Um Século de Desenvolvimento Industrial no Brasil
100 Anos da White Martins
Depoimento de Marcio Roberto de Oliveira
Entrevistado por Isla Nakano e Consuelo Montero
São Paulo, 21 de outubro 2011
Realização Museu da Pessoa
Código: WM_HV041
Transcrito por Pedro Gustavo Aubert / MW Transcrições ...Continuar leitura
Um Século de Desenvolvimento Industrial no Brasil
100 Anos da White Martins
Depoimento de Marcio Roberto de Oliveira
Entrevistado por Isla Nakano e Consuelo Montero
São Paulo, 21 de outubro 2011
Realização Museu da Pessoa
Código: WM_HV041
Transcrito por Pedro Gustavo Aubert / MW Transcrições (Mariana Wolff)
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Marcio, primeiro eu queria agradecer ao senhor por ter vindo, ter se deslocado até aqui para contar a sua história. Para deixarmos registrado, eu queria que o senhor falasse seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Certo. Meu nome é Marcio Roberto de Oliveira. Eu sou de 3 de dezembro de 1951, então, estou completando em dezembro, sessenta anos. Número redondo, sessenta anos.
P/1 – E onde o senhor nasceu?
R – Eu nasci na cidade de Pedro Leopoldo, próximo a Belo Horizonte.
P/1 – Quais os nomes dos seus pais e os nomes dos seus avós, se o senhor puder... (risos).
R – É, eu vou lembrar dos meus pais. O meu pai chama Paulino de Oliveira. Minha mãe chama Desi da Conceição de Oliveira. Todos estão aí firmes ainda.
P/1 – Conta um pouquinho dos seus pais. Como eles se conheceram? Como foram parar em Minas? Eles nasceram em Minas mesmo? Conta essa história.
R – Meu pai, no tempo dele, já fez de tudo um pouco na vida. Começou ainda criança também a trabalhar. Ele entrou na Telefônica e, na época, a Telefônica saía de cidades em cidades A cada período que a obra ia aumentando ele mudava, tanto que nós somos uma família de dez, onde há filhos de diferentes cidades, de vários lugares que ele passou. Ele não tinha moradia fixa, não. Ficava um período que levava um, dois anos... De lá para cá, meu pai ainda... Já está aposentado há muitos anos, joga bola até hoje, com oitenta e nove anos. Minha mãe também dança, faz natação... Meus pais estão aí. São exemplos.
P/1 – Marcio, como foi sua infância com tantos irmãos e irmãs e mudanças de cidade o tempo inteiro?
R – Você absorve a responsabilidade muito cedo sendo um dos mais velhos. Eu sou o segundo filho da família. Então, você começa a assumir responsabilidades muito cedo, porque existem mais irmãos atrás de você. Por isso, eu iniciei a minha atividade profissional muito cedo e aos doze anos já estava em busca do trabalho.
P/1 – E antes do senhor começar a trabalhar, quando era pequenininho, do que gostava de brincar? Como era a rua que o senhor morava? O bairro? Como eram as cidades pelas quais o senhor passou?
R – Eu morava em uma cidade com o nome de João Monlevade. Nessa época, meu pai trabalhava na Belgo-Mineira [atual ArcelorMittal Aços Longos, indústria siderúrgica]. Então, nesse período, nós morávamos em uma das residências que a própria Belgo fornecia aos funcionários. O nosso lazer era a rua mesmo. Não era assim coisa de mato, não. Era pé no chão mesmo, mas era por ali. Olhando só para a tela, porque você não podia sair para rua. Porque os mineiros eram bem presos naquela época. Não tive uma infância de muita diversão, não. Mas foi boa.
P/1 – Mas tinha alguma brincadeira...
R – Ah, tinha! Brincadeira de esconde-esconde, pular a maré...
P/1 – Como é pular a maré?
R – Pular a maré é aquela que você vai pulando no pezinho e abrindo... Hoje, quase não se vê... Mas era bom. Tivemos essa infância... Eram coisas mais naturais. Brinquedo era de latinha de massa de tomate e sardinha, você fazia o brinquedinho. E a minha infância foi bacana, porque o mundo em que vivíamos era um mundo muito unido. A família. Então, divertíamo-nos da nossa maneira. E os meus pais gostavam bem de passear. Para onde eles fossem, levavam aquele monte de filhos. Todo mundo junto.
P/1 – E as suas casas? Como eram? Como era para vocês mudarem para várias cidades? Empacotar tudo e viajar...
R – Era complicado, era complicado. Porque eu não vivi bem essa fase de ficar pulando, de ficar mudando, porque era pequeno. Quando comecei a entender-me por gente foi aos nove anos. Foi a mudança em que nós fomos de Monlevade para Belo Horizonte. Depois, só tivemos mais duas mudanças de residência.
P/1 – E a sua família comemorava festa, Natal, aniversário?
R – Sim. Claro. Sempre com arroz doce. A minha mãe... Aniversário de cada um tinha o arroz doce. Essa era a comemoração. Ela não esquecia de nenhum. Era aniversário de alguém, tinha arroz doce.
P/1 – E teve algum aniversário seu que foi marcante? Que tenha alguma história?
R – Eu sempre gostei de comemorar o meu aniversário. Mas, depois de casado, foi que curti mais essa comemoração. Aos quarenta anos, eu comemorei e gostei.
P/1 – E qual é a lembrança mais significativa da sua infância? O que mais te marcou nesse período?
R – Da infância... Eu tenho várias lembranças de infância. Assim, que marcou... Todas marcaram, foram marcantes. Eu não sei te falar a que foi mais marcante. Não posso afirmar em detalhes, porque todas foram boas.
P/1 – E tem alguma história de alguma festa? Ou de alguma brincadeira com os amigos?
R – Ah, sim! Brincadeira, por exemplo, de pintar rosto, vestir de mulher. Fazíamos muito esse tipo de brincadeira. Para descontrair. Sempre tinha alguém alegre, porque a minha família é muito festeira. Tanto que qualquer coisa em casa é motivo de festa. Brincávamos muito de colorir. Eu estive recentemente no aniversário do meu neto e todo mundo tinha que ir a caráter. Usando peruca, mulher vestida de homem, era assim...
P/1 – Marcio, como era a sua relação com seus irmãos? O senhor falou que era um dos mais velhos... Quem foi o primeiro a ir à escola? Como funcionava na sua casa?
R – Lá em casa por ser uma família de dez... Chegou um determinado momento que meu pai, também por ser um operário, teve de optar. Então, perguntava: “Quem quer estudar e quem quer trabalhar?”. Aqueles que queriam trabalhar, ele encaminhava. E aqueles que quiseram estudar, ele encaminhava para os estudos, certo? Eu optei por trabalhar. Minhas irmãs, a mais velha optou em estudar. Ela foi para o caminho da escola.
P/1 – E o senhor chegou a ir para escola durante...
R – Cheguei a ir para a escola, mas, como estava falando, com a responsabilidade de ser o mais velho de uma família extensa, comecei a buscar a responsabilidade de ajudar. Então, comecei a trabalhar novo. Eu trabalhava e também engraxava. Comecei a trabalhar com doze anos, para ajudar o meu pai na carga de dar a formação às meninas que queriam estudar. E foi assim.
P/1 – E o seu primeiro trabalho foi como engraxate?
R – Sim, foi.
P/1 – E como era?
R – Bom, divertido. Cada um naquela época tinha um ponto. Então, você ia para lá, já tinha os fregueses que gostavam: “Só engraxo com fulano”. Igual barbeiro. Você tem o seu barbeiro, hoje, que não troca. Era a mesma coisa o engraxate naquela época. Durante a semana, eu trabalhava para a família. O trabalho de engraxate era aos domingos, no cinema. Na época, eram matinês.
P/1 – E como se conseguia um ponto para engraxar?
R – Na época, não se disputava ponto. Se você achava que ali era legal, começava. Eu tive um ponto em que trabalhei toda a vida, engraxando sapato. Era um ponto legal, próximo à padaria.
P/1 – Antes de perguntar do trabalho com seu pai, eu queria saber se o senhor tem alguma lembrança da escola, do seu primeiro dia de aula, de como eram as aulas?
R – Lembro. Isso foi no interior, quando eu entrei na pré-escola. Estudava longe. Precisava ir e voltar, era com horário marcado, porque a mãe queria saber se chegaria naquele horário. Se você tinha vontade de roubar uma fruta, ou de fazer coisas, não fazia, porque precisava ir embora para casa. Então, entrava para a escola, de olho na manga que via no trajeto, para ver se conseguiria conquistá-la. Mas foi boa a escola também.
P/1 – E como que o senhor ia para a escola? Usava uniforme? Como eram a sala de aula, os professores?
R – Tinha. Na época, tudo calça curta, de suspensório. Tinha que usar suspensório. Ia todo arrumadinho.
P/1 – E o senhor gostava mais de alguma matéria? Tinha...
R – Olha, eu nunca gostei de Matemática, mas de História eu gostava. Matemática era o meu fraco. Sempre corri de Matemática...
P/1 – Tem alguma lembrança marcante da escola? Algum professor que te marcou?
R – Marcou! Eu tive uma professora, não lembro qual o período. Eu gostei mais da professora. E quando você gosta da professora, quer ficar mais próximo. Ela tinha muita atenção comigo. Quando ela foi embora, eu queria até sair da escola, não queria estudar mais. Mas foi um período bom também.
P/1 – Marcio, como foi a história desse trabalho com seu pai? Como começou?
R – O meu pai é eletricista. Então, quando chegou nessa condição de trabalhar ou estudar, optei em trabalhar. Ele tinha um amigo, que era proprietário de uma oficina e meu pai conversou com ele para que eu começasse a aprender o trabalho. Queria trabalhar, para começar a produzir alguma coisa. E ali eu comecei. Comecei como ajudante, lavando peça, porque você começa a identificar os porquês. “Por que isso? Por que que eu tô lavando isso? Por que aquilo?” Entende? E as pessoas eram muito atenciosas naquela época. Então, fui aprendendo, lavando peças. Você era direcionado a um líder. Na época, havia mais garotos. Cada garoto era o ajudante daquele profissional. Havia vários níveis de profissionais. Eu peguei um senhor que foi meu professor na Mecânica. Comecei aos doze. Aos catorze para quinze anos, eu já era um profissional da mecânica pesada. Eu coloquei no meu histórico que, aos dezesseis anos, já era motorista de caminhão, que já viajava com o caminhão pesado. E ali começou a minha vida.
P/1 – O primeiro passo foi lavar as peças. E quais que eram os próximos passos?
R – Os próximos seriam conhecer as ferramentas. Qual ferramenta que se aplicava para cada tipo de manutenção. Por meio do conhecimento, você já sabia qual a ferramenta que o profissional queria para aquele tipo de serviço. Colocava tudo igual ao médico. Você bota todas as ferramentas na mesa para ele fazer a cirurgia na mesa, para ele trabalhar. Ali você começa a identificar...
P/1 – Existe alguma ferramenta dessa época que não é mais usada hoje?
R – Hoje mudou muito. Naquela época, não existiam tantos recursos como hoje. Mas existem as ferramentas básicas. O formato de parafuso não mudou, continua a mesma coisa. Mudaram outros tipos de ferramentas, que são mais sofisticadas hoje.
P/1 – O senhor pode dar algum exemplo?
R – Vamos lá. Naquela época falavam que eram ferramentas de engenheiro. Por que era ferramenta de engenheiro? Porque você colocava na regulagem que queria. Hoje, não, você tem a ferramenta específica, que chamamos de chave de grifo, chave inglesa, que são reguláveis. Pega tanto um parafuso pequeno, como um parafuso grande.
P/1 – E o que era mais difícil de fazer na oficina? Qual que era o trabalho mais pesado?
R – Mais pesado? Na oficina... Ué, tudo o que você faz com prazer, não percebe o que é mais difícil. O difícil na oficina era quando precisava fazer a troca de freio. Tirar a roda completa para fazer a troca da lona de freio do caminhão. Era mais pesado, porque você não havia, na época, os recursos que existem hoje. Era mais braçal.
P/1 – E como o senhor aprendeu a dirigir caminhão?
R – Primeiro, todos os dias, na hora do almoço, ia para dentro do caminhão e ficava lá sentado com o caminhão parado. E imaginando... Mas só que você não podia fazer funcionar o caminhão... ______________________ (corte no áudio) Porque ensinava alguma coisa. Alguém me ensinou e eu aprendi. Eu tinha um patrão, que tinha caminhão. Íamos fazer uma viagem de duzentos quilômetros, então, eu ia junto. No fim do trajeto, eu pegava para dirigir. E ali fui aprendendo.
P/1 – E quais que eram os principais desafios de dirigir um caminhão?
R – Era um caminhão grande, barulho, a complexidade. Não era simplesmente... Era emocionante, era gostoso, por isso que tem muita gente que gosta de dirigir caminhão, porque é emocionante e é gostoso.
P/1 – E tem muita história marcante desse tempo de estrada?
R – Ah, tem! Tem muita história.
P/1 – Conte-nos uma.
R – Naquele período, tínhamos muita história, porque não existia estrada. Porque, ao longo desse período, eu passei a ser o mecânico de confiança. Então, naquele período, você só ia em comboio de Belo Horizonte à Bahia. Não ia caminhão avulso. Você programava, por exemplo, dez, quinze dias, para sair em comboio, porque quebravam muito caminhões. E nós saíamos por esse mundão afora... Se um quebrava, parava todo mundo. Ninguém ia embora sozinho. Tinha de dormir na rede. Então, essa foi uma fase gostosa que eu vivi. Dormia ao relento em cima da carga, por causa do calor. Esse foi o período em que comecei a mexer com o caminhão.
P/1 – E além de dirigir, quais que eram as suas responsabilidades?
R – Cuidar da mecânica da frota que estava no comboio.
P/1 – E como era a frota. Quantos caminhões havia? Como era a tecnologia na época?
R – Naquela época existiam muito poucos, do que nós chamamos hoje, de conjunto, que seria cavalo e carreta. Era mais caminhão truck. Logo depois, começou a vir carretas. Era caminhão de carroceria normal. Naquela época, não existia carreta, não. Só mais à frente, começaram a vir carretas.
P/1 – E o que vocês transportavam?
R – Naquela época, transportávamos vergalhão. Ferro da Gerdau [empresa siderúrgica brasileira], para construção. Levava para Bahia, e trazia pedra de lá para cá.
P/1 – Além da Bahia, havia outro roteiro, itinerário?
R – Não. O máximo que íamos era até lá. A viagem mais longa que eu fiz, naquele período, foi a Belém, que levou um mês, porque não havia estrada. Então, era um mês para fazer. Hoje faz em três dias. Mas tudo em comboio.
O tempo foi passando, eu arrumei uma namorada e ela começou a me prender mais. Comecei a não querer mais, porque motorista não era a minha profissão, mas, sim, mecânico. Então, eu quis ficar mais perto.
P/1 – E o que aconteceu? Conta o desenrolar da sua carreira. Qual foi o próximo passo?
R – O próximo passo, sempre com responsabilidade, porque toda essa trajetória não foi por diversão. Foi voltada para o lado profissional e com o compromisso com a família. Mais tarde, fui convidado para trabalhar em uma empresa para assumir uma frota. Eu trabalhei, tomando conta dessa frota, durante mais ou menos dois, três anos. Era uma firma até bem conceituada, mas também não gostei. Porque, enquanto eu era contratado, estava tudo indo muito bem. Quando eu quis me registrar nessa firma, não deu certo, porque comecei a dispersar um pouco o meu lado profissional, do que eu gostava, que era a Mecânica. Eu estava mandando muito, mas não estava executando. Então, eu estava desaprendendo. Renunciei a muitas coisas boas que eu tive na época, desde carro que eu tinha da firma, salário bom, mas não era tudo. Não era um trabalho para mim. Achei melhor voltar à minha origem, que é a Mecânica.
P/1 – E por que essa paixão toda pela Mecânica?
R – É uma coisa que não sei dizer, tá? Foi onde direcionei o meu lado profissional, aos doze anos, e gostei. Estou nela até hoje.
P/1 – E como era o nome dessa empresa?
R – Chamava-se Transportadora Gasparzinho [de Betim, Minas Gerais].
P/1 – E o que transportava?
R – Transportava gás GLP.
P/1 – Como era o transporte de GLP na época?
R – GLP era granel, em botijões. Transportava de Betim para Goiânia e Brasília. Em botijões. Era carreta que transportava... Vamos dizer que levava em torno de uns quatrocentos cilindros de botijões de gás para Brasília e Goiânia.
P/1 – Era todo mês? Qual era a recorrência?
R – Não, era contínuo. Já era rotina.
P/1 – E a frota dessa empresa era diferente da outra empresa em que o senhor trabalhou? Como era a frota?
R – Totalmente. Na outra, eram diversas cargas, de diversos segmentos. Nessa, não, já era mais específica. Ela me trouxe mais para o lado da aprimoração, em querer trabalhar com os gases do ar, que é uma carga perigosa, e porque você começa a aprender mais o outro lado, da preservação e conhecer mais da parte técnica. Você começa a ir por um caminho diferente, para melhor, sempre para melhor.
P/1 – E a questão de trabalhar com gás e com transporte de risco. Quais eram as especificidades de trabalhar com o transporte de gás?
R – Hoje, você tem de estar preparado. Primeiro, é preciso ter conhecimento. Naquela época, você só sabia da gravidade, havia um bate-papo para mostrar a gravidade daquele produto que você está carregando, o gás, que você estava carregando. Não pode parar em determinados lugares onde tem excesso de calor, fogo... Era preciso muito cuidado para não acontecer acidentes. Então, começamos a aprender... Eu comecei a aprender os cuidados de conviver com uma carreta carregada de gás. Você não sabe se de quinhentos cilindros na carreta, um deles, às vezes, pode ter vazamento de gás e qualquer ignição, fogo, explode tudo.
P/1 – E havia alguma regra de segurança que vocês tinham de respeitar? Faziam algum treinamento?
R – Não, treinamento, não. Porque naquela época ainda não existia o MOPP [curso de Movimentação Operacional de Produtos Perigoso], tem a classificação “E” na carteira. Naquela época, não, mas havia os cuidados... Para não expor a carga a uma explosão...
P/1 – E o que aconteceu depois na sua carreira? Quais foram as próximas decisões?
R – Quando eu falei que eu estava dispersando daquilo que eu gostava, a Mecânica, eu pedi para ir embora: “Não quero ficar na firma e pode dar baixa, que eu vou embora. Vou voltar para o lugar de onde eu vim”. No caso, foi o meu primeiro emprego, eu voltei para lá, para continuar do mesmo jeito. Apesar de proporem outras oportunidades, outros horizontes dentro da própria empresa, para me segurarem lá, mesmo assim, eu não quis, porque eu estava deixando de ser mecânico, que era o que eu gostava. E voltei. Voltei e fiquei pouco tempo. Foi quando eu ingressei, logo depois, na empresa que eu trabalho hoje.
P/1 – Como foi o seu ingresso? Como o senhor foi parar na White Martins?
R – Naquela época, eu já trabalhava para a White Martins, prestando serviços em uma oficina particular. E eu ficava muito triste em ver a situação da frota da White naquela época. E, eu falava com o patrão: “Puxa, a White mandou consertar ‘x’ defeito?”. Ele falou: “Não, eles só mandaram esse aqui. Então, conserta o que eles mandaram, que eles vão voltar e aí a gente conserta o outro”. Aquilo foi me chateando, por eu gostar da Mecânica. Eu não achava legal. Foi quando eu me manifestei, na ocasião, que se a White quisesse, eu trabalharia como funcionário dela. Fui um dia convidado a fazer uma visita na White. E estou até hoje, desde essa visita. Então, eu cheguei, assumi... Porque quando cheguei na White, o responsável, na época, foi transferido no dia seguinte. Tive que aprender tudo sozinho, conhecer a White Martins sozinho. Eu mesmo precisei me direcionar. Ali começou a minha vida dentro da White. Com dedicação, agarrado. Dias e dias, noites e noites, para fazer a coisa funcionar do meu jeito. Encontrei uma firma que me deu liberdade para agir, porque eu tinha conhecimento. E comecei a mostrar trabalho. Parava um caminhão, desmontava ele todinho, começava do zero. Ele ia embora, chegava outro. E os resultados foram começando a surgir, ao longo dos anos. Contagem nunca recebia carro novo, porque não tinha estrutura para manter um carro novo. Os carros novos eram direcionados para outros lugares. Ao longo dos anos, Contagem começou a receber o primeiro, o segundo, o terceiro carro. Foi trabalho intensivo. Intensivo. Focado na manutenção. Eu falo que durante três anos consegui um resultado que a White não conseguia em dez anos. Com o meu trabalho. Dias e noites. Naquela época, eu até passava dias sem ir para casa, voltado para o meu trabalho, para fazer a frota rodar. Ao longo desse tempo, cheguei a ter a frota número um do Brasil. Número um! Hoje, a melhor frota da empresa está lá. Está lá com os resultados. Antes era primarizado, depois, veio a terceirização, em 1998, e estamos até hoje com a mesma empresa terceirizada. E continuamos...
P/1 – Na época em que entrou na White Martins, o senhor falou que já observava a frota. Como era a frota da White? Quais foram as primeiras mudanças que o senhor promoveu: “A gente tem que mudar isso. Precisa fazer isso, não do jeito que está sendo feito”?
R – Na época, como eu falei, chamava a atenção, que eu já conhecia o que era certo e o que era errado. Então, o primeiro ponto era eliminar o problema. E a empresa me deu condição, na época, de botar em prática, o conserto dos equipamentos. Então, ela não limitava como: “Não pode gastar isso, não pode fazer aquilo”. Então, não havia local apropriado, porque tudo isso veio ao longo do tempo. Naquela época, a nossa oficina era debaixo de uma árvore. Então, construímos o primeiro galpão, depois, o segundo. Depois, fomos buscando uma estrutura para receber esse crescimento da frota, que foi acontecendo ao longo do tempo. Mas foi trabalho de base mesmo. De base. Então, quando falo, hoje, às pessoas o que era lá atrás... Porque, hoje, tudo é diferente. Você compra tudo pré-fabricado. Naquela época você precisava cavoucar mesmo para poder fazer alguma coisa.
P/1 – Eu queria saber do senhor em relação à mecânica da frota, além do conserto, como funcionava a manutenção? Havia algum sistema de manutenção?
R – Naquela época... Você fala um plano de manutenção?
P/1 – Sim!
R – Sim, existia. Tinha um plano básico que, ao longo do tempo, foi sendo aprimorado. Mais a frente a White entrou nos sistemas de qualidade, criou times para criar procedimentos. Ali começamos a ter os planos que hoje existem. Mas começou lá atrás e eu me orgulho também de ter feito parte dos planos de manutenção existentes hoje. Eu faço parte do time que criou, em nível de Brasil, o plano. Antes, havia um básico, não existiam parâmetros. O parâmetro era um manual do transportador, do fabricante, que, muitas vezes, nem era lido. Você ia mais pelo prático. Mas, depois, a coisa começou a entrar dentro de normas e procedimentos.
P/1 – E a relação desse plano de manutenção que foi se desenvolvendo, com os acidentes? Os acidentes influenciavam?
R – No meu período, nunca tive acidente. Nunca tive acidente, nunca me machuquei. Ao longo desse período todo... E sempre me preocupava com o pessoal que trabalhava comigo, o tempo todo, para não se machucar. Sempre com o preventivo. Acidentes aconteciam com o veículo, como tombamentos de veículo. Eram acidentes já no trânsito mesmo. Mas na mecânica, em si, nunca tivemos acidentes.
P/1 – Dos acidentes com os veículos da frota, como foi que o senhor acompanhou o desenvolvimento das estradas brasileiras, o que mudou com o decorrer do tempo?
R – A maior parte dos acidentes de tombamento, dentro da White Martins, foi na minha região, que é uma região montanhosa. O nosso segmento requer que o motorista tenha muita experiência com carga líquida, que é diferente. Cada carga tem um comportamento. E tivemos muitos acidentes. Nunca tivemos acidente fatal. Mas eu me lembro de ter socorrido muitos tombamentos, ao ponto de estar com um tombado aqui e ficar sabendo que o outro tombou lá em cima. E não havia comunicação na época. Era tudo através de orelhão, telefone, telefonista, porque não existia telefone celular. Tinha bip. E havia os acidentes por falta de conhecimento das estradas e do equipamento. Hoje, tudo é diferente. Existe investimento. Eu faço parte de times dentro da White. Hoje, temos muitas tecnologias embarcadas, que controlam o motorista. Não depende só da máquina humana. Você também põe o sistema para funcionar. Por exemplo, hoje, nós temos o sistema de ABS, EBS, em que somos pioneiros. Projeto antirrisco, antitombamento. A White desenvolveu um sistema de suspensão em que ela também foi uma das pioneiras, também para evitar acidentes de tombamentos, por se tratar de carga líquida e tanque alto. Hoje, temos muitas coisas que evitam o acidente. Tanto que, antes, tínhamos sete acidentes por ano de tombamento. Hoje, já vamos completar dois anos e três meses sem um tombamento na mesma região. A White preocupa-se de trabalhar em cima da tecnologia embarcada, de investir, em buscar tecnologias para botar e preservar o patrimônio dela. E outras coisas virão para evitar o acidente. E já estão evitando.
P/1 – E o senhor falou que cada carga tem sua especificidade. O senhor tem bastante experiência com carga líquida. Eu queria que o senhor nos falasse das especificidades da carga líquida. O que é mais difícil de aprender?
R – No caso da condução, você trabalha, hoje, com carga dividida. Eu não saio, por exemplo, com equipamento para fazer uma entrega total daquela carga. Eu faço carga fracionada. Eu levo uma carga que vou dividir com dez clientes. Na medida em que vou descarregando, um pega um tanto, outro pega outro tanto, tenho uma carga pela metade. O comportamento dela modifica o sistema de condução. Então, você precisa ter o controle desse comportamento. É onde a White, hoje, mais se preocupa. Aprimorando o sistema de suspensão, uma série de coisas, por causa dessa carga líquida, que balança muito. Tanto que o motorista para entrar lá, precisa ter um período de três anos de experiência na condução de carga líquida, para estar fazendo parte do nosso negócio. Ele precisa ter experiência comprovada em carteira com carga líquida. Então, o combustível, tudo o que é carga líquida, é preciso ter experiência para poder fazer parte do nosso quadro. Porque é uma carga complexa e são equipamentos diferentes um do outro. Porque nós não temos uma família de projetos todos iguais. Trabalhamos com Logística, atendendo desde hospital, indústria. Tem de chegar aonde o nosso cliente precisa do produto. Então, é preciso ter equipamentos adequados para esse fim.
P/1 – E o senhor contou dos sistemas que apareceram, como o ABS, a suspensão... O senhor chegou a acompanhar as frotas novas? Conte-nos as histórias de como eram as carretas e as que foram chegando...
R – Ah, sim! Antigamente era tudo mecânico... Quando começou a chegar o sistema hidropneumático, elétrico-pneumático, você teve que começar a buscar... Primeiro, a White sempre preocupada com isso. Ela te dá formação, para, depois, você começar a colocar os seus conhecimentos em prática. Começamos a mudar o pensamento em termos de cursos. Então, eu me lembro que um dos meus primeiros cursos foi na Scania, aqui em São Paulo. A oficina em que eu trabalhei aos doze anos era cem por cento Scania, então, era só caminhão velho mesmo. Daquela época, mas velho. Caminhões 1951, 1956, 1959... Eu tinha a Scania no sangue. Quando eu fui para a White, tive a oportunidade de começar a fazer curso na Scania, em São Paulo. E fui começando a aprimorar mais os conhecimentos. E não parou. Vim a misturar conhecimentos mais tarde, porque a White tinha outro segmento de caminhões, que não seria só Scania. Na época, tinha o Alfa Romeo e o “Fiatão”, que é o caminhão Fiat. Mais tarde, entrou o Volvo, em 1981, no Brasil, linha pesada, e comecei a conhecer o Volvo. O Volvo já veio com a tecnologia mais avançada, já com esse diferencial. Fomos em frente. Eu optei por Volvo, cem por cento Volvo. E, encerrei, até a terceirização, com o Volvo. E continuo com o Volvo até hoje, mas sempre buscando conhecimentos.
P/2 – O caminhão, assim como o automóvel, tem a embreagem, o breque, o acelerador...
R – Tem tudo!
P/2 – Não é como os carros de hoje, que só tem um pedal e o acelerador?
R – Não, não. O caminhão, não. Mas naquela época, os caminhões... Na minha época, quando comecei, era tudo mecânico. O freio de mão era catraca. Hoje, não. Hoje é totalmente... Hoje, você tem caminhão eletrônico. Você não precisa fazer nada, ele controla tudo. Tem o carro de um pedal, porque já inverteu. A tecnologia está bem avançada. Então, você tem o caminhão eletrônico, no qual o motorista, hoje, precisa ter uma formação para absorver o treinamento e poder trabalhar com aquele caminhão. Porque a tecnologia do caminhão está bem avançada. Há empresas que têm caminhão parado porque não têm profissional à altura para dirigir aquele caminhão. Porque tem piloto eletrônico, tem tudo... Caminhão, hoje, é outra coisa. Você senta e ele mesmo regula a altura, te acomoda, faz tudo sozinho.
P/1 – Seu Marcio, o senhor contou para gente que, em 1981, chegou o Volvo. O que havia de tão especial no Volvo? Qual que era a principal vantagem dele?
R – O Volvo, quando veio, em 1981, a fábrica da White Martins em Curitiba, pegou como cobaia um, dois equipamentos para rodar, ver a vida útil. E esse caminhão, em 1983... Acho que sim, 1983, era para vir para Minas Gerais. Como não tinha concessionária em Minas Gerais, esse carro ficou, acho que, em São Paulo. E, em 1984... Ele tinha passado no teste. Foi quando conheci o Volvo e a partir daí comecei a optar por Volvo. Foi em 1984. Era um caminhão bom. O que segurou muito a onda naquela época foi a chegada desses caminhões, que não quebravam de jeito nenhum. Porque não existiam concessionárias no Brasil. Existiam poucas, em alguns pontos. Em São Paulo tinha, mas em Minas, não. No Rio havia, mas no Norte e Nordeste, não. Depois, vieram outros modelos que foram piorando um pouquinho e os trabalhos foram aumentando. Mas, em termos de caminhão, hoje, a tecnologia está tomando conta.
P/1 – O senhor sentiu alguma diferença nos caminhões Volvo mais para década de noventa, quando havia mais opções no mercado? Os caminhões mudaram?
R – Olha, hoje, tem modelos de caminhões que você pode escolher. Antigamente, você tinha que comprar uma frota viável, o que seria um investimento alto. Então, era uma frota que resistia ao trabalho. O Alfa Romeo era a terceira opção de caminhão na linha pesada, no nosso segmento. A White comprou uns dez, mas nunca mais comprou. Ficou só nas linhas de Scania e Volvo. Como, até hoje, terceirizado, ainda continua... Os grandes fornecedores, hoje, na maioria, são os Volvo. Não é mais o Scania.
P/1 – Eu queria que o senhor contasse quais são os critérios fundamentais que um caminhão precisa ter na White Martins? O que é essencial?
R – Seria o caminhão que não dá problemas. Porque a nossa carga é de urgência. Ela não pode partir e não chegar, porque ela lida com vida e não pode quebrar. Então, hoje, o essencial é que o produto tenha uma boa manutenção, que as manutenções sempre estejam em dia para não haver ocorrência de quebra. Para não ferir a logística, que seria o atendimento lá na ponta. Quando você parte para um cliente, vai com um nível no tanque. Você não vai visitá-lo com o nível alto. Você vai com o estoque baixo, por causa da distância. Nós vamos a Palmas. Se eu for a Palmas e estiver com o tanque cheio, estou indo passear com o líquido. Então, eu tenho que ir na condição de que eu vou pegar o cliente, na faixa ideal para mim, deixá-lo cheio e voltar, porque eu só vou voltar lá, depois de ‘x’ dias, segundo a programação de consumo. Temos um sistema que, hoje, mudou. Hoje, existe até a telemetria, que controla o nível dos tanques à distância.
P/1 – E qual é a relação do pessoal da manutenção com os motoristas? Existe algum treinamento? O pessoal da manutenção precisa passar alguma informação para os motoristas? Como isso funciona?
R – Hoje, temos uma estrutura. Hoje, temos instrutores, os líderes, para passar informação e treinamento. E nós temos hoje o Manual do Motorista. Tudo aquilo que queremos, que faz parte da função do motorista, está dentro daquele manual. Até a parte da mecânica também, até onde ele pode mexer, porque ele não pode fazer nada, sem a nossa autorização. O motorista não pode mexer em nada. Ele está ali para fazer a tarefa dele, que é dirigir. Agora, precisa ser bem amigo dos mecânicos, porque quem conserta o carro é o mecânico. Então, o mecânico faz a parte dele e o motorista faz a parte dele, que é dirigir e fazer a entrega do produto. Mas eles precisam estar bem próximos um do outro.
P/1 – E ainda sobre os mecânicos, é fácil encontrar gente qualificada na área?
R – Não! Porque, hoje, muito pouca gente gosta da Mecânica, existem outros segmentos melhores do que ser mecânico. Igual motorista, ninguém mais quer ser mais motorista, como ninguém mais quer ser mecânico. As escolas técnicas formam os meninos em Mecânica, mas eles dispersam. Porque na Mecânica você tem que botar a mão na massa, tem de sujar, entende? Você não vai apertar parafuso e lavar peça de luva. Tudo suja a unha. Ninguém quer. É complicado, está muito difícil. O mercado está carente das duas profissões.
Na época, as empresas ainda investiam no aprendizado, no aprendiz. Hoje, não investe mais, porque só pensa em produção. E quando você está ensinando, tem de perder um tempo, porque tem de ensinar para que a pessoa aprenda. Hoje é produção... Está difícil. Hoje está!
P/1 – E quais são os principais desafios, hoje, para manter uma frota rodando? Com o que vocês têm de lidar sempre?
R – Hoje, para manter uma frota, primeiro, precisa ser uma empresa séria. Uma empresa séria voltada para uma série de coisas. Preocupação com a família do funcionário, para dar a ele uma certa segurança. Bons equipamentos, porque o mercado está cheio de equipamentos bons e muitas pessoas preferem trabalhar na firma tal, porque o equipamento lá é melhor. E, mais ainda, empresa tem de ser sólida, oferecer assistência médica, odontológica, uma cesta básica, vale-transporte. Isso é o que as pessoas querem hoje. A empresa que oferece isso é considerada uma empresa boa. Hoje, estamos com uma empresa boa. Ela oferece muita coisa boa para o funcionário para segurá-lo. E, assim mesmo, o turnover [rotatividade de pessoas] ainda é grande.
P/1 – Agora eu queria que o senhor falasse um pouco do CDL [Centro de distribuição de Líquidos], da história e como é a estrutura?
R – Então tá. No meu CDL, aprendi, ao longo desse tempo, a fazer de tudo um pouco. De tudo. Então, eu conheço bem o meu segmento. É um CDL dinâmico, bem complexo. É um CDL que trabalha de segunda a segunda, vinte e quatro horas. Temos uma equipe de mecânicos, de motoristas, de pessoal administrativo. Uma parte primarizada, outra terceirizada, porque temos uma empresa que trabalha para nós, que está dentro da nossa base. Então, a responsabilidade de você ter uma empresa, com funcionários de outra dentro da sua base, aumenta, porque eles têm de seguir as normas e procedimentos da unidade. É complicado as pessoas se adaptarem quando chegam. Depois, é fácil. Para trabalhar com CDL, você tem de gostar mesmo. Todo mundo que trabalha em CDL precisa gostar, porque é complicado lidar com CDL. Então, você precisa estar com as pessoas bem, precisa ser amigo dessas pessoas, porque você vive mais dentro do emprego do que em casa. Então, fazemos tudo para viver em equipe.
P/1 – Agora, o senhor está falando dessa coisa de trabalho em equipe, eu queria perguntar exatamente sobre isso. Como é trabalhar, lidar com um Centro que tem que funcionar vinte e quatro horas e essa pressão de trabalhar com uma carga que é essencial à vida humana?
R – Hoje, o trabalho em equipe porque você tem uma programação a seguir, que é um resumo que traz toda a sua rotina. O importante é que aquele pessoal que trabalha em cima da Logística conheça para onde vai determinada frota. Então você se baseia sempre nesse resumo. Esse resumo, você começa a entendê-lo só de correr o olho. Já sabe que o carro tal está para tal lugar, o motorista tal está escalado para tal lugar. E você sai para os bastidores. Vai lá fora, vê que aquele caminhão que está escalado para sete horas. Se às oito horas ele está lá, você passa para alguém, porque aquele caminhão deveria ter saído às sete horas. Fazemos a coisa acontecer. Porque, muitas vezes, o caminhão está no pátio com problemas e a Logística está achando que o caminhão saiu e ainda está com algum problema que faz com que ele fique parado. Isso faz com que, no final, você tenha o resultado. No final da tarde, você vai saber a hora que saiu aquela frota e vai saber o porquê. O que o levou a atrasar. Se foi por falta de documento ou atraso de motorista, problema mecânico, problema de eletricista. Tem que saber o porquê para não deixar que no dia seguinte aconteça novamente. Esse trabalho faz parte. Todo dia você precisa estar com isso no sangue. Correr o pátio, e dar uma olhada para saber como estão as coisas, se está saindo tudo certo. Motorista que você vê lá: “Por que que você ainda tá aqui?”. “Ah, por causa disso, disso e daquilo.” É um trabalho em equipe, para buscar um resultado único, porque no dia seguinte aquele caminhão está escalado ou ele sai para viajar e já tem uma programação do dia em que ele vai voltar. Precisa saber para onde é que ele vai dali para frente. Então precisa ter uma equipe, um conjunto de pessoas, todo um sistema, para não haver furos.
P/1 – E durante a sua carreira, senhor Marcio, chegou a lidar com sindicato, questão de greve?
R – Não, nunca. Nunca mexi com nada de sindicato. Não sou contra, mas eu não...
P/1 – Mas tem o sindicato?
R – Tem. Nós temos o Sindicato dos Químicos.
P/1 – E como que funcionam as negociações dos motoristas?
R – Não, o sindicato dos motoristas já é outro, que é o Sindicato dos Rodoviários. Nós pertencemos ao Sindicato dos Químicos. Não é o mesmo dos motoristas. Mas, como funcionário e pertencer ao sindicato, nós não... Todo mundo faz aquela cartinha para não descontar tantos por cento do salário. Abrimos mão de algumas coisas que seriam da parte do sindicato.
P/1 – E durante esse tempo de White Martins, qual a situação mais difícil que o senhor enfrentou?
R – Eu até tinha colocado que eu tive mais alegria do que tristeza. Mas eu tive tristeza quando começamos a perder alguns amigos, que é a parte difícil. Você conviver com... Éramos muito próximos aos nossos chefes. Eu tive algumas pessoas que foram meus chefes dentro da White e amigos. E quando houve a perda deles, foi difícil. O trabalho não é tanto, não, porque, quando você faz a coisa com prazer, não vê dificuldades. Agora, a perda, sim. Para mim, foi difícil superar a perda dessas pessoas que trabalhavam com a gente.
P/1 – E quais foram as novas responsabilidades e funções que o senhor foi agregando ao longo do tempo, os cargos pelos quais passou?
R – Desde o início, quando entrei na White, eu vim com o objetivo de crescer. Fazer com que a empresa também crescesse junto comigo e eu crescer junto com ela. Eu me propus o desafio de ser o melhor. Então, as pessoas que passaram, que trabalharam comigo, não conheciam tanto do serviço. E sempre fui passando a minha experiência, o meu conhecimento àquela pessoa que está vindo com uma proposta de crescimento dentro da empresa. Como eu sou limitado na formação, não consigo ir para frente. Mas as pessoas têm condições. Então, você tem de jogá-las para frente. Muitas pessoas passaram pela minha vida dentro do Centro de Distribuição, dentro do CDL, e eu sempre passando a minha experiência para eles crescerem, como muitos cresceram.
Mas responsabilidades, sim, tanto que eu falo que chegou um período em que tive a condição de assumir tudo. Na ocasião, sim, eu fiquei surpreso quando recebi essa notícia de que seria o supervisor do CDL Contagem. E eu falei: “Vamos lá! Vamos em frente, que a coisa não vai parar!”. Eu estou nesse processo de crescimento há, pelo menos, três anos e meio, segurei toda a distribuição. Tinha o meu gerente, mas o supervisor era, na época, o responsável pelo setor. O gerente era centralizado em um determinado lugar, no Rio de Janeiro, e toda a parte administrativa, a operação toda, ficava na responsabilidade do supervisor. Ali, sim, foi mais um desafio. Eu passei o bastão para uma pessoa querida, que, hoje, é o meu gerente. Passei todos os meus conhecimentos, tudo para ele. Ele aprendeu, como se eu fosse o dono do negócio. Como até hoje não mudei nada. E foi um desafio em que eu tive de aprender muita coisa. Porque eu não fui para escola, certo? Para dominar, por exemplo, o computador, eu tive de aprender. Aprender muita coisa que vai vindo ao longo dos anos, porque a empresa não para. A White não para. Vem tecnologias novas. Estão sempre vindo as tecnologias embarcadas, como eu te falei. O ABC em que você emite nota fiscal eletrônica, ao invés de manual... Então, conhecimentos também para estar à frente dos negócios.
P/1 – E além de mexer no computador, de assumir a supervisão, do papel de liderança, o que o senhor precisou aprender? Conta um pouco dos maiores desafios desse período.
R – A responsabilidade aumenta, porque você tem uma família muito grande sob a sua responsabilidade, porque tem uma transportadora que está ali, prestando serviço para você. Porque quando é primarizado é uma coisa. Quando você tem transportadora, precisa manter a equipe bem. Em todos os aspectos. Então, não é só a preocupação com o bem dos funcionários da nossa empresa, mas com os funcionários de terceiros e os gestores também. Como entrar, sair, como falar? Como cobrar? Então, você começa a aprender muita coisa nova, que aprendi ao longo do meu tempo de empresa, convivendo com essas pessoas que comandavam a empresa. E fui aprendendo como é que tem que ser a postura.
P/1 – Marcio, no seu CDL houve alguma mudança significativa, alguma mudança estrutural?
R – Ah, sim! As novas tecnologias estão chegando. Antigamente, era tudo manual. A partir do momento em que chega o computador, vai chegando a nota fiscal eletrônica. Então, começa a mexer com o quadro de pessoal. Porque antes, tínhamos um quadro e, hoje, temos outro. As pessoas só sentem, porque acontecem remanejamentos. Remanejamento de pessoas, porque as tarefas vão diminuindo. Então, você precisa estar sempre falando com colega: “Pô, não esquenta a cabeça!”. E a White tem uma coisa muito boa, oferece, hoje, o “Oportunidade para Todos”. Por exemplo, antes de demitir um funcionário, uma mão de obra externa, ela dá essa chance, em nível Brasil, para o funcionário interno. Então, você tem o direito de crescer dentro da empresa por meio do “Oportunidade para Todos”... Em função da possibilidade do funcionário se candidatar em uma nova oportunidade, está fazendo com que a empresa, agora, retenha a mão de obra boa. Porque você quer crescer, então, vai tentar em outro setor. Também chegam pessoas que vêm de outros setores para o nosso. E eu sempre com a mesma... Sempre passando o que é o CDL para a pessoa.
P/1 – E, além desse contato muito próximo com a transportadora, com os motoristas, quais são os outros setores da White que estão diretamente ligados à Manutenção, ao seu trabalho no seu dia a dia?
R – Hoje, dentro da unidade, por exemplo, a usina. Usina, muitas vezes, o que ela produz, nós temos que tirar. Muitas vezes, nós temos a produção de usina que está ligada a um consumidor e temos que dividir esse produto. Então, precisamos ter um bom relacionamento com os gestores das usinas. Oito usinas são nossas fornecedoras e com quem convivemos no dia a dia. Manutenção, em caso de quebra de usina, de alguma coisa, precisa estar sempre ali. A Logística tem de estar... Quando não está colocando, está tirando. Você tem que se relacionar bem com esse seu vizinho, que seria seu fornecedor, em determinados momentos, e cliente, em outros momentos. Mas, não temos relacionamento ruim, corroído, não.
P/1 – O senhor estava falando das usinas, dos contatos com os clientes. Como é o contato com os fornecedores? E qual é a diferença entre as duas relações de contato?
R – Hoje, os fornecedores, no caso, seriam as usinas. É bom o relacionamento... Porque muitas vezes o nível da usina está baixo e você precisa do produto. Então, esse relacionamento, muitas vezes, passa a interferir na nossa retirada desse produto, por meio do bom relacionamento, porque a usina não pode liberar. Então, precisa ter um relacionamento bom para conversarmos e as pessoas te ajudarem. Mas o relacionamento é bom.
P/1 – São dois tipos de negociação: o cliente está pedindo, o fornecedor está lidando. Existe algum desafio maior em relação a um deles?
R – Hoje, o maior desafio é quando a White consegue um cliente de grande porte, que você precisa estar atendendo. O cliente acima de uma carreta fechada já é um cliente de grande porte. Consome bem. Então, você está sempre em busca do desafio. Nós temos a área comercial, que faz a venda, e nós temos que entregar. O nosso desafio começa no início do mês, para chegarmos, no final do mês, cobrindo a meta da área comercial, que é o objetivo da empresa. Então, estamos sempre em busca de desafios. Não pode parar.
P/1 – Falando agora dos clientes. Quais que são os clientes mais desafiadores? Qual o volume, qual o fluxo de entregas?
R – Hoje, a White criou, por nível, o cliente considerado especial, do programa “Cliente Mais”, o cliente ouro. Eu gostaria que todos pudessem ser clientes mais. No caso de ser um “cliente mais”, vamos oferecer algumas vantagens, como receber o produto ‘x’ na hora certa, que vai ser tudo bonitinho. Por outro lado, o cliente tem, também, de pagar em dia, facilitando a nossa operação para funcionar, para sermos parceiros. Então, nossos grandes clientes são clientes mais. Então, temos reuniões em que eles dão notas de vários pontos: atendimento, relacionamento, comportamento. Existem pontuações, em que ele dá uma nota. Então, se ele dá uma nota baixa a um determinado segmento ou um comportamento do motorista, no caso, vamos trabalhar em cima. Hoje, qualquer problema, qualquer atrito, procuramos saber o porquê. Não queremos que o nosso cliente tenha qualquer grau de insatisfação com a nossa operação. Porque eu não quero que o cliente fale do nosso motorista. Para isso, ele tem de fazer a coisa certa. Então, sempre procura buscar qualquer coisinha, qualquer, mesmo que não seja mais cliente. Para entender o que aconteceu, para estarmos bem unidos no processo e não haver problema.
P/1 – O senhor contou agora das reuniões, de passar todos os tópicos, também, a questão das metas a serem atingidas. Eu queria que o senhor contasse: como funciona o seu dia a dia? Por quais os procedimentos o senhor tem de passar toda semana, todo dia? Fala um pouco, hoje, da sua profissão.
R – Eu, já em casa, estou ligado a White porque, por telefone, estou sempre falando. Por contrato, eu tenho que chegar na empresa às oito horas da manhã, mas às sete horas já estou lá. Então, chego e já tenho a minha rotina. Vou até a minha sala, abro o computador e saio para a área. Boto a mão no resumo e vou para o pátio. Eu já tenho os pontos do meu trajeto. Ali, eu vejo na trajetória todos os problemas que estão existindo ou aqueles que estão para acontecer e só vou retornar para a minha sala lá para as nove e meia, mais ou menos, para dar continuidade em algumas coisas. Toco o dia em reunião, visitar alguma manutenção externa. Volto e retomo a programação, tá? Meu horário é às dezesseis, dezessete horas. Eu só saio de lá mais tarde um pouquinho, às dezoito, dezoito e trinta, dezenove. Aí não tem horário. Mas a minha rotina é assim, porque não consigo ir embora deixando problema, justamente, por causa do que eu te falei. Sempre tem gente nova chegando, e eu não vou jogar a responsabilidade cem por cento para ele, porque ele está chegando, está aprendendo. Então, eu tenho aquele compromisso de estar fazendo a parte dele, enquanto ele não aprende, e a minha. Sempre foi assim e vai continuar até o dia em que eu sair.
P/1 – Agora eu fiquei curiosa. O senhor falou da questão de chegar, ver e antecipar os problemas que virão. Eu queria perguntar como acontece essa antecipação.
R – O problema de antecipar é porque o motorista, hoje, tem uma jornada acima de dez horas. E se ele atrasou na saída, ele vai atrasar na chegada. O estouro de jornada é muito complicado, porque está limitado por tempo de estouro. Então, até uma hora, esse estouro vai a uma hierarquia. Passou, vai escalonando. E o reflexo do atraso de manhã, lá na saída, vai estourar lá no final, porque ele não consegue chegar em um cliente, porque ele estourou, perdeu lá na frente. Então, você já antecipa. Vamos deixar aquele que saiu atrasado... Automaticamente, você tem de buscar o caminhão na estrada, trocando o motorista. Então, você já começa a antecipar e trabalhar para não acontecer o estouro de jornada. Porque você não tem um quadro de motoristas muito grande para substituir aquele que está estourando lá fora. E quando estoura, se você não tem mão de obra, o motorista tem de parar e ficar onze horas com o carro parado. Enquanto ele não fizer onze horas de descanso, ele não pode retomar, porque temos o cartão que controla ele. Ele inseriu o cartão, já começou a contar hora de trabalho. O cartão individual e a central identificam se aquele motorista já está em atividade e já começa a contar o tempo e já acompanhamos. Aquele que atrasou, vai trazer problema no final. E não pode, então, você tem de trabalhar.
P/1 – Senhor Marcio, quais foram as suas principais conquistas nesse tempo de White Martins?
R – Eu já tive várias conquistas, porque, nesse período em que estou dentro da empresa, passaram muitas pessoas como gestores e que não eram do segmento. Então, cada um que vem e que eu ensino é uma conquista minha, porque eu estou ali sempre passando, sempre ensinando. Eles vêm com conhecimentos, sim, mas não conhecem o CDL. O CDL é dinâmico e muito complexo. Não existe escola que vai te ensinar o que é um segmento de criogenia. É o prático, que você tem de viver. Eu fico muito feliz com muitos que já passaram na minha vida, é uma conquista minha poder estar passando os meus conhecimentos a essas pessoas, que, hoje, estão com um nível muito elevado dentro da empresa.
P/1 – E a relação com o pessoal da White Martins fora do trabalho? Momentos de lazer ou eventos, encontros?
R – Eu sou meio fechado. Tem piscina, nós fazemos encontro com os familiares dos motoristas, mas eu não sou muito de bastidor, não. Quando não estou no serviço, estou em casa. Quando eu não estou em casa, estou no serviço. Não sou de ir a muitos eventos. Quando tem, sim, eu participo, mas eu não sou de ficar procurando muito, não.
P/2 – Como é a festa do final do ano?
R – Com os familiares. Há dinâmicas para os meninos, para as mulheres, para os próprios motoristas. Festinha, palhaço para as crianças e tem para o marido e a mulher. Então, cada um vai criar um time, vai fazer isso, vai fazer aquilo, para integrar um com o outro. Mas é bacana, eles sentem falta quando não tem. As esposas cobram, porque é o único momento em que elas encontram com as esposas de todos e com as famílias. Muitos são amigos no dia a dia, mas nem todos são iguais, se encontram. Mas o dia do encontro é um momento em que eles... Vemos que isso valoriza muito a nossa empresa perante a família. A empresa, a White, conseguiu conquistar a mão de obra por meio desse encontro com os familiares, que ela faz uma vez por ano. Eu, principalmente, desde quando começou, sempre falo na minha apresentação: “Esse vai ser o meu último ano!”. E muitas mulheres falam: “Marcio, já tem mais de dez anos que o senhor falou que é o seu último ano!”. Eu falo: “Ainda bem que nós estamos juntos. Vamos embora! Mas é o meu último ano”. Às vezes até já contam, esperam eu falar que é o meu último ano. Então é bacana, muito bom o encontro dos familiares. Isso é bom, mas não podemos fazer eventos todos os dias, porque a nossa operação é vinte e quatro horas e não há condição de proporcionar para todos. Mas é bom.
P/1 – Seu Marcio, agora eu vou encaminhar a entrevista para a parte final, mas, antes, de querer saber algumas coisas pessoais do senhor, para conhecermos um pouquinho mais do senhor, eu queria te perguntar se teve alguma carreta, nesse tempo de White, que tenha sido mais especial, que o senhor tenha achado mais bonita.
R – Ah, sim! Sempre, porque nessa outra empresa de gás em que trabalhei, o proprietário era um português. Eu ainda não vi, até hoje, um proprietário de uma frota que cuidava dos caminhões da forma como ele cuidava. Ele é daqueles que iriam para a garagem no final de semana, pegava um balde, limpava e encerava. Botava veludo, tudo no interior do caminhão. Para-choque tinha de ser polido, brilhando. É uma frota linda! E eu aprendi com ele esse detalhe, a gostar de caminhão. Tanto que a minha frota de Contagem, apesar de ser velha, era uma frota que todo mundo falava: “Essa é de Contagem...”. Eu tinha um Scania. A frota dele era 44/64. Era um 111, mas esse caminhão saiu diferente dos outros. Era um caminhão que subia uma serra diferente dos outros, porque tinha força. Então, para tudo, eu me relaciono com o 44/64. Era um caminhão que tinha muita vontade... Nunca gostei de caminhão ímpar, porque eu achava que era muito fraquinho, tinha alguns problemas. Mas, então, tenho e tive essa afinidade. E uma caminhonete também que veio para trabalhar comigo, que eu tirei nova na concessionária e a White troca carro depois de um período. Eu nunca quis trocar a minha caminhonete. Passava carro novo, e essa caminhonete, a D-20 [modelo da Chevrolet], está, até hoje, lá na empresa. Ela é de 1986. Até hoje, continua na empresa. Chega um carro novo: “Ah, que chegou uma Saveiro nova!”. “Não, prefiro a minha caminhonete D-20.” E a D-20 rodou, rodou, e está até hoje na empresa. É um carro antigo, sendo que a White troca o carro a cada cinco anos. Tenho afinidades, sim, com equipamentos.
P/2 – Na sua casa, o senhor tem algum carro antigo?
R – Não, eu parei. Eu gostava de desmontar carro, botando ele no zero e começando. Sempre gostei. Mas chegou uma época, em que eu já trabalhava muito e para me dedicar a esse hobby de desmontar e montar, comecei a ficar um pouco cansado, porque não tinha hora para chegar em casa e ainda ia mexer, quando eu ia para dentro de casa já de manhã cedo e a mulher reclamava. Eu tive que começar a parar de mexer. Deixei de ficar transformando carro. Mas eu já mexi muito com peças, transformando carro. Dodge Dart para quilômetro de arrancada. Desmontar, reformar, mudar. Eu já gostei de descaracterizar. Hoje, não. Hoje, eu quero comprar novo para não mexer mais.
P/1 – Seu Marcio, o que aconteceu com o 44/64?
R – Foi um caminhão de outras fases da White que veio para substituir a frota antiga e continuou por duas gerações de troca de caminhões dentro da White. Vieram outros segmentos, que são o 113 [também da Scania]. Mas essa frota do 44/64 continuou. É um caminhão muito bonito, posudo. E esse é um caminhão de muitos, que conhecemos. Eu conheço muitos e temos lá hoje... Nós chegamos a ter setenta carretas. Hoje, temos cinquenta e quatro. Eu sei a frota de todos eles, tanto de cavalo, quanto de carreta, e conheço todos até no mínimo detalhe. Um arranhãozinho que tiver, eu fico sabendo, porque tenho esse contato, esse convívio. Mas é porque cuido e gosto, mas eu aprendi lá atrás. Por isso que eu sou chato. Sou considerado um pouco exigente porque, quando saio para fazer trabalho em outras unidades da White, que seria na transição, na troca de empresas, as pessoas já sabem que sou exigente. É o meu jeito. Ainda não encontrei alguém chato igual a mim.
P/1 – Por que que a White Martins faz a troca de frota a cada cinco anos?
R – Porque, depois de cinco anos, o caminhão já começa a apresentar problema. E como contratamos, hoje, uma empresa que trabalha para nós, e já está no contrato que temos de trocar a cada cinco anos para dar tranquilidade. Um caminhão quebrado não é bom para nós. Atraso... Desencadeia uma série de coisas. Então, com cinco anos está bom. Depois, já entra um mais novo e não vai quebrar.
P/2 – Voltando a falar um pouco de estrada, existe um departamento que planeja o que pode acontecer em determinada estrada, por ela ter determinadas características diferentes? Algumas são planas, outras são em montanhas, algumas têm curvas, outras têm comunidades em volta e, se acontecer um acidente em determinada região, a população pode ser afetada. Então, como é que vocês sabem o que é uma estrada, hoje, no Brasil e quem mantém vocês informados sobre isso?
R – Hoje, a White tem essa tecnologia embarcada, que é bem complexa, te dá muitas informações, um rastreador, o Seva [tacógrafo digital] que nós temos. Nós balizamos os trechos que nós achamos que são críticos. Então, hoje, o motorista não vai conduzir à revelia. Ele tem uma velocidade máxima limitada, que é setenta e cinco quilômetros por hora, em tempo seco. Em chuva, é sessenta quilômetros. Tem as áreas balizadas. O que é balizada? Você perguntou as condições da estrada. Temos um mapa do estado de Minas Gerais, onde os motoristas sabem os pontos críticos das estradas. Os pontos críticos, nós balizamos com a velocidade que achamos que ele deve trafegar naquele momento. Tem uma mensagem de voz, interna, que vai dizer ao motorista: “Reduza a velocidade! Velocidade trinta quilômetros!”. Então, se ele estiver a cinquenta e a velocidade máxima é trinta, ele tem que abaixar para trinta. Então, ele está, hoje, disciplinado por meio desse rastreamento, dessa tecnologia embarcada, o Seva. Hoje, nós colocamos, de Norte a Sul, os pontos críticos. Porque, em cada unidade, nós temos uma base com uma estrutura e um CDL. Naquele CDL, o responsável é o instrutor em fazer esse levantamento de pontos críticos na estrada. Então, a minha região é a mais montanhosa. São cinco instrutores e vinte motoristas. Então, temos um instrutor que é o focal e mais quatro para trazer as informações. Eu coloquei no meu carro este aparelho, o Seva, para saber onde anda aquele carro, se está funcionando e como funciona. Então, eu sei a situação. Então, eu estou passeando, indo ao trabalho de uma unidade para outra, de um Estado para o outro, trafegando naquele trecho que eu estou analisando, que é uma área crítica. Onde eu achar que há uma área crítica, eu anoto para pedir ao instrutor me contar. Então, hoje, estamos sob controle. Com chuva, temos um comportamento, e em tempo seco, temos outro comportamento. Não vamos mais ouvir falar em tombamento porque, se depender de investimento, de tecnologias e trabalho para indicar esses pontos críticos, se depender de nós, vamos estar fazendo.
É bacana isso. Vocês precisam ver. É uma mulher que fala no seu ouvido direto. Mas ela fala para te ajudar. E você começa a se conscientizar, a se familiarizar e começa a colocar em prática na sua maneira de conduzir. Hoje, não é como Fórmula 1. Você vai cadenciado, tranquilo. O corredor pode passar. O sistema começa a educar o motorista. Quando alguém vê a White Martins, fala: “Poxa, aquele ali, sim! Aquele ali sabe conduzir um caminhão”. Enquanto o outro passa como um doido, mas você não sabe se vai chegar lá. Esse é o problema...
P/1 – O que o senhor gosta de fazer fora do trabalho? O senhor é casado? Tem filhos? Conta um pouquinho da sua vida pessoal.
R – Eu tenho, sim. Eu sou casado há uns trinta e sete anos e tenho filhos, um casal. E esse casal, me deram netos. Uma filha me deu dois meninos, o Rafael e o Gustavo. E o meu filho me deu a Kenia... Não... A Rubia, a Rebeca e o Rian. Tenho cinco netos. Hoje, as fases... Estava falando da nossa vida, lá atrás, você começa com um pensamento. E ao longo do tempo, você vai mudando, porque tudo vai mudando, a família vai aumentando. Por exemplo, eu que não vi os meus filhos crescerem, agora, estou vendo os meus netos crescerem. Estou curtindo meus netos, então, quando não estou no trabalho, eu estou em casa, de preferência, porque eu sei que eles vão estar por lá. Gosto muito de... Gostava de dar uma dançadinha. Hoje...
P/1 – O que o senhor dançava?
R – Danço tudo, menos tango. Mas o resto eu danço de tudo, gosto. Sou muito caseiro. Muito caseiro mesmo...
P/1 – Senhor Marcio, tem mais alguma história, alguma coisa que o senhor gostaria de acrescentar?
R – Não, não. Como eu te falei. Eu não levo a vida com história, não. Eu procuro colocar sempre em prática, procuro fazer as coisas se tornarem reais em prol sempre de coisa boa, do desafio. Então, tudo para mim foi importante. Cada momento que eu vivo é importante.
P/1 – E como é para o senhor fazer parte da história de uma empresa que vai fazer cem anos no ano que vem?
R – Para mim, é gratificante, porque desde quando cheguei na empresa, eu fiz uma proposta, assumi um compromisso com uma pessoa da White, lá no início. Eu disse a ele que eu visto a camisa dele e da empresa. E essa camisa da empresa está comigo até hoje. A dele... Ele foi para a melhor, entende? Mas eu vesti. Estou até hoje, do mesmo jeitinho. Agradeço muito até, porque consegui pela White e pelo meu trabalho, trazer o meu filho e o meu genro para a White. Então, a minha família continua na White. Fico muito satisfeito. Só falo bem da White, porque ela é tudo. São trinta e cinco anos. Em março, completo trinta e cinco anos de trabalho dedicado, porque nunca faltei no serviço, nunca me afastei. E estou aí vinte e quatro horas por conta dela. Então, gosto muito da empresa.
P/1 – E o seu futuro e o da White Martins?
R – O meu futuro, só a Deus pertence. As pessoas, hoje, que são meus superiores sabem da minha proposta. E a minha proposta é continuar trabalhando, ou na White ou fora, porque vai chegar uma hora que vou ter que dar adeus. Mas eu não tenho intenção de parar, porque estou com sessenta anos ainda e tenho muita vontade de trabalhar. Então, eu falo: “Por que não na White?” Entende? Ou lá fora...
P/1 – E o que o senhor acha da White Martins comemorar os cem anos com um projeto de memória? De resgatar a história de vida das pessoas?
R – Muito bom! Porque eu, desde o primeiro dia que entrei, desde o primeiro mês, tenho o jornalzinho trimestral, semestral que a White faz... E eu não ia jogar fora. Agora, até antes de vir, levantei esse meu arquivo, dava para ver algumas coisas e eu vi muitas pessoas que eu nem me lembrava. E que, hoje, vai voltar na memória da empresa. Então, acho que isso é muito bom mesmo. Não deixa apagar uma história. Lá na nossa sala de reunião, temos pôsteres de quando começou, em 1900 e tanto, e parou em 1982, 1989. Acho que ela parou de trazer os pôsteres. Então, eu olho desde quando entrei em 1977 até hoje, que foi a minha fase. Acho bacana, acho muito bonito comemorar assim os cem anos. Os cem anos é uma marca que tem de ser comemorada por uma empresa vitoriosa, como é a White. É uma empresa vitoriosa, que está no mercado esse tempo todo. É pioneira, mas uma grande parte do mercado está na mão dela.
P/1 – E o que o senhor achou de ter dado essa entrevista? Ter vindo aqui?
R – Nossa senhora! É um prazer! Vocês são pessoas agradáveis. Eu escrevi lá atrás, no livro: “A todos vocês, nota mil!”. Vocês vão ver que eu estou dando para vocês nota mil (risos). Lá vai ficar um M.R, que é a minha marca.
P/1 – Então, senhor Marcio, muito obrigada pelo senhor ter conversado com a gente. Foi ótimo! Em nome do Museu da Pessoa, agradecemos a sua presença.
R – Obrigado!Recolher