, mas eu queria uma qualificação educacional melhor, então eu me inscrevi na MBA de Qualidade Total na Universidade Federal Fluminense. Fiz o MBA de Qualidade lá no Latec, entre 98 e 99.
P/1 – Você se aposentou quando?
R – Em dezembro de 97.
P/1 – Você falou então que começou a trabalhar nessa região de Goiás. Você podia falar um pouquinho dessa experiência, em 68 que a gente está falando, é isso?
R – 68, isso.
P/1 – Você ficou quanto tempo nessa companhia?
R – Eu fiquei um ano com base em Catalão. Eu não conhecia Goiás; fui de São Paulo com veículo da empresa e fui conhecer. Fui chegando, começando a trabalhar e conhecendo ao mesmo tempo.
P/1 – Que impacto, não é?
R – É, outra cultura. Eu ia começar a prática. Foi muito bom, foi uma experiência muito rica porque eu saí do Estado de São Paulo. Eu nasci e cresci em Presidente Prudente, fiz Universidade em São Paulo, mas nunca trabalhei fora de São Paulo. Eu tinha muita consciência que quando eu saí dificilmente eu voltaria a trabalhar no Estado de São Paulo, porque na parte que eu tinha abraçado da geologia certamente São Paulo não era o mais indicado, como um pólo de desenvolvimento mineral. E foi muito bom também porque eu parti para o desconhecido, eu sempre tive muito espírito aventureiro, um pouco da Geologia. A escolha da Geologia também está nisso aí, talvez eu tenha puxado um pouco do meu avô alemão, que era bem aventureiro e briguento. Ele juntava aventura e briga e uma levava à outra com muita frequência.
Foi chegando pra mim uma certa ansiedade. Eu comecei a entrar para o Triângulo Mineiro pela primeira vez - Uberaba, Uberlândia, lugares que eu conheci por reportagens, referências, e fui subindo. Não achei que chegasse no mesmo dia, mas chegamos no mesmo dia lá em Catalão.
Chegando na cidade, eu esperava uma coisa... Eu tinha uma informação de Catalão, sim. Quando eu estudei literatura brasileira no científico, havia uma referência a um escritor no romantismo brasileiro, formado em direito e ele foi destacado para ser juiz em Catalão porque o juiz que se saísse bem em Catalão estava credenciado profissionalmente em qualquer lugar. Catalão era uma área de pessoal meio conflagrado, de gente violenta, dominado pelos clãs de fazendeiros que já vinham povoando Goiás desde o ciclo do ouro goiano, no século XVIII. Eram dominados por família, a política era Pedro Dovico em Goiânia e seus liderados políticos; cada cidade tinha um líder político ligado ao Pedro Dovico. Esse escritor esteve antes da fase de Pedro Dovico.
Eu tinha essa informação de Catalão. Eu ia para um lugar que eu sabia que esse escritor esteve lá e que a cidade era de gente que resolvia a parada no tiro. E o pessoal… Eu fiquei amigo do pessoal, não escondem mesmo que quando a coisa não tinha solução, a solução era bala mesmo.
Cheguei em Catalão já à noitinha. “E agora?” No começo, chegando, era aquela poeira toda, saindo da estrada que leva à Brasília; foi meio desanimador. Mas quando eu fui entrando na cidade fiquei meio surpreso - uma cidade limpa, jardins. As jardineiras da avenida todas com flores muito bonitas, bem conservadas. Uma cidade civilizada, como às vezes nem no estado de São Paulo tinha. Fomos para uma pensão e ali comecei a manter contato com o pessoal da METAGO, que estaria lá no dia seguinte.
P/1 – Qual o nome da pensão?
R – A primeira eu não me lembro, era de uma descendente de árabes. Era um pessoal muito bom, fui indicado por esse representante da METAGO, mas na pracinha da Matriz tinha um outro hotel - na verdade, era uma pensão um pouco melhorada. Como eu só me ajeitei e voltei para São Paulo para buscar material que eu ia utilizar, quando voltei eu falei: “Vou mudar, vou pra outra pensão da pracinha.” Nessa da praça eu já tinha dado uma olhada. Achei mais interessante, porque ela já tinha um apartamentinho. Como eu ia ficar, eu precisava um pouquinho mais de tempo, precisava trabalhar dentro do apartamento, então tinha um apartamento meio improvisado, mas tinha. E gostei mais do pessoal.
Todas as duas eram tocadas por mulheres. Voltei para essa pensão que já tinha nome de hotel e comecei a ficar. Era uma senhora, Dona Júlia, que era a dona; era descendente de fazendeiros da região, analfabeta, mas de uma vivacidade fantástica, de uma inteligência incrível e também uma pessoa desinibida, bem cabocla mesmo - morena, fumava pito de palha, falava palavrão a torto e direito. Mas uma organização, tudo muito bom, muito limpo, muito arrumada. Ela, uma filha viúva mais uma outra filha. Eu me entendi com elas e comecei a trabalhar.
Ali foi o começo e também foi o começo desse pessoal que já tinha perdido as heranças de suas fazendas e já estavam sobrevivendo, foram fazer comida, abrir pensão pra sobreviver. A mulher tomando o pulso do negócio. O marido dela era vivo ainda, mas não valia nada. Depois, com o desenvolvimento, com o sucesso das pesquisas, ela também foi crescendo. E como a gente passou a fazer ponto ali, nossos concorrentes também iam para lá pra tentar descobrir o que a gente estava fazendo, então isso também melhorou a performance da pensão. Elas sempre responderam com muita qualidade, porque na medida que melhorava a performance elas melhoravam o ambiente, investiam no negócio delas.
P/2 – Como se dava essa relação com os concorrentes? Eram outros geólogos?
R – Outros geólogos, principalmente da empresa de Araxá. Nós éramos concorrentes deles, na verdade, porque nós não tínhamos nenhuma mina e eles tinham uma mina muito boa, a melhor do mundo, mas eles estavam com medo que a gente descobrisse. Essa mina é a melhor do mundo mesmo, não tem outra que concorra com eles.
Eles sempre mantiveram um sistema de informações pra não sobrar nada para os concorrentes, pra não surgir concorrência. Então aonde eles iam, a gente ia escondido. Por exemplo, nessa pensão: eu chegava, começava a conversar com a dona da pensão e começar dizendo que eu era geólogo, estava passeando... Não dizer bem o que eu ia fazer e começar a perguntar para esse pessoal, principalmente para esse pessoal do interior do Brasil, eles registram muito. Naquela época, eles se voltavam muito para as pessoas. Começavam a falar: “Quem esteve aqui foi o fulano, geólogo, fulano esteve aqui.” Aí eu começava a levantar o que ele tinha feito. Ficava sabendo, porque as pessoas se comunicam. “Ele esteve em tal e tal lugar.” Eu começava a anotar, porque tudo isso me interessava.
“O fulano esteve aqui no ano tal, na época tal, com fulano assim.” E assim a gente ia reconstruindo o que os geólogos já tinham feito por ali, e de preferência que empresas. Normalmente a gente já sabia que empresa eles representavam, já vinha com isso tudo pronto, só queria saber onde eles tinham ido pra depois, então a gente ia perguntando. Da mesma forma, quando eles chegaram, eles perguntavam sobre a gente. No Brasil inteiro funcionava assim. Os outros, quando chegavam, diziam: “Opa, o pessoal da Meridional está lá.” Iam pra lá. Diziam naturalmente, no começo, que estavam comprando gado, mas só de olhar já...
P/1 – E como vocês reconheciam os geólogos?
R – Bom, quando tinha algum conhecido eles estavam perdidos. De longe a gente já falava: “Que você está fazendo aqui rapaz, você não tem nada o que fazer aqui”, já começava aquele jogo de empurra. Quando não, chegavam com um tipo de carro, com um tipo de bota. A bota do geólogo o vaqueiro não usa, começa por aí.
P/2 – Como é uma bota de geólogo?
R – A gente procurava sempre uma bota com borracha, com aderência boa porque a gente saía, subia em pedra, então você precisava ter um bom equilíbrio e com um cano mais ou menos para evitar picada de cobra. O vaqueiro faz isso também, ele usa uma polaina. O vaqueiro metido coloca aquelas botas cheias de saltos que não servem para nada, só enfeite; a bota normal do vaqueiro também vem até aqui, mas é comum terem a sola de couro. E também quando você olha o carro, vê um jipe, rural; os fazendeiros usavam normalmente caminhonete, essas C10 da vida, Ford F100, esses negócios. Ele tinha mais coisa para carregar do que um geólogo trazia. E não tinha conversa: olhava para o carro, olhava para a placa do carro, não tinha jeito. Aí você ficava de olho; quando eles apareciam você deixava, não falava nada.
Você procurava, ia ao posto de gasolina. Eles tinham que abastecer onde a gente abastecia. Perguntava: “Pra onde esse pessoal tem ido?” Devagarinho, você ia descobrindo o caminho, aí você dava uma de perdido e se mandava. Era comum você olhar e estar o sinal do carro, então tudo bem, você não precisava ir atrás deles. Você ia a uma casa na beira da estrada, sentava, pedia uma água; se era uma venda, você tomava um negócio e começava a conversar com o pessoal; eles contavam tudo que eles estavam fazendo. “Tinham avião, subiam aqui em cima, fizeram buraco em tal lugar.” Deixavam eles irem embora e a gente ia lá ver o que eles estavam fazendo. Sempre funcionou assim, então essa era nossa atividade, pra evitar que um ou outro conseguisse um novo depósito importante.
A gente não conseguiu, a verdade foi essa. E até hoje, no mundo inteiro não apareceu nada igual.
P/1 – E depois você foi para onde?
R – Eu fui para a região de Carajás.
P/1 – Ainda com a Meridional?
R – Com a Meridional. Fui substituir o Otávio, que estava lá. Otávio tinha mudado para o Rio de Janeiro com a família e estava saindo. Ele estava na pesquisa de manganês e não na pesquisa de minério de ferro. Era o Breno que chefiava a equipe, Otávio e Tadeu. Otávio veio para o sul e eu fui substituí-lo.
P/1 – E você foi como, de avião?
R – Eu fui para o Rio porque nossa sede era no Rio de Janeiro. De lá tomava o 01, que era o voo que saía… Se não me engano, era o Caravalle que saía meia noite e um da Cruzeiro do Sul para Belém; depois de Belém, já tinham implantado a pesquisa no minério de ferro, a gente pegava o avião que fazia o abastecimento de Serra Norte.
Eu peguei o avião já com o Breno, ia pra Serra Norte e o helicóptero nos levava para a beira do Itacaiúnas, que era em Buritirama. Era o acampamento da pesquisa de manganês. Ali tinha um depósito de manganês.
P/1 – Como você teve esse impacto da primeira vez que você sobrevoou Carajás?
R – Foi uma coisa... Eu tinha um pouco de Carajás na minha cabeça porque a minha primeira atividade na Meridional foi trabalhar com um americano que estava fazendo a fotointerpretação da região de Carajás, então a gente… Pra treinar, o Tolber nos colocou pra trabalhar com esse gringo. Esse gringo era uma máquina de produzir fotointerpretação.
P/1 – Você lembra o nome dele?
R – Esse eu realmente não me lembro. Pra dizer a verdade, eu nem aprendi muito bem. A gente conviveu lá numa boa, mas ele não aprendeu nada de português e a gente não falava nada de inglês, se entendia. O Elton que falava inglês e que se comunicava, mas a gente se entendia no trabalho, na linguagem técnica, tudo bem.
Eu preparei os pedidos do que nós chamamos de Serra do Rabo. Foram os últimos pedidos de minério de ferro feitos em 68, aqui no Rio de Janeiro, que foram reconhecidos. Não era nem mais a equipe do Breno, era uma outra equipe que estava no minério de ferro.
Eu que fiz os pedidos, eu tinha algumas coisas na cabeça. Mas eu tinha tido um amigo no Exército da Salvação que morava lá também, estudava e trabalhava na Antarctica, ele era de Marabá. Então ele contava da vida dos garimpeiros: tinha garimpo de diamante ali do Tocantins, dos Castanheiros, dos Gateiros. Tinha aquela imagem. Mas quando eu peguei o avião, o DC3, se não me engano, e subi nuns banquinhos com um monte de abastecimento, falei: “Onde eu vou parar agora?” Foi a mesma coisa que estar chegando em Catalão. Quando saiu de Belém, selva, selva, selva, selva, rio, selva, rio... Quando chegou em Carajás que eu comecei a ver as clareiras. Falei: “Puxa, que troço espetacular!”
Nós pousamos, foi uma emoção muito grande e uma interrogação muito grande. Foi um negócio bonito. Lá em cima eu falei para o pessoal: “Isso parece o cerrado. Está dentro do meu ambiente, até.” Mas assim que descemos, não fiquei muito tempo porque o helicóptero já estava esperando, aí sim foi muito… Foi a primeira vez que eu andei de helicóptero, já era um Jet Ranger na época. Fomos para Buritirama, passamos em cima da Serra Esquecida, aí o Otávio estava me esperando - não me lembro se Breno foi comigo nessa viagem, acho que não. Ele foi me explicando tudo, eu não conhecia o Otávio e de repente estava lá o rio. Não tinha nada, só um buraquinho. “É lá que nós vamos.” Desci no acampamento.
P/2 – Como era o acampamento?
R – A Serra de Buritirama praticamente termina no rio Itacaiúnas, é um cotovelo; ele chegou na serra, desviou e depois cortou a serra. Ela abre um leque de duas serras. Ela vem unida, depois ela abre e o rio passa assim. O acampamento ficou no meio dessas duas serras.
Foi muito interessante, primeiro que eu nunca tinha voado de helicóptero, segundo, já voei em cima da selva. Já também pensando: “Se apagar, já era. Só rezar.” Eu vi que por baixo tinha uns babaçus, por baixo tinha construções. Quando fui chegando, já encontrei o Tadeu, já tinha trabalhado com ele no Rio. Achei bacana, bonito o acampamento, feito num círculo; uma área livre embaixo com algumas árvores, babaçus, uma pequena quadra de futebol. Eu gostei, a impressão foi muito boa. Não me causou muita apreensão.
P/1- O que vocês comiam, quem trabalhava ali para vocês?
R – Ali era só homem. O acampamento era bem organizado. Eu só conhecia acampamento de fazendas no Estado de São Paulo. Meu pai trabalhou em fazendas, desbravando também, tanto quanto lá na Amazônia, então não era uma coisa tão inédita chegar lá, como não era inédito encontrar uma vara de caititu na selva. Pro Otávio era [inédito] porque ele foi criado em Niterói, mas aí que fui me dar conta como era isso aqui.
Eram só homens: cozinheiro, enfermeiro, capatazes que abriam as picadas de pesquisas, alguns burocratas para fazer a parte administrativa, gente da limpeza do próprio acampamento. O acampamento tinha escritório, dormitório. A gente chegava com lonas, mas tinha uma matéria prima fantástica que era o babaçu. O pessoal tinha uma habilidade... Aí sim, um lado muito bom que eu passei a conviver. Lá em Goiás, o pessoal resolvia os problemas locais e lá era com habilidade de se fazer o tapiri. Tapiri ou puteiro. Eles tinham muita habilidade de ir cortando madeira e montando. A gente aplainava, socava o chão e depois construía uma casa, como se você fosse construir uma casa de madeira sem paredes. Em cima, você atravessava as varas e depois colocava folha do núcleo do babaçu, folhas novas. Eles pegavam as folhas, quebravam um lado, então ficava o limbo e folhas dobradas. Depois essas folhas iam sendo colocadas em forma de telhado.
P/1 – E que diferença tinha em relação à lona?
R – Ah... Muito mais fresco, sem dúvida nenhuma.
P/1 – Então era a cultura local que...
R – Ah sim, a solução local sempre é a melhor, não tem porque. Sem paredes. Por vezes, se fosse importante fazer uma parede [era] também com palha, ou então se fazia meia altura com palha de babaçu, atravessada, com umas portinholas. Tinha o chuveiro bem improvisado, mas [era] bem feita.
P/1- E para dormir?
R – Tinha banheiros, dormitórios. Já se levava camas, poderia optar por redes também, com mosquiteiros todos por cima.
P/1 – Tinha muito mosquito?
R – Lá no Itacaiúnas não. Depois, quando nós fomos para a beira do Tocantins tinha bastante, bem mais.
P/2 – Vocês comiam o quê?
R – Bom, nós recebíamos mantimentos por via aérea pra Carajás e de Carajás para nós e pelo Itacaiúnas de barco, então quando o avião chegava de Belém, chegava carne fresca, a gente levava e colocava em geladeiras. A gente tinha geladeira, tinha gerador também, funcionava todo o tempo no acampamento, e rádio de comunicação permanente, tanto com o helicóptero como com o escritório de Belém. Tudo era ligado por sistema de rádio; todas as frentes tinham rádio, desde aquela época funcionavam com rádio. Chegava verdura, mas isso durava menos. Tinha charque. Quando o rio estava baixo facilitava uma pesca, às vezes o pessoal saía à noite e pegava uns peixes no Itacaiúnas mesmo, a gente comia peixe. O famoso Bordon, que eram enlatados, embutidos de carne, e as coisas de conservas que aguentavam mais, mas tinha um bom padrão alimentar no acampamento. Não tinha problema, não.
P/1 – Vocês encontraram índios, animais selvagens, guerrilha?
R – Não, índio não. Ali, no começo, eu soube que quando Erasto estava começando a abrir Buritirama, em agosto de 67, eles encontraram numa das picadas... Eles estavam baseados em Carajás; iam de manhã de helicóptero, faziam o trabalho e voltavam à noite. A equipe dele que ficava lá diz que encontrou numa picada, trançada com cipó - isso é sinal indígena que ali não deve passar. Quando eles fazem isso é um sinal, um aviso que você está invadindo um território que para eles é importante, então eles abandonaram, mas depois voltaram e não teve problema nenhum.
Nós trabalhamos em torno de Carajás. Nessa época, Carajás não era conhecido como minério, mas a parte baixa da serra era infestada de caçadores de onça, de gato maracajá, principalmente, e de castanha.
P/1 – Você chegou a ver?
R – Sim, trabalhando na região que o Otávio estava fazendo, que eu continuei… A gente encontrava às vezes fazendo uma picada ao acaso - ao acaso não, nós planejávamos uma picada e você passava ao acaso perto de acampamento dos caçadores que vinham de Marabá. Ali já tinha uns trezentos quilômetros de distância. Eles iam subindo pelo Itacaiúnas e pelos rios menores, iam parar na serra e montar as armadilhas deles, tanto para a onça pintada como para o gato maracajá. E voando de helicóptero você ia vendo fumaça pelo vale.
Nós trabalhamos pelo Vale do Cinzento, que é ao norte de Carajás, então de manhãzinha, quando a brisa amainava, a serração baixava, ou à tarde, você ia vendo as fumacinhas de caçadores. Esse pessoal a gente chegou a encontrar nas nossas picadas.
P/1 – E política, tinha alguma manifestação, guerrilha?
R – Nessa época que eu trabalhei em Carajás, não. A guerrilha veio depois, em 71, 72, se não me engano. Eu fiquei em Carajás só no ano de 69, porque quando nós terminamos o levantamento da Serra do Cinzento o Breno já tinha planejado [do] nosso acampamento mudar para Tocantins. Chamava-se Grande Praia, na margem esquerda do Tocantins, junto da foz do Rio Cajazeiras, bem ao norte de Carajás - próximo a Itupiranga, Ipixuna, a cidadezinha na beira do Tocantins. No início das corredeiras do Tocantins. Ali tinha uma série - antes a gente via, hoje a gente não vê mais - de quilômetros quilômetros de corredeiras, começando em Ipixuna e terminando em Tucuruí. É uma área que foi alagada pela represa de Tucuruí.
P/1 – Mas em Tocantins qual era o projeto?
R – O projeto continuava sendo prospecção de manganês. Nós íamos prospectar umas serras que estavam bem a oeste da margem do Tocantins, a partir de uns trinta, quarenta quilômetros; umas serras alongadas no sentido leste-oeste e que estavam bem ao norte de Buritirama onde nós estávamos, então o acesso mais fácil era pelo Tocantins e não por Buritirama, onde a gente estava. Ficava muito longe e a viagem de helicóptero em cima de selva sem apoio era muito perigosa. Nosso helicóptero era um monoturbina - apagou, vai para baixo.
Eu fui. Nessa época o Otávio saiu; Otávio veio para o Rio de Janeiro, eu terminei a campanha do Cinzento, aí o Breno tinha começado a mudança para o Grande Praia. Fomos completando a mudança, Breno entrou de férias, um outro amigo que estava lá, o Tadeu, casou. Na verdade, eu fui pro Grande Praia, o Breno entrou de férias, o Otávio foi pro Rio, o Tadeu casou e eu fiquei com dois geólogos: um estava no projeto ferro e foi para lá e o outro tinha acabado de entrar na companhia. Fomos trabalhar em Grande Praia e começamos a exploração daquelas serras.
P/1 – Ainda na Meridional, isso?
R – Primeiro eu tinha feito uma campanha com Otávio no Rio Cajazeiras. Nós começamos no acampamento que já tinha avançado, que o Breno já tinha construído. Descemos o rio, não me lembro quantos dias, uns cem quilômetros de rio. Eu me lembro que esse rio estava na vazante, a maior parte a gente empurrava o barco. E a gente não tinha mapa, então a gente fez o levantamento geológico do rio com base em bússola e avaliação de distância por cálculo de cabeça.
(PAUSA)
R – No caso de Catalão, a gente não teve o nióbio, mas teve um depósito grande de fosfato. Não era a Meridional, a METAGO que tocou. No caso do manganês, a gente não encontrou. Eu não terminei essa campanha, porque nessa descida do rio provavelmente eu contraí malária. Depois, eu comecei a trabalhar no Grande Praia; o Breno [estava] de férias, eu comecei a passar mal. Pensei que eu estava com gripe.
Eu ia trabalhar e não estava aguentando mais as picadas. Era uma vida... Eram sete, oito, dez quilômetros de picada em serra, ou lateralmente, ou subindo ou descendo. Quando pegava uns quinhentos metros de crista era uma maravilha, parece que a gente estava no paraíso. Mesmo em Carajás, eu, que andava muito no centro-oeste, penei pra fisicamente resistir bem. Você pega trezentos, quatrocentos metros subindo, subindo, no meio da selva, então é complicado. Mas finalmente eu estava no acampamento e tive um acesso forte de malária; desmaiei e quando eu voltei vi que a coisa estava feia para o meu lado, aí eu peguei um helicóptero e fui para Marabá. Eu estava tão ruim que eu pedi para o piloto não me deixar no aeroporto. Eu me sentia tão mal que não me sentia com forças pra sair do aeroporto. Do aeroporto tinha que atravessar o Itacaiúnas pra ir pro hospital de Marabá. Eu queria saber o que eu tinha, aí o piloto falou: “Deixa que eu passo na Aeronáutica.” Ele pousou no quintal do hospital, ficou uma sujeira geral no hospital. Aí eu desci, fui entrando direto no consultório do médico; um monte de mulher, fila, eu não quis nem saber. Fui entrando, ele olhou pra mim, me lembro até hoje: “O que o senhor deseja?” “Eu estou passando muito mal e eu queria saber se eu estou com malária.” Ele foi 100%. Chamou uma pessoa e falou: “Olha, vamos fazer um exame e depois eu olho o exame.”
Fui fazer o exame e queria viajar pra Belém. [Pensei]: “Eu não vou ficar aqui.” Na época, o hospital era administrado por um órgão federal, era ligado à campanha da malária. Era uma coisa muito bem feita - nós já fizemos coisas muito bem feitas, conseguimos estragar isso. Era importantíssimo ali na região e o pessoal era muito dedicado. Fui ao laboratório e o cara ficou olhando, começou: “Ih...” “Ih, o quê?” “Rapaz, você está com três cruzes.” Eu não sabia o que era isso, de cruzes eu sabia só da religião. “E daí?” “Eu quero ir para Belém, eu estou passando muito mal e quero começar um tratamento.” “Você está com malária, terçã maligna, três cruzes. Meu conselho”
– o laboratorista falando – “não faça isso.” “Porque não?” “Porque com essa malária que você está, com essa quantidade, se você entrar em coma, vai ser difícil você voltar. Com essa quantidade, você está prestes a entrar em coma.” Na verdade, eu tinha tido um pré-coma no acampamento. “Fique aqui que o pessoal entende de malária. Muito melhor que você ir para Belém, não arrisca essa viagem não.”
Fiquei esperando, dali a pouco chegou o médico. “Vamos te internar agora.” Fiquei quatro dias tomando o coquetel. Quando eu levantei da cama pra sair e me olhei no espelho, [estava] barbudo, amarelo. Nossa!
P/1 – E sozinho?
R – Sozinho.
(PAUSA)
P/1 – Vamos falar um pouquinho da Vale.
R – A relação com a Vale era a seguinte: a Meridional tinha um pouco de raiva porque a Vale acabou forçando a entrada em Carajás. Eu estava na Meridional nessa época, mas quando foi em 71 a US Steel começou perder força nos Estados Unidos e aqui no Brasil. O nosso chefe na Meridional teve um problema e decidiu sair. Depois eu fiquei sabendo que o Machado que incentivou a Vale botar o pé em Carajás, insistia que a Vale entrasse em pesquisa mineral, que as multinacionais estavam todas lá, que isso... Aí veio Dias Leite, que incentivou isso, que nessa época decidiu diversificar investindo em pesquisa mineral.
O Tolber estava saindo da US Steel e ia para os Estados Unidos. A Vale resolveu fazer um programa e contratou o Tolber. Nessa época, depois da malária, eu fiquei muito ruim, demorei pra voltar a ficar bom. Tomei uma vacina - vacina não, uma coisa que se aplica na nádega e ficava uma bola assim, chama quisto frio, com o remédio para a malária. Isso dura seis meses, e foram seis meses que eu passei sem saúde na minha vida, porque isso atacava o fígado, eu passava mal. E como eu não estava bem, o Tolber me convidou para voltar pro sul pra trabalhar com carbonatitos. Eu falei: “Eu volto”, porque não tinha condições de voltar pra lá. Então, no começo de 70 eu voltei e fui para Goiânia.
Nessa época, ele tinha contratado um ______ que saiu da Morro Velho, ele conhecia da Morro Velho. Foi chefiar o escritório de Goiânia e eu fui para lá. E no meio de 71, o Tolber tinha saído e nos convidou para ir para a empresa que ele formou, que ia prestar serviço para a Vale. Ele foi à Goiânia conversar conosco, definir o que cada um ia fazer, mas aí a Meridional cobrou da Vale o que a Vale tinha feito no acordo. Quando a Vale entrou em Carajás, os salários da Meridional eram melhores, então havia o risco do pessoal da Vale migrar pra Meridional. A Vale fez um acordo de cavalheiros pra Meridional só contratar gente depois de seis meses. Quando a Meridional percebeu isso, cobrou da Vale, então o Tolber não pôde me contratar no começo do trabalho dele.
No final de 71, a US Steel resolveu fechar o escritório de Goiânia. Eu tive a opção de ficar em um outro projeto, mas não quis. Eu já sabia que era uma questão de tempo. Nós fomos liberados, teve uma carta que a gente chama de carta de alforria pra ir trabalhar o que na época era Terra Service. Mas chegando lá, o salário ofertado pelo pessoal da Vale na Terra Service não era o que estava sendo pago. Eles estavam querendo baixar o padrão salarial e deu certo, foi na minha vez, aí eu não aceitei. Ele brigou com todo mundo na Docegeo.
Bom, eu fui trabalhar no grupo Camargo Corrêa. Em 72, a gente se encontrou no congresso em Belém que o Breno tinha sido da comissão organizadora. Novamente fui chamado para trabalhar, mas eu tinha acabado de assumir a superintendência do Grupo Camargo em Manaus. Eu achei que eticamente não era adequado sair naquela hora. Depois me procuraram novamente e não chegaram a me encontrar.
Eu saí do grupo Camargo e fui trabalhar numa empresa do
________________ no Rio. Do Grupo Camargo eu fui trabalhar em Manaus, trabalhei na faixa transamazônica, peguei novamente malária lá; depois fui transferido para Vazante, no Triângulo Mineiro, voltei para minhas terras antigas. Fui morar em Paracatu, trabalhando em Vazante. Mas estava difícil trabalhar em Vazante durante a semana e no fim de semana ia para Paracatu; já tinha os dois filhos e isso estava dando problema em família. As crianças se habituaram todo fim de semana, quando eu faltava o meu filho mais velho ficava doente. E também eu comecei a não ver perspectiva profissional na Camargo, embora [fosse] uma excelente empresa. Era questão profissional mesmo.
Saí e fui para o _______ em 75, ______ trabalhar na SerMinas. Eu estava um ano e meio na SerMinas, aí recebi um telefonema do Lírio, da Docegeo, perguntando se eu não queria ser assessor do diretor, porque tinha uma vaga. Aí eu falei: “Ou eu vou para essa empresa ou eu não vou mais.” Eu estava me preparando para ir para a França, uns três meses de estágio, mas achei, profissionalmente... A Docegeo era uma empresa de ponta de pesquisa mineral do país na época, já era. E estavam lá todos os meus amigos, os principais amigos da área profissional. Fui, fiz entrevista, fui aceito e comecei a trabalhar na Docegeo, mas nunca tive intenção de ficar muito tempo numa empresa. Eu já vinha com experiência como bancário, [em] que depois de cinco, seis, sete anos você virava móveis e utensílios.
Em 76 trabalhei, mudou a diretoria, fui ficando. O mercado também fechou, as oportunidades diminuíram e eu fui ficando, trabalhando como assessor no Rio de Janeiro. Em 85, o superintendente foi fazer doutorado no Canadá e eu assumi a superintendência de operações no Rio de Janeiro até 90, 91; houve uma reestruturação, acabou a superintendência e eu fiquei como assessor da presidência. Em 92 foi oferecido, eu optei para iniciar o programa de qualidade total na empresa porque desde a minha fase de superintendente eu vi que o nosso problema era de gestão. Nós tínhamos problemas sérios de gestão, de administração. Eu comecei a ter informação e a pesquisar sobre essa técnica, aí me interessei e me envolvi com isso até 97, quando a Vale foi privatizada. A Docegeo foi para Belo Horizonte, eu não vi vantagem nenhuma de ficar. Já estava na hora de parar.
P/1 – Aí você se aposentou?
R – Eu me aposentei no Grupo Vale do Rio Doce. A grande vantagem de eu não ter tido outras oportunidades de trabalho é que eu pude me aposentar com um fundo de pensão que me dá sustentação; em outro lugar, talvez eu não tivesse. Na Petrobrás eu teria, mas eu descartei.
P/2 – E hoje em dia você faz o que, depois de aposentado?
R – Eu estou contratado no Cetem [Centro de Tecnologia Mineral] para fazer o relatório de gestão, para implantar o programa de qualidade, que hoje está restrito ao relatório de gestão com base no Prêmio Nacional de Qualidade - isso dentro de um programa da ABPTI, Associação dos Institutos de Pesquisas [Tecnológicas] do Brasil. É uma associação que reúne esses centros de pesquisas, apoiado pelo CNPQ [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e a maioria deles são institutos ligados aos órgãos governamentais, mas tem privados também. Ela tem um programa de qualidade que é feito nos moldes do Prêmio Nacional da Qualidade, e o Cetem está participando.
Nós estamos na fase agora final da elaboração do relatório de gestão, que é a base de uma espécie de concurso, mas é para medir o nível da qualidade da gestão, a verdade é essa. Isso eu tinha feito na Docegeo, já no ano de 97, uma experiência que eu ganhei também na Vale do Rio Doce, pra avaliar o programa de qualidade em função dos critérios do PNQ. Como eu tinha essa experiência, eles me chamaram; eu estou contratado não sei até quando.
Sou bolsista de novo, fazendo mestrado no Departamento de Geologia. Vamos iniciar um programa de qualidade também no departamento de Geologia no Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
P/1 – Como é um dia seu hoje?
R – Eu estou reclamando que eu não tenho férias, aposentei e nunca mais tive férias. Então meu dia é assim: hoje levanto cedo, normalmente seis, seis e meia, me preparo, tomo meu café. Pego o carro, vou para o Fundão, vou para o Cetem. Até o começo do ano trabalhava, eu era bolsista em tempo integral. Eu tinha uma bolsa que é PCI do CNPQ. Eu era bolsista, então eu cumpria oito horas, isso já estava me deixando traumatizado de novo. E não tinha férias porque bolsista não tem férias, não tem fundo de garantia, não tem nada. Novamente, não é possível. A minha bolsa terminou em abril e eu pedi para não renovar.
Eu ia parar no Cetem e como eu ia parar eu me apresentei, fui convidado para um programa de qualidade no Departamento de Geologia. Tenho alguns amigos geólogos lá e eles me sugeriram que eu fizesse o mestrado, mas aqui é Geologia. Eu tinha tentado, tinha sido convidado para o mestrado em Geologia mesmo, no ano anterior, mas descobri que a bolsa não me dava esse direito. Deixei, descartei. Então eles me convidaram para mestrado, mas eu tenho bolsa até abril. “Entra, vamos ver o que que dá.” Eu entrei, perdi três, quatro meses praticamente; me matriculei só naquelas cadeiras que não exigem frequência e fiquei no Cetem. Cumpri meu prazo e agora, quando fui sair do Cetem, eles me deram uma prensada para continuar, pra fazer o relatório esse ano, porque eles não tinham conseguido fazer no ano anterior. Eu me senti na obrigação ética e moral de fazer isso, então fui contratado de três em três meses e me atrapalhou o mestrado. Mas estou fazendo o mestrado e me apresentaram pra concorrer a uma bolsa da NP; ganhei a bolsa da NP e eles consideraram que é muito oportuno desenvolver métodos de gestão nessa área porque vai ajudar a área do petróleo, que é o objetivo maior deles.
P/1 – Você tem filhos, são grandes?
R – Eu tenho dois filhos e duas netas. Eu fui brindado o ano passado com duas netas. O meu filho mais velho trabalhou dois anos e meio numa empresa que não deu certo e voltou para a faculdade da estaca zero, fazendo Informática. Ele sempre gostou de informática, não sei porque ele evitou. Ele casou-se em 2000.
O mais novo fez Arquitetura lá na Fluminense, foi um bom aluno, se formou muito bem, teve dez com louvor na prova final. Fez rtdo o trabalho final dele em computador que eu dei para ele. Por mérito próprio estudou, desenvolveu, fez curso. Muito habilidoso. Mas até hoje não conseguiu se encaixar na profissão dele de arquitetura, só servicinho muito mal pago. Nisso arrumou uma namorada, quis morar sozinho, veio para o Rio de Janeiro, comprei um pequeno apartamento.
Eu só sei que no ano passado, lá por março, numa quinta-feira meu filho mais velho me liga [e diz]: “Pai, tenho um negócio pra falar.” Como ele... “Olha, a _____ está grávida.” Ele estava com um pouco de medo porque ainda não tinha sustentação financeira. “Ótimo, seja bem vindo!” Uma neta, fantástico, pra mim foi ótimo.
No sábado de manhã, eu estava me preparando para ir num aniversário de um amigo em Juiz de Fora, toca o telefone às sete horas da manhã; isso já não é bom na minha casa, ninguém levanta muito cedo, só eu. Fui atender, era meu filho mais novo, aí fiquei mais preocupado. “Que foi, meu filho?” “Quero que o senhor dê um recado para meu irmão.” “O quê? Dá você o recado.” “Não, é o senhor que tem que dar o recado.” “Algum problema que você tem com ele?” “Não, mas eu quero que o senhor dê o recado para ele.” “Mas meu filho, eu estou levantando pra ir para Juiz de Fora. O seu irmão está dormindo, eu não vou ligar pra ele agora, liga mais tarde você. É urgente? Então liga.” “Não, é o senhor que tem que dar o recado.” “Eu não estou mais entendendo nada, mas afinal que recado você quer dar para o seu irmão?” “Que ele também vai ser tio.”
Em três dias saí de zero e fui para dois a zero. A Nicole nasceu no dia 31 de outubro, hoje ela está fazendo nove meses, e a Ana nasceu no dia 22 de novembro. São as duas netas.
O meu filho não deu certo em Arquitetura. Está desempregado, é o pai que está bancando. A mulher é formada em Desenho Industrial, está trabalhando em home page e ele está fazendo pós-graduação em Informática na PUC, tentando diversificar par enfrentar. O mais velho está trabalhando numa empresa que faz inventário de estoques, como programador, fazendo faculdade. Está bem, mas as empresas não pagam salários. Tem um bom salário, mas não recebe.
P/1 – Seus amigos antigos, da época da Vale, vocês se encontram, se veem?
R – Sim, a gente tem o chope da última quinta feira do mês, que ali a gente encontra alguns. Tem o lado de lá, Niterói - eu, Breno, Otávio sempre nos encontramos, mas a Docegeo mudou para Belo Horizonte, então isso ficou muito difícil. O eixo saiu do Rio de Janeiro, então a gente se comunica por e-mail ou em algumas oportunidades a gente se encontra. Mas lamentavelmente, como o Hirata que esteve aqui ontem, já tinha quatro [anos] que não encontro com ele. É um amigo da velha guarda.
P/1 – Walter, a gente vai fazer uma última pergunta que a gente faz para todos os entrevistados: o que você acha do projeto Vale Memória? O que você achou particularmente de ter dado esse depoimento para nós?
R – Olha, eu considero uma honra a oportunidade de estar aqui. É uma oportunidade fantástica porque nós participamos de um período bastante importante da história do nosso país, principalmente no que diz respeito à Geologia e ao desenvolvimento do setor mineral no país. E particularmente eu, o Breno, o Hirata, o Tadeu, tivemos oportunidade de trabalhar nas duas principais empresas que lideraram a pesquisa mineral, especialmente não-ferrosos e ferrosos - a Meridional, que foi um marco na história da prospecção mineral do Brasil, e a Docegeo, que foi, sem dúvida, a empresa de maior sucesso e a gente teve a honra de participar desse sucesso. Ela é reconhecida internacionalmente como tal. E continua tendo sucesso.
Essa iniciativa, sem dúvida, tem um grande valor histórico, no meu modo de entender. Ela tem um grande valor cultural porque está captando elementos culturais que eu às vezes inconscientemente estou colocando; uma forma de vida, uma forma de visão, uma forma de encarar as coisas. Uma forma que também está trazendo uma herança cultural minha, múltipla, ligada à imigração no Brasil, que também faz parte de um período épico do Brasil, que é a chegada do imigrante italiano, do imigrante alemão.
Eu acho que a Vale está de parabéns e eu gostaria - não faria objeção nenhuma aqui - que isso fosse aberto à sociólogos, antropólogos, para que se usasse esse tipo de material para pesquisar nossa gente, nossa cultura. Não deve, se possível, ficar fechado só para a Vale do Rio Doce; deve ser uma biblioteca, como uma biblioteca preservada, acima de tudo, mas disponível para a sociedade. É uma forma da gente justificar a nossa existência.
P/1 - Muito obrigada.Recolher