Memória da Convenção da Diversidade Biológica
Depoimento de José Domingos de Gonzalez Miguez
Entrevistado por Stela Tredice e Carolina Ruy
São Paulo, 2 de junho de 2006
Realização Museu da Pessoa
Entrevista BIO_HV031
Transcrição de Luisa Fioravanti
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
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Memória da Convenção da Diversidade Biológica
Depoimento de José Domingos de Gonzalez Miguez
Entrevistado por Stela Tredice e Carolina Ruy
São Paulo, 2 de junho de 2006
Realização Museu da Pessoa
Entrevista BIO_HV031
Transcrição de Luisa Fioravanti
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Então, a gente vai começar pela identificação. Qual é o seu nome completo?
R – José Domingos de Gonzalez Miguez.
P/1 – Qual é a sua data de nascimento e local?
R – Nove de dezembro de 1953, Rio de Janeiro.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouco dos seus pais! Qual é o nome deles?
R – Meu pai era espanhol, José de Gonzalez Lopes, já falecido e minha mãe América Miguez Lopes.
P/1 – E os seus avós, o que eles faziam?
R – Meus avós eram todos espanhóis. Eu não conheci, eu só conheci minha avó materna. Eu sou o filho mais novo da família.
P/1 – E a atividade dos seus pais? Quais eram?
R – Meu pai era industrial, tinha uma fábrica de cerveja. Minha mãe era do lar.
P/1 – Qual é a origem do seu sobrenome?
R – Espanhola. Meus quatro avós eram espanhóis. Meu pai era espanhol. Eu também tenho nacionalidade espanhola por causa do meu pai.
P/1 – Espanhol legítimo?
R – É, por sangue, descendente da Espanha por sangue, não por nascimento.
P/1 – E o senhor tem irmãos?
R – Eu tenho dois irmãos, um irmão e uma irmã.
P/1 – O que eles fazem?
R – A minha irmã era administradora de empresa e meu irmão engenheiro elétrico.
P/1 – Tá, agora eu queria que o senhor falasse um pouco da sua infância. Como era a casa em que o senhor morava? O bairro.
R – Eu morava no Rio de Janeiro, na Tijuca, em um apartamento, nada demais, bem tranquilo.
P/1 – Mas como que eram as brincadeiras? O cotidiano, assim?
R – Era tranquilo. Eu ficava muito em casa. Brincadeira de casa.
P/1 – Como que o senhor começou os estudos?
R – Eu fiz o estudo primário e o ginásio na própria Tijuca, sempre estudei em escola pública e depois faculdade eu fiz o Instituto Militar de Engenharia. Quando acabei o Instituto Militar de Engenharia eu comecei a fazer pós-graduação no próprio IME em Pesquisa Operacional e fiz Economia na UERJ, ao mesmo tempo. Daí acabei me formando economista e tirando mestrado em Pesquisa Operacional.
P/1 – E você já tinha algum interesse em meio ambiente nessa época da escola?
R – Não...
P/1 – O que te despertou o interesse?
R – Eu trabalhei sempre, quer dizer, quando eu me formei, eu fui trabalhar na Nuclebrás, então eu trabalhava com energia nuclear, ao contrário de… (risos), os meio ambientalistas vivem reclamando da energia nuclear. Eu trabalhei na nuclear de 1978 a 1982 e em 1982 eu fui trabalhar para o Ministério de Minas e Energia e eles tinham uma empresa que eles usavam de apoio ao ministério que era a Caeb. Eu trabalhava na Caeb, depois trabalhei um ano em uma empresa de seguros e aí eu fiz concurso para a Petrobrás e entrei na Petrobrás. Eu fiquei na Petrobrás até 1992, 1992 fui cedido ao Ministério de Minas e Energia em Brasília cuidar de conservação de energia, aí em 1994 eu fui para o Ministério da Ciência e Tecnologia, também cedido porque eu sou funcionário da Petrobrás, ainda.
P/1 – Você disse então que trabalhou com a área de conservação de energia, né?
R – Trabalhei até 1994 com planejamento energético, tá? Eu trabalhei com nuclear, depois com energético na Caeb. Nós fizemos um projeto para o Ministério de Minas e Energia de tentar olhar o futuro da energia no Brasil, isso era 1978, a época do Proálcool, o início do Proálcool, suficiência em petróleo, nós estudamos todas essas coisas. Eu trabalhava com um modelo alemão, o Marcão e tinha pessoas, eu era da Núcleobrás e tinha pessoas da Petrobrás e da Eletrobrás que trabalhavam comigo. Então a gente sempre trabalhou em planejamento energético. E por causa que eu trabalhava em planejamento energético que em 1994, quando o Brasil ratifica a convenção da mudança de clima, o Ministro então, de Ciência e Tecnologia, o José Vargas me convida para assumir a coordenação desse trabalho no Ministério de Ciência e Tecnologia, por causa do meu conhecimento no núcleo de planejamento energético. Várias pessoas haviam indicado meu nome, então ele fez o convite e a gente achava que, na época, o compromisso do Brasil inicial era fazer o inventário de emissões de gás de efeito estufa, e a gente achava que era, basicamente, de energia e desmatamento florestal e o Ministério tinha uma pessoa que mais conhecia de mudança de clima no Brasil, que era o Doutor Luiz Gylvan Filho. Ele tinha criado todo o sistema de monitoramento da Amazônia, então ele conhecia bem essa parte de desmatamento e ele precisava de alguém que conhecesse mais a parte de planejamento energético, aí a ideia de me chamar, por causa disso. Aí eu fui para começar, a partir do nada, 1994 e nós começamos a trabalhar a partir de nada, estava começando, era início da, era a ratificação do Brasil. O Brasil ratifica em maio, quer dizer, o Congresso ratifica em fevereiro, a Convenção entra em vigor com o Brasil em maio de 1994 e eu sou convidado a assumir essa coordenação em agosto de 1994, a coordenação do MCT.
P/1 – E nessa época qual era o maior desafio que você sentia que tinha pela frente?
R – Olha, na verdade, o desafio era você começar, tá? Porque como eu falei, você não tinha nada, você não tinha nem o texto da Convenção em Português, tá? O texto da Convenção a gente tinha uma tradução, na época, batida à máquina ainda, ainda existia isso, hoje ninguém sabe mais o que é bater à máquina, a datilografia. Na época tinha uma tradução, com alguns erros, feita pelo Itamaraty, por alguém do Itamaraty, e era a única cópia que tinha em Português da Convenção. Então, eu comecei a fazer coisas, as mais básicas possíveis, como, por exemplo, corrigindo tradução e fazendo um livrinho para ter o texto da Convenção em Português e distribuir esse texto. Quer dizer, a gente passou realmente com coisas bem simples e começamos a estruturar o trabalho que seria esse primeiro compromisso do Brasil em fazer o relatório para a Convenção das Nações Unidas que se chama Comunicação Nacional, que basicamente retrata o que o Brasil está fazendo para implementar a Convenção e quais são as emissões de gás de efeito estufa que acontece no Brasil, emissões e remoções, antrópicas de gás de efeito estufa, não controlados pelo Protocolo de Montreal, que são gases que são controlados pelo Protocolo de Montreal e não são controlados pela Convenção de Mudança de Clima. Então, eu fui convidado basicamente para fazer esse trabalho e estruturar esse trabalho com a ajuda do Doutor Gylvan, que era na verdade o grande estrategista desse setor, né?
P/1 – E na Rio 92? Qual foi a sua participação?
R – Olha eu não estava. Eu estava no Ministério de Minas e Energia na época, então eu não participei da Rio 92, mas como eu sou do Rio, durante a Rio 92 eu estive no Rio e eu fui na parte de ONGs que foi no aterro do Flamengo. Fui como um turista passear durante a Rio 92. Eu não participei de nada do trabalho.
P/1 – Mas mesmo como um turista, qual foram as suas impressões e o que você...
R – Eu não tinha ideia. Você só começa a ter ideia depois que você trabalha com essas convenções. Você vendo de fora não entende o que está acontecendo, porque são eventos muito grandes. Eu estive em Kyoto, então… Em Kyoto teve dez mil pessoas, tá? Você, quando está em um evento desses e você não está participando, você não entende nem o que está acontecendo, é muita gente, é uma cidade, dez mil pessoas, do mundo inteiro! E são diversas questões sendo negociadas ao mesmo tempo, diversos grupos, diversas salas, então você não entende nada do que está acontecendo.
P/1 – Mas o fato de ter sido realizada no Brasil? Qual é essa ideia de...
R – Olha, eu acho que o fato de ter sido realizada no Brasil causou uma conscientização muito grande no Brasil, né, quer dizer, o Doutor Gylvan costuma falar que o brasileiro estava mais conscientizado até do que deveria sobre mudança do clima porque nós não contribuímos tanto para o problema e nós temos uma conscientização muito grande, fruto basicamente dessa exposição que a população, a sociedade sofreu por causa da Rio 92. A quantidade de chefes de Estados que veio ao Brasil, né, foi um mega evento no Rio de Janeiro e teve uma repercussão muito grande nacional. Agora, o que eu digo é o seguinte, em termos do que aconteceu na Rio 92, eu não tenho ideia porque eu era um turista, eu só estava visitando o Rio, porque eu estava morando em Brasília, então eu visitava o Rio, porque eu tenho um filho que mora aí no Rio, então eu ia visitá-lo e nós passeávamos pela parte das ONGs da Conferência que é uma coisa meio ilustrativa, não representa o que os governos estão negociando.
P/1 – Você diz que participou do Protocolo de Kyoto?
R – Como eu te disse, eu comecei desde a Rio 94, quer dizer, desde a ratificação na Convenção do Brasil 94. Então, a primeira conferência que eu fiz parte, eu entro no processo porque a Convenção foi assinada no Rio, o Brasil foi o primeiro país que assinou a Convenção, mas os órgãos que foram criados no ano da Convenção, eles são, a orientação deles continua até a primeira Conferência das Partes. A primeira Conferência das Partes só aconteceu quando as condições de entrada em vigor da Convenção foram satisfeitas, as condições eram que cinquenta países ratificassem a Convenção e isso só aconteceu em novembro de 1994, se eu não estou enganado, então a Primeira Conferência das Partes só aconteceu em março de 1995. Então eu comecei antes ainda da Conferência das Partes, eu comecei em setembro de 1994, se não me engano, no décimo INC, que era o Comitê de Negociação Intergovernamental que estava finalizando a regulamentação da Convenção, dos órgãos da Convenção e eu participei das duas rodadas desse INC, na décima e na décima primeira e depois começou a Primeira Conferência das Partes da Convenção e aí que a Convenção decolou e eu participei, até hoje de todas as reuniões da Convenção, desde 1995 até hoje.
P/1 – E qual é a importância dessa Convenção? Qual é, efetivamente, para o planeta, enfim, de uma forma geral, como você vê?
R – Olha, na verdade, o problema do efeito estufa é um problema grave para o futuro, se você não fizer nada. Então, na verdade, a emissão de gases no efeito estufa, principalmente gás-carbônico, metano e óxido-nitroso, eles vão se acumulando na atmosfera e a luz solar passa por esses gases e mantendo o corpo negro ela devolve infravermelho e esses gases agem absorvendo o infravermelho, devolvendo para a superfície da Terra. Então, o infravermelho acaba ficando aprisionado, como o efeito do cobertor, quando você coloca o cobertor, o teu corpo irradia calor, só que o cobertor segura o calor e devolve aquecendo o ambiente que você está no cobertor, então, o efeito estufa é exatamente igual. Esses gases fazem esse efeito de estufa e o infravermelho, que saíria para o espaço, fica aprisionado por causa desses gases. Na medida que você vai emitindo mais gases, esse efeito vai aumentando, então, a cada ano, como a concentração desses gases está aumentando, você está tendo mais deposição de energia na superfície da Terra e a temperatura, na superfície da Terra, está esquentando. Se você continuar no ritmo atual, a previsão é que em 2100, vai depender do cenário de crescimento econômico, de globalização e de população, mas as previsões são que você possa chegar a algo como um grau e meio e seis de aumento de temperatura, ou seja, seis graus seria um cenário como um grande crescimento econômico e populacional e com pouca globalização, que aí os países serão obrigados a usar as fontes domésticas de energia. Quer dizer, com seis graus de aumento de temperatura você, e a concentração da base de mil PPMV, que seria hoje na base de trezentos e oitenta, antes da Revolução Industrial era duzentos e oitenta. PPMV quer dizer Parte por Milhão e Volume, então em um milhão de moléculas de ar você tem, historicamente se tinha duzentos e oitenta e hoje a gente já está chegando a trezentos e oitenta e está crescendo rápido. Então, com isso, você está intensificando esse efeito estufa, cada vez você aprisiona mais a energia do sol na superfície da Terra e você vai chegar em 2100 com cenários possíveis, assim, bem difíceis, e a ideia dessa Convenção e posteriormente do Protocolo de Kyoto é de você começar a se organizar, a Terra como um todo, os países todos. A Convenção é a Convenção da ONU, a Convenção das Mudanças Climáticas é a Convenção da ONU, que é mais universal. Ela tem cento e oitenta e nove partes que praticamente são os países que estão em guerra que não estão participando da Convenção e mostra que há uma preocupação universal com o problema e você começa a organizar, ainda com bastante tempo com antecedência o que você precisa fazer, o que todos os países precisam fazer e como deve ser feito. Então é muito interessante porque é um processo de organização, basicamente, e de tomada de decisão e de fazer avançar todas as políticas e medidas no sentido de você evitar que o problema ocorra. Na verdade é muito interessante você estar antecipando o problema e tentando evitar que ele ocorra, não quer dizer que ele vai ocorrer, mas vai depender da capacidade dos governos e das pessoas na Terra de evitar que esse problema ocorra.
P/1 – Mas na sua opinião, o fato dos Estados Unidos não terem ratificado o Protocolo de Kyoto, qual impacto que isso causa?
R – Olha, se os Estados Unidos tivessem ratificado o Protocolo de Kyoto, eu acho que teria um avanço mais rápido do que o que está acontecendo com o Protocolo de Kyoto. O fato de os Estados Unidos não terem ratificado, por outro lado não quer dizer que eles não estão fazendo nada, né? Eles estão fazendo medidas domésticas, não concordam com o Protocolo de Kyoto. Mas de qualquer maneira, eu acho que é ruim porque você atrasa o desenvolvimento tecnológico e atrasa a difusão de tecnologia, quer dizer, tanto deles para o mundo quanto do mundo para eles. Então, quanto mais isolado estiver, mais difícil é você acelerar esse processo. Agora, você pode olhar positivamente, o importante não é que os Estados Unidos não está, mas que os outros países resolveram continuar independente dos Estados Unidos e da Austrália, né, isso que eu acho extremamente positivo.
P/1 – Mesmo os Estados Unidos sendo um dos maiores poluidores, vinte e cinco por cento da poluição?
R – Na verdade, eles são os maiores emissores. Eu não chamo poluição, porque na verdade o gás do efeito estufa, o problema físico não é de poluição, tá? Você, quando está respirando está emitindo CO2, eu estou emitindo CO2, ela está emitindo CO2, quer dizer, nós não estamos poluindo o ambiente e até o nível de emissão é pequeno, que eu te falei, são partes de milhão por volume. Nesse nível não é poluente, tá? O problema é o efeito físico de absorção de infravermelho, é um efeito tipo cobertor, você não fala que está poluindo quando você está com o cobertor em cima de você de noite, mas eles são grandes emissores, então era importante que eles participassem assim do esforço. Eles estão participando internamente, eles estão tentando fazer internamente, mas eles estão dando uma mensagem errada para a população e para o mundo e atrasando a difusão de conhecimento e tecnologia, que é ruim. Isso é ruim. Mas por outro lado, você não pode dizer que eles não estão fazendo nada, isso a gente vai ver em 2012, a gente vai checar o que cada um fez e vamos ver se eles fizeram ou não, porque eles estão falando que estão fazendo internamente, então isso você vai checar. O bom dessa história é que você sempre, o que você faz, você vai ser aferido com o passar dos anos, então não é impune. Tudo que nós estamos fazendo, o tempo passa, nós começamos em 1994, eu e o Doutor Gylvan Meira sozinhos, nós fizemos bastante coisas e você hoje pode ver aferir o que nós fizemos, da mesma forma, a gente vai poder aferir o que os Estados Unidos fizeram em 2012, o que o Brasil fez, o que a China fez, o que a Europa fez e quem é que é sério e quem não é.
P/1 – E como você acha que o Brasil tem atuado segundo essas diretrizes estabelecidas pela Convenção, assim, em termos de resultados, desafios?
R – Olha, a Convenção estabeleceu que o princípio mais importante da Convenção, eram dois, o princípio da responsabilidade de países diferenciados porque os países têm responsabilidades comuns, porque o efeito do aumento de temperatura vai afetar todo o mundo, todos os ecossistemas, todas as pessoas, as espécies, mas a responsabilidade é diferenciada na medida que o desenvolvimento é diferente. As fontes de gases de efeito estufa, as emissões são diferentes e o tamanho dos países são diferentes, as pessoas são diferentes. Então, na verdade, a responsabilidade dos países é diferente nesse sentido, você comparar o que os Estados Unidos fizeram e o Reino Unido, por exemplo, que começaram a emitir, queimar carvão mineral desde a Revolução Industrial. Com o o Brasil, China e Índia que começam um desenvolvimento industrial mais recente, depois de 1950, você vê que a responsabilidade dos Estados Unidos e do Reino Unido é muito maior do que a do Brasil, China e Índia, tá? A responsabilidade não é pela emissão atual, é diferente de poluição porque quando você polui, por exemplo, na Esso, quando vaza petróleo, no Alasca, ele faz um dano local e aquele dano, em poucas semanas desapareceu. No caso do efeito estufa, esse problema é de muito longo prazo, alguns gases ficam por mais de cinquenta mil anos na atmosfera, o próprio CO2, tem uma parcela dele que fica praticamente por tempo indefinido na atmosfera. Então, o que você está fazendo hoje tem implicação do que vai acontecer no futuro, assim como o que a gente está sofrendo hoje não é só o resultado do que está sendo emitido hoje, é resultado do que está sendo feito desde a Revolução Industrial. É como se você estivesse, a cada ano, aumentando a espessura do teu cobertor ou a espessura do vidro da estufa, então você não pode dizer que aquele é o resultado que nós estamos fazendo hoje, mas é o resultado de toda essa acumulação que aconteceu desde a Revolução Industrial.
P/1 – Portanto, essa ideia da mitigação que os países deveriam começar a diminuir essas emissões será que está sendo cumprida? Até que ponto está sendo cumprida na sua opinião?
R – Olha, a importância da Convenção, voltando a tua pergunta anterior, é exatamente essa, que você começa esse processo. As ONGs são normalmente muito críticas e são muito ansiosas, elas querem ver resultados muito rápido, só que esse processo é extremamente complexo pela quantidade de variáveis, pela quantidade de opiniões diferentes sobre cada aspecto e até pela falta de conhecimento em alguns dos aspectos relativos à mudança do clima. Então você está ordenando conhecimentos, ordenando as ações que você tem que tomar, então o processo de aprendizado, de revisão do conhecimento, de organização da informação para poder agir. Eu acho que é muito interessante nesse sentido, quer dizer, não que você vai resolver, você não precisa resolver o problema todo, você não precisa reduzir a emissão a zero. A estimativa de Ipcc, que é o Painel Intergovernamental de Mudança do Clima, que é um órgão também das Nações Unidas, mas mais científico, que faz a revisão do que está sendo escrito sobre a mudança de clima no mundo, eles falam que a ideia que você, para estabilizar a concentração você reduz a cinquenta por cento, se você quiser reduzir a temperatura, você vai ter que reduzir um pouco mais as emissões, dá algo de sessenta por cento. Então, nós estamos começando esse caminho, quer dizer, você tem que tentar evitar que o cenário de, pessimista, de seis graus aconteça em 2006, em 2100, mas você tem que fazer essa trajetória gradualmente tentando, com essa meta de reduzir sessenta por cento.
P/1 – E qual foi a sua participação na elaboração do mecanismo de desenvolvimento limpo?
R – Na verdade é o que eu te falei, em 1995 foi a primeira Conferência das Partes. Na primeira Conferência das Partes foi feita uma avaliação de qual era o cumprimento da Convenção pelos países envolvidos, porque, nesse princípio da responsabilidade com muitos expoentes diferenciados – eu comecei a falar dos princípios e parei. São dois princípios, um é o da precaução, o fato de você ter incerteza científica, não deve ser razão, ao contrário do que o Estados Unidos estão fazendo para você não fazer nada e a responsabilidade comum, porém diferenciada, foi usada na convenção para diferenciar os compromissos dos países. Então, os países envolvidos, como eles tiveram uma maior responsabilidade por causar esse problema, porque eles começaram a emitir desde a Revolução Industrial, eles assumiram a responsabilidade de tomar a liderança no processo e eles assumiram um compromisso na Convenção de voltar aos níveis de emissão que eles tinham em noventa, por volta do ano 2000. E em 1995 já estava mais ou menos claro que muitos países não iam cumprir, inclusive os Estados Unidos, não iam cumprir essa meta porque eles já estavam, em 1995, acima do nível, do noventa, bem acima. Então foi feito, na Primeira Conferência da Partes, em 1995, um mandato, o mandato de Berlim – porque a Conferência foi em Berlim –, que davam um prazo de dois anos, quer dizer, até 1997, para que fosse feito um Protocolo à Convenção, e esse Protocolo criasse metas legalmente vinculantes que obrigassem os países a ter uma limitação ou redução nas emissões que eles tinham em relação à uma meta dada em noventa. Então, o termo do mandato de Berlim foi esse, foi um processo de dois anos até 1997 quando houve a Conferência de Kyoto e o mandato era para acabar na Conferência de Kyoto com o Protocolo, que se tornasse mais obrigatória as metas, porque na Convenção essas metas de voltar aos níveis de noventa por volta de 2000 eram voluntárias, não eram obrigatórias. Porque a Convenção é Convenção quadro porque ela é só um moldura, ela não te obrigava a cumprir, apesar de que a gente tem compromissos gerais, por exemplo, o próprio inventário que eu estava falando é o compromisso mais importante do Brasil, dentro de uma série de compromissos que o Brasil tem dentro da Convenção que são comuns a todos os países do mundo. Agora, durante esse processo do mandato de Berlim, em maio de 1997, a gente, na verdade em 1996, dezembro de 1996, a gente, tanto eu quanto o Doutor Gylvan, nós percebemos nas negociações que havia um movimento dos Estados Unidos de querer envolver Brasil, China e Índia como grandes causadoras do efeito estufa. Isso já tinha ocorrido antes, o que o Doutor Gylvan me contava era que no Ipcc, em 1990, o IPC falou que o Brasil era o grande responsável pelo efeito estufa por causa do desmatamento da Amazônia, isso eles descreveram no relatório do Ipcc e na época o Goldemberg era o Secretário do Meio Ambiente e ele pediu ao Doutor Gylvan que fizesse uma avaliação se isso estava correto ou não. Aí o Doutor Gylvan montou o sistema lá de monitoramento da Amazônia por satélite, no Ipem, né, e fez a estimativa e provou que o Brasil, a contribuição do Brasil para o efeito estufa era muito pequena. Isso foi reconhecido pelos Estados Unidos e o Ipcc foi obrigado a fazer, a corrigir essa informação que ele tinha feito no relatório de 1990, no relatório de 1992. Fizeram um relatório especial para corrigir isso que eles tinha falado do Brasil. Mas durante essa negociação no mandato de Berlim, em 1996, os Estados Unidos começaram a falar que segundo cenário de emissões futuras do IPCC, os países em desenvolvimento teriam mais emissões do que os países desenvolvidos por volta, entre 2020, 2030. De novo associando a responsabilidade por causar o efeito estufa, a emissão dos países em desenvolvimento e a emissão anual, né, quando a gente estava achando que não era a medida correta. Então, o Doutor Gylvan e eu resolvemos, o Doutor Gylvan sempre falava na Convenção, ele era muito respeitado porque era o Presidente do grupo um do Ipcc, então quando ele falava na Convenção era um silêncio total, todo mundo escutava ele e ele falava que, na verdade, você não tinha que olhar a emissão anual dos países, você tinha que olhar essa dupla acumulação, porque a cada ano você emite esses gases que se acumulam na atmosfera e decorrentes dessa acumulação você está cada vez aprisionando mais o infravermelho do raio de sol que entra e não sai por causa dessa concentração de gases no efeito estufa. Então você tinha que fazer, na verdade, para ser justo, essa contabilidade, essa dupla acumulação desde a Revolução Industrial, ele falava isso, mas as pessoas não entendiam, isso é muito complicado, né? Então, nós resolvemos, quando os Estados Unidos fizeram, um delegado americano fez essa apresentação falando isso, que a responsabilidade dos países desenvolvidos é ser igual ao dos países em desenvolvimento de 2020, 2030 e o próprio presidente do Ipcc falou isso logo depois. A gente achou que teríamos que tentar estimar qual é a contribuição do Brasil ao causar o problema, usando a ideia do Doutor Gylvan de fazer essa dupla acumulação. Então começamos a pensar como fazer isso, nós começamos a trabalhar em dezembro, logo depois dessa Conferência. Essa Conferência foi em Genebra, que foi a Segunda Conferência das Partes, no meio, entre o processo de Berlim e Kyoto. E depois nós trabalhamos de dezembro até maio, porque trinta de maio era o último dia para você apresentar o documento que pudesse ser usado no Protocolo de Kyoto. Porque tem uma regra aqui para fazer qualquer emenda ou qualquer documento que seja usado no Protocolo. Ele tem que ser apresentado às outras partes com seis meses de antecedência, isso é uma regra da Convenção. Então, o nosso prazo limite era trinta de maio. A gente tinha que fechar essa proposta. Eu lembro que fazer toda essa estimativa do cálculo usando essa ideia da dupla integral, do Doutor Gylvan, que é a acumulação, matematicamente é uma integral, então era pegar as emissões históricas de um país e fazer a dupla integral para tentar calcular qual seria a contribuição de cada país. A gente teria que ter dados de todos os países do mundo para tentar ter essa estimativa, teoricamente todos os gases, mas isso era praticamente impossível. Mas nós tínhamos acesso a um site de um laboratório americano de, era o Laboratório de (Uncleid?), tinha uma série histórica de emissões do setor energético e da indústria de cimento, de CO2 apenas de cinquenta a noventa, então nós usamos essa série do (Uncleid?) como uma aproximação para mostrar o que seria em tese, a gente fez em tese o que teria que ser feito e nós fizemos uma ilustração usando essas séries do (Uncleid?) para dizer qual era a emissão dos países, né? E aí, a gente demonstrou nessa conta que, primeiro, a responsabilidade dos países em desenvolvimento era bem menor do que a dos países desenvolvidos; em termos de emissão aos países desenvolvidos era de vinte e cinco por cento em noventa, mas em termos de contribuição ao aumento de temperatura era algo como onze por cento, que esse efeito de a contribuição ser igual, se você não medir pela emissão anual, mas medir pelo efeito de causar o efeito estufa, pelo aumento da temperatura que essas curvas iriam se cruzar muito depois, algo como 2100. Na primeira avaliação que fizemos, a gente achou que era 2150, nossa avaliação era bem simples porque a gente só usava CO2, setor energético. Então, nós fizemos um modelo supersimples que era para dar só uma indicação do que teria que ser feito e com isso a gente mostrou que, primeiro, você não podia falar que a emissão era uma medida de responsabilidade, que você teria que fazer essa conta direito e que a contribuição do Brasil era muito pequena para o efeito estufa. Porque basicamente, o nosso processo de industrialização é muito recente, é depois de 1950, então nós não contribuímos para aumentar o efeito estufa. Eu costumo brincar que, se você olhar, se você olhar, made país, as made Brasil seriam muito poucas. E, com isso, nós apresentamos nossa proposta em maio de 1997, antes, em março de 1997, estava tendo um evento muito importante no Japão e a gente queria assistir uma apresentação de um holandês que estava com as ideias parecidas com as que a gente estava fazendo, então, o Doutor Gylvan pediu que eu fosse nessa reunião em Tóquio e antes disso eu tinha conversado na Convenção com uma delegada das Filipinas, e ela estava preocupada que o problema do Protocolo de Kyoto, para ela, que se os países não cumprissem com a meta, que não iria acontecer absolutamente nada, que não ia ter nenhuma penalidade para eles. Eu fiquei com aquilo na cabeça e aí, em Tóquio, assistindo essas palestras eu tive a ideia de criar uma penalidade para o não cumprimento das metas, quer dizer, juntando o que eu tinha conversado com essa moça e com essas ideias que estavam sendo discutidas em Tóquio, eu tive essa ideia de fazer isso. Quando eu voltei, a gente estava ainda no final da preparação, era março isso, eu falei com o Doutor Gylvan e ele falou: “Vamos botar isso na proposta brasileira!”. Então a nossa proposta brasileira acabou tendo duas partes: uma parte que era a parte substantiva, que foi a ideia do Doutor Gylvan de tentar medir qual era a contribuição de cada país em causar o efeito estufa, por esse mecanismo da dupla integral, dupla acumulação, né, e associado a isso, a gente criou a ideia de estabelecer um fundo de desenvolvimento limpo. Esse fundo seria criado a partir de penalidade de uma multa que você daria aos países que não cumprissem com a meta do Protocolo de Kyoto. Então, ela é extremamente injusta, porque se os países cumprissem a meta, não tinha fundo nenhum e ninguém ia poder reclamar de nada. A gente não está pedindo dinheiro a eles. E se eles não cumprissem a meta, a ideia seria que eles teriam que pagar essa multa. E com o recurso dessa multa você poderia passar isso para os países em desenvolvimento, que eles falavam que era muito mais barato reduzir, um dos motivos que eles achavam era que os países em desenvolvimento deveriam ter um compromisso porque era mais barato reduzir emissão em um país em desenvolvimento que o nível de tecnologia é muito pequeno, não desenvolvido e você tem muito desperdício. Então é mais fácil você reduzir o nível de emissão em países em desenvolvimento do que neles, que são extremamente eficientes e a tecnologia é mais moderna. O que não é verdade! Você sabe que os Estados Unidos têm aqueles carros enormes com uma pessoa dentro gastando um combustível enorme, com muita emissão sem nenhuma utilidade, quer dizer, eles não são esse primor de eficiência que eles falam. Mas de qualquer maneira tinha essa argumentação e a ideia do fundo era muito interessante porque você botava tudo para check de realidade, “Vamos ver o que somos realmente capazes de fazer!”, redução mais barata que eles ou não e se eles não cumprirem, a gente tenta fechar o que ficou faltando. Essa que seria a ideia da nossa proposta. Isso era maio de 1997, a gente apresentou essa proposta, aí essa proposta foi discutida durante o mandato de Berlim, teve reuniões frequentes durante 1997, ainda antes de Kyoto. Em agosto ou setembro, não sei exatamente quando foi a reunião, teve uma reunião que a nossa proposta brasileira virou a proposta do G77 China que é o grupo que discute em nome dos países em desenvolvimento. Antes disso, antes da gente se submeter a essa proposta, ainda teve uma participação do Itamaraty, porque o Itamaraty reclamava que a nossa proposta não ia ser aceita no Protocolo de Kyoto, porque a gente não envolvia os países que não emitiam, porque a gente estava pensando só em redução de emissão, né, o fundo seria só para redução de emissão. Então, o Itamaraty sugeriu que a gente colocasse uma certa fração do fundo, fosse usada para o fundo de adaptação para envolver esses países que só vão sofrer com a mudança do clima e não contribuem nada, porque eles estão em um nível da economia muito incipiente e porque eles não têm emissão. Então, com isso, foi feito, a gente submeteu a proposta e a proposta em agosto ou setembro, por aí, ela virou uma proposta do G77 China e aí ganhou força, mas não a proposta brasileira como tal. A parte mais substantiva, que era essa ideia do Doutor Gylvan, teve muita oposição porque ia no cerne do problema, ia no cerne de cada país identificar quanto ele contribuía para o efeito estufa e nenhum governo queria fazer isso, né, então essa parte da proposta ficou meio de lado, que era a parte muito mais interessante, que para nós teve um efeito muito mais político, de mostrar que a contribuição deles era muito maior que a nossa, dos países desenvolvidos era maior que a dos países em desenvolvimento, e dentro dos países em desenvolvimento a mesma coisa, a contribuição de China e Índia é muito maior que a do Brasil por causa que a matriz energética da China e da Índia é muito mais intensiva em emissão, porque eles usam carvão mineral. Então, em agosto vira uma proposta, essa parte do fundo vira uma proposta do Gylvan G77 China, ou seja, ela ganha uma adesão de cento e trinta e quatro países, quer dizer, ela fica com mais força para negociação e aí, em novembro, os Estados Unidos pedem para ter uma reunião bilateral com o Brasil para discutir a proposta do Fundo de Desenvolvimento Limpo. Até o Doutor Gylvan brincou com o negociador americano, que eles queriam fazer a reunião em Caracas: “Eu quero um território neutro!”. Aí, o Doutor Gylvan falou: “Não, Caracas não é neutro!”. Aí, então eles propuseram Miami, aí ele falou: “Miami também não é neutro, vamos no Rio que o Rio é neutro!”. Aí fizemos a reunião no Hotel Glória no Rio, isso foi em novembro de 1997, um mês antes, alguns dias antes de Kyoto e vieram três negociadores americanos de Washington para o Rio, no Hotel Glória. Eles chegaram duas horas da tarde, nós viemos de Brasília, eu, o Doutor Gylvan e o embaixador Dayrell, do Itamaraty, tivemos a reunião das duas até às sete da noite, numa salinha do Hotel Glória, em frente ao Pão de Açúcar, discutindo a nossa proposta, o que eles não gostavam da nossa proposta, e o resultado dessa reunião foi mudar a ideia de Fundo de Desenvolvimento Limpo para Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Eles basicamente reclamavam da ideia de fundo e da ideia de penalidade. A ideia de penalidade, eles não aceitam penalidade no tratado internacional, os Estados Unidos, e a ideia de fundo, eles falavam que, quem causa são as empresas, não os governos e a ideia de fundo dá a ideia de que o governo vai através do orçamento do contribuinte pagar por um problema que são as empresas que contribuem para o problema, não são os governos. Então, a argumentação era perfeita e a gente chegou a um acordo com eles, aí, sete horas da noite eles foram no Hotel Glória, na piscina, a gente ficou conversando um pouco, pegaram o avião e voltaram para os estados Unidos, eles ficaram exatamente cinco horas no Hotel Glória com a gente. A gente voltou para Brasília, foi surrealista!
P/1 – Mas foi tranquila essa negociação? Teve alguns momentos...
R – Foi supertranquila. Eles ficaram batendo fotografia, porque a salinha era em frente ao Pão de Açúcar, eles ficaram batendo foto da janela. Coitado, né? Cristo da janela? Você imagina que surrealista, o cara passou cinco horas no Rio tirando foto da janela da sala que a gente estava tendo reunião. Aí em Kyoto, quer dizer, eles mandaram, depois da reunião, um papel que foi aceito pelo Doutor Gylvan e pelo Doutor Dayrell. Nós vamos mostrar, ele esqueceu aqui, vamos mostrar o papel. Aí eu cheguei em Kyoto, o Gylvan me mostra o papel, daí eu falo: “Pô, esse papel está ruim! Isso aqui não é uma ideia nossa de fundo, isso aqui é basicamente de implementação conjunta que os Estados Unidos sempre defendeu!”. Aí o Gylvan virou para mim e: “Miguez, já passou da hora de você reclamar, se você não gosta, me apresenta uma contraproposta!”. Aí eu sentei com o Newton Paciornick, que trabalha comigo, que também estava em Kyoto, aí nós refizemos o documento, mudamos algumas coisas, aí eu mostrei para o Gylvan, aí ele olhou e: “Tá bom, gostei!”. Aí entregou para um dos negociadores que tinham ido ao Hotel Glória com a gente, era na época do Departamento de Energia dos Estados Unidos, aí o cara olhou e: “Pô, legal, está bom!”. Aí isso virou o documento inicial do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que já é uma proposta do Brasil e dos Estados Unidos. E aí teve toda a negociação de Kyoto porque em Kyoto você tem, na verdade, quase que um grupo para cada questão, você monta os artigos. No Protocolo de Kyoto são discutidos por vários grupos diferentes, nós ficamos, o Doutor Gylvan foi coordenador do grupo de contato que negociou o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, né? Que para nós era a questão mais importante e foi usada como documento base essa proposta dos Estados Unidos e a Europa foi pega de surpresa, já tinha o apoio do G77 e agora tinha apoio dos Estados Unidos para a proposta do, não era mais o Fundo, era o Mecanismo, mas já estava ganhando apoio e a Europa estava ficando isolada. Então, eles ficaram completamente reticentes participando da negociação. A negociação foi coordenada pelo Doutor Gylvan, que tinha muita experiência internacional, então ele conseguiu levar a coordenação até chegar o final do Protocolo de Kyoto, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, sendo incorporado no Protocolo de Kyoto, virou o artigo dois do Protocolo de Kyoto, o que foi uma grande vitória da proposta brasileira, um pedaço da proposta brasileira e particularmente dele, que coordenou todo o trabalho, né? E é muito interessante que a ideia, é uma ideia inocente, de que Kyoto vira um artigo no Protocolo, elaborado com o consenso de todos os países do mundo. Para mim, o mais interessante ainda é que agora isso vira realidade, agora tem um projeto sendo feito no mundo inteiro, hoje tem setecentos e sessenta projetos, já fez no mundo, já tem projetos operando baseados na ideia do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. E é aí que eu te falo que as organizações não governamentais, elas reclamam muito que a gente demora muito, que gasta muita passagem de avião, que você emite muito, que gasta muito papel e que isso não adianta nada, que só fica conversa, conversa e não acontece nada e o que não é verdade, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, você tem a dimensão exata do que acontece no processo. É difícil, os pontos de vista são divergentes, você tem que chegar a um certo padrão que todas as partes se sintam confortáveis com o que está escrito ali e são processos difíceis porque o teu ponto de vista, às vezes o outro tem ponto de vista diferente, que nem essa negociação do Brasil e Estados Unidos no MDL que mostra bem que eles tinham um ponto de vista que, a gente aceitou o ponto de vista deles, né? Então essa negociação na Convenção é muito difícil, você tem cento e oitenta e nove países, você imagina o que é uma negociação com cento e oitenta e nove países? Em que as pessoas têm línguas diferentes, culturas diferentes, religiões diferentes, né? Elas acreditam em coisas diferentes e você põe todo mundo junto para discutir um tema que às vezes são, assim, nem tão bem definidas para isso. Então, são muito difíceis essas negociações, ao contrário dos ONGs, se você pensar em 92, da Rio 92 até o Protocolo de Kyoto foram só cinco anos, de 1992 a 1997, e do Protocolo de Kyoto até hoje são nove anos, foi muito rápido o processo de você tentar organizar. Hoje, você já tem redução de emissão no mundo inteiro por causa do Protocolo de Kyoto, tá? Poderia ser melhor? Poderia, se tivesse os Estados Unidos, a Austrália, se tivesse mais empenho, se os governos tivessem mais empenho, mas dizer também que não está acontecendo nada, que é um fracasso, também não é, então... É o processo, o processo, ele demora a começar, mas, uma vez que ele começa, você envolve a sociedade, você cria capacidade e cria tecnologia e aí a coisa começa a acontecer. E a gente está vendo a coisa acontecer.
P/1 – Por quê? Como era antes de 1992? Como era tratada essa questão?
R – Olha, esse tema é muito novo, então o tema do efeito estufa, o Ipcc, que o Doutor Gylvan, como eu falei, foi presidente do grupo de ciências da mudança do clima, ele começa em 1988. O Ipcc é um painel voluntário de cientistas que estudam mudanças do clima e a ideia do Ipcc, não tem organização, não tem sede, não tem equipe. A equipe dele são cinco pessoas que organizam todo o trabalho. É tudo voluntário, ele convoca os especialistas em cada área no mundo para fazer uma revisão da literatura a cada cinco anos e ele divide em três grupos de trabalho. É um grupo de Ciência da Mudança do Clima, um grupo de mitigação e um grupo de Vulnerabilidade e Adaptação, basicamente é isso e envolve na ordem de três mil a cinco mil cientistas, não sei, do mundo inteiro fazendo esse trabalho de revisão, de ler todos esses documentos que foram feitos. Isso a cada cinco anos, tá? A gente, agora, está acabando a quarta revisão que deve ser publicada esse ano, em 2006, e é muito interessante, porque você faz a análise dos vários aspectos e às vezes quando algum assunto começa a ficar importante, o Ipcc faz um relatório especial sobre aquele assunto, então já teve vários relatórios especiais. Então, você olha, por exemplo, um exemplo que eu te dou para você entender isso é florestas, tá? O que eu estou tentando te dizer é que de 1988 para agora é muito rápido, tá? Em 1988 não se tinha... O problema do efeito estufa é conhecido desde há rênio, então é muito antigo. O efeito estufa natural é o que faz a gente ter vida na Terra, senão a temperatura média na Terra seria de menos quinze graus. Mas esse agravamento do efeito estufa pela atividade humana é que começa a ser percebido pelos cientistas a partir de 1988 e por isso que a organização desse painel para tentar organizar a ciência. Se você olhar que em 1988 você começou a organizar a ciência, eu ia te dar o exemplo de floresta. Floresta, você fez um relatório especial no ano 2000, o Ipcc fez um relatório especial no ano 2000. Você sempre olhou a floresta ou como um lugar de ecossistema, ou pela madeira, ou para tirar frutos, ou, as comunidades indígenas viviam nas florestas e teve sempre, ou paisagem até. Você nunca olhou uma floresta do ponto de vista de mudança de clima, de carbono, o que é que ela contribui para o efeito estufa, tanto como emissão como absorção, aumentando ou reduzindo o efeito estufa. Então é nesse sentido que é difícil! Você começa a ter que olhar coisas que você conhece muito bem sobre outros aspectos, mas não sobre aquele aspecto específico de mudança de clima, né? Então, por exemplo, esse relatório de floresta, a primeira vez que você tenta organizar o conhecimento de floresta em mudança do clima é em 2000. Você vê que é tudo muito recente! E essa que é a dificuldade, porque quando você tem cento e oitenta e nove países juntos, eles têm uma visão do problema multifacetada. Cada um olha aquele problema sobre um ângulo completamente diferente, por exemplo, no Japão uma árvore é sagrada! Jamais eles vão pensar em desmatar uma floresta! No Brasil a gente já não tem essa relação religiosa com a árvore. Isso mostra a dificuldade que é esse tipo de negociação de mudança do clima. Agora, eu acho que avançou muito por causa disso, que você organizou a informação, você organizou o conhecimento e mais do que isso, paralelamente, você já começou a ação mesmo no meio da incerteza que é o outro princípio, o Princípio da Precaução, você começou a trabalhar para tentar resolver o problema ou tentar mitigar o problema antes de você ter perfeito conhecimento de tudo que está acontecendo. Então, eu acho que esse é o grande avanço que está acontecendo no Protocolo de Kyoto. O Protocolo de Kyoto foi adotado em Kyoto, em dezembro de 1997 e aí ele entra em uma fase de organização. Até 1998 não acontece nada, em 1998 tem a Conferência de Buenos Aires, que você organiza um plano de trabalho de dois anos. Normalmente o processo é sempre de dois anos, dá um prazo de dois anos para forçar que as pessoas se organizem e que cheguem a uma conclusão em dois anos como seria feita a regulamentação do Protocolo de Kyoto. Por exemplo, no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo você tinha, o artigo doze, se você ler são doze parágrafos muito por cima. Transformar aquilo em algo que você possa gerar projetos, demorou de 1998 a 2001, a regulamentação do Protocolo de Kyoto acabou em 2001 na conferência em Marrakesh, e para você ver a decisão do governo Bush, a eleição nos Estados Unidos ocorre em 2000, que seria quando, pelo prazo que a gente estava pensando ia, terminada a regulamentação porque era 1998 a 2000, Conferência da Haia e ela ocorre junto com a eleição americana. A eleição americana, não sei se você se lembra, deu problema, da Flórida, que não terminava a eleição, não saía o resultado e a delegação americana ficou sem instruções, porque eles não sabiam nem quem era o novo governo, né? Então, a reunião de 2000 terminou em impasse e foi parada, ela foi suspensa, ela não terminou para o artifício que foi feito pelo presidente da Conferência da Haia, e ela foi retomada em junho de 2001, em Bonn, mas, em março, o presidente Bush, já confirmada a eleição dele, ele anunciou que ele não ratificaria o Protocolo de Kyoto. Então houve essa retomada da Conferência, a Sexta Conferência das Partes que havia sido suspensa na Haia, ela é retomada em Bonn, mas com uma perspectiva muito ruim porque a gente não sabia nem se ia ser, ia haver consenso ou não para terminar a regulamentação do Protocolo de Kyoto, se teria o Protocolo, mas não teria ele regulamentado, muito menos entrando em vigor. Para a nossa surpresa a regulamentação foi um sucesso. Eu, inclusive, um argentino, o Raul Estrada que foi o grande líder para fazer o Protocolo de Kyoto, ele estava coordenando essa regulamentação, ele pediu que eu ajudasse na parte de MDL, com cinco questões que estavam tendo conflito. Então, eu tive que chefiar um grupo que ia tentar resolver cinco questões e o meu grupo foi dentro desta reunião da Sexta Conferência retomada, foi o primeiro que chegou a um consenso dentro da Conferência e que deu um sinal extremamente positivo, que deu um sinal que poderia haver consenso, quer dizer, que os países que não estavam querendo parar o Protocolo, os outros, sem ser Estados Unidos e Austrália, os outros países estavam, a Austrália inclusive na época estava participando da regulamentação, ela só anuncia posteriormente, quer dizer, os outros países... Que a gente não sabia nem se os outros países iam parar a regulamentação ou não no Protocolo de Kyoto e das cinco questões que meu grupo tinha que analisar, uma logo de cara teve consenso, o que deu um sinal positivo para a Conferência, como um todo, dizendo; “Está vendo, eles não estão bloqueando, se eles quisessem bloquear não sairia consenso em nenhuma das questões”, e daí, cinco questões que eu teria que tratar, nós conseguimos o consenso em quatro, só uma que eu não tive consenso e acabou meu grupo com isso. Aí, com isso, essa Conferência, de bom, ela meio resolveu todas as questões que eram mais conflituosas e isso permitiu que na Conferência seguinte, que foi no final do ano, em Marrakech, você terminasse a regularização no Protocolo de Kyoto. Então, a regulamentação do Protocolo de Kyoto, inclusive a do MDL, a do MDL foi mais complicada, para você ter ideia, praticamente em Marrakesh, a gente virava dia e noite, durante, são duas semanas de Conferência, a gente praticamente não parava nem para comer nem para ir ao banheiro, era impressionante, os caras ficavam rodando dia e noite. Eu cheguei a perder dez quilos em Marrakech, para você ter uma ideia! É um negócio, assim, de maluco essa Conferência! E nós chegamos à regulamentação do Protocolo de Kyoto, como um todo e específico para nós do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, eu que estava negociando pelo Brasil. Claro que é um acordo, os queríamos, mas nosso ponto de vista foi positivo, a regulamentação que aconteceu. Em 2000, no final da reunião, já foi estabelecido o Conselho Executivo do MDL que tem a atribuição de organizar o MDL, de fazer decisões de nível mais baixo ainda, de regulamentar mais fino e isso começou, em operar o MDL, já em 2002, o Dr. Gylvan virou membro do conselho Executivo pelo Brasil, na verdade numa cadeira América Latina Caribe, que o Brasil assumiu. Depois, o Doutor Gylvan saiu e em 2003 ficou vaga e em 2004 o Governo do Brasil me indicou para assumir o lugar dele e, em 2005, eu fui reeleito, 2005, 2006, para um mandato de novo membro titular da América Latina Caribe, então eu estava no executivo I. E esse ano você tem a presença do executivo bond, é uma alternância entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, aí esse ano é o ano dos países em desenvolvimento de indicar o presidente, aí os meus colegas dos países em desenvolvimento me nomearam como presidente do executivo, então aí eu estou quase que fechando a trajetória do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, desde o nascimento até agora eu estou na presidência do Conselho Executivo, do MDL, que é uma satisfação muito grande. E a satisfação maior é a que eu te falei, ver as ideias no papel, que o pessoal acha que: “Vocês estão gastando papéis, estão emitindo nos aviões e estão gastando papel!”. Na verdade eu até estava brincando ontem de noite com o pessoal do Greenpeace, eles estavam falando: “Não, vocês emitem muito e não fazem nada!”. E eu falei: “Olha, não é verdade o que você está falando! O pessoal, teve uma reunião do BID agora e eles fizeram a reunião ser neutra em termos de carbono”. Eles tinham três mil delegados, foi em Belo Horizonte a reunião do BID, eles fizeram um projeto de doze mil toneladas, de redução de doze mil toneladas que pagou todo o transporte aéreo para trazer as pessoas aqui da América toda, pagou a iluminação, claro, porque no Brasil a hidrelétrica tem menos emissão e pagou o transporte local em Belo Horizonte, quer dizer, com doze mil toneladas. É o que eu falei, se você compara com o que o MDL já reduziu até hoje, em um ano, porque o Protocolo de Kyoto só entrou em vigor em 2005, no início de 2005, quer dizer, o Protocolo de Kyoto também está na infância, tem dois anos. Os setecentos e cinquenta projetos que estão hoje sendo implementados no Protocolo de Kyoto vão reduzir, até 2012, que é quando termina o primeiro período de compromisso, algo com um bilhão de toneladas de CO2. Quer dizer, quando você compara, que a reunião do BID você gasta doze mil toneladas de CO2, é o que eu sempre falo, o benefício que têm essas reuniões é muito maior, que eles ficam reclamando que a gente está gastando, está emitindo mais e não está resolvendo o problema. É que os problemas são muito complexos, a dificuldade é dos problemas não é da negociação. A negociação é muito interessante, mas é difícil, porque você tem cento e oitenta e nove países com visões completamente distintas.
P/1 – E como o Brasil é visto nessas negociações internacionais?
R – Olha, é interessante. Agora mesmo eu estou vindo da reunião, porque a Convenção tem duas reuniões por ano. Uma de meio de ano que é uma reunião de órgãos subsidiários. Sabe que a Convenção tem dois órgãos subsidiários, uma de implementação e um de assessoramento técnico científico e essas reuniões de órgãos subsidiários preparam as decisões para as Conferências das Partes que acontecem, normalmente, no final de ano. Esse ano vai ser a Décima Segunda Conferência das Partes, vai ser no Kenya, em Nairobi. E em uma das negociações lá sobre Capacity Building, Formação e Capacidade, um delegado russo fez intervenção lá, eu estava na sala assistindo – porque a gente se divide, um vai para um órgão e outro vai para outro –, ele fez a intervenção no órgão de implementação dizendo que tinha países em desenvolvimento que já estavam muito mais capacitados que a maioria dos países desenvolvidos, e ele estava se referindo, para mim, claramente, para a delegação brasileira, porque nós estamos com um papel de liderança, muito grande. Primeiro pelo MDL, toda a história da proposta brasileira que continua na mesa ainda, e segundo pela delegação brasileira. Tanto a equipe que eu coordeno no MCT quanto no Itamaraty é muito boa e acaba havendo uma divisão de trabalho dentro do G77 China, porque basicamente, China, Brasil e Índia e Arábia Saudita, em alguns casos, que coordenam a maioria dos assuntos. E, os assuntos mais difíceis, eles normalmente jogam para o Brasil, os assuntos que são mais científicos, mais complicados a gente acaba coordenando. E, além disso, a gente tem uma participação muito ativa no apoio ao G77 nas outras questões que nós não estamos coordenando, né, e isso tem um reconhecimento total da qualidade e da participação da nossa delegação. É interessante, é muito interessante, e até o russo fez essa intervenção reconhecendo isso, que nós já estamos mais capacitados que muitos países desenvolvidos.
P/1 – Um dos nossos depoentes fez uma análise muito interessante, que os anos noventa foi marcado pela preocupação, por toda essa discussão entre todos os países sobre essa questão ambiental e que em 2000, nessa década que a gente entra, o eixo da preocupação passou a ser o terrorismo pós 11 de setembro. Qual a sua visão a respeito, você que está sempre...
R – Olha, eu tenho a visão um pouquinho diferente porque eu acho que com o nível de população crescendo você consegue, com mais gente, lidar com mais assuntos ao mesmo tempo, tá? Então, eu não acho que houve uma ênfase no combate ao terrorismo em detrimento de questão ambiental, eu acho que a questão ambiental está ganhando, cada vez mais, mais peso. Você está falando, na tua pergunta anterior, como é que foi a evolução da questão ambiental. Se você pensar, a primeira vez que você fala em questão ambiental é em uma reunião em Estocolmo, em 1972. Você tem a reunião da Rio 92, vinte anos depois, você já tem o Protocolo de Kyoto cinco anos depois e você, hoje, já tem a regulamentação do Protocolo de Kyoto em 2001, quatro anos depois, que é complicado e hoje você já está implementando, quer dizer, foi muito rápido, eu costumo brincar que tanto a Convenção quanto o Protocolo estão na infância, na adolescência, ainda. E você já está tendo um movimento enorme de pessoas pensando em como fazer o projeto de redução de emissão e tentando reduzir a emissão, tá? Eu não vejo que sejam excludentes os assuntos, muito pelo contrário, o que eu vejo é que você cada vez tem mais gente atuando em mais áreas, em países como o Brasil, os Estados Unidos, China, Índia, que têm muita população, você pode alocar recursos para lidar com todos os assuntos, o problema é muito mais de falta de recursos financeiros do que de humanos no nosso caso, porque você acaba não se organizando por recursos escassos e você não dá prioridade. Então, o que eu vejo é muito mais falta de prioridade na aplicação de recursos financeiros para apoiar as equipes do que efetivamente conflito de agenda ou mudança de prioridade, eu não acho que acontece isso não. Até porque está cada vez maior a conscientização, que o problema é cada vez maior, mais preocupante. Nós tivemos em Bonn, um pouco antes do Katrina, lá em Nova Orleans, um debate que o (Pio?) Center faz, é um ______ que é americano, e esse mesmo delegado americano que lá atrás, Jonathan _________, falava que as emissões de países em desenvolvimento iam ser iguais aos dos países desenvolvidos, entre 2020 e 2030, ele agora não está mais no governo, porque ele era do Governo Clinton, ele agora está nesse __________ que é o (Pio?) Center, ele fez uma apresentação criando um índice de vulnerabilidade que ele botava o Estados Unidos como menos vulnerável, dez e a Etiópia como mais vulnerável com cinquenta, era o índice que ele criava e ele colocou o Brasil como dezoito, e eu falei para ele na reunião: “Eu duvido que o Brasil seja mais vulnerável que os Estados Unidos!”. E na época estava passando um filme o Day After Tomorrow, eu falei: “Eu não estou nem falando do filme!”. Todo mundo riu. “Eu estou falando do risco dos furacões no Caribe, e cada vez vai ser maior!” e logo depois teve o Katrina. E eu acho que se você olhar daqui para frente, nós já estamos quase chegando a quatrocentos Ppmv, a cada ano está subindo de um a dois Ppmv por ano, nós estamos em 2006, até 2020 são catorze anos, se você subir um Ppmv por ano, você vai, rapidamente, você vai passar de quatrocentos Ppmv. Ou seja, essa acumulação é muito rápida, porque como eu te falei, esse efeito estufa, que a ideia do Doutor Gylvan de criar um critério objetivo é uma dupla acumulação, então é muito rápido, é uma bola de neve, uma exponencial, é muito rápido! Então o que o Ipcc mostra é que em 2100 a coisa vai fazer assim: boom, e nós temos que correr contra isso, então eu acho que a conscientização vai vir pelo lado ruim, perverso, com o sofrimento das pessoas, com esses furacões sendo cada vez mais frequentes e isso vai dar mais urgência, porque as pessoas só começam a pensar... O professor Pinguelli que fala que as pessoas não vêem o CO2, nós estamos aqui emitindo CO2, como eu falei, ninguém percebe isso, você não pensa nisso, né, que você está emitindo CO2, isso é natural, isso é renovável, isso não causa efeito estufa, mas ele brinca que você não vê CO2, ainda a Convenção Protocolo reduz, quer dizer, você reduz uma coisa que não vê, então as pessoas acham que isso é virtual ou é enganação. E, na verdade, essa é a dificuldade do efeito estufa porque pela primeira vez você tem um problema que é intergeracional, nós estamos falando de algo de 2100. Em 2100 é óbvio que eu não chego, mas quem chega em 2100 é em uma estimativa de setenta, oitenta anos de vida, são os netos dos meus netos, entendeu? Então é muito longe, são várias gerações pela frente, você tem que tomar decisões hoje, os governos estão preocupados com decisões de quatro anos, então é difícil você colocar na pauta dos governos que uma preocupação com 2100 é importante, é prioritária, ainda mais em países em desenvolvimento que você tem problemas de educação, de saúde, de segurança, de abrigo, habitação. Quer dizer, obviamente não é prioridade e eu falava isso e o pessoal ficava irritado comigo dentro da Convenção, porque parece que eu não queria fazer nada. Não, não é isso. É simplesmente que você tem que ter algum tipo de incentivo para poder fazer mais dentro dessas condicionantes, que isso não é prioridade, então você tem que nadar contra a corrente de alguma maneira e acho que isso nós fizemos no Brasil por causa da Rio 92, por causa da proposta brasileira em 1997, por causa da MDL que houve reconhecimento do que era fruto do trabalho nosso no Brasil, então acabou que o Protocolo de Kyoto ficou muito conhecido, depois, como eu estava falando, antes do presidente Bush ter falado que não ratificava o Protocolo, colocou o Protocolo de Kyoto nas primeiras páginas dos jornais, então acabou sendo, ele causou uma grande divulgação do Protocolo de Kyoto e agora com o Katrina reforça ainda mais essa imagem de que o problema é grave e meio a que está acontecendo com os Estados Unidos, que não está cumprindo com o Protocolo, quer dizer, reforça todas essas imagens. Então, é extremamente interessante por causa disso, porque eu acho que faz avançar, essas coisas todas fazem avançar.
P/1 – Mas é reconhecido? A sociedade americana reconhece como uma consequência, o Katrina?
R – Não, porque não é passado isso para sociedade americana que você tem a contra informação das empresas de petróleo, basicamente Esso e outras empresas que ficam fazendo a contra informação dizendo que o clima não é um problema, que isso são alguns cientistas que estão querendo deturpar, quer dizer, você tem um jogo de interesses. Mas é o que eu estava te falando, o bom dessas negociações, para mim pelo menos que estou há doze anos trabalhando nisso, participei das doze Conferências das Partes, a minha décima segunda vai ser agora, é interessante você ter a confirmação do que está acontecendo, o tempo vai passando, você vai monitorando. Você sabe o que os países estão omitindo, você faz a avaliação através dos inventários, o que é que está acontecendo em cada país e você sabe, os cientistas estão olhando o que é que está acontecendo com a concentração dos gases na atmosfera, então não tem muito que enganar. E a gente vai olhar o que vai acontecer em 2012, você vai ter uma avaliação dos países e do estado da atmosfera em 2012, então não tem jeito, não dá para enganar porque você tem um check, que você está checando independente.
P/1 – E para o Brasil? Quais são os principais desafios quanto à matriz energética sustentável dos nossos recursos nesse futuro a médio prazo?
R – Olha, o Brasil, pela matriz energética é extremamente limpo no sentido de efeito estufa. A gente emite muito poucos gases de efeito estufa porque na parte de geração elétrica é bastante energia hidráulica, que você usa, potencial hidráulico de hidrelétrica e na parte de transportes nós temos muito uso de etanol que representa quase quarenta por cento do transporte individual. Agora a gente está indo para outras fontes como biodiesel que vai entrar ainda na parte do diesel e vai reforçar ainda mais essa ideia. Então, a parte energética do Brasil não é problema, comparativamente ao tamanho do consumo energético brasileiro que ainda é pequeno porque parte da sociedade, você ainda tem trinta milhões de pessoas que estão fora da sociedade, ganhando menos que um dólar por mês e cinquenta por cento da PEA, é só cinquenta por cento da população, então você ainda tem uma grande massa de pessoas que está fora do mercado, na medida que essas pessoas entram no mercado você vai ter mais emissão e isso é reconhecido na Convenção no princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada, está escrito que a gente emite pouco, que o consumo per capita ainda é pequena e que ainda deve tender a aumentar para satisfazer as necessidades econômicas básicas. Então está previsto na convenção, quer dizer, a gente vai tender a aumentar as emissões no Brasil no futuro, mas o setor energético, por causa disso, porque nós somos um país tropical com muito sol, com muita chuva, com muita terra agrícola, você tem um setor energético que é privilegiado neste sentido. Inclusive, uma das críticas da proposta brasileira é que a gente não entra no mérito das causas de por que que cada país causou o efeito estufa, porque você tem um critério objetivo de olhar quais foram as emissões dos países ao longo do tempo, desde a Revolução Industrial e medir qual é responsabilidade de cada um. Claro que têm países que não tinha recursos energéticos, como a China e Índia, que usou carvão, então eles contribuíram mais para o efeito estufa, mas a gente não entra no mérito se isso é ruim ou bom, a gente simplesmente faz essa conta. O Brasil, nesse sentido, é privilegiado porque ele tem muita água, muito sol e você pode fazer cana-de-açúcar e pode usar o álcool, o bagaço do álcool. O nosso problema é mais os outros gases e o desmatamento, então, o Brasil tem que centrar o combate contra o desmatamento, que a gente acha que isso é um problema doméstico, isso não é um problema de tratado internacional, tá? Então é um problema de evolução, isso aconteceu nos Estados Unidos, a corrida ao faroeste é desmatamento, eu brinco que no filme E o Vento Levou, a menina volta a ficar bem na vida quando ela compra uma madeireira para fazer as casas da cidade na corrida para o faroeste, porque eles estavam desmatando tudo. Quer dizer, isso aconteceu na Europa, aconteceu antes por causa das caravelas, né, eles desmatavam para fazer caravela, quer dizer, é um processo de ocupação da terra, do território com o aumento de população, que depois estabiliza e você para. Agora, porque isso acontece em todos os países não quer dizer que você não tenha que cuidar para que não aconteça no Brasil, você não tem que repetir os erros dos outros países. Agora, é difícil porque é um processo de ocupação territorial e de desenvolvimento. Quer dizer, mais população, você precisa de mais alimentos, mais habitação, é um processo natural, então é difícil. O problema é você ser mais organizado, mais eficiente para evitar esse padrão de depravação que a gente está vendo hoje no Brasil. Essa é a nossa grande emissão e outra emissão que nós temos é porque a gente é grande produtor de carne e leite e o gado acaba emitindo metano, então isso aí é difícil porque não é uma emissão por consumo supérfluo, não é transporte de carro é comida, é leite, é carne, então essa discussão é mais difícil. Mas de qualquer maneira, você pode pensar em maneiras de reduzir a emissão, quer dizer, através de alimentação. Você tem que voltar à pesquisa para ver como é que você pode atuar nessas coisas, não acabar com o problema, mas tentar ser mais eficiente na produção, você ter insumos que sejam menos, que você consiga emitir menos metano. É isso. Então, nós estamos tentando. Na minha coordenação, eu ajudo algumas pesquisas que são feitas no Brasil, incentivos de diversos trabalhos no Brasil ou pelo inventário ou pelo próprio orçamento que nós temos. Nós temos um pequeno orçamento para as mudanças no clima, eu tento ajudar os grupos que estão olhando isso e a Embrapa tem nos ajudado muito e eu tento fomentar essas pesquisas na Embrapa, então eu acho que daqui alguns anos vamos ter, não digo solução, mas você vai ter tecnologias para poder lidar com o problema no futuro.Recolher