Projeto Um século de desenvolvimento industrial no Brasil
100 anos da White Martins
Entrevistado por Monique Lordelo e Maurício Rodrigues
Depoimento de Wellington Nogueira Santos Júnior
São Paulo, 17 de janeiro de 2012
Realização Museu da Pessoa
Código WM_HV069
Transcrito por Claudia Lucena
R...Continuar leitura
Projeto Um século de desenvolvimento industrial no Brasil
100 anos da White Martins
Entrevistado por Monique Lordelo e Maurício Rodrigues
Depoimento de Wellington Nogueira Santos Júnior
São Paulo, 17 de janeiro de 2012
Realização Museu da Pessoa
Código WM_HV069
Transcrito por Claudia Lucena
Revisado por Letícia Maiumi Mendonça
P/1 – Seja bem vindo, Wellington, obrigada pela sua presença aqui em nome do Museu da Pessoa e da White Martins.
R – Obrigado. Estou muito feliz e muito honrado porque eu conheci o Museu da Pessoa, eu conheci primeiro a Karen, o José, então, o Museu, fiquei apaixonado e tenho o maior orgulho de eu ter apresentado a Karen, o Museu para Ashoka, e desde então a gente é mano e hoje somos família, a gente nunca mais se separou (risos).
P/1 – Ah, que ótimo. Para gente deixar registrado, seu nome completo.
R – Meu nome é Wellington, e o tempo todo falando com você aqui, né, meu nome é Wellington Nogueira Santos Júnior.
P/1 – Ok, então para gente recapitular, que você falou da Ashoka, você já participou de uma entrevista com a gente num momento passado em 2001, que era para o projeto da Ashoka, né, e você terminou falando de como começou o Doutores. Você tem como recapitular para gente como é que foi isso aqui no Brasil, com você, de forma rápida e depois você desenvolve nos pontos que você achar melhor.
R – Tá.
P/1 – Tá?
R – Então, o Doutores, eu trouxe o Doutores para o Brasil, porque na verdade eu saí do Brasil em 1983 para estudar teatro musical em Nova Iorque e eu me formei e eu ia ficar dois anos e voltar, mas eu me formei, comecei a trabalhar, comecei a ter oportunidades de trabalho e eu me vi em Nova Iorque num determinado momento, isso era 1988, que foi o princípio do estouro da minha carreira, vamos dizer, eu já, em 1988 eu já… Foi o ano em que eu vivi do meu trabalho como ator que é uma coisa… Em Nova Iorque, naquela época, 4 a 5 por cento dos atores sindicalizados eram, viviam do trabalho de ator, né, todo mundo acabava fazendo bico, pegando trabalho extra, então quando eu me vi trabalhando que nem louco, fazendo um monte de coisa no teatro, cinema, mas eu falava: “Pô, eu estou aqui realizando o meu sonho, mas eu não estou me divertindo, o que está acontecendo? O que está faltando?”
E foi nessa época que eu recebi um telefonema com um convite para ir conhecer o trabalho dos palhaços no hospital do Big Apple Circus Clown Care Unit de Nova Iorque e eu achei a ideia horrível a princípio que eu achava que era um trabalho sacarina, eu achava que era coisa de gente boazinha, sabe, de se vestir de palhaço para ir levar amor e eu, e na verdade não… O que me surpreendeu é que quando eu cheguei no hospital, eu vi a dupla que estava trabalhando extremamente profissional, competente, eles não tinham dó da criança, eles não estavam lá para ser bonzinhos, eles estavam lá para ser artistas super competentes e da maneira como eles se apresentavam, e da maneira como eles mostraram as habilidades deles, a mágica, a música, malabarismo, tudo integrado como se fossem exames médicos. Eu vi uma criança que estava completamente prostrada no leito começar a mostrar tônus, a sentar e quando eles pediram permissão para entrar no quarto, ela saltou da cama e foi interagir com eles e até hoje eu nunca vi nenhuma superprodução da Broadway ter esse impacto sobre uma plateia de uma pessoa. E eu não fazia ideia, estando acostumado com a noção de sucesso sendo uma casa lotada, eu não fazia ideia de que uma plateia de um tinha um tremendo impacto sobre os artistas também e foi no hospital que eu aprendi esse outro caminho. E aquilo me impactou de uma maneira tão profunda que eu falei: “Eu não consigo fazer isso, você precisa ser muito bom e eu sou um principiante.” E foi que a pessoa que me convidou falou: “Não, você vai se preparar, você tem três meses para se preparar para o teste e tudo.” E no dia que eu fiz o meu teste e que eu vivenciei isso na minha pele, eu também não fazia ideia que a arte tinha esse poder, eu vi que era um caminho sem volta. Então, eu comecei a trabalhar com o Clown Care Unit em Nova Iorque e em 1991, a partir de 1988, final de, eu fiz o teste no final de 1988 e eu efetivamente comecei a trabalhar com eles em 1989, mas em 1990, no final de 1990 o meu pai ficou doente em estado terminal. Então, eu voltei para visitá-lo e tendo já trabalhado por dois anos nos hospitais americanos, eu entro no Incor [Instituto do Coração] e meu pai estava hospitalizado lá, na UTI [Unidade de Terapia Intensiva] do Incor, aí eu entrei ali e falei assim: “Nossa, tem tudo para ser feito aqui no Brasil.” E meu pai, que segundo o médico estava só esperando me ver para poder morrer, ele teve uma recuperação, assim, tão forte que ele ainda viveu por mais nove meses, ele saiu do hospital e foi nesse processo que eu fiz a escolha de trazer o Doutores da Alegria para o Brasil, porque eu não tenho dúvida que tudo isso aconteceu, porque eu pude usar com o meu pai o que eu tinha aprendido com as crianças lá. E o Brasil pareceu o, parecia que aquele era o momento certo de se fazer esse movimento e então em 1991 finalmente eu comecei o Doutores da Alegria. A princípio, como eu tinha ficado oito anos fora do Brasil, foi em caráter bem experimental, sem rabo preso com ninguém, para eu poder ter o luxo de testar, ver se o trabalho se traduzia e não teve nenhum problema. O trabalho se traduziu totalmente e, em setembro de 1991, eu comecei no hospital Nossa Senhora de Lourdes, eu comecei primeiro como uma “euquipe”, era eu sozinho nos primeiros três meses e a partir de uma reunião de avaliação com o hospital, depois de três meses de trabalho, onde a gente avaliou os resultados, daí então a gente começou uma parceria para começar o Doutores da Alegria mesmo. Então foi assim, agora esse ano nós estamos em 2012, a gente está celebrando 21 anos, nossa maioridade; e em 2001, quando eu fiz as entrevistas para o museu, nós estávamos vivendo justamente um primeiro grande momento de transição, porque em 2001, olha o que tinha acontecido: a gente já tinha uma série de iniciativas semelhantes aos Doutores espalhadas pelo Brasil, o filme do Patch Adams que foi lançado em 1999, estimulou mais ainda as pessoas a começar iniciativas usando a figura do palhaço para entrar no hospital e, muito embora o Patch, ele não se considere um palhaço, ele tem a formação de médico, hoje ele se considera um ativista político, mas ele era um médico que sempre usou o humor e a maluquice, incluindo palhaço, nariz vermelho, técnicas circenses para poder cuidar dos pacientes dele, porque ele sempre falou: “Eu só consigo tratar de alguém que é um amigo.” Então ele sempre buscou isso na relação com as pessoas e ele fica, ele atua nesse âmbito, né, hoje já nem mais porque, por causa do filme ele, hoje, está como um ativista político que viaja pelo mundo falando de causas humanitárias. Mas para nós, eu me lembro que a minha questão existencial era: “Bem, será que essa história de palhaço em hospital já não tem mais o que fazer, é hora de fechar, já cumpriu a missão?” Então, nessa hora a gente começou a ouvir o mundo, então primeiro, fomos fazer uma pesquisa para ver como é que era essa situação de palhaço em hospital no Brasil e no mundo, porque no mundo também outros programas já estavam acontecendo. Em 2001 já tínhamo,s em torno, de quase cem iniciativas semelhantes no Brasil, inspiradas no Doutores da Alegria e Patch Adams, mas a grande maioria inspirada na gente e já tínhamos pelo mundo também algo como em torno de cem trabalhos, cem iniciativas, principalmente na Europa, aí a gente falou: “Bom, esse é um movimento, tanto que fez Hollywood fazer o filme do Patch Adams, mas para onde que esse movimento vai?” E nessa época eu falei: “Vamos ouvir o mundo.” E ouvindo o mundo eu comecei a colecionar frases de pessoas públicas que usavam a saúde como metáfora, por exemplo: eu me lembro que a Marta Suplicy quando assumiu a prefeitura de São Paulo, eu estava parado no trânsito, que naquela hora para mim era como estar numa artéria entupida da cidade, mas eu estava parado no trânsito, era umas seis e meia da tarde e a Marta dando uma entrevista para CBN [Central Brasileira de Notícias], ela falou assim: “Heródoto, a cidade de São Paulo está na UTI.” E quando ela falou isso eu pensei: “Caramba, meu campo de trabalho ficou infinitamente maior da noite para o dia.” Aí eu falei: “Então é isso, esse é o próximo passo.” Primeiro, esse é um movimento que está tendo proporções globais, segundo: qual é o papel da gente? Onde começa e onde termina o hospital? E foi ficando claro, como a gente carrega uma série de doenças nas nossas relações com a vida, então na dúvida tenha sempre um besteirologista por perto, e foi nessa época que o Doutores começou a olhar o mundo externo também como uma potencial sala de paciente e foi então que a gente falou: “Bom, tudo o que acontece dentro do hospital é tão forte e tão poderoso que mudou a vida dos artistas, mudou o nosso jeito de ver e lidar com a vida, de ver e lidar com o mundo, então vamos compartilhar isso com esse mundo enfermo e vamos pegar o que tem de bom desse mundo enfermo e continuar trazendo para o hospital. E vamos trabalhar nessa ponte.” Então, isso foi muito legal, porque a partir desse insight fez sentido a gente pegar esse conteúdo do hospital e investir cada vez mais em pesquisa, em livro, em meios de acesso à alegria e a essa ética da alegria para o grande público através de espetáculos. E foi aí que nós começamos a pensar, o que acontecia no hospital ser transportado para o palco, foi nesse processo que a gente chegou na ideia do documentário do Doutores da Alegria e foi nesse momento também que nós vimos esse conteúdo todo e eu me lembro de uma atriz, a Soraya Saide, que ela falou para mim, falou: “Poxa vida, a gente tem ótimos palhaços aqui dentro, a gente tem toda uma metodologia redonda, nós não podemos não ser escola.” E eu fiquei muito feliz, porque eu sempre achei que para esse trabalho ter uma continuidade e não ser meu, mas ser do público, a escola era a única maneira de você garantir a continuidade e o aprofundamento dessa questão da alegria através da figura do palhaço no seu encontro com a criança no hospital. Então, esse foi um momento de virada e hoje o Doutores é uma escola e nós temos nove diferentes públicos. Um deles, que eu tenho muito orgulho, são os jovens de famílias de baixa renda que fazem uma formação completa de dois anos e saem com o DRT [Delegacia Regional do Trabalho] de palhaço, palhaço profissional. É muito bonito trabalhar com os pais desses jovens, porque é um desafio para um jovem que tem talento artístico chegar para família e falar: “Eu vou estudar palhaço.” Leva uma bifa na cara para largar a mão de ser besta e ainda ouve: “Vai trabalhar, ganhar dinheiro, larga a mão de vagabundagem.” E quando os pais chegam lá no escritório e que eles veem tudo o que a gente faz e como a gente faz, aí a gente começa a ouvir: “Então, por isso que meu filho era assim. Ah, agora eu vejo, ele era tão inquieto, eu achava que ele era louco, eu achava que ele era estranho.” Enfim, os pais vão começando a descobrir e aceitar os seus filhos palhaços, esses meninos, todos eles saem e conseguem se dar bem na vida, ou continuar estudando e aprofundar o conhecimento ou entrar no mercado de trabalho, há casos inclusive de jovens que entraram no mercado de trabalho e começaram a ganhar mais do que a família toda como palhaços profissionais, então eu tenho muito orgulho dessa iniciativa, do programa de jovens palhaços. Nós temos o palhaço para curiosos, porque por conta das palestras que a gente fez em empresas nesses 15 anos, porque há 15 anos, o Doutores tem 21 e eu diria que nos últimos 15 é que a gente começou uma relação de maneira muito espontânea com as empresas, elas, a primeira ligou e falou: “A gente queria que você viesse falar do trabalho.” Eu falava: “Você tem certeza? Eu sou palhaço, eu não sou um cara de empresa.” E esse é outro lugar que a gente descobriu e até uma besteirologista, a doutora Ferrara, que ela fala: “O local, o local de trabalho é onde o adulto se interna.” Então, por isso que hoje a gente tem um programa chamado Riso 9000, que é de atuação também dentro de empresas para gente poder garantir um pouco de bobice no local de trabalho. Então, são essas coisas que hoje o Doutores faz, hoje a gente está trabalhando na pesquisa já com uma conexão internacional com pesquisadores europeus de vários países para realmente ampliar o alcance do conhecimento a respeito desse trabalho, porque o palhaço, na verdade o que a gente conhece como palhaço é uma forma de expressão do arquétipo do louco. Então, você vê ele expresso de várias formas, pajé, bobo da corte, menestrel, poeta, e quando esses caras quase entraram em extinção por conta da era industrial nasceu o circo, que abrigou todos esses malucos e dentro da lona do circo eles ganharam a identidade do palhaço com o nariz vermelho, que é o palhaço circense que a gente conhece. Mas no final do século passado esse palhaço estava com saudade dessa sua essência de sair para o mundo, então ele entrou, saiu do circo e entrou no hospital, entrou no campo de guerra, em lugares onde as pessoas vivenciavam crises e, por conta disso, começou um movimento global de palhaço em hospital, do Clown Doctor, que aqui a gente chama de besteirologista. Então, hoje a gente está trabalhando a besteirologia como profissão de futuro, dando as condições para quem quiser ser um besteirologista poder estudar e aprender a fazer isso, estamos ampliando a base de conhecimento a respeito; porque a questão da alegria é, a alegria é uma dessas coisas que todo mundo considera parte da vida de alguém, você nasce, já vem com o pacote. Então ninguém estuda muito isso, mas hoje, quando a gente fala de um mundo sustentável, a gente precisa ter a noção de que a gente só consegue fazer a sustentabilidade se a gente vive sustentabilidade e a alegria é o ponto de partida para qualquer ser humano que queira ter uma relação saudável com a vida e consequentemente com o seu entorno. Hoje a gente está falando tanto em sustentabilidade, porque a gente precisa reaprender a conviver com o nosso entorno, a gente desaprendeu a fazer isso e aí o que acontece? A gente vive um estilo de vida onde a gente se violenta, se machuca e consequentemente a gente faz isso para o planeta. Então a gente aprendendo a se curar, a sustentabilidade planetária vem como consequência, mas tem muito trabalho para fazer, por isso que é tão importante a gente, e a gente não consegue fazer um trabalho dessa envergadura sozinho, por isso que é tão importante a gente ter parceiras que acreditem nessa loucura, que acreditem nessa causa e invistam para que nos dê condições de gerar mais conhecimento e compartilhar com um número maior de pessoas.
P/1 – Era exatamente isso que eu ia perguntar, né, nesses 20 anos, você falou: “Ah, eu sou um palhaço, não sou um empreendedor”, como é que você conseguiu essa sua função?
R – Não, eu disse que eu não era um cara de empresa, empreendedor eu sou, aliás…
P/1 – … Agora é.
R – Pois é.
P/1 – Como que você conseguiu: “Pô, eu não sou só um palhaço, eu sou um captador, um administrador, sou um empreendedor.” E quem são os parceiros, quem que você teve que abraçar para conseguir fazer esse projeto tão bonito?
R – Putz, olha, desde a criança no hospital até a pessoa que faz o nosso almoço, passando pelos patrocinadores, passando pelos nossos amigos dentro dos hospitais, todas as equipes de profissionais de saúde, administradores da área da saúde, a Ashoka, que foi fundamental na minha vida no sentido de, eu só consegui pensar essas coisas todas, porque quando eu estava numa crise de identidade me perguntando o que eu virei, eu era um ator de teatro musical que de repente virou palhaço, que de repente virou ongueiro e o que eu sou? E foi então que a Ashoka entrou na minha vida e falou: “Você é um empreendedor social.” E quando eu vi a tribo a qual eu pertencia por conta desse reconhecimento eu falei: “Cara, agora eu estou fora de controle.” Então, faz sentido sim criar a besteirologia como profissão de futuro, então a Ashoka foi fundamental, a inspiração de todos esses empreendedores sociais incríveis que fazem parte dessa rede, então são vários parceiros, as pessoas que fazem doações individuais, eu tenho um agradecimento quando um indivíduo olha a nossa causa e ele fala: “Eu vou fazer uma doação mensal para esta causa.” No meio de tantas organizações e ele prestar atenção na nossa e resolver investir, quer dizer, então são muitos parceiros em diferentes instâncias e todos eles contribuem muito para que a gente possa levar o trabalho para frente. Agora, a gente é bom moço, né, então a gente gosta de casamentos, relações duradouras, então é muito bonito quando você tem uma empresa do porte da White Martins que tem essa mesma filosofia, de fazer realmente um investimento num trabalho para que ele possa ver os desdobramentos, os frutos, acompanhar junto, porque você une forças. A força que a gente tem é do conhecimento dessa tecnologia, a força que a White Martins tem, primeiro atua dentro do local onde a gente atua, que são os hospitais, e em segundo faz um investimento financeiro e de modo que a gente possa viabilizar o trabalho. E quando a gente apresenta os resultados, eles vêm e falam: “Ok, vamos continuar.” Quer dizer, então você constrói uma continuidade, você pode planejar, você pode sonhar, você pode ousar e uma coisa que me toca muito, quando você é apoiado por um indivíduo que você sabe o nome dele, você sabe o telefone, você tem como escrever para ele, agradecer, falar muito obrigado. Quando você está numa empresa, né, ainda mais uma empresa de porte nacional, como é que você agradece cada um dos colaboradores que tem lá dentro, como é que você pode compartilhar aquilo que a gente faz com todo mundo da empresa? E nesse aspecto a White Martins é maravilhosa no sentido de abrir o espaço para que a gente possa levar, por exemplo, o Riso 9000 e hoje a gente cria coisas junto. Por exemplo, eu nunca vou me esquecer de um processo que foi super bonito, existe o, no dia 15 de setembro celebra-se o dia do cliente, então nesse dia a White se mobiliza para que todos os seus colaboradores conheçam todos os clientes que fazem parte da White e que fornecem para White, essa coisa toda. Então é um dia muito especial em que, assim, uma série de atividades são feitas para que os colaboradores conheçam melhor, tem prêmios, presentes, é muito divertido, então a White entrou em contato com a gente e falou: “A gente queria tornar mais legal ainda essa experiência do dia do cliente.” Então foi muito legal, porque eu vendo todos esses trabalhos que eles fazem, eu falei: “Olha, que bonito!” Da mesma forma que a gente procura fidelizar um doador, da mesma forma que a gente nutre uma relação contínua com uma criança, com um profissional de saúde, eles também fazem isso e querem que o seu público interno conheça quem faz a White também acontecer nas outras instâncias. Eu vi muita identificação, eu falei: “Olha, que legal!” Então foi aí que a gente preparou os besteirologistas, com base nesse briefing para fazer o dia do cliente dentro da White e foi um sucesso tão grande que no ano seguinte a ação se repetiu e também tivemos uma avaliação ótima; então quando isso rola, realmente você tem uma cumplicidade. Nunca me esqueço, teve um, eu vou ser sempre grato a Cristina, porque houve um ano em que a Lei Rouanet passou por algumas mudanças, isso foi 2009 para 2010, e eu me lembro que começou a dar um monte de confusão, o nosso projeto foi enquadrado num outro código. Nós tínhamos, a gente sempre fez projetos anuais, então o nosso projeto anual, a gente tinha naquele ano colocado a possibilidade de fazer um DVD, editar um livro, manter o trabalho nos hospitais, a escola, então o projeto foi desmembrado para Biblioteca Nacional, para secretaria de audiovisual, foi um pesadelo. E assim, em dezembro, quando a gente recebe a maior parte das doações, né, porque acaba o ano fiscal, eu lembro assim, eu já com viagem marcada e tendo que ligar, chegou um ponto que eu tive que ligar para o Ministério da Cultura e falar: “Gente, é o seguinte: por alguma conjunção astral esse ano as coisas rolaram de um jeito maluco, mas é o seguinte: o Doutores da Alegria é importante para cultura brasileira? Só me fala, porque se não for eu aceito, vou perder meu patrocínio.” E aí o pessoal, na época o ministro interino, o Alfredo Manevy falou: “Não, não, não, vamos fazer tudo o que for possível.” Então me lembro que a Cristina, ela ficou até o último momento, porque nós conseguimos fazer o depósito, o depósito tinha que ser feito no último dia útil e, assim, ela não saiu de férias enquanto esse depósito não foi feito e foi tipo assim: a uma hora da tarde do último dia útil que o investimento da White Martins entrou. Aí todo mundo descansou, soltei fogos, fui tomar banho de cachoeira, eu estava no interior da Bahia e falei para minha família: “Vão, vão para praia, vão se divertir, vão fazer alguma coisa, que eu tenho que ficar aqui ao telefone falando com as pessoas.” Eu me lembro que foi um ano que deu essa zica, mas é aí que você reconhece os parceiros, é aí que você vê quem é que está junto. Eu nunca vou me esquecer desse dia, porque este tipo de coisa que você passa junto é que faz você olhar o parceiro como parceiro, como cúmplice mesmo e é de igual para igual, estamos junto nessa história. Isso para mim é, eu tenho um, aliás, eu posso falar e falar e falar e eu nunca acho que vou ser capaz de enaltecer o suficiente esse tipo de coisa, porque isso é ouro, isso é precioso, isso, e é raro.
P/1 – E como é que a White Martins apareceu na tua vida, você lembra?
R – Ah, de várias formas, na… Olha, é interessante, né, que assim, nunca, grandes parceiros, eles nunca aparecem de um jeito só, sempre tem uma história, eu noto isso, eu me lembro, por exemplo, a primeira vez que eu… Eu sempre vi a White Martins nos hospitais, né, naqueles, naquelas coisas, naquelas estruturas que ficam fora do hospital que eu acho que é onde se armazena, os tanques, é, onde se armazena gás, essa coisa toda, mas a primeira vez que eu vi a White Martins foi quando eu fui para o Rio de Janeiro participar de um encontro do Saúde Criança a convite da Vera Cordeiro. Eu fui para fazer uma fala e participei do primeiro dia do encontro de todos os programas semelhantes do Renascer que tinha pelo Brasil. E aí é que eu me lembro da Vera abrindo esse evento e falando do parceiro incrível que era a White Martins, então quando eu ouvi a Vera Cordeiro falando da White Martins desta forma eu falei: “Olha que lindo! Puxa, que legal, quem sabe um dia.” E aí eu me lembro depois quando nós, em alguns momentos eu tentei aquela coisa de mandar projeto, com quem que eu falo, conversei com um, conversei com outro, mas também teve um pouco desse processo de você então procurar empresa, ir atrás; mas na verdade a primeira regra que eu aprendi nesse mundo da área social e da mobilização de recursos é que as pessoas, elas investem nas pessoas, que tudo começa a partir de um encontro, de um olho no olho, então eu falava: “Com quem que eu preciso me encontrar?” Corta, vamos para alguns anos depois, Hospital Nossa Senhora de Lourdes, nós tínhamos dado alta para o hospital porque o Hospital Nossa Senhora de Lourdes já tinha feito o hospital da criança todo inspirado na nossa relação com a criança, nós fizemos treinamento para os profissionais de saúde, enfim, eles estavam com, tem um hospital pediátrico que foi o pioneiro aqui no Brasil em integrar lúdico, brincadeira, palhaço, culinária, tudo para criança, então eles já estavam com tudo, eu falei, e nós estávamos num momento da gente falar assim: “Ok, já que o hospital está correndo com a bola desse jeito, vamos levar o Doutores para onde não tem.” E foi, então nós havíamos saído do Hospital Nossa Senhora de Lourdes para ir para o Hospital do Grajaú e aí o hospital não deixou, não deixou, não deixou e eles estavam num momento de criar um comitê de responsabilidade social. Então, nós acabamos ficando e nesse processo o Hospital Nossa Senhora de Lourdes pegou um pool de fornecedores e apresentou um plano de investimento para que todo mundo que fizesse parte do hospital, inclusive os fornecedores de longo tempo e tudo mais, todo mundo que viu o hospital também crescer, mudar, pudesse investir socialmente. E foi nessa época que eu conheci um representante da White Martins que hoje ele não está mais na White, ele mora na Espanha e a gente conversou muito numa reunião, tudo e eu me lembro que naquela época, através do Nossa Senhora de Lourdes, a White fazia um investimento quase que simbólico, era algo em torno acho que de mil reais por ano, por mês, era uma coisa muito, da relação com o hospital um pedacinho ia para relação do Doutores da Alegria. Eu me lembro da gente conversar, se falar, e ele ficou muito impressionado com o hospital, com a história toda, então ele falou: “Eu estou indo para Espanha, mas eu vou falar de vocês na White Martins.” E foi aí que começou aqui, a nossa relação foi começando a acontecer. Depois através de Recife, do Doutores da Alegria Recife e foi aí que eu vi o representante local da White Martins participar das atividades com a gente e a nossa equipe de mobilização de recursos. Então foi uma relação que ela foi sendo construída de vários encontros, de várias formas, até que a gente formalizou nossa primeira relação direta, Doutores da Alegria – White Martins. E eu me lembro que na época foi uma ação voltada para o Doutores da Alegria Recife e eu me lembro que quando a gente, eu fui para lá para inaugurar a nossa ação dentro do IMIP [Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira], que eu conheci a equipe local, então e pela qualidade da conversa, eu falava: “Ai meu Deus do céu, tomara que a coisa continue.” E desde então estamos juntos, isso já tem mais de cinco anos, então é muito bom a gente poder ter uma relação assim.
P/1 – Você falou de alguns exemplos e usou também a palavra ousar que é uma palavra que dentro da White eles também usam muito, eu achei bacana até nesse sentido, dá outros exemplos, nesse momento mesmo de quando a White entrou como parceiro fiel o que foi possível o Doutores ousar nessa parceria?
R – Bom, primeiro manter, fazer o nosso trabalho continuar acontecendo dentro dos hospitais e garantir que nós pudéssemos continuar fazendo o trabalho no hospital. Nós começamos a trabalhar com os artistas, porque como é que você, como é que você vê a produtividade de um artista de uma maneira que não seja persecutória ou vigilante, de vigia, de ficar vigiando? Nós trabalhamos no Doutores pedindo para os artistas que aquilo que eles vivenciam no hospital que toque, que marque, que incomode, que inspire, que eles levem isso para o palco e mês sim, mês não, a gente faz o que a gente chama de uma roda besteirológica. E essa roda besteirológica, ela é feita numa sexta-feira, dentro de um dos hospitais onde a gente atua, então nesse dia todos os besteirologistas de todos os hospitais, eles convergem para um hospital e a gente faz apresentação num lugar público. Então, desse jeito todos os besteirologistas acabam conhecendo todos os hospitais, todos os hospitais têm condição de conhecer todos os besteirologistas e é um dia que para o hospital e todo mundo, adulto, jovem, criança, médico, enfermeira, de todas as áreas, acabam vendo a gente. E esse trabalho que é feito na sexta, no domingo ele é levado para o palco de um teatro, então isso é o que a gente chama de pegar o conhecimento do hospital e levar para um público externo, devolver para o hospital. Então, essa é uma das ações que a White Martins viabiliza que a gente faça, quando nós, uma outra ação que para nós ela tem um cunho bastante inovador é o Plateias Hospitalares da qual a White é um investidor também. O Plateias Hospitalares para mim é um estudo de próximo passo para o Doutores da Alegria, porque a ousadia está em convidar o artista e não estou falando só do palhaço, é o ator, é o cantor, é o contador de história, convidar todo tipo de artista cênico para olhar o hospital como um espaço de arte e cultura e, então, criar performances e apresentações para o público que está dentro do hospital. Então, dentro desse conceito das rodas os palhaços fazem um cortejo musical dentro do hospital para chamar o público para as apresentações e todo o público de criança, adulto, idoso, profissional de saúde, todo mundo é convidado a assistir a apresentação; e por isso que a gente chama de Plateias Hospitalares e a White viabiliza esse trabalho que está acontecendo há dois anos, um pouco mais agora, no Rio de Janeiro, em oito hospitais da rede pública.
P/1 – Você estava contando de alguns exemplos, dessa parceria, se você quiser continuar nesse sentido e também como que você vê o futuro desta parceria, da White, do Doutores.
R – Bueno, então, tem um aspecto, assim, dentro dessa pergunta, fazendo uma pequena digressão, é que é muito legal, eu me lembro de uma coisa que a primeira vez que eu me encontrei com a Cristina lá no Rio de Janeiro, que ela falou: “A White realmente acredita nos investimentos sociais que ela faz e a gente acompanha, a gente vê porque a gente acredita mesmo.” E realmente foi isso, é isso que eu estou vivenciando, a continuidade da nossa relação vem desse acreditar. Então, eu penso que hoje a gente tem condição de sentar na mesa e começar a criar, vamos fazer o que não foi feito ou vamos pensar de que maneira nós podemos revolucionar essa área que a gente atua, que é a área da saúde, a área da cultura. Então eu penso que a gente tem muitas oportunidades, por exemplo, hoje quando a gente está falando da besteirologia como profissão de futuro e do papel que o Doutores da Alegria está tendo como escola e provavelmente vai ser assim, o pioneiro na América Latina em oferecer esta formação e futuramente inclusive como nível superior para que eles, tudo possa estar documentado, registrado, respeitado, sacramentado, legitimado. Então, nós temos hoje, eu vejo para o futuro mais legal vão ser as oportunidades da gente sentar à mesa e talvez em torno de uma refeição, porque essas coisas vão ajudando a gente a conversar e a criar e a ficar mais confortável, solto; eu penso, é como se eu tivesse indo na casa de um amigo, sabe, jogar conversa fora, então, para mim, o que eu vejo de futuro são as oportunidades da gente sentar juntos e falar: “Como é que a gente vai interferir nesta realidade? Como é que a gente pode juntos unir os nossos esforços e promover mudanças?” Então, os caminhos, eles estão apontados, por exemplo, hoje uma das ações que também vai ser viabilizada é a partir da hora que, nós recebemos um convite da Universidade de São Paulo para trabalhar na formação dos estudantes de Medicina, Enfermagem, Nutrição e Terapia Ocupacional. Então, nós vamos trabalhar com eles dando uma formação muito leve, palhacesca para que eles possam criar personagens e fazer visitas a exemplo dos Doutores para os pacientes e dessa forma desenvolver uma relação de outra qualidade com os seus pacientes, isso tudo vai ser depois documentado para ser levado para pesquisa. Então, eu acho que hoje a gente tem tantas possibilidades que aonde as coisas aconteceram e que a gente foi capaz de selar esses acordos e promover essas mudanças de mudar hoje o cenário do hospital, hoje quando você chega no Rio de Janeiro e você fala com a classe artística, você… O Plateias Hospitalares já é uma realidade, quando você chega nesses hospitais e você vê, eu nunca vou me esquecer também: comemoração do dia do idoso, primeiro de dezembro, primeiro de outubro, é, primeiro de outubro, eu sabia que era um dia primeiro, e nós fazendo uma apresentação num hospital que é um centro de tratamento de idosos no Realengo no Rio de Janeiro e a gente levou a Orquestra Voadora, que são 30 músicos muito loucos e eles estavam no centro de convivência; a gente entra no centro de convivência, onde todos aqueles pacientes idosos, aquele era o dia que eles estavam lá para celebrar o dia do idoso, eles vão para exame, eles vão para manutenção e tudo mais e aí os pessoas fazem alguma celebração e nesse dia, então ninguém estava sabendo que a gente ia levar a Orquestra Voadora que é para fazer o pessoal dançar mesmo, então, começamos falando: “Olha, a gente ia trazer, assim, uma orquestra, mas o pneu do ônibus furou, eles não puderam comparecer, então nós vamos tocar uma musiquinha para vocês.” E assim, aquela plateia toda olhando, assim, sabe, com aquela cara de: “Caramba, eu vim até aqui para ver aquele palhaço tocar violão e cantar uma música, caramba.” E de repente, no que ele termina a música a orquestra pelo fundo do salão dá os primeiros acordes e aí eu só vi as cabeças virando e a medida que vinha entrando… E eles vêm todos vestidos de, com roupas engraçadas, palhaços, maquiagem e tocando, eu ia vendo as caras das pessoas e de repente foram duas horas ininterruptas de música e todo tipo de música, eles adaptavam, por exemplo, Michael Jackson para ritmo de samba, sambas antigos, marchinhas. Eu nunca me esqueço de uma senhora que ela falava: “Meu filho, eu tenho uma artrite horrorosa, você não sabe, artrose, mas hoje, olha, esqueci tudo, eu estou dançando, olha só que maravilha.” Aí veio uma enfermeira falar assim: “Olha, hoje não teve pressão alta, hoje não teve palpitação, hoje não teve remédio, hoje, assim, foi um dia completamente atípico aqui, né.” E eu me lembro que nesse dia estava uma das pessoas do comitê de responsabilidade social da White Martins, estava lá e ele se apresentou e a gente se conheceu e ele mesmo falou: “Olha, que bonito ver, porque eu também nunca tinha visto, eu não fazia ideia que na rede pública tinha servidores assim, tinha pessoas que tinham esse carinho e que tratavam, eu vi um trabalho desta qualidade.” Então, você vê, eu não me esqueço dessa data e deste encontro, desse diálogo que a gente teve, porque eu acho que por isso que a gente é parceiro, para promover momentos como esse, sabe, onde você fala: “Sim, esta é uma realidade que existe, ela é acessível, ela é palpável e ela é transformadora.” Porque não tem como você olhar para o hospital da mesma forma depois. Então, eu não me esqueço desse dia. Então, quando eu penso em futuro eu acho que o que a gente, o que é mais importante da gente garantir é esse espaço onde a gente senta, um olha para o outro e fala: “E aí, que loucura nós vamos fazer agora?” Porque é daí que vem a inspiração, então hoje a gente pode escolher besteirologia como profissão de futuro, a escola, formação de palhaços, ampliar a rede. Ah, outro trabalho que a White Martins viabiliza através do investimento que são nossos palhaços em rede que é o nosso compromisso com a besteirologia, com a causa, onde nós trabalhamos com esses grupos semelhantes que há dez anos, que em 2001 a gente começou a conversar com eles para saber qual era o nosso papel, como que a gente podia servi-los. Então, hoje a gente congrega todos esses grupos, são 565 hoje pelo Brasil que recebem capacitação gratuita do Doutores. Para gente falar de, seja amador, seja voluntário ou seja profissional, você vai entrar num hospital você tem que ter ética e você tem que ter qualidade e um mínimo de orientação e formação, então a gente garante isso. E nesse processo uma série de grupos que antes estavam, assim, claudicante ou se encontrando, se profissionalizaram, são hoje colegas de campo, estão fazendo uma tremenda diferença em outras partes do Brasil, para mim isso é fazer história.
P/1 – Você ainda hoje atua como clown, quais são as suas atividades hoje?
R – Olha, esse ano está mudando, mas o ano passado foi um ano que eu falei: “Eu quero agora me divertir um pouco, resgatar, assim, a essência.” Não que eu não me divertisse, mas eu queria voltar para o hospital. Então, ano passado eu voltei para coordenação artística do grupo de São Paulo e voltei para os hospitais, eu trabalhei como palhaço, revisitei o meu ponto de partida, foi muito bom. E isso hoje me levou também para um outro lugar dentro do Doutores, hoje eu vou sair um pouco do dia a dia, ir para o campo mais estratégico, porque nós estamos com uma, através da Ashoka, a parceria com a Marquise, onde a gente vai desenvolver a escola dos Doutores, né, ela já acontece, mas agora a gente vai pensar na estruturação dela como uma unidade de negócios. E eu também vou, estou trabalhando a criação da unidade de negócios que vai permitir que a gente dissemine esse conhecimento e esse conteúdo do Doutores gerando recursos para o Doutores. Então a nossa ideia é ampliar cada vez mais o alcance da besteirologia, o alcance disso que fez a gente mudar o olhar sobre a vida, e o que foi que fez a gente mudar esse olhar? Foi o encontro da criança com o palhaço num local como o hospital, onde você transita entre aquela linha tênue de vida e morte todos os dias, porque muita coisa na tua vida você só entende quando você está morrendo, eu já vi muita gente na UTI falar: “Se eu sair dessa eu vou mudar meu jeito de viver a vida.” E eu fico pensando por que será que a gente precisa se trazer para esse grau de paralisação para viver a vida de um outro jeito, de um jeito mais sustentável? Então o nosso objetivo hoje é, ao disseminar esse conhecimento, é viabilizar que a gente faça as melhores escolhas na plenitude da nossa saúde, no cultivo da nossa saúde e consequentemente da nossa alegria. Então, eu vou trabalhar hoje com uma unidade de negócios disseminando esse conceito e fazendo isso gerar recursos para o Doutores.
P/1 – Eu sei que essa besteirologia não tem como, tá na tua vida, tá na tua alma, mas como que é isso fora do Doutores? Quem que é o Wellington fora do Doutores, suas atividades de lazer, você tem filhos, é casado, como é que é isso?
P/1 – Eu sou casado com uma cineasta, então tudo que um ator precisa: direção. Então esse ano a gente celebra 20 anos de união estável, porque um dia a gente falou: “Vamos morar junto e ver no que dá.” E estamos juntos até hoje e nós temos um filho de 13 anos e hoje, pela primeira vez nesses 20 anos, o ano passado, né, como eu te falei, eu comecei um trabalho de voltar para minha origem artística, eu queria resgatar o artista em mim, porque eu só sou o que eu sou por causa também dessa experiência dentro das artes e foi muito louco; eu voltei a cantar também o ano passado, que a música tem um poder incrível e aí esse ano, pela primeira vez, o ano passado eu assisti um musical em Nova Iorque chamado Família Adams, que foi como o hospital para mim. Eu não queria ver, as críticas tinham sido ruins, mas eu fui celebrar os 25 anos do Clown Care Unit lá em Nova Iorque e fiquei na casa de um amigo que tinha um sobrinho que estava no elenco do Família Adams, ele falou: “Já comprei os ingressos.” Eu falei: “Ai meu Deus do céu, vou ter que ver agora, né.” Fui e me apaixonei pelo espetáculo, porque eu achei o máximo. Primeiro que ele é super divertido, ele é lindo e eu vi aquela plateia cheia de famílias, pais e filhos se divertindo juntos, aquilo me emocionou e no final do espetáculo eles me deram uma turnê do cenário, do backstage e aí eles falaram: “Vai ser montado no Brasil.” Eu falei: “Ah, vou tentar.” Mandei meu material, me chamaram para o teste, eu peguei um papel. Então esse ano eu estou, pela primeira vez, numa produção completamente fora dos Doutores que é o Família Adams e estou revisitando essa minha experiência artística, porque eu saí do Brasil para começar teatro musical, então agora me vejo voltando para ele, só que como um agente infiltrado, né, porque já com o elenco, todo mundo, eu conto para eles: “Olha, o hospital, a música, eu ainda vou acabar levando esse, eu tenho certeza que nenhum de nós vai passar incólume por essa experiência.” Porque eu acho que o ponto mesmo e como nada acontece por acaso, eu acho que o grande objetivo hoje é buscar mesmo a integração. Nós estamos falando de responsabilidade social, nós estamos falando de sustentabilidade, eu acho que cada vez mais as artes, a cultura, elas têm que se espalhar mesmo além dos palcos e do entretenimento para exercer a sua função essencial que é tocar a vida das pessoas e mostrar para elas que existem opções, existem escolhas, existem outras formas. E quando você está doente, ela tem, e a arte vem aplicada corretamente, com precisão, com o pensamento, é transformador. Então, eu sinto que hoje eu estou fazendo também, tendo essa oportunidade de cuidar desse meu lado que eu adoro, que é cantar, que é estar em cena e que eu, por exemplo, todas as vezes que eu subi ao palco, eu não fiquei fora do palco, porque com o Doutores eu estava na roda artística, eu estava no Midnight Clown, mas tudo o que eu fazia era em torno do Doutores e eu sempre estava na condição de apresentador: eu sou o cara que está entregando o produto na bandeja. Então eu sempre ficava nessa posição, agora não, agora eu estou, assim, saindo da minha zona de conforto, criando personagem de novo, passando por insegurança e vendo e é maravilhoso, né. Eu estou me elastificando de novo, mas por que eu estou passando por tudo isso, por que eu estou entrando nesse mundo e por que as coisas aconteceram de uma maneira tão redonda? Eu só tenho uma resposta para mim, é para que eu possa, como vírus, afetar esse mercado, afetar os meus colegas, afetar as grandes produções e começar a criar as pontes para que essa maravilha que acontece num palco possa acontecer num lugar onde as pessoas estão buscando se curar.
P/2 – Eu queria voltar para aquele momento que você falou da volta dos Estados Unidos para o Brasil e você percebe no início da década de 1990 que existia um campo aberto para atuação do palhaço no hospital: como é que foi concretizar isso, fazer essa avaliação, como foi essa concretização?
R – Arte é uma coisa pungente, mas ao mesmo tempo de muitas, efêmera e como artista, principalmente um artista cênico, um ator, um palhaço, eu sempre pensei: “Que legado que eu posso deixar?” Porque você vê uma escultura do Michelangelo hoje, você vê uma obra do Leonardo Da Vinci quinhentos anos depois e você se encanta, porque ela está lá documentada e eu ficava pensando: “Como é que como ator eu posso deixar alguma coisa na terra?” Então chegar aqui no Brasil e começar do nada o Doutores da Alegria e ver hoje o que ele virou, a escola, 565 programas semelhantes… Eu tenho a sensação, me dá a sensação de ter criado uma obra, me dá uma sensação de ter deixado um legado, eu sinto como se eu tivesse materializado um pouquinho de um trabalho tão efêmero como é o cênico e tão íntimo né, como é o palhaço, que vai até o hospital encontrar com a crianças, que não tem câmera, não tem luz, não tem luz, não. É o cara e a criança, mas isso é tão forte que eu sinto que hoje essa obra está consolidada e vai ser muito difícil acabar com isso ou erradicar. Então, eu não sei se eu estou respondendo a sua pergunta, mas é assim que eu me sinto olhando para trás e, ao mesmo tempo, sinto que eu estou na ponta do iceberg, porque já tem uma trajetória de 21 anos, mas eu acho que é só o começo, que ainda tem muito mais, com todos os desafios que a gente tem para aprender a conviver com outros seres humanos e com o nosso planeta. Eu acho que a gente tem muito para aprender com as crianças e os palhaços, então eu pretendo continuar servindo essa causa e o mais legal, você aprender a convivência, você aprender o cultivo da alegria, da saúde, de uma maneira divertida. Então eu acho que tudo acontece mais rápido, era isso?
P/2 – Acho que um pouco, era nesse sentido mesmo, fazer uma avaliação. E eu queria saber como é que foi deixar, você falou desse período de transição de dez anos, como é que foi deixar de ser uma referência para se tornar, digamos, uma escola formadora e garantir a continuidade desse trabalho?
R – Ah, é, primeiro tem um aspecto de realização de um sonho, porque eu me lembro que essa, toda essa ideia de escola aconteceu quando eu comecei o Doutores, que eu falava: “Preciso de palhaços.” E nessa época eu dava aula no teatro escola Célia Helena, dava aula de formação de palhaços e ao dar aula eu via, eu trabalhava com os alunos durante um ano e como tinha ainda mais coisas para ser ensinada, como tinha mais coisa para ser descoberta, eu falava: “Um dia ainda vou fazer uma clown universidade.” Então, juntando isso com o Doutores e as necessidades desses artistas, eu me lembro que no nosso primeiro planejamento estratégico que foi em 1995, 1996 a escola estava apontada e tinha esse nome Clown Universidade e eu me lembro que quando eu fui apresentar para os artistas todo feliz, eles falaram: “Eu não vim aqui para dar aula, eu vim aqui para atuar no hospital, esse que é o grande barato.” Eu fiquei, assim, surpreso, eu falava: “Nossa, ninguém está afim, então tá.” Eu me lembro que o consultor falou: “Não, mas deixa, bota lá no fogo baixo e vamos ver o que acontece.” O mais incrível é que sete anos depois desse episódio esses mesmos artistas que falaram isso, falaram: “A gente não pode não ser escola.” (Risos). Então, tem uma coisa muito bonita de ver que, às vezes, você tem uma visão e que cada criança tem seu tempo, né, para ela começar a se materializar, todo mundo tem que ser parte disso e segundo ver isso materializado e a gente está falando disso como profissão, para mim tem um aspecto de ousadia, imagina para um pai e para uma mãe o filho chegar: “Mãe, vou ser besteirologista.” O meu sonho é que os pais cheguem e falem: “Valeu, filhão, olha que escolha lúcida de carreira, puxa vida, que coisa legal.” E por que não? E eu acredito muito nisso por causa da ancestralidade desse arquétipo desse maluco, que é o louco do tarô, o palhaço, o bobo da corte, o menestrel, esses caras, eles existiam para justamente provocar você a olhar o mundo de uma outra forma, a ver soluções que estavam na tua cara e você não enxergava; e a gente está precisando disso cada vez mais e em doses cada vez menos homeopáticas. Então a escola para mim é uma forma de revolução, é uma forma de legitimar, abrir o espaço e principalmente, eu tenho a sensação, quando você vê uma praga global como essa do palhaço no hospital, você tem duas opções, eu acho que tem dois cenários de futuro. Primeiro: “Ah, isso é uma atividade legal, bacana, está lá na prateleira de coisas que pode ser feita dentro de um hospital.” E a outra opção, outro cenário é: “Olha que tremenda oportunidade para uma mudança de cultura, porque é isso que esses caras faziam.” Quando você pega a ancestralidade do arquétipo do louco, pajé nada mais é do que a fusão do curador com o maluco. Então se você pegar a história, você vê que na mesma época que o palhaço quase entra em extinção e é gestado pelo circo para aparecer com a sua nova cara, nessa mesma época o médico, ele está começando a buscar a higienização, o branco, quer dizer, então eles vão para dois opostos e eu vejo hoje esses dois arquétipos, esses caras querendo estar juntos de novo e buscando formas de fazer isso acontecer. Porque sempre foi assim e enquanto for assim, e quanto mais a gente garantir que esses dois arquétipos se unam, eu acho que a gente vai beneficiar um número cada vez maior de pessoas. Então, a escola hoje para mim ela tem essa função e globalmente falando, todos os programas sérios e que estão fazendo esses investimentos ajudam a formar um portal para que esse arquétipo possa fazer o seu download no século XXI, em proximidade com as pessoas e de uma maneira agora perene. Então como era na China há cinco mil anos atrás, que nenhum governante ou imperador era considerado completo se não tivesse um bobo ao seu lado, por quê? Porque ele tinha a carta branca para poder falar e fazer as coisas que nenhum outro mortal podia e ao fazer isso, desafiando essa autoridade máxima, eles eram capazes de influenciar decisões que impactavam todo um povo. Eu acho que o futuro é bem promissor.
P/1 – Wellington, a gente já está caminhando para a parte mais avaliativa, já está fazendo isso, para gente finalizar: o que você acha desse projeto, né, de contar a tua história, a história da parceria com a Ashoka, a história da parceria com a White através de um projeto de memória, que você vem aqui e conta a tua história?
R – Eu acho extremamente importante, porque eu me lembro que quando eu comecei a trabalhar no hospital e trazer, aqui no Brasil, eu me divertia muito fazendo esse trabalho e as pessoas perguntavam: “Mas qual é o impacto, qual é o resultado disso?” Eu falava: “Ah, gente, eu não estou preocupado com isso, olha só, olha aí, eu quero fazer, eu estou a fim do encontro.” Mas um dia veio uma psicóloga hospitalar com um olhar muito aguçado, que era a Morgana Masetti, e ela viu do lado de fora, não do lado de dentro como a gente estava, e ela começou a documentar isso. E quando ela mostrou para gente e ela viu as cenas que a gente nunca via, o antes e o depois da criança, a gente só vivia aquele momento presente, e quando ela trouxe isso, ela falou: “Nossa!” Ou melhor, eu falei: “Nossa, eu não fazia ideia que a gente fazia isso.” Então a imagem que me veio é que a não documentação, o não registro da atividade, ela fazia com que aqueles momentos lindos ficassem caídos no chão do hospital e nunca fossem coletados. Então você veria histórias e histórias e histórias de encontros marcantes no chão do hospital. Então quando ela pegou e documentou essas histórias, elas se tornaram uma documentação e consequentemente um exemplo transformador para tantas pessoas; com certeza a gente hoje tem 565 iniciativas semelhantes e isso virando uma febre no Brasil por causa desses relatos que foram feitos e compartilhados. Então está aqui parando esse tempo das nossas vidas com todos vocês para fazer isso eu acho que é uma forma de garantir um legado, é mais um registro e uma legitimação das nossas parcerias, dos nossos propósitos de vida, por que uma empresa acontece? Ela tem um propósito e hoje não é mais só gerar lucro para os acionistas. Então por isso que é tão importante a gente estar junto para poder gerar hoje vida e coisa boa para o planeta; então essa documentação, esse registro, ela documenta e eu espero que ela inspire muitas pessoas, eu espero que justamente ela não fique guardada, mas que ela seja disseminada para inspirar muitas pessoas a fazer mais e melhor do que a gente está fazendo para daí a gente aprender com eles (risos).
P/1 – E qual é que é o teu grande sonho hoje?
R – Bom, meu grande sonho é construir esse portal para o bobo voltar para o século XXI em proximidade com as pessoas, a gente ver uma revolução no conceito de saúde a partir das artes, onde o conceito de hospital, onde a gente comece a consciência, o cultivo de uma relação saudável desde pequeno, onde a gente aprenda isso na escola. E então a gente não precisa mais ter um hospital cuidando da gente, porque a gente não se cuidou direito, não, onde a gente aprenda a se cuidar e consequentemente a integrar isso e ao se cuidar, a gente cuidar do mundo e mantê-lo vivo, saudável, como um filho que você ama. Então esse é o meu sonho, revolucionar o conceito de hospital, redesenhar esse espaço usando a arte e o palhaço como base e criar condições para que a qualquer momento da nossa vida a gente esteja exposto à arte e à cultura para que as nossas ideias possam ser provocadas sempre no sentido de fazer a gente pensar mais e melhor formas de tornar o mundo habitável, coexistível, divertido e inspirador numa escala global, assim. Ah, um sonhinho (risos).
P/1 – Um sonho pequenininho (risos).
R – Eu sempre tive pequenas ambições (risos).
P/1 – Obrigada, Wellington.
P/2 – Deixa eu só fazer uma última pergunta?
R – Sim, a derradeira, a definitiva.
P/2 – A derradeira. É uma autoavaliação, queria que você fizesse uma autoavaliação, o que mudou no Wellington de 2001 para o Wellington de hoje?
R – (Risos). Eu acho que eu estou mais sem vergonha, eu estou mais sem vergonha, mais sem vergonha, assim, é nesse sentido, eu acredito tanto nisso, está tão hoje no meu DNA e algumas visões de futuro que eu via, tinha em 1991, em 2001, eu estou vendo elas completamente materializadas hoje. Então isso dá uma sensação, assim, de: “Tá vendo, eu sabia que isso ia acontecer.” Então, isso deixa a gente mais, assim, à vontade mesmo para ser maluco, para ousar, para falar: “Não, isso não é maluco, isso não é maluquice, não, vamos fazer, isso vai acontecer.” Então, e é legal porque quando você chega, fica nesse estado em que nada mais é maluquice, é justamente ok, é um caminho a seguir, ninguém mais começa a achar estranho e mais gente começa a se juntar, sabe, a causa. Você não tem mais que fazer esforço para convencer alguém que isso é importante, tem evidência, então eu acho que isso é o que mudou, essa tranquilidade de ser maluco e cada vez mais e não ter mais fronteira: “Ah, não, agora eu vou ser um palhaço só no hospital, agora eu vou ser um palhaço só no palco, agora eu vou ser um ator, agora.” Não, é você, isso é um jeito de olhar a vida mesmo, é um estado de espírito e você leva ele para onde você vai (risos). Ai meu Deus do céu, é verdade, então eu penso que é isso, isso é o que mudou, estou mais atrevido mesmo para fazer essas mudanças e como já tem esse monte de jovens, né, toda essa gente que está fazendo, então agora eu posso, ainda mais gostoso, pensar e falar: “Aí, galera, agora vocês fazem, eu já abri a picada, agora vamos lá, deixa eu supervisionar o trabalho agora, deixa eu ver como é que está rolando.” (Risos). Tem essa vantagem também, mas eu acho que é isso, eu estou mais bobo, eu estou mais tranquilamente bobo e vendo que você pode integrar tudo.
P/1 – Ok, obrigada, Wellington.
R – Obrigado vocês.
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