Entrevistado por: Stela Tredice e Carolina Ruy
São Paulo, 16 de março de 2006
Realização Museu da Pessoa
Código do depoimento: BIO_HV009
Transcrito por: Gustavo Prudente
Revisado por: Carolina Ruy
Revisão 2 por: Bruna Ghirardello
P: A gente vai começar pelo seu nome mesmo. Qual que é o seu...Continuar leitura
Entrevistado por: Stela Tredice e
Carolina Ruy
São Paulo, 16 de março de 2006
Realização Museu da Pessoa
Código do depoimento: BIO_HV009
Transcrito por: Gustavo Prudente
Revisado por: Carolina Ruy
Revisão 2 por: Bruna Ghirardello
P: A gente vai começar pelo seu nome mesmo. Qual que é o seu nome completo?
R: Rachel Biderman Furriela.
P: E o local e data de nascimento?
R: Eu nasci em Marília, no interior de São Paulo, no dia 27 de setembro de 1968.
P: Qual que é o nome de seus pais? O que eles faziam? O que você lembra deles?
R: A minha mãe é Maria Tereza Camargo Biderman. Meu pai é Sol Biderman. Eles são professores universitários de formação. Meu pai é estrangeiro, norte-americano. Eles se conheceram fora do Brasil, na década de 1960. Em Portugal, mais precisamente. Os dois estudavam na Europa, na época – Literatura. E vieram a casar em 1966, aqui no Brasil, em São Paulo. E um dos primeiros empregos deles, assim, logo depois de casados, foi em Marília. Abriu lá uma faculdade de Letras, eles passaram no concurso, e é por isso que eu nasci em Marília – porque meus pais estavam dando aula na universidade lá.
P: E... posso chamar de senhora, você?...
R: Não, você! Pelo amor de Deus!
P: Você é jovem – é estranho chamar de senhora...
R: Não, não, não! Fica muito à vontade! Bate-papo, gostoso.
P: Você se lembra de seus avós? Você conhece seus avós? Como é que é seus avós?
R: Eu conheci... Por parte de pai, eu conheci meu avô, mas muito pequena – eles moravam nos Estados Unidos. A minha avó, ela até deu o nome da minha primeira filha – é o mesmo nome da minha avó paterna, que eu não conheci, que é Ana. Ela era imigrante da Polônia, família judaica. Ela foi com 2 ou 4 anos para os Estados Unidos. Meu avô, também de família polonesa, judaica. Imigraram no final do século XIX para os Estados Unidos, para o estado do Texas. Então, essa história da família do meu pai, eu conheço pouco, não convivi. Tive poucos contatos com o irmão de meu pai. Tive... Vivi mesmo no seio da família da minha mãe. A minha mãe é de origem do interior paulista. Meus avós... Meu avô materno, Otávio de Souza Camargo, nasceu aqui em Paraibuna, então filho de fazendeiros, já num momento de economia em declínio – economia do café. Então, gente que lutou muito, teve muita dificuldade econômica. A minha avó também, materna, os pais dela também eram descendentes de portugueses – tem sangue indígena aí na família. Mas basicamente 500 anos de Brasil – então, a família Almeida Camargo. E minha mãe cresceu no interior paulista, numa cidade chamada Bananal, uma cidade do tempo cuja glória foi na época do café, do Império também. Uma cidade bonita, com muito... com, enfim, um patrimônio histórico rico, no Vale do Paraíba. E minha mãe cresceu numa fazenda já em declínio, também, econômico, com dificuldade econômica, então ela estudou sempre em escola pública... E ela foi a primeira de nove filhos a vir para São Paulo estudar. Então, minha mãe é uma pessoa muito dinâmica que, para a época dela, se destacou muito, porque ela começou a vida acadêmica numa época em que poucas mulheres estudavam - teve oportunidade de estudar fora do país com bolsa do governo brasileiro várias vezes, e bolsa de outros governos. Então, uma pessoa muito dinâmica e que me marcou muito, principalmente na questão da minha formação moral, religiosa, e, vamos dizer, cívica. E meu pai também, uma pessoa que tem uma história muito triste, por um lado, porque cresceu sem a mãe. Foi formado, vamos dizer, graças ao sistema de ensino norte-americano, que tinha recursos – o sistema público. Foi criado num orfanato judeu – então, foi a comunidade judaica de Denver que acolheu meu pai e o irmão dele... Então, ele tem alguns traços da história dele que refletiram na minha história, porque ele valoriza família, valoriza valores, vamos dizer... tem valores de respeito humano muito fortes... então, são duas figuras marcantes na minha vida. Especiais. Tive muita sorte de ter os pais que tenho.
P: Você tem irmãos?
R: Tenho um irmão, Rafael, um ano e meio mais novo que eu. Ele seguiu uma outra trajetória profissional – trabalha no setor financeiro. Eu brinco que ele está destruindo o meio-ambiente, enquanto eu estou protegendo o meio-ambiente. Coitado, mas não é nada disso. Ele trabalha no setor financeiro, e aos poucos também... O setor financeiro agora está incorporando uma série de medidas muito interessantes - ele está acompanhando isso também. Hoje ele vive no México com a esposa dele. Mas é meu companheirinho de infância, meu grande amigo.
P: E esse nome, Biderman Furriela?
R: O Biderman é do meu pai. Eu, como solteira, era Rachel Biderman. Até profissionalmente eu uso mais Rachel Biderman, não costumo usar o Furriela. Furriela é o nome de meu marido, Fernando. Um nome português. É uma patente do exército Furriel, mas a família dele ficou com esse nome, Furriela. Os pais deles eram de Portugal, e esse nome é da família do pai dele. E eu incorporei. Fiz questão de, quando casei, acrescentar o nome dele, porque é o nome da família. É o nome que minhas filhas iam ter – ou filhos – e eu quis ter o nome dele também.
P: E falando um pouco da sua infância, como que era o bairro que você morava?
R: Uma delícia. Morava numa cidade do interior, que o bairro era cheio de terrenos baldios, então a gente brincava com as crianças da cidade - brincadeiras de rua, né? Aquela coisa deliciosa: mãe-da-rua, pega-pega, esconde-esconde, andar de bicicleta. Eu fiquei até os 10 anos de idade em Marília, então eu acho que eu fui muito feliz na minha infância por isso, porque eu cresci no interior. Mas meus pais foram transferidos. Fecharam a área deles em Marília – a área na universidade – e eles tiveram que vir dar aula em Araraquara. E eles optaram por morar em São Paulo e viajar toda semana para Araraquara. Então, a partir dos 10 anos eu vivi nessa... capital. Também fui muito feliz na infância, mas porque meus pais optaram por escolas em que eu me dei muito bem, então minha vida passou a ser mais no mundo escolar. E nas férias, eu passava quase todos os meses de férias com meus avós no interior - os pais da minha mãe. A gente ficava num sítio, no meio do mato. Então, acho que esse meu amor pelo meio-ambiente vem daí, porque meu avô era um cara que plantava muito. Minha mãe, a vida inteira - ela tem dedo verde. Eu digo que onde mamãe encosta, nasce uma planta, porque sempre foi a paixão da vida dela. Então, meu avô e minha mãe trouxeram para mim essa coisa muito forte ambiental. E eu cresci, então, acho que já a partir dos 5 anos eu já ia para esse lugar, até os 18 eu frequentava lá Bananal – e era a zona rural de Bananal. Então, era banho de rio, era trilha em montanha, cachoeira, pé no chão, andar a cavalo, charrete... Tive muita sorte também. Acho que essa parte da minha infância foi muito feliz, porque eram sempre as férias. E durante o ano, aqui em São Paulo, estudei num colégio chamado Rainha da Paz, uma escola de freiras ali no Alto de Pinheiros, e depois eu fui para o colégio São Luiz, que era um colégio jesuíta, a partir da 7a série – então, já estou entrando na juventude, não sei se posso continuar...
P: Sim.
R: Mas, é... que mudou minha vida, assim. A minha passagem pelo Colégio São Luiz acho que é a fase mais marcante da minha formação humana. Eu tive sorte com os professores que eu tive, com os padres com quem eu convivi, com os colegas. Eu me engajei muito no movimento cristão, católico. Eu, apesar de raízes judaicas, eu sou uma mistura - pai judeu com uma mãe católica – então, sempre me senti muito estimulada a entender essa confluência aí das religiões e em casa sempre perguntei muito para meus pais. Mas minha mãe fez uma opção muito clara, e acho que em acordo com meu pai, eles quiseram que eu e meu irmão estudássemos em escolas católicas. Meu pai não fez questão de ensinar o judaísmo, nem impôs nada, e minha mãe fazia questão – uma pessoa católica mesmo, fervorosa, enfim, leva muito a sério. E eu acho que isso foi tranqüilo para mim. Eu não tive nenhum grande... “puxa, queria ser judia”, “não queria”. Eu assimilei muito bem essa vontade de minha mãe e isso se transformou na minha vontade – eu optei, então, por uma religião. Apesar de que eu não vejo grandes diferenças em nenhuma religião. Então, eu sou muito ecumênica. Eu vou muito bem à sinagoga, como vou a um templo budista, como vou à igreja. Mas minha prática mesmo é católica. Então, essa formação católica dos jesuítas foi muito marcante para eu ter um olhar social, para eu ter um olhar para o meio-ambiente, para eu ter um olhar pela justiça social. E eu fui líder de grupos, assim, na escola. Eu sempre tive liderança. Então, eu liderava um grupo de... a gente chamava de Congregação Mariana. Depois eu ajudei a fundar o movimento dos ex-alunos dos jesuítas no Brasil. Aí eu me envolvi com o movimento internacional de ex-alunos dos jesuítas... E sempre com a preocupação de que aquela formação humanista e cristã, que eu pudesse levar aquilo na minha vida. Então, acho que foi o meu início em desenvolvimento social, partiu ali daquela militância na escola mesmo. Acho que os padres identificavam minha liderança, me chamavam para muita coisa, para representar... Os alunos me chamavam para ser representante de turma, eu ganhei prêmio de melhor amiga... Então, era assim, aquela coisa bem de... agitadora mesmo. Sempre fui. (risos) E aí isso foi definitivo também para quando eu fiz minha opção profissional.
P: Você começou seus estudos no colégio Rainha da Paz, né, e no colégio São Luiz. Eu queria que você falasse um pouco da influência desse período escolar para sua opção na área ambiental - se isso gerou alguma influência.
R: Olha, o incrível foi que minha opção inicial não era meio-ambiente. Eu logo optei por direitos humanos – foi esse o meu viés. Eu me lembro muito bem de uma palestra do Peter Nilko, no colégio São Luiz, em que ele foi falar de meio-ambiente, em que aquilo... - era terceiro colegial - aquilo me chamou a atenção, abriu uma janela, mas aquilo ficou guardado num cantinho da cabeça. Porque eu já tinha uma preocupação mais social – eu fazia trabalho voluntário durante o colegial todo. Nos horários de folga, eu ia a favelas, creches, asilos, enfim. Aqui na região metropolitana, os jesuítas, naquela época – não sei se continuam - mas pelo menos eles estimulavam muito os alunos da escola a colaborarem. Então, a gente trabalhava em favela com alfabetização, ou então ia dar reforço em matemática, coisa assim. Também a preocupação era muito mais social. Não tinha esse olhar ambiental. Eu me lembro só dessa palestra do Peter Nilko lá, que é um cara que na época trabalhava muito com o Amyr Klink, e falava de questão ambiental. E aquilo ficou em algum lugar especial na minha cabeça, mas minha preocupação era tortura, Direitos Humanos, eu logo entrei na Anistia Internacional – foi lá que eu conheci meu marido, inclusive. E aí eu quis fazer Direito, porque eu achava que o Direito ia ser o caminho ia ser o caminho para trabalhar pela justiça – a justiça social. E também tinha uma ambição internacional. Acho que eu vi isso nos meus pais: viajavam o mundo inteiro, trabalhavam com projetos de cooperação internacional nas áreas de pesquisa deles, e eu achava isso lindo – eu queria rodar mundo. Muito cedo também meus pais me estimularam a conhecer outros países, então com 15 anos me mandaram para os Estados Unidos – eu passei uns meses com meu tio. Com 17 anos, eles me pagaram a viagem pela Europa, e me deixavam solta... muito corajosos. Muito corajosos! Admiro muito meus pais, porque eles tiveram a coragem de meu soltar: “olha, vai”. E eu me virei muito bem. Acho que eles tinham confiança na minha capacidade de me proteger, de me organizar. E aí eu entrei na faculdade de Direito, então, com essa dupla intenção: justiça social e questão internacional. Fiz a faculdade todinha focada nisso, fiz todos os cursos que eu podia de Direito Internacional, e eu achava que ia trabalhar com direitos humanos na área internacional. Tinha até o sonho de prestar concurso para a carreira diplomática... enfim. Acabei não prestando porque a vida tomou outro rumo: conheci o Fernando, que é o meu marido, e me apaixonei por ele, fiz uma opção de viver com ele. Então, logo no final da faculdade, eu já estava noiva e a vida do Fernando era aqui em São Paulo. É um advogado também, militante da área dos Direitos Humanos, mas com escritório aqui – portanto aquela idéia internacional não funcionaria. Mas eu não desisti da idéia, que sempre foi um sonho, de estudar fora do Brasil e fazer uma pós-graduação. Então, assim que eu me formei... No último ano da faculdade eu já fui atrás e identifiquei uma faculdade nos Estados Unidos para fazer um mestrado em Direitos Humanos. Aí eu vi que eles tinha ambiental também – Direito Ambiental. Na mesma época minha mãe me orientou, me estimulou – meu pai também – a tentar bolsa para pagar, porque para eles seria difícil pagar o curso. Eles tinham até recursos, mas ia ficar muito apertado. Então, eu tentei a Capes. Consegui. Por sorte, a Capes, naquela época, ainda dava bolsa de mestrado para o exterior. Fui estudar direito internacional, direitos humanos e ambiental na capital americana. Isso também mudou minha vida, porque chegou lá, eu percebi que era meio-ambiente. Então, acho que eu percebi fora do Brasil, apesar de toda essa vivência, sabe, próxima à natureza, e tudo mais. Eu sempre frequentei Serra da Bocaina – é onde eu ia tomar banho de cachoeira na infância. Aquilo lá era uma coisa que eu trazia comigo, mas eu não tinha ainda o olhar, assim: “ah, vou trabalhar com isso”. Eu achava que eu ia trabalhar com a defesa dos Direitos Humanos. Quando eu cheguei nos Estados Unidos, tudo se reverteu: as oportunidades apareceram na área ambiental. Era véspera de ECO 92 – era 1991 – o mundo estava com esse olhar, a imprensa, os livros, tudo falava nisso. E eu fui me atraindo por aquilo e o discurso me contagiou, me contaminou de uma forma irreversível e foi por aí, então, em 1991, que eu realmente optei: é Direito Ambiental, é militância na área ambiental. Mas eu sempre tive a preocupação sócio-ambiental.
P: Então, você fez Direito Ambiental, e também você foi estudar como bolsista da WWF. Foi nesse mesmo período?
R: Não. Na WWF eu consegui uma bolsa mais para frente. Então, nos EUA eu tive a oportunidade de trabalhar na WWF lá – eu fui uma estagiária de um programa, era o programa Brasil WWF em Washington. E teve uma pessoa muito marcante em minha vida, que era um cara muito carismático, um professor chamado David Zack, militante do movimento ambientalista. Era um advogado que tinha transitado por várias ONGs de destaque nos Estados Unidos. E ele é um homem apaixonante, apaixonado pela coisa, me levou para trabalhar com ele – tinha muita curiosidade sobre o Brasil, ele tinha um projeto com o Brasil. Então, eu trabalhei com ele no CIA, que era o Centro de Direito Internacional do Meio Ambiente, e logo depois na WWF. Então, aquilo ali foi assim: foi a plataforma sobre a qual eu construí... alavanquei minhas oportunidades de trabalho para o exterior, porque eles abriram portas. Na época em que eu trabalhei na WWF foi quando aconteceu a Rio 92, então eu morava nos Estados Unidos, e eu me virei. Falei: “Eu tenho que ir para a Rio 92. Não dá para não ir para o Rio de Janeiro, eu, brasileira, ambientalista, não estar aqui”. Então, eu vim e passei uma semana. Foi também um dos momentos marcantes de minha vida, ver aquela profusão de movimentos sociais se organizando e juntos tentando encontrar soluções. Eu assisti muitos dos eventos do fórum paralelo, o fórum ambiental que aconteceu – chamado Fórum Global, na verdade – que as ONGs organizaram, e os movimentos sociais, lá no Aterro do Flamengo, no Rio. Então, foi mais uma oportunidade, assim, de eu sentir, também voltar para o Brasil, e falei assim: “O que eu vou fazer quando voltar para o Brasil?”. Voltei para os Estados Unidos, terminei o mestrado, concluí e voltei para o Brasil. E durante... Eu tinha perdido um pouco a noção, mas acho que de dois a três anos eu fiquei meio sem rumo, porque eu não consegui emprego. Eu tinha um mestrado em Direito Ambiental Internacional, tinha estágio em excelentes organizações, e eu não conseguia emprego na área ambiental. Falei: “puxa vida, estudei Direito na Universidade de São Paulo, uma das melhores do Brasil, consegui bolsa da CAPES, fui para os Estados Unidos, trabalhei, fiquei dois anos...”. Aí eu já estava casada com o Fernando, e o Fernando é um cara bacanérrimo, é um... assim... eu falo: é o grande parceirão. Ele me apoiou sempre profissionalmente. Ele segurava as pontas financeiramente e falava: “Rachel, vai trabalhar voluntariamente, não sai da tua área...”.
P: Puxa, que marido fantástico! (risos)
R: Fantástico! Eu tive a maior sorte do mundo. Não posso reclamar. Estamos juntos há 16 anos – foi ontem que a gente comemorou.
P: Parabéns!
R: É, legal, né? Muito legal você ter uma pessoa... uma presença na sua vida tão importante quanto eu tenho. E o Fernando, então, sempre esse companheirão: durante alguns anos me sustentou e eu trabalhava voluntariamente. Então, eu trabalhei na Secretaria do Estado do Meio Ambiente, no CONSEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente), porque eu era apaixonada pelo tema da democracia ambiental, e o CONSEMA era aquele conselho estadual em que afloravam aqueles conflitos e você via a dinâmica entre o movimento ambientalista, os governos e os empresários. E eu percebi assim: “Puxa vida, isso aqui é um espaço único. Isso aqui é um espaço muito importante. Quero estudar”. Aí eu fui fazer mestrado na USP, estudei aquele tema da participação pública na gestão ambiental, e tive essa bolsa da WWF, então, para fazer a pesquisa. E viajei pelo Brasil para colher depoimentos sobre outros colegiados. Então, para ver o que é que são essas instâncias, esses espaços públicos de participação, em que é possível que o cidadão manifeste seus interesses e politicamente, enfim, promovam negociações, né? E também trabalhei
no SOS Mata Atlântica, na época como voluntária, e depois eles me contrataram para um projeto de denúncias de agressões contra o meio-ambiente. E na SOS eu tive a oportunidade de fazer o que eu chamava de um atendimento SOS mesmo. A SOS Mata Atlântica sempre teve, vamos dizer, uma visibilidade, então a sociedade paulistana, paulista até, de fora do Estado, sempre canalizou denúncias de agressões ao meio-ambiente para o SOS Mata Atlântica. E eu tive a oportunidade, acho que a grande felicidade, de poder atender essas denúncias lá por um tempo. Então, era um balcão mesmo, onde a gente recebia cidadão, com todos os interesses que você puder imaginar. Pessoas falando assim: “olha, cortaram uma árvore no meu bairro, estão jogando esgoto no rio da minha cidade, estão desmatando uma área importante de mata atlântica no litoral”... então, a gente administrava essas denúncias, registrava, e encaminhava para a autoridade pertinente. A SOS não tinha mais fôlego do que isso – não era também o papel dela – então eu fazia esse papel de... então, foi uma grande escola. Sigo aí falando?
P: Deixa eu voltar um pouquinho atrás, se não você vai embora! (risos) Vou voltar um pouquinho nesse período que você ficou... você estudou nos Estados Unidos. Como cidadã brasileira, embora você disse que tinha um grande interesse pelo Brasil, mas como você sentia que era tratada a questão ambiental nos Estados Unidos, nesse período?
R: O mito da Amazônia. O mito da Amazônia. “Ah, os brasileiros estão acabando com a Amazônia”. Era uma coisa que me incomodava muito. Acho que eu ajudei: por onde eu passei, eu desmistificava um pouco essa história. Falava: “olha, não é bem assim. Veja, tem gente morando na Amazônia. O Brasil tem uma população carente. É preciso equilibrar os interesses e tudo mais”. Mas eu sentia, por outro lado, também, que havia um grande interesse em entender o que acontecia. Eu convivi, vamos dizer, com um segmento da sociedade americana que eu considero mais esclarecida. Então, convivi com o movimento ambientalista e gente da academia. Portanto, eles liam, tinham um mínimo de interesse, não eram totalmente ignorantes. Eu tive, em outros momentos, em outras viagens que fiz para o país, a oportunidade de conviver com outro tipo de pessoas, e que me chamaram muito a atenção – era o total desconhecimento: não sabiam sequer se o Brasil ficava na América Central ou do Sul. Enfim, coisas do tipo, tão aberrantes como essa. Portanto, a ignorância do americano médio a respeito de Brasil, a América Latina, a falta de interesse, é uma coisa gritante, que até hoje, a gente sabe, se reflete até na política nacional. Quem é o presidente que está eleito lá hoje? Um cara que não tem a menor sensibilidade. Então, convivendo com o movimento ambientalista, vivendo lá, eu percebi que eles tinham interesse, mas era uma certa curiosidade interessada. E eu pude, em alguns momentos, intermediar situações de conflito em que isso ficou muito explícito. Até que ponto o Brasil é interessante porque ele alavanca oportunidades para “nós lá”. Vou falar com um americano: “Ah, vamos trabalhar com o Brasil, porque a gente consegue levantar dinheiro aqui para defender a Amazônia lá”. E a maior parte do dinheiro fica nos Estados Unidos e um pouquinho vem aqui para algum tipo de atividade. Então, em vários momentos eu senti que, as ONGs internacionais, com vocação internacional, elas olham, muitas vezes... Eu não quero generalizar, porque tem ONGs seríssimas, com uma presença fundamental no Brasil, que fizeram revolução no movimento ambientalista brasileiro, então eu não quero misturar as coisas. Mas, assim, vamos dizer que tem uma boa parte do movimento, desse movimento social, que não tem a sensibilidade que é necessária no mundo. E acho que é sempre importante você conhecer o país, conhecer a gente do país, para poder trabalhar por esse país. Então, eu senti o seguinte: bom, eles estão trabalhando pela causa ambiental – então, esse mérito eles têm, ninguém tira deles. Mas com a visão daquela formação que eles têm, que é aquela coisa: os salvadores do mundo – “nós sabemos qual é a fórmula”. E quando eles dizem: “nós sabemos qual é a fórmula para salvar a Amazônia”, é aí que eles estão equivocados. Então, aí, esse conflito sempre apareceu para mim. Eu sempre fui muito ativa, falava: “olha, não é bem assim. Vamos ouvir o pessoal que está lá”. Não sei se eu te respondi ou se eu viajei completamente...
P: Respondeu. Não, respondeu. E por que você se especializou necessariamente em mudanças climáticas? O que te levou a seguir esse caminho?
R: Acho que depois de ler muito... Eu sou uma pessoa que gosta muito de ler, e eu sempre estudei muito os problemas ambientais. Então, acabei ficando com uma formação... Então, hoje meu discurso não é de advogada, nem minha militância, nem minha atuação profissional. Eu me afastei do Direito - Direito já é um instrumento para mim. Então, nessa, vamos dizer, tanto trajetória acadêmica quanto profissional, eu identifiquei mudanças climáticas como sendo o maior problema que afeta o planeta. Então, falei assim: “olha, vamos tratar do que é prioritário antes”. Então, “first things first”, como os americanos falam: o que vem primeiro vem primeiro... Então, eu sempre tive um pouco essa visão de mundo – acho que é uma coisa minha. E conclui: puxa vida, os seres humanos estão emitindo gases do efeito estufa, que estão alterando o equilíbrio climático no planeta, em doses letais. A gente está lançando... a Organização Mundial Meteorológica lançou ontem um relatório dizendo que aumentou 35% a concentração de CO2 nos últimos 200 anos. Então, isso é muita coisa. A gente está queimando petróleo, basicamente... O problema é esse: os seres humanos, nas atividades humanas, passaram a usar, de uma forma tão exagerada, tão descontrolada, os combustíveis fósseis, como petróleo, diesel, qualquer derivado de petróleo ou gás natural, ou queima de carvão ou vegetal, que emitiram gases de forma descontrolada – e a ciência detectou isso no final da década de 1980 – e na medida que isso veio à tona, não era possível mais tapar os olhos. Então, abriu uma janela que eu não podia fechar mais. Não dava mais para... Então, eu me agarrei nisso, porque eu sou uma pessoa de paixão mesmo, de convicção. Sempre fui. E eu percebi que esse é um problema que tem que ser resolvido, se a gente quiser continuar a ter vida no planeta.
P: E, na sua opinião, o Protocolo de Kyoto é eficiente? Quais são os resultados que você percebe? O Brasil está conseguindo... todos os países, como um todo, com exceção dos Estados Unidos, estão conseguindo respeitar o Protocolo, em sua opinião?
R: Olha, o Protocolo é um passo importantíssimo. Ele veio depois da Convenção do Clima – então, em 92 assinou-se a Convenção Quadro das Mudanças Climáticas, aqui no Rio de Janeiro. Então, ele estabeleceu as diretrizes, a base sobre a qual os países iam construir um pacto mais eficiente. Então, o Protocolo é isso: ele significa um pacto mais eficiente. Porque ele pôs dentes. Ele estabeleceu que “a partir de agora, vocês países industrializados, vão ter que reduzir suas emissões de gás do efeito estufa”. E estabeleceu mais ou menos como isso ia ser feito. Acontece que os principais emissores não aderiram: como você falou, os Estados Unidos, a Austrália. Então, ele ficou, vamos dizer, insuficiente. E ele já representa um passo pequeno, porque o que foi possível acordar em Kyoto, no Japão, era uma marca muito pequena – não ia resolver o problema do desequilíbrio. Então, o que significa para mim e para a maioria das pessoas que batalha no sentido de melhorar as condições e resolver o problema da mudança climática? O Protocolo de Kyoto é um pequeno passo na direção certa – um passo pequeno e insuficiente. E o fato de que a Europa aderiu em massa significa que há esperança, tem luz no fim do túnel. A gente pode esperar que, vamos dizer, num próximo regime - que se espera que comece a negociação agora – esse próximo regime vai, provavelmente, a gente espera que ele tenha um dente mais firme, que estabeleça metas para os principais emissores de gás do efeito estufa – reais, concretas – e que os países que têm condição de transferir tecnologia, enfim, para que essa redução seja mais eficiente do ponto de vista ambiental e econômico, que estes países realmente sejam proativos. O Brasil tem sido muito proativo nas discussões, nas negociações. Foi quem propôs, dentro do Protocolo de Kyoto, um mecanismo que veio a se transformar num mecanismo de desenvolvimento limpo. Mas o Brasil tem uma conta grande a pagar, e está na hora de mudar o discurso. O país tem, vamos dizer, uma culpa no cartório, se a gente for usar a expressão popular. Mas é uma culpa que é um pouco menor que a culpa dos grandes países industrializados, porque eles estão emitindo há 200 anos, e a gente começou a emitir há 60, 70 anos. Portanto, como o acúmulo é histórico, a resolução do problema também tem que levar em conta isso. Quem polui mais há mais tempo, tem que pagar uma fatia maior dessa conta. Mas o Brasil já tem uma fatia importante da conta a pagar, principalmente em decorrência da mudança do solo na região do cerrado e Amazônia – desmatamento, queimadas. Então, já estamos entre os dez maiores emissores, ou poluidores, se a gente puder dizer assim, e emissores de gás do Efeito Estufa, então eu acho que o discurso do governo do Brasil tem que mudar. Portanto, o Brasil tem que ser mais pró-ativo, continuar a ser protagonista, e trabalhar junto com os países europeus, que estão muito fortes e muito convictos disso, de que tem que ser feito alguma coisa.
P: Bom, você também é professora, né? Quais são os valores? O que é que você costuma... o que é que você passa para seus alunos em relação a isso? Como é que você está ajudando a formar essa nova visão – uma nova visão que precisa ser rapidamente tomada pelos jovens, pela geração que está vindo.
R: Olha, eu dou aula desde os 21 anos. Eu tenho 37. E é uma das coisas que eu faço com maior prazer. Eu acho que é o que mais me dá realização. Não importa remuneração – é uma coisa que faço assim, na paixão. Porque acredito nos jovens e nas crianças. Toda essa minha trajetória no movimento ambientalista me demonstrou que são essas novas lideranças que vêm por aí que vão mudar as coisas. Uma crítica que eu tenho ao movimento ambientalista dos mais velhos - que tem o grande mérito de terem sido quem abriu as portas e construiu no Brasil uma base sobre a qual a gente trabalha hoje – mas a crítica que eu tenho é que eles não estão passando o bastão. Eles estão tão agarrados e apaixonados, e continuam – ainda bem – à causa, mas que eles não estão percebendo que tem uma turma aí dos 30, 40 anos que já pode assumir um monte de coisas – e está assumindo. Mas é muito tímido. Então, eu vejo nessa minha profissão de professora a grande oportunidade e contribuição que eu posso dar, porque estou ajudando a formar os jovens – essas novas lideranças que vão vir por aí. Então, eu já dei aula em várias faculdades. Em geral, eu dou aula de Direito Ambiental, mas já dei aula de Problemas Ambientais Contemporâneos. E eu não dou aula tradicional de Direito. Eu trabalho com os problemas ambientais, eu detalho, eu estimulo meus alunos a falar assim: “Mas e aí? O que vocês vão fazer? Amanhã vocês vão estar numa empresa, num governo, num banco. Qual vai ser o seu papel?”. Então, estimula muito a discussão, no sentido de eles têm que assumir a parte da responsabilidade que é deles. Eu cobro muito isso dos alunos. Eu tive recentemente uma aula lá na Faculdade do Senac, que eu falava para eles: “Vocês viram aquele problema? O que vocês vão fazer?”. A gente fez uma visita de campo, e falei: “E aí? Não adianta escrever e só fazer uma bela monografia, que vai para a estante de um professor, que ninguém vai ler. O que vocês, como alunos, podem fazer?”. Então, eu falei assim: “Eu vou perder meu emprego, mas vou estimular vocês aqui a agitar, fazer alguma coisa”. Mesma coisa agora está acontecendo em Curitiba – a Conferência das Partes da Convenção de Biodiversidade. Eu estou lá estimulando os alunos, enlouquecidamente. Falei: “olha, é uma oportunidade única, que só está acontecendo no Brasil agora. A primeira foi 1992, no Rio de Janeiro, e agora em Curitiba. Grande Conferência Internacional das Nações Unidas. Vocês não vão para lá?”. Agora já tem dois ônibus indo para lá. Eu fiquei agitando, ajudando... Porque eles têm que ver, eles têm que ver aquela gente falando, ouvir o topo da ciência, os movimentos sociais, o que eles estão fazendo para resolver os problemas. Então, a minha, vamos dizer, profissão de professora tem sido muito militante. Eu tenho um discurso carregado - eu já falo para eles logo de cara: “Eu não venho aqui com isenção não. Eu venho aqui com uma proposta. Vamos mudar, vamos trabalhar. Se alguém quiser, sabe, ler a lei, o que ela diz, vai lá, pega no site, pega no livro e pega no código”. Eu vou olhar para a lei ambiental com um olhar crítico: ela é suficiente? Ela é justa? Como é que é a aplicação desta lei? Os atores que aplicam a lei, que cobram a aplicação da lei, eles são atores que estão preparados para isso? Eles conhecem? Eles entendem o que estão fazendo? Portanto, é isso tipo de ação que eu faço nessa área.
P: É bastante recorrente ouvir dos depoentes aqui, que viveram intensamente a Rio 92, tanto do ponto de vista de concepção, quanto de participação, todos eles são unânimes em dizer que naquele momento houve uma grande agitação, muitas ONGs surgiram, algum tempo também posterior esse sentimento persistiu, mas que de lá para cá...
R: ... arrefeceu.
P: ... houve um arrefecimento. Qual é seu ponto de vista?
R: Eu concordo. Eu fui vítima desse esfriamento aí, vamos dizer, desse desânimo do movimento, mas que não é bem só um desânimo. Eu até estudei isso na minha tese de mestrado, na minha dissertação na USP – eu trabalhei participação social nos espaços públicos de gestão ambiental. Então, foquei no ator, no movimento ambientalista, quis entender como as ONGs trabalhavam e esses são os relatos, e eu vivi isso. Então, a própria imprensa é reflexo disso: a gente viu que os espaços para divulgação e informação diminuíram muito e encolheram. Havia cadernos de meio-ambiente nas semanas do ECO-92 - eles desapareceram. Havia editorias de meio-ambiente – elas desapareceram. Hoje você conta nos dedos quem são os jornalistas que... E por que estou falando em jornalismo antes de falar no movimento? Porque eles alimentam o movimento. Eles passam a informação da qual o movimento se alimenta. Ainda bem que existe internet agora, porque uma parte das informações que a gente precisa estão lá. Então, para quem tem acesso, ótimo – para quem não tem, é um grande problema. Então, esses instrumentos de comunicação e de informação, que são fundamentais para o movimento ambientalista, de um lado se perderam na imprensa escrita, por outro lado se recuperou como a internet, mas o movimento perdeu força, em grande parte, eu acho, por uma questão econômica, porque as fontes secaram. Então, hoje, 2006, enfim, a gente está vendo que de uns aninhos para cá, no começo deste século, infelizmente, o dinheiro para a área ambiental encurtou. Eu não tenho uma posição concreta, eu tenho uma intuição a respeito do que aconteceu. Portanto, sem dinheiro, essas ONGs não têm como funcionar. Teve o problema também da falta de profissionalismo: muitas ONGs fecharam porque elas nasceram no calor da empolgação, do “vamos salvar o mundo, o planeta está morrendo”. E aquela coisa assim, muito amadora, e o movimento social e as ONGs, para elas funcionarem, elas têm que ser profissionais. Elas têm que funcionar como funciona o Primeiro Setor, o Segundo Setor – é o chamado Terceiro Setor. Só sobreviveram as ONGs profissionalizadas, as que tinham, vamos dizer, na sua estrutura um staff profissional bem formado, e gente que acreditava. Gente também, de certa forma, desprendida, né, porque os salários no Terceiro Setor são muito mais baixos do que nos outros setores. E pessoas com convicção. Então, esses pré-requisitos, eles são complicados. É difícil você achar, por exemplo, eu, que dou aula de direito. Quem são meus alunos que quiseram ir para o Terceiro Setor? Pouquíssimos – a maioria quer ganhar dinheiro, a maioria quer sustentar uma família. E é legítimo o interesse deles em ganhar dinheiro. Porque eles já sabem que na área ambiental não vão ganhar dinheiro. Ainda não tem. Infelizmente, ainda não tem mercado de trabalho. Podem até dizer que é uma área que está crescendo, mas está crescendo devagarinho! Hoje tem muito mais do que quando eu comecei. Tanto que fiquei anos lá desempregada e meu marido me bancando - a minha militância. Então, hoje já se consegue um emprego ou outro. Mas o movimento ambientalista, ele não consegue manter quadros continuamente. Ele vive e se alimenta de projetos: o projeto tem dois anos – enquanto tem aquele orçamento, eu consigo manter o advogado nos meus quadros; acabou o orçamento, não tenho mais o projeto, eu não consigo ter. Então, esse é um dos fatores que, vamos dizer, desmobilizou. Também, muitos do movimento ambientalista, foram absorvidos pelo governo, porque o governo passou a criar a área ambiental em todos os níveis – federal, estadual e municipal. Isso foi bom, por outro lado, o movimento ambientalista formou quadros pelo governo, mas a gente perdeu os militantes. E eu sou uma pessoa que teve uma passagem pelo governo, vi a importância, mas não consegui ficar lá porque meu sangue é quente, então eu me sinto melhor na militância. Então, tem esses fatores. E também um outro fator, que eu já comentei aqui, mas que eu acho que é fundamental, que os caciques, os chefes, os líderes do movimento ambientalista – tem muita gente que briga comigo por isso – eles ainda não passaram o chapéu – como dizer, não é o chapéu... eles ainda não transferiram a liderança para os líderes que estão chegando aí, então ficou um buraco. Tem um outro buraco muito nítido, que é o da ditadura. Então, os fundadores do movimento ambientalista no Brasil, eles se formaram, ou foram, vamos dizer, se lançaram antes da ditadura ou no início dela. Naquele momento ali havia possibilidade e tudo mais – década de 1970, tudo aí. Aí veio a ditadura, com um enorme buraco de formação, de movimentação, de disseminação de informação, e ali tem um gap. Tem uma lacuna mesmo. As pessoas daquela geração não tiveram a oportunidade – estava todo mundo com as mãos e as bocas atadas. No final da década de 1980 - bem para o final da década de 1980 - o movimento começou a se esquentar de novo, mas aí tinha que cobrir o prejuízo todo. Então, essa falta de possibilidade de transferir, também, a liderança, se deve a isso, mas acho que hoje a gente já tem aí preenchido um grande espaço de lideranças formadas, que podem assumir esses desafios.
P: Voltando ainda um pouquinho para a Rio 92. Vários frutos... As próprias convenções, a Agenda 21, são frutos da Rio 92. Mas eu queria que você falasse um pouquinho: como você vê essas convenções? Qual a sua opinião a respeito? Qual a sua opinião a respeito da Agenda 21, de lá para cá?
R: Eu tinha uma opinião muito apaixonada. Achava que essas convenções eram marcos, que a Agenda 21 era um plano excelente – há alguns anos atrás. E com, acho que o amadurecimento, eu vejo as limitações que esses mecanismos oferecem. Porque no fundo você cria um regime legal, no nível internacional, um marco legal, mas essas convenções já têm uma certa idade, e a gente percebeu que elas não estão sendo implementadas no todo, ou estão sendo implementadas minimamente. Então, eu sou muito crítica dos governos que são os signatários dessas convenções, porque eu acho que elas não fizeram o suficiente, não fizeram a lição de casa. E não só dos governos, mas também dos atores sociais, que também parte dessas obrigações assumidas ali têm que ser executadas pelo setor privado, pelo setor não-governamental. Então, eu acho o seguinte: elas foram importantes, tiveram sua importância histórica, ninguém pode negar isso, tanto é que na Rio 92, vamos dizer, ali foi o ápice, o auge, para quem estuda o meio-ambiente e a evolução do movimento ambientalista, do Direito Internacional, foram as convenções mais completas, mais arrojadas e, vamos dizer, mais propositivas. Ali se colocavam ações concretas a serem realizadas. Mas o dinheiro que tinha que ser canalizado e investido para aquelas ações não foi canalizado na sua totalidade. As instâncias e os instrumentos legais e institucionais que tinham que ser criados não foram, em sua totalidade. Então, vou dar um exemplo: hoje, no Brasil, quem teria a obrigação de acompanhar a execução e executar parte dessas convenções é o Ministério do Meio Ambiente, com o Ibama e os órgãos anexos, setoriais, e os órgãos estaduais e municipais. Esses órgãos, eles não têm os recursos financeiros suficientes, e nem um quadro de funcionários capacitados suficientemente. Portanto, essa dificuldade é real. Se você for olhar no orçamento da União, um dos menores orçamentos, se não for o penúltimo ou o último, é do Ministério do Meio-Ambiente. Com obrigações, assim, fora de propósito. Tem uma distância muito grande entre o que tem que ser feito e o que pode ser feito. Então, eu tenho um olhar um pouco mais pragmático e crítico com relação a essas convenções. Mas eu não perco a esperança – nunca perdi – e trabalho muito na divulgação, na disseminação de informação, mas acho que hoje a gente tem que trabalhar na produção de conhecimento. O Brasil tem que investir fortemente em pesquisa. A gente tem, vamos dizer, um déficit de pesquisa nessas áreas de mudanças climáticas e de biodiversidade que tem que ser coberto, ele tem que ser resolvido. E a gente não investiu suficientemente em pesquisa, e sem pesquisa você não consegue ter as bases para as políticas, e não tem como convencer o setor privado de que ele tem que tomar atitudes. Por que como é que você convence o setor privado de que o Brasil vai sofrer com o aumento do nível do mar, por exemplo? Sabe? Não, eles continuam construindo largamente na zona costeira empreendimentos imobiliários em regiões que não podiam ter, impactando a Mata Atlântica, enfim. Tudo isso sem levar em consideração os dados que estão aí, que a sociedade já levantou, que a ciência já levantou. E eu acho que não é só o governo que tem que investir em pesquisa: o setor privado também tem, bancos também essa obrigação. Acho que o setor financeiro hoje no Brasil é o mais lucrativo. De longe é o motor da economia. Por que o setor financeiro não assume parte dessa conta? Muito timidamente, o setor financeiro está assumindo. Hoje eu trabalho na Fundação Getúlio Vargas, dentro de um centro que faz pesquisa na área de finanças sustentáveis. Então, eu vejo que aos poucos o setor financeiro está acordando, está incorporando políticas, medidas, produtos. Ainda é tímido, mas eu tenho esperança. Então, na medida em que, quem é dono do dinheiro e quem tem os meios para executar, estão acordando para esses problemas e estão vendo que eles vão sofrer com isso também, porque o setor financeiro, por exemplo: quem paga a conta dos seguros ambientais? Hoje nos Estados Unidos e na Europa existe um grande mercado aí de seguros para cobrir os prejuízos das grandes calamidades que estão acontecendo - essas grandes calamidades estão relacionadas com as mudanças climáticas globais. Então, o furacão Katrina, Andrews, todos aqueles furacões que assolam a região do Golfo do México, nos Estados Unidos – ou na Europa: os alagamentos e inundações na Inglaterra ou na Itália. Enfim, a gente assistiu a situações complicadíssimas nos últimos dez anos. Quem está pagando essa conta é o setor de seguros e resseguros. Eles estão super atentos, estão de olho nessa história. Portanto, eles podem financiar pesquisa. Eles podem estimular que as populações mais vulneráveis, não sejam instaladas, não comecem a habitar regiões vulneráveis. Então, eu acho que tem que ter um concerto no acordo entre
todos os atores relevantes e dividir essa conta: cada um vai fazer a sua parte. O movimento social vai sensibilizar, vai mobilizar, vai acionar o alarme quando o problema estiver grave. A academia tem que incorporar a linha de pesquisa nessas áreas sócio-ambientais. Recentemente, a FAPESP anunciou, finalmente, que está criando uma linha na área de mudanças climáticas. Agora, estamos em 2006! Agora que a FAPESP acordou. Ainda bem que acordou! Mas, puxa vida: CNPq, CAPES, cadê os institutos de fomento a pesquisa nesse país olhando para os grandes problemas ambientais globais? Então, sem essas ações, essas convenções ficam letra morta, papel guardado na gaveta. Eu vejo ações, mas acho ainda tímidas. A gente está correndo aí, num prazo, num horizonte de 50 anos que tudo pode mudar gravemente nesse país – nesse país não, neste planeta. Os estudos do INPE, por exemplo, no Brasil, indicam que pode haver um aumento da temperatura média na Amazônia, no ano de 2050, daqui a 44 anos, de 4,5 graus Celsius. 4,5 graus Celsius a mais, na média, na Amazônia, significa... não quero nem pensar no que isso significa, certo? Um impacto inigualável, que não tem na história. Isso aí, o pior cenário, eles fizeram um estudo de cenários. Aqui, o pior cenário na região Sudeste, é 2,5 graus Celsius a mais na média daqui a 44 anos. Portanto, é aqui e agora que vai acontecer. Somos nós que vamos sofrer isso e nossos filhos. É agora. É agora o que tem para fazer. Portanto, eu acho que a gente tem que fazer muita coisa em pouco tempo. Se as pessoas não acordarem para isso, eu não sei o que pode acontecer.
P: Então, mas até usando as palavras de vários depoentes, de depoentes e cientistas ilustres que estiveram já aqui, muitos deles colocam que as convenções são extremamente complexas e complicadas até – como são colocados os termos. E muito deles até colocaram que seria muito importante deixar de uma forma mais coloquial, para que todos os segmentos da sociedade pudessem se apropriar disso. O que você acha?
R: Acho perfeito. Eu acho que até tem um esforço que o Feldmann liderou, muito importante, de traduzir para a população o quê que é mudanças climáticas, o que
essa convenção quer dizer, o que convenção da biodiversidade quer falar. Biodiversidade fala em biotecnologia, acesso a recursos genéticos – são assuntos muito distantes da realidade. E eu vejo esse papel, esse esforço, que Feldmann é um dos protagonistas, um dos principais no Brasil, de traduzir em miúdos o que significa isso mesmo: “está bom, no final do dia, o que eu tenho que fazer?”. Então, cartilhas, publicações, programas de TV, programas de rádio, internet, sala de aula... Tudo isso. Nisso, eu acho que o Brasil avançou muito, sabe? Na sensibilização. A parte de educação eu acho que a gente avançou muito mesmo, porque penetrou, entrou no sistema escolar. Hoje o Brasil tem a Lei de Política Nacional de Educação Ambiental, que é uma iniciativa do Von Verner. Ele foi um líder que teve uma produção incomparável – não tem ninguém no Congresso Nacional que tenha produzido tantas normas ambientais de tanto impacto para a sociedade brasileira. E ali, com essa linha de política de educação ambiental, e a Constituição Federal, se incorporou no sistema educacional do país – sistema de Ensino Infantil e Médio, e Fundamental e Médio -
meio-ambiente como tema transversal de ensino. É obrigatório. Falta um pouco investir na formação dos professores, mas já hoje um esforço nos últimos anos dos governos federal, estadual e municipais. Então, eu percebo, eu que trabalho na área de educação há muito tempo, que falar em meio-ambiente já não é coisa da turma de esquerda, alternativa, porra-louca. Não. Essa idéia já está no discurso – a moçada que vem aí já está vindo com essa bagagem. Então, isso faz um enorme diferença. Agora, o tema das convenções dentro do sistema de educação, talvez ainda não esteja completamente resolvido. Eu sou uma pessoa que tem trabalhado muito com isso. A gente tem produzido cartilhas: o que é a convenção do clima, o que é mudança climática... Isso é fundamental, porque é muito distante. Está acontecendo na atmosfera... Enquanto não acontecer uma catástrofe do tipo furacão Santa Catarina – na Santa Catarina – as pessoas não acordam. Então, parece que tem que acontecer no seu quintal. Mas eu concordo, sim, que tem que haver um esforço de tradução dessas convenções aí.
P: E para você, qual é a relação entre política e meio-ambiente?
R: É fundamental. Sem política definida – políticas públicas – não há como trabalhar pela proteção ambiental. O problema da definição das políticas públicas é que a gente tem que ter as pessoas com a sensibilização para meio-ambiente dentro dos espaços públicos de definição de políticas. Mas o Brasil, nos últimos 15 anos, vem criando esses espaços – conselhos de meio-ambiente, conselhos de recursos hídricos... O que é preciso agora é transformar isso num esforço trans-setorial. Então, não adianta ter só... Eu acredito assim, na... É importante que a gente avançou e tem espaços participativos, de discussão e de gestão, mas agora a gente tem que juntar todo mundo. Então, a turma da saúde tem que falar com a turma da educação, com a turma do meio-ambiente... Não pode trabalhar em compartimentos estanques. Então, definir política sem essa transversalidade, não é eficaz, não acontece. Outro aspecto da política é o aspecto político-partidário e de militância política. Então, eu vejo no mundo da política partidária poucas pessoas com esse viés, com essa preocupação. As poucas que sobreviveram estão muito desanimadas, sem apoio dos partidos. O discurso dos políticos principais aí inclui meio-ambiente, mas de uma forma meio perfumada, uma coisa meio, assim, artificial mesmo – eles não entendem do assunto, não se esforçam para entender. São poucos que se esforçaram, ou que se esforçam. Então, eu vejo assim, com esperança, que a juventude vai eventualmente entrar na política e a gente eventualmente deve ter, espero que tenha mais candidatos aí para os diferentes níveis – Executivo, Legislativo – com essa plataforma. Porque, se não tiver isso, não incorpora política pública, não vira lei, aí ninguém tem obrigação de seguir. Por outro lado, existe a política que é empresarial, e eu vejo com muitos bons olhos esforços do mundo corporativo. Eu estava falando do mundo de finanças –hoje estou na GV e estou assistindo isso lá de camarote, participando desse processo. Porque o consumidor hoje é mais consciente, ele exige dos seus fornecedores, das empresas das quais ele compra seus produtos, posturas éticas mínimas. Então, a partir desse movimento fortalecido do consumidor - mais consciência, mais educação – as pessoas estão exigindo produtos sustentáveis. Na medida em que eles exigem produtos sustentáveis, isso entra no processo, na preocupação das corporações. E não só isso: então agora é o investidor que está sendo mais exigente. Eu, com a minha poupança, eu vou dar prioridade para investir o meu pequeno recurso, meu pé-de-meia, num banco que tenha fundo ético. Então, esse movimento já vem acontecendo nos Estados Unidos e na Europa há um certo tempo – o Brasil assumiu isso recentemente. Então, a gente vê bancos como ABN, HSBC, Itaú, Unibanco: eles já estão incorporando nas suas carteiras, um produto aqui, outro ali. Ou nas suas políticas – então, eu estava falando de política – nas suas políticas a preocupação ambiental ou socioambiental. Então, a gente vê que a política não é só a política tradicional, partidária, de governo, mas também tem as políticas internas das corporações, que começam a incorporar essas preocupações.
P: Você integrou a equipe do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, em 2000 e 2002, né? Queria que você falasse um pouquinho dessa experiência.
R: Foi riquíssima. Foi uma das fases mais, vamos dizer, de maior realização profissional da minha vida. Tive o prazer e a satisfação de trabalhar com o Fábio Feldmann, uma pessoa muito carismática, um líder importantíssimo desse movimento no Brasil – e não só no Brasil, mas fora do Brasil, no mundo inteiro. Fábio é referência. Então, eu trabalhei muito próximo dele, e a gente fez um trabalho de sensibilização, de tradução do que são essas convenções. Então, desde montar site, eventos, publicações. Era um corpo a corpo mesmo, desde as lideranças que não estão nem aí com esse tema – então, a gente pegou gente da área de economia, finanças e trouxe para um mesmo fórum, para o mesmo espaço. Setores diferentes. Contamos com o apoio do então presidente Fernando Henrique Cardoso, que deu toda, vamos dizer, a condição para que tudo isso acontecesse. E o que muito me surpreendeu, positivamente, foi o fato de que na época o Fernando Henrique Cardoso participou mesmo do fórum – ele esteve nas reuniões, ele liderou as reuniões, ele ouvia, ele interagia. E esse fórum era um espaço para que se levasse ao presidente da República, o mais alto cargo de tomada de decisão nesse país, as informações. Então, os cientistas falavam: “olha, presidente, nós descobrimos que a mudança climática vai impactar a lavoura da cana de açúcar no Estado de São Paulo”. Ou, o pessoal da área de oceanografia: “isso vai impactar o pescado”. Enfim, a oportunidade de sentar a academia, governo, o setor privado, com o presidente da República e os ministros de Estados, transmitir para eles e eles irem nas reuniões – era uma coisa impressionante, assim, eles ficavam atentos, te ouvindo e interagindo. Então, era um espaço de troca de informação que era único. Infelizmente, não está acontecendo com a mesma intensidade agora, mas o fórum continua, o que é muito positivo. Tem lideranças que estão conduzindo o Fórum – Pinheiro Rosa tem feito as reuniões. É muito importante que ele continue existindo como um espaço de interação entre governo e sociedade, para que se identifiquem os conflitos, para que a sociedade possa influenciar na tomada de decisão. Então, acho que esse papel do fórum, eu acho que ele ainda tem um papel por muito tempo. Um dia, quem sabe, não vai precisar mais de um fórum de mudanças climáticas, porque esse tema vai... Ou o mundo vai ter acabado... (risos) Mas não, não acredito nisso – sou otimista. Ou então a questão já vai estar tão incorporada na cabeça dos tomadores de decisão, que não é mais preciso, necessário, sensibilizar, mobilizar para o tema.
P: Falando um pouquinho em tradução desses conceitos para vários públicos, você escreveu livros infantis, né, como “Patrulheiros do Clima da Terra”. Eu queria que você falasse também um pouquinho dessa experiência.
R: A razão pela qual eu fiz essa, vamos dizer, essa experiência – essa aventura, na verdade – foi o fato de que eu tive – tenho - duas filhas, e eu senti a necessidade de ensinar para elas o que é a mudança do clima, né? Já é tão difícil para um adulto entender, imagina para uma criança. E uma amiga minha, Sandra, também tinha a mesma preocupação, e uma dia conversando, a gente falou: “ó, vamos escrever um livrinho infantil”. Ela gosta de escrever, eu gosto de escrever, e ela encontrou uma pessoa que fez as ilustrações. A gente publicou, bancou essa história. Até foi o pai dela que nos patrocinou – somos muito gratos ao doutor Marcondes por isso. Então, foi a primeira vez e depois a gente continuou com essa história – escrevemos outros livros, que foram publicados pela Secretaria do Meio-Ambiente, com o apoio do professor José Goldemberg, a quem somos muito gratos também. E aí, essa idéia nasceu justamente dessa minha experiência de mãe, dessa vontade de ensinar minha filha sem impor, mas de uma forma gostosa, através de uma historinha, que existe esse problema. E se a gente não conseguir engajar desde os pequeninos, a gente não vai conseguir resolver esses problemas. Então, foi muito gostoso - eu tive um retorno!... Foi mais uma brincadeira, que eu tenho vontade de retomar. Tenho conversado com a Sandra, tenho feito isso em parceria com ela, porque uma estimula a outra, a gente troca idéia. E como eu convivo com crianças agora, eu tenho mais facilidade de entender a linguagem, o tipo de interesse que eles têm, e eu quero continuar fazendo isso.
P: Mas o que você procurava – vocês, a dupla, procuram – passar, transmitir, desses conceitos de meio-ambiente?
R: Trazer para o dia-a-dia da criança a questão. Porque criança é muito objetiva, elas são muito direitas, e não entendem ainda as questões maiores, globais. Então, a gente tentou traduzir com imagens. Falar: “olha, está acontecendo isso com o planeta - planeta Terra – e é o que a gente faz em casa, todo dia, ou na rua, que está causando esse problema. Então, como você, criança, pode fazer? Primeiro chamar atenção para o seu pai, que existe um problema. Segundo: ah, vamos usar mais o metrô e o ônibus e menos o carro”. Então, trazer para a realidade delas. Também, a gente vem fazendo um trabalho com os professores: como é que os professores podem incorporar esse tema dentro de sala de aula. E a gente percebe que tem um retorno, um impacto muito grande, que as crianças são muito mais espertas muitas vezes do que a gente imagina. Que elas estão muito mais sintonizadas hoje, no mundo globalizado – eles estão vendo questões planetárias o tempo inteiro na televisão, na internet. Portanto, isso não é um tema tão etéreo para eles assim. E a gente fez da forma de uma brincadeira, que o tio levava para conhecer uma estufa, ou então um jardim... Então, trazer para uma realidade mais próxima também.
P: Agora, pensando numa coisa... Até nesse conceito mais mundial, né? Como é que você as relações entre os países no futuro – até o futuro bem próximo, como você colocou – mais especificamente sobre os seus cidadãos, em relação ao desenvolvimento sustentável?
R: Olha, eu vejo que... Eu acredito na educação. Para mim é a única saída. E eu vejo que os países que estão incorporando nas iniciativas educativas os temas ambientais, sócio-ambientais, de cidadania e de ética, são os que estão avançando mais, porque eles estão formando cidadãos que estão cobrando cidadania, cobrando respeito e ética em vários níveis, ao consumir, ao eleger, ao ensinar – enfim – ao produzir. Então, os países que mais avançaram, enfim, pelo que eu já viajei e li e entendo, são alguns países europeus, países nórdicos e escandinavos, por causa dessa consciência. Então, lá onde os partidos... Isso se reflete na política, então tem Partidos Verdes mais fortes e tudo mais. É... Nos Estados Unidos, que foi um grande líder nessa área e tem ainda muita produção científica, muita militância, a gente percebe que a maioria, quem está indo às urnas está elegendo pessoas que não tem esse tipo de preocupação – então, isso é uma grande preocupação. A gente não sabe como um país, com uma história, vamos dizer, uma realidade em que existe uma hegemonia econômica e política ainda dos Estados Unidos, se esse país não tem liderança nesse tema, como é que fica. Mas, por outro lado, muitos países estão virando as coisas. Estão falando assim: “olha, não é bem por aí – será que estamos no começo do declínio desse império?”. E aí, a grande esperança, o grande olhar, acaba sendo para a Europa, que tem essa liderança. Agora, tem países emergentes na liderança ambiental também. Países fortes, não só por ter liderança, por ter competência, mas porque têm a biodiversidade no seu território, que é o caso do Brasil. Portanto, o Brasil, nas negociações internacionais sobre matéria ambiental, é líder e referência. A gente tem produção científica, a gente tem liderança, e tem capacidade instalada no Ministério das Relações Exteriores. Apesar de que a gente vê com que dificuldade os nossos negociadores internacionais atuam na área ambiental. Às vezes não têm recursos para fazer as viagens que têm que fazer. Então, ainda é preciso que o Ministério das Relações Exteriores
dê um pouco mais de atenção para a área ambiental – se a gente sabe que eles sofrem, eles são poucos. É importante também que os novos ingressantes na carreira diplomática tenham esse olhar. Então, espero... Porque eles são realmente protagonistas. Eles são muito importantes e têm um histórico na formação excelente, que é reconhecida mundialmente. Portanto, quem representa o Brasil lá fora são eles – se eles não têm os instrumentos, as ferramentas, fica difícil para o Brasil exercer esse protagonismo. Outros países, como Índia, também, têm papel fundamental na questão de biodiversidade, novas energias, energias renováveis – para resolver o problema ambiental a gente precisa investir em novas energias, nas energias alternativas ou renováveis. Então, o Brasil é líder também: vem produzindo aí o biodiesel, o álcool – estamos exportando álcool...
Há muito tempo que foi introduzido uma lei aqui no Brasil, iniciativa do Feldmann também, de adicionar álcool na gasolina, então isso tem um impacto local positivo, porque polui menos nas cidades, por outro lado também vai menos carbono na atmosfera, então o Brasil tem sido um grande ator. A Índia é muito interessante sob o ponto de vista da questão dos transgênicos – tem muitas lideranças lá contrárias. Então, essas novas biotecnologias são preocupantes, mas eu acho que a gente está perdendo a corrida aí dos transgênicos. Porque assumiu-se o risco: “vamos nos arriscar, vamos pagar para ver”. Então, a gente introduziu o transgênico já livremente. O Brasil teve uma resistência, mas foi liberado recentemente. Isso eu acho um grande equívoco. Por um lado, disse que vai resolver o problema da fome – a gente não está vendo isso acontecer – por outro a gente está assistindo aí o que eu acho que é um grande crime, porque agir sem cautela, sem preocupação, é complicado. Portanto, a gente tinha que ter mais elementos, mais provas de que o transgênico não é tão complicado assim, tão impactante, antes de soltá-lo livremente como ele está na natureza já hoje. Já divaguei bastante, né?
P: Não, mas está ótimo. Até complementando um pouquinho, um dos problemas colocados também por um de nossos depoentes nesse projeto é que justamente eles começaram de uma forma errada, ou seja, por meio da alimentação humana, né? Que até se poderia pensar... Acho que foi... o Bráulio, né?O Bráulio Dias. Até ele deu o exemplo...
R: Da Biotecnologia?
P: ...de que poderia
ter começado a pensar transgênico... sei lá, uma mesa transgênica, um chão transgênico.
R: Não ia chamar tanta atenção. Não ia chocar tanto.
P: É. E eu acho que isso é bastante interessante.
R: É verdade. É verdade. É perfeito isso, porque não checa mesmo algumas outras tecnologias, você não... não... parece até positivo. Mas na medida em que é o ser humano que vai absorver, vai dar uma... ziquizira aí.
P: Então, Rachel, para terminar, eu queria que você dissesse quais as principais lições que você tirou da sua carreira.
R: Eu acho que uma lição importante é que a gente tem que dar chance e oportunidade para os jovens. Eu bato muito nessa tecla. A gente não pode menosprezar a capacidade do jovem. Hoje ele vem pronto mais cedo. Sabe, o volume de informação que ele tem acesso, a educação, já é diferente da minha época, de quem veio antes da gente. Então, passar logo a chave para eles. Deixar que ele assumam as lideranças – batendo a cabeça, o que for. Uma outra lição é a educação. Eu percebo que, a medida em que começa mais cedo com educação ambiental, a gente consegue fazer mais diferença. Uma outra lição, também, é não dividir. Eu sou partidária da tese de que somos poucos que temos preocupação ambiental, somos poucos que estamos militando. Não é... A gente não pode se dar um luxo de ter um movimento ambientalista rachado, quebrado. Então, tem muitos segmentos, dentro do segmento do movimento ambientalista, que se dividem – por razões políticas, às vezes de vaidade. Isso é imperdoável. Sabe, a gente não tem... Não se pode dar esse luxo. E acho que não é só o movimento ambientalista. O movimento ambientalista tem que trabalhar para ficar mais unido, porque ele está quebrado, e se unir aos outros movimentos. Aí a força fica incrível. Se você imaginar que a gente pode aliar o movimento de defesa dos consumidores – eu estou agora com um pezinho lá nos consumidores, por isso que eu tenho visto o potencial, a força deles – com o movimento ambientalista, com o movimento de Direitos Humanos, com o movimento dos sem-terras – todos esses movimentos sociais. Se eles tivessem alguns pontos em comuns, fóruns, espaços em que, quando a coisa está feia, é ali que a gente vai, quem segura? Ninguém segura. Então, eu venho falando muito isso por onde eu vou. Falo: “Meu Deus, cadê as redes interconectadas?”. Sabe, essas redes ainda estão muito estanques. Acho que é isso!
P: A última – só para encerrar mesmo. O que você achou de ter participado desse projeto de memória?
R: Fiquei muito emocionada! Estou, assim, honrada. É muito importante a gente registrar. Eu compartilho da idéia de que é preciso gravar, escrever, transmitir, porque para amanhã, para quem está aqui hoje, para quem está batalhando, a gente precisa de informação. E também para dar valor para quem vem trabalhando, e reconhecimento, para que essas pessoas se sintam estimuladas para continuar.
P: Obrigada.
R: Obrigada a vocês. Falo para caramba!Recolher