Eu me chamo Olívio Jekupé, sou natural do Paraná e atualmente eu moro aqui na aldeia Krukutu, já faz vários anos, sou casado, minha mulher também é guarani e tenho cinco filhos e a gente vive nessa aldeia chamada Krukutu, que fica aqui na região de São Paulo, região de Parelheiros e sou es...Continuar leitura
Eu me chamo Olívio Jekupé, sou natural do Paraná e atualmente eu moro aqui na aldeia Krukutu, já faz vários anos, sou casado, minha mulher também é guarani e tenho cinco filhos e a gente vive nessa aldeia chamada Krukutu, que fica aqui na região de São Paulo, região de Parelheiros e sou escritor que o povo precisa saber um pouco sobre a gente, porque se não souberem, sofreremos grande golpe, que o Brasil foi invadido e de repente os brancos vão pensar que nós é que invadimos o Brasil.
Eu só lembro uma que ficou na história, porque eu morava em Curitiba e tinha uma índia, lá, na época, que veio de Santa Catarina e ficava lá na Casa do Índio e é de outro povo, eles são do povo xokleng. Daí eu a vi, uma índia muito bonita naquela época, né? E daí eu peguei e resolvi escrever uma poesia pra ela e ela não falava bem português. Daí eu peguei, declamei a poesia pra ela e falei assim: “Canta, canta, minha xokleng. Xokleng me canta”. Daí ela pegou e falou assim, naquele português rústico: “Você só escreve besteira?”
José de Alencar escreveu um livro chamado O Guarani que ficou famoso. Ficou tão famoso, que a Manchete resolveu escrever um filme, O Guarani. Aí eu morava em Curitiba, com essa família Kaingang que eu te falei, com a índia Xetá, que é filha dela, e daí elas: “Nossa! Já pensou a Manchete vai passar uma minissérie”, sei lá se era uma minissérie, alguma coisa, sobre O Guarani de José de Alencar. Eu falei: “Vamos tentar assistir”. O primeiro dia que nós fomos assistir o filme, não mexeu com a gente, a gente foi dormir, por quê? Porque não é a realidade do índio. Então, José de Alencar escreveu uma literatura indígena. Essa literatura indígena é preocupante, porque as pessoas inventam a história do índio, entendeu? Por isso que o índio tem que começar a escrever as suas histórias. Pra que daí a sociedade comece a entender melhor o índio e comece a valorizar. Agora, quando você escreve uma história que as pessoas inventam em cima das invenções dos outros, faz com que a sociedade crie mais preconceito ainda sobre a gente. Porque o preconceito já existe, e quando ele lê esses caras, daí faz com que o preconceito brilhe ainda mais na visão. Então, por isso que as pessoas falam assim: “Olha, vocês são assim e assim” “Nós somos assim, como? Não estou sabendo, não” “Mas eu vi no livro, fala que é assim” “Não estou sabendo”. Você entendeu? “Tal pessoa não sei o que, no livro fala isso”. E o cara vai e ainda fala assim pra gente: “Então vocês não são guaranis”. Você entendeu? E as doideiras dessa literatura indígena, que existe desde 1500, falando sobre o índio. Então, por isso que é importante valorizar o indígena que está ali na aldeia, que vive a sua realidade e daí, quando ele vai escrever uma história, ele escreve na visão indígena, mesmo, pra daí trazer esse conhecimento e fazer com que a sociedade respeite o índio, valorize, porque o índio tem que ser valorizado.
O meu primeiro livro foi um livro sobre a cidade que eu morei, que eu estava, quando eu te falei que eu fui morar na cidade chamada Leopólis. Eu, quando morei lá, fiquei impressionado que daí a cidade toda gostava de mim, era impressionante. Eu fiquei valorizado pela cidade. Nossa, foi uma coisa assim... é uma cidade que eu não esqueço. E daí, quando eu vim pra São Paulo, eu resolvi e falei assim: “Eu vou escrever um livro sobre essa cidade, porque eu fui tão bem recebido lá na cidade, que eu vou fazer o contrário de José de Alencar”. Eu falei assim: “Porque José de Alencar escreveu sobre o índio e eu vou fazer o contrário: agora eu vou escrever sobre o branco”. Daí eu resolvi escrever um livro de poesias onde eu falava sobre o chafariz, a praça, não sei o que, pessoas, professores, fui contando um monte de coisa. E daí eu resolvi escrever um livro em poemas, pra falar sobre a cidade, a importância de valorizar essa cidade,
E eu levei na gráfica e o depois de um tempo o homem me falou: Eu vi que você é um cara esforçado, rapaz. Você, lá da aldeia, vai e vem, correria pra lá e pra cá, seu esforço pra publicar um livro e eu resolvi dar uma ajuda pra você: 250 livros eu fiz 300, 50 a mais pra você de graça”. Eu falei: “Que beleza!” Daí eu voltei pra aldeia com os livros e cheguei lá e falei pra turma, pra aldeia, para o cacique: “Eu vou lançar um livro aqui”. Daí a cidade toda ficou sabendo que eu ia lançar o livro: “Então vamos lançar aqui, não sei o que, na cidade, na praça, não sei o que”. Eu falei: “Não, eu vou lançar o livro na aldeia, porque a gente tem que valorizar o nosso nome na aldeia. Se eu fizer aqui, daí eu vou ter que trazer a turma da aldeia pra cá, é outra realidade. Eu acho que nós temos que valorizar o nosso nome lá dentro. A aldeia tem que ser respeitada, tem que ser valorizada”.
A história que eu tinha escrito era a história de Ângelo Kretã, que era um líder, quando eu era garoto, em 1980 eu era garotão ainda, mais novo e a gente ouviu falar na imprensa, naquela época, eu morava no Paraná e no Paraná havia um grande líder Kaingang, que morava na região de Mangueirinha e esse líder ficou conhecido no Brasil todo, porque ele se tornou um grande líder, um grande revolucionário da história indígena e ele se tornou o primeiro vereador do Brasil. E daí o povo ficou impressionado: um índio vereador? Então, ele é antes de Juruna. Então, ele ficou conhecido no Brasil, porque um índio vereador, lutando pela causa e de repente ele ficou muito conhecido, por causa das lutas indígenas, contra os grandes fazendeiros. E daí, de repente, prepararam uma cilada contra ele na época. Então, a gente era pequeno, a gente ouviu comentário: “Morreu Ângelo Kretã, foi assassinado, foi morto em uma emboscada”. E eu era garoto, ficava escutando aquilo e eu ficava assim: “Caramba, a gente tem que escrever uma história, pra gente mostrar pra essa cidade que nós temos líderes que são assassinados no Brasil e os livros de História não mostram essas coisas, só mostram dia 19 de abril, Dia do Índio, não sei o que, enfeitar as crianças”. Eu achava que nós, indígenas, poderíamos escrever essas histórias críticas. Mas era uma história linda, pra tentar mostrar essa história verdadeira que aconteceu com um líder que foi assassinado. Então eu peguei essa história e transformei, na realidade, uma história que quando eu morava em Curitiba, no final dos anos 80, com uma índia chamada Belarmina e, por coincidência, ela morreu faz três meses agora, ela morreu esse ano e eu morava com essa índia lá e eu estava estudando em Curitiba e eu morava com ela e umas filhas dela e daí, eu contando um dia sobre Ângelo Kretã, porque essa Belarmina era cunhada do falecido Ângelo Kretã. Daí ela falou: “Olívio, como você gosta de contar história, eu vou contar uma história pra você, que é a história do Ângelo Kretã” e ela começou a contar a história do Ângelo Kretã, como foi toda essa coisa, acontecimento, dele ter ido pra uma aldeia e depois voltar e os carros o pegarem e tudo como foi planejado, a cilada que fizeram contra ele e daí ela conta a história sobre a morte do Kretã. E daí contou quando foi para o hospital, o velório, tudo ela contou e daí eu resolvi transformar em uma literatura, pra que essa literatura chegasse nas escolas. Por quê? Porque o Brasil tem o costume de falar sobre os seus líderes, porque todo mundo tem seus mitos, você entendeu? Só que as pessoas não contam, porque não é bom, a sociedade não quer que a sociedade saiba. Então, as pessoas matam índios e depois matam a história dele também. Então, isso é uma coisa triste que, desde pequeno, eu comecei a pensar nessas coisas, que a gente tem nossos mitos também, nossos líderes, que a gente tem que continuar mostrando a história. Ele foi assassinado, mas temos que mostrar pra sociedade, pra que ele não seja morto duas vezes, porque mesmo depois de enterrado, mata-se a história dele. Então, por isso eu resolvi e falei: “Vou escrever a história do Ângelo Kretã”. Por quê? Porque você vem na cidade e você vê uma pessoa com a camisa do Che Guevara. Por quê? Porque ele é um líder respeitado mundialmente. Você vai e vê uma mulher, de repente, com a camisa... vamos dar exemplo de Nossa Senhora. É um mito pra ela. Outra com a camisa de Jesus Cristo. De repente você vê outra pessoa, com a camisa de Martin Luther King, dos Estados Unidos. Então, às vezes é um negro carregando essa camisa, porque é um símbolo pra ele. Depois você vê uma pessoa humilde, que tem pessoas humildes que seguem essa coisa e falam: “Eu estou com uma camisa do Mahatma Gandhi”. Então, essas pessoas estão vivas, porque a sociedade faz com que ela continue viva.: “Mata-se o índio e depois mata a história. Já que matou o índio, pelo menos a história a gente tem que deixar viva, como Sepé Tiaraju; Marcel Tupãí, que foi assassinado; Galdino que foi queimado em Brasília, entendeu? Essas histórias não pode esquecer”. Então, isso é memória: é você não deixar um assassinato ser cometido duas vezes. Isso é memória, pra mim.Recolher